domingo, 19 de maio de 2024
quinta-feira, 16 de maio de 2024
A poesia é necessária?
Radiografia social
Henrique Duarte Neto
Jamais tantos néscios
passaram por sábios...
Ou, ao menos, gritaram,
ergueram a voz,
discursaram – tais quais
brilhantes oradores.
Tempos de imbecilidade
coletiva,
em que se dá voz
aos insensatos!
Quiçá, o último estágio
antes da ruína final!
terça-feira, 14 de maio de 2024
Filhos, sempre prioridade
Pedro Lucas Lindoso
Há uma
quantidade enorme de crônicas, depoimentos, poemas, canções e textos em geral
homenageando as nossas mães. Mês de maio, mês das mães. Um domingo só delas e
para elas. Homenageá-las por meio da escrita é fácil. O difícil é ser original,
sem ser piegas e ainda emocioná-las. Nossas queridas mães e leitoras. Uma
tarefa bem difícil. Mas é preciso sempre expressar amor por elas. Sempre.
Vou
começar as loas pela minha saudosa mãe. Ela começava a mimar e amar seus filhos
assim que se descobria gestante. Fazia sapatinhos, luvas e casaquinhos de tricô
como ninguém. Teve sete filhos. Todos amamentados e cuidados como se fossem
únicos. Sem jamais deixar de ser parceira e apoiadora incondicional de meu pai
em tudo e por tudo.
Minha
esposa Vera é uma mãe e avó devotadíssima. Quando nossos filhos eram pequenos,
Vera organizava, com meses de antecedência, as festas de aniversário. Decoração
esmerada, personagens infantis, além de muito brigadeiros e quitutes diversos.
Sempre um sucesso.
Marina,
nossa filha, esperou bastante pela chegada da Catarina. Nossa Senhora ouviu
suas preces e nossa princesinha chegou linda e perfeitinha. E pasmem, Catarina
era uma bebezinha de três meses. Surpresa! Isadora resolveu que chegaria também
para a família. Hoje Marina toma conta de não só uma, mas duas bebezinhas.
Mamãe em dose dupla. De amor e de trabalho.
Dona
Nice foi minha secretária na EMBRATUR em Brasília. Teve seu filho Rafael
acidentado brincando com álcool. O garoto ficou com o corpo bastante queimado.
Com nossa ajuda, levou o rapazinho para um hospital especializado em Goiânia.
Dona Nice foi uma heroína. Ela moveu céus e a terra para que seu filho tivesse
o melhor tratamento e se recuperasse. O diagnóstico inicial não era dos
melhores. Mas ela lutou e conseguiu recuperar a saúde do filho. O garoto hoje é um brilhante jovem advogado.
A
Princesa de Gales, Katherine, será a futura Rainha da Inglaterra. A jovem mãe escondeu
da Imprensa mundial e de todo o Reino Unido que estava com um grave problema de
saúde. O objetivo era preservar seus filhos. São bem crianças os jovens
principezinhos. A princesa necessitava de tempo para prepará-los para a grave
notícia. Katherine é muito querida em toda a Inglaterra. A notícia seria
impactante e pegaria as crianças despreparadas. Era preciso poupá-las. E
conseguiu.
É
conhecida a história da mãe do soldado displicente. Ao ver seu filho marchando
fora do passo, acreditou que todo o batalhão marchava errado. Seu filho era o
único no passo certo.
Elas
podem ser psicólogas, primeiras damas, secretárias, trabalhadoras ou rainhas.
Filhos são prioridades. Filhos estão sempre nos pensamentos das mamães. Em
momentos de amor ou na dor. FELIZ DIA DAS MÃES.
domingo, 12 de maio de 2024
quinta-feira, 9 de maio de 2024
A poesia é necessária?
Psicologia da composição
João Cabral de Melo Neto (1920-1999)
I
Saio de meu poema
como quem lava as mãos.
Algumas conchas tornaram-se,
que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.
Talvez alguma concha
dessas (ou pássaro) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu;
talvez, como a camisa
vazia, que despi.
II
Esta folha branca
me proscreve o sonho,
me incita ao verso
nítido e preciso.
Eu me refugio
nesta praia pura
onde nada existe
em que a noite pouse.
Como não há noite
cessa toda fonte;
como não há fonte
cessa toda fuga;
como não há fuga
nada lembra o fluir
de meu tempo, ao vento
que nele sopra o tempo.
III
Neste papel
pode teu sal
virar cinza;
pode o limão
virar pedra;
o sol da pele,
o trigo do corpo
virar cinza.
(Teme, por isso,
a jovem manhã
sobre as flores
da véspera.)
Neste papel
logo fenecem
as roxas, mornas
flores morais;
todas as fluidas
flores da pressa;
todas as úmidas
flores do sonho.
(Espera, por isso,
que a jovem manhã
te venha revelar
as flores da véspera.)
IV
O poema, com seus cavalos,
quer explodir
teu tempo claro; rompendo
seu branco fio, seu cimento
mudo e fresco.
(O descuido ficara aberto
de par em par;
um sonho passou, deixando
fiapos, logo árvores instantâneas
coagulando a preguiça.)
V
Vivo com certas palavras,
abelhas domésticas.
Do dia aberto
(branco guarda-sol)
esses lúcidos fusos retiram
o fio de mel
(do dia que abriu
também como flor)
que na noite
(poço onde vai tombar
a aérea flor)
persistirá: louro
sabor, e ácido
contra o açúcar do podre.
VI
Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;
não a forma obtida
em lance santo ou raro,
tiro nas lebres de vidro
do invisível;
mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,
aranha; como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.
VII
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.
São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.
É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.
É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
da palavra escrita.
VIII
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas.
(A árvore destila
a terra, gota a gota;
a terra completa
caiu, fruto!
Enquanto na ordem
de outro pomar
a atenção destila
palavras maduras.)
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:
então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome;
onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio.
terça-feira, 7 de maio de 2024
Das penteadeiras ao camarim
Pedro Lucas Lindoso
Escrevi
uma crônica sobre o petisqueiro de minha avó. Muitas pessoas amigas sugerem
temas ao cronista. Depois da crônica do petisqueiro algumas garotas de minha
geração sugeriram que eu fizesse uma crônica sobre penteadeiras.
Eu
então resolvi pedir a algumas conhecidas que falassem sobre suas penteadeiras.
As respostas foram bem interessantes.
Uma delas me disse que herdou uma penteadeira antiga, linda, com espelho
que balançava. Depois confessou que a tinha vendido para um antiquário. O
motivo: não coube no seu novo apartamento.
Outra
me contou que sua penteadeira saiu de moda. O móvel atualmente se encontra num
sítio da família. Alguns relatos foram coincidentes. Os espelhos sempre
aparecem como objeto de destaque nos depoimentos. Muitas descreveram os
espelhos assim:
“As
penteadeiras tinham um espelho central e dois laterais que eram presos ao
central. De modo que se podia movê-los para perto do rosto. Assim, era possível
se ver os cabelos e os respectivos penteados da parte posterior da cabeça.
Tanto de um lado, como do outro.”
Nas
gavetas se colocavam grampos, laços, presilhas e fitas. Nessas gavetas também
eram guardados os produtos para maquiagem. Geralmente, um batom claro e um
pouco de “rouge”. Depois o tal “rouge” passou a ser chamado de “blush”. Nos
olhos, somente uma leve sombra, que hoje se chama “eye shadow”. Tudo muito discreto, como cabia a uma moça de
família.
Em cima
das penteadeiras, bem em frente ao espelho central, ficavam o talco e o perfume
da época. Uma delas confessou que usava um chamado de “Alma de Flores”, até
hoje presente nas farmácias.
Para a
grande maioria, o importante sempre foi o espelho, repita-se. Sem esquecer a
banqueta, que dava conforto, não só para se pentear, como para se maquiar –
“sempre sentadas”, explicou-me uma delas.
O espelho deveria ser bisotado ou “bisotê”. São espelhos que não
deformam a imagem, ainda que se mire de longe.
Muitas
penteadeiras foram transformadas ou desmembradas. Ou mudaram de função. Como a
de uma ilustre advogada cuja antiga penteadeira adorna a sua sala, onde coloca
porta-retratos com fotos das pessoas que lhe são queridas. As que foram
desmembradas, em sua maioria, ficam sem
os espelhos, realocados em outro ponto da casa.
Aliás, as penteadeiras, contudo, sempre
existiram e não acabarão jamais. No quarto de moças e senhoras privilegiadas de
nossos dias existe um móvel modulado com espelho e gavetas que se chama
camarim. Elas não vivem sem espelhos. Ainda bem.
domingo, 5 de maio de 2024
sexta-feira, 3 de maio de 2024
Usina Literária, com Zemaria Pinto
Usina Literária, podcast apresentado por Luiz Eduardo de Carvalho.
Acesse pelo Spotfy, clicando sobre a figura ou aqui:
quinta-feira, 2 de maio de 2024
A poesia é necessária?
Meu pranto
José Seráfico
É
para você o meu pranto
e...
para
mim também
para
e por Marielle
também
choro
mal
entrara na luta
que
tanta vida
tem
ceifado
tanta
amargura
multiplicado
tanto
ódio cultivado
meu
lamento se faz
diante
da música
que
já não tem
som
algum
perdido tiro
dos
oitenta disparados
calou
de vez o instrumento
e
a vida que ali
jaz
É
também por Vlado
que
meus olhos
vertem
água
por
sua falsa gravata
guilhotina
adequada aos tempos
de
terror
porque
amar dói
códigos
malditos
ódios
desatados
porões
infectados
das
piores (des)humanas
moléstias
merece
minhas lágrimas
não
tenho como negá-las
como
retê-las
muito
menos
as
chamas que deram
fim
a Ney Lopes
os
fuzis
de
Carandiru e os
fuzilados
camponeses
em
busca do Eldorado
cujas
caras e tudo
mais
jazem
no
buraco mais alto
foi
tudo quanto restou
Que
Frei Tito
ouça
meu langor
esteja
onde (onde?)
estiver
o que de
Rubens
restou
saibam
quanto deploro
a
partida de Dorothy Stang
o
jogo perdido por
Chico
Mendes
por
eles
(e
quantos mais)
é
que choro
saudoso
mais que
triste
sem
ódio
nenhum
rancor
as
lágrimas rolam
pela
impossibilidade
do
amor.
terça-feira, 30 de abril de 2024
Questão de fé
Pedro Lucas Lindoso
Recebo
um telefonema de minha querida tia Idalina. Pergunta-me como vou passando.
Disse a ela que ando muito cansado. Estou passando por um longo período de
convalescença. Não tem sido fácil superar um sério problema de hérnia cervical
o qual me levou a operar a coluna.
Disse a
titia que o problema de saúde que enfrento me abalou muito fisicamente. E
também me abalou espiritualmente. Tenho questionado minha fé em Deus. Foi então
que lhe perguntei. A senhora nessa idade ainda acredita em Deus?
Ela
sorriu e me deu uma grande lição. Disse-me que acredita num Deus que se faz
presente em Jesus. O Jesus que perdoa e liberta. O Jesus que vai à casa do
fariseu Simão. Lá, uma mulher pecadora sorrateiramente perfuma os pés de Jesus.
Trata Jesus com todo carinho. Jesus acolhia os pecadores. O Papa Francisco
pediu aos padres para não deixar de abençoar casais divorciados, homoafetivos
ou em situação irregular perante os cânones da Igreja.
Esse é
o Deus em que acredito. O Deus que acolhe e não discrimina. Me disse ela. O Deus que se manifesta no
Jesus que gosta de vinho. Que fez o milagre nas bodas de Caná. Um Deus que
gosta de perfume, vinho e festas.
Um Deus
que se apresenta feliz. Um Deus que louva o amor. Um Deus que providenciou o
melhor vinho para o final naquela festa de casamento, em Betânia. Festa de
casamento tem sempre dança. Um Deus que
dança. Um Deus que esbanja contentamento. Enfim, um Deus que liberta. Um Deus
verdadeiramente de amor. Não um Deus que mete medo. Que apavora.
Vejo Deus
como uma força procriadora. Ao mesmo tempo Pai e Mãe de todo o universo. Não o
concebo, portanto, como um velhinho de barba branca. Meu Deus está sempre
mirando sua divina luz sobre nós. Sempre nos abençoando. Dando a nós o que
necessitamos. O pão e o entendimento. Nos livrando de coisas superficiais e
ilusórias.
Pedi à
Tia Idalina para me emprestar ou me ceder esse Deus tão bom e sublime. E ela me
respondeu:
– Está
a sua disposição. Primeiro, você deve procurar ver e conhecer esse Deus com
clareza. Depois, é importante segui-lo e finalmente amá-lo. Em retorno ele irá
abençoar você. E mais! Sob a direção divina o caminho é sempre do amor, da
sabedoria e da serenidade. E uma questão de fé. Só isso.
domingo, 28 de abril de 2024
quinta-feira, 25 de abril de 2024
A poesia é necessária?
Tristeza
Astrid
Cabral
Quis lavar a
tristeza
no manancial
da vida.
Então enxuguei
os cílios
em panos de
cambraia.
Sobre o
sorriso amarelo
acrescentei
no rosto
o realce do
carmim.
Coloquei
minha tristeza
numa cadeira
de rodas
e empurrei-a
rua afora.
Porém a
tristeza tem
cabeça de
medusa
e fundo
aparafusa.
Não há como
pentear-
lhe o
emaranhado mar.
terça-feira, 23 de abril de 2024
O petisqueiro
Pedro Lucas Lindoso
Um dos
mais icônicos móveis que havia na casa de minha avó era o petisqueiro. Não
confundir petisqueiro com petisqueira. Petisqueiras são bandejas próprias para
servir petiscos. Normalmente, são grandes pratos com divisórias. Em cada
divisória se serve um petisco diferente tais como azeitonas, amendoins ou
castanhas, salgadinhos e que tais.
O
petisqueiro não é isso! O petisqueiro é um móvel. Um armário onde se guardavam
viandas, quitutes, guloseimas, biscoitos, frutas e quitandas em geral. Em Minas
Gerais e em Brasília usa-se muito a palavra quitandas. Quitandas no sentido de pastelaria e salgados
caseiros.
Para
nós, amazonenses, quitanda é o local ou estabelecimento onde se vendem legumes,
verduras, ovos, galinhas, carvão etc.
Minha mãe era freguesa de uma quitanda bem sortida na avenida Joaquim
Nabuco. Isso nos anos de 1960 do século passado.
Mas
voltemos ao petisqueiro. Em alguns locais é conhecido como guarda-comida. Os
petisqueiros saíram de moda ou perderam sua utilidade, acredito eu, com a
chegada das geladeiras. Sem querer ser saudosista. Uma pena!
Os
petisqueiros eram móveis repletos de magia para muitos meninos e meninas. Pelo
menos foi para mim. Em especial o petisqueiro que tinha na casa de minha avó.
Magia esta que a geladeira não tem. E nunca terá.
O
petisqueiro de minha avó tinha um delicioso cheiro de abricot. Ou abricó.
Possivelmente a fruta favorita de minha vozinha. Abricó da Amazônia, também
conhecido como abricó-selvagem, é uma árvore que atinge mais ou menos seus
vinte metros de altura. Seu tronco é curto e bastante grosso. O fruto, o
gostoso abricó, é uma baga, como dizem os botânicos. Carnoso e sumarento.
Além de
abricós, guardavam-se mangas e jambos. Todos do grande quintal da chácara da
então Vila Municipal. Havia ainda um pequeno estojo de porcelana azul. Vovó
guardava ali seu dinheirinho proveniente da venda de frutas, principalmente de
mangas. Ela as vendia escondido. Não precisava daquilo. Mas não abria mão. No
petisqueiro também escondia cigarros. Outra coisa que ela fazia escondido era
fumar. Eu era seu cúmplice.
No
petisqueiro também se guardavam velas e uma caixa de fósforos. Usados para
quando faltava energia. E também um baralho. Uma das distrações de vovó era
jogar paciência. Um certo jogo de cartas também conhecido como solitário. Encontrado
frequentemente nos computadores. Aprendi a usar o mouse jogando paciência no
computador. Só lembrava de minha avó.
Oura
coisa que tinha no petisqueiro era incenso. Desses, do tipo indiano, com cheiro
de sândalo. Conclui-se que o petisqueiro de minha avó já tinha extrapolado
mesmo a sua antiga função de guarda-comida. Mas, além das frutas, o petisqueiro
ainda era lugar de se guardar bolos e sucrilhos.
A casa de minha avó não existe mais. O
petisqueiro desapareceu. Mas o cheiro do abricó continua vivo na memória
daquele menino.
domingo, 21 de abril de 2024
Manaus, amor e memória DCLXVII
quinta-feira, 18 de abril de 2024
A poesia é necessária?
distopias
Marta Cortezão
Pueden dispararle a mi cuerpo,
pero no pueden disparales a mis
sueños.
(Malala Yousafzai)
já não me serve
a desmedida do olhar
não me serve a crueza
que dilacera verdades
e mentiras tão óbvias
em minhas trêmulas carnes
não me serve a mão
manchada de sangue
que mutila sonhos imensos
não me serve a demagogia
que devora humanidades
o que me serve
é o que me sente
a dor que me (des)veste
é este elo benévolo
perdido no tempo
este coração humano
raquítico e doente
gritando no peito
a dor insana
de ser gente
terça-feira, 16 de abril de 2024
Eclipses
Pedro Lucas Lindoso
Um
colega de Brasília, oficial militar, está servindo em São Gabriel da Cachoeira.
O distrito de Cucuí fica a cerca de 200km de São Gabriel. O Exército tem
presença importante por lá. Cucuí é uma grande pedra. Fica na margem esquerda
do Rio Negro, na tríplice fronteira Brasil-Venezuela-Colômbia.
Meu
amigo brasiliense está encantado com a região. Eventualmente, me manda e-mails
relatando a sua experiência no local. São Gabriel é um município
predominantemente indígena. A comunicação só não é mais precária devido à
presença do Exército. O local fica acima da linha do Equador. Portanto, está
obviamente localizado no Hemisfério Norte.
No
último dia oito de abril houve um eclipse solar total visto somente no
Hemisfério Norte. Mais precisamente nos Estados Unidos e parte da Europa. Por
uma pitoresca falha de comunicação alguém espalhou que o fenômeno seria visto
também pelas bandas de São Gabriel da Cachoeira e adjacências. Mais
precisamente do alto da Pedra de Cucuí.
Mesmo
com as explicações e desmentidos, parte da pequena população acreditou que o
sol iria desaparecer pela manhã daquela segunda-feira. O que, obviamente, não
aconteceu.
O povo
do interior fica muito impressionado com esses fenômenos. O luar é de grande importância
para os habitantes de seringais. O seringueiro vai para a mata pela noite
cortar a seringueira e colher o látex. Um eclipse total da lua pode assustar
aqueles que, por falta de instrução, desconhecem o fenômeno. A lua não pode
“dormir”. E o sol também não pode sumir durante o dia.
No seringal
Vencedor, que foi propriedade de meu avô, tanto um certo eclipse lunar quanto
um solar deram o que falar durante muitos anos. Estórias e relatos perpassaram
gerações.
No
eclipse lunar, a lua desapareceu na hora em que os seringueiros entravam pela
mata. Foi uma gritaria só. As mulheres batiam panelas e de joelhos clamavam aos
céus para a lua não morrer.
No
eclipse solar total, ocorrido há muitos anos, o furdunço foi ainda maior. As
galinhas ficaram alvoroçadas e se recolheram para dormir. As araras e tucanos
interromperam seus voos majestosos e os passarinhos em geral silenciaram.
Aliás, a mata ficou em total silêncio. Os grilos se manifestaram. E, de
repente, as sombras das árvores obedeceram novamente às determinações da luz do
sol. E voltaram com seu frescor quando o fenômeno terminou e o sol voltou a
brilhar novamente.
Segundo
o Google, o próximo eclipse total solar visível no Brasil ocorrerá em agosto de
2026. Cucuí pode esperar!
domingo, 14 de abril de 2024
quinta-feira, 11 de abril de 2024
A poesia é necessária?
A pantera
Jorge Luis Borges (1899-1986)
Atrás das fortes grades a pantera
Repetirá o enfadonho itinerário,
Que é (mas não sabe) seu fadário
De negra joia, aziaga e prisioneira.
Vão e vem aos milhares, em desfiles
Infindáveis, mas é só uma e eterna
A pantera fatal em sua caverna
Traça a reta que um eterno Aquiles
Traça no sonho que sonhou o grego.
Não sabe que há prados e montanhas
De cervos cujos trêmulas entranhas
Deleitariam seu apetite cego.
Em vão é vário o orbe. A jornada
Que cumpre cada qual já foi fixada.
Tradução: Josely Vianna Baptista
terça-feira, 9 de abril de 2024
De verdade?
Pedro Lucas Lindoso
Segunda-feira
passada, li um edital de licitação para restauro total do Centro Histórico de
Manaus. O projeto apresentado no edital representa um antigo desejo dos
amazonenses.
Terá,
indiscutivelmente, grandioso apelo turístico. Visa transformar o Centro de
Manaus. Um retorno a arquitetura predominante no auge do Ciclo da Borracha. Uma
volta à Belle Époque.
O ponto
de partida é o Largo de São Sebastião. Descendo a Rua Costa Azevedo, indo pela
Rui Barbosa até a Praça da Polícia. Incluindo o antigo “miolo da Zona Franca”
até o Hotel Amazonas. Subindo à esquerda até os Remédios e descendo novamente
por toda a área da Joaquim Nabuco e adjacências. Na parte oeste, o projeto
partiria desde a Ilha de São Vicente, inclusive o Porto, a Catedral e a Eduardo
Ribeiro. Em princípio, todo o Centro Histórico
ficaria no mesmo padrão do entorno do Largo.
Fiz uma
visita a Curaçao. Uma bela ilha caribenha de colonização holandesa. A arquitetura da ilha é típica dos países
baixos. Predominam prédios coloniais holandeses. Todos restaurados e bem
conservados. A gente sempre se pergunta: por que Manaus não é assim?
Existem
experiências de restauro de grandes áreas urbanas no Brasil. Me veio à mente o
grande restauro do Pelourinho em Salvador, na Bahia. Uma amiga arquiteta
brasiliense me disse que o projeto original foi da arquiteta italiana Lina Bo Bardi. A princípio,
o projeto procurava preservar as relações sociais e a cultura ali existentes.
As
coisas não saíram exatamente como a famosa arquiteta desejara. Todavia, nos
anos de 1990 se iniciou um projeto de intervenção chamado "Programa de
Recuperação do Centro Histórico de Salvador". O projeto direcionava o Pelourinho para o seu
potencial turístico e econômico.
Muitos
acreditam que o centro histórico de Manaus tenha o mesmo potencial voltado para
o turismo, a famosa indústria sem chaminé. Os estudiosos apontam erros e
acertos no projeto de Salvador. Que Manaus possa aproveitar-se dos acertos e
evitar os erros. Houve desapropriações, investimentos de diversas fontes e
claro, muita polêmica. O fato é que a área ficou uma beleza e de grande apelo
turístico.
E
recebeu prêmios. A restauração do centro histórico do Pelourinho, recebeu, há
alguns anos, o Prêmio Internacional Reina Sofía de Conservação e Restauração do
Patrimônio Cultural, concedido pelo Ministério de Assuntos Exteriores da
Espanha. O prêmio valoriza projetos para a conservação e a restauração do
patrimônio histórico e cultural.
O
restauro do centro de Manaus prevê reconstrução de prédios e fachadas já
destruídas, como a do Cine Guarany. Prédios na antiga Berlim Oriental foram
recentemente reconstruídos com as fachadas de antes da guerra. Tudo é possível
com a moderna tecnologia, fotos e etc.
Ah, segunda-feira
passada foi primeiro de abril. O tal edital de restauro do nosso centro é uma
pegadinha de dia da mentira. Será que um dia sai? De verdade?
sábado, 6 de abril de 2024
quinta-feira, 4 de abril de 2024
A poesia é necessária?
Augusto dos Anjos (1884-1914)
I
Como uma cascavel que se enroscava,
A cidade dos lázaros dormia...
Somente, na metrópole vazia,
Minha cabeça autônoma pensava!
Mordia-me a obsessão má de que havia,
Sob os meus pés, na terra onde eu
pisava,
Um fígado doente que sangrava
E uma garganta de órfã que gemia!
Tentava compreender com as
conceptivas
Funções do encéfalo as substâncias
vivas
Que nem Spencer, nem Haeckel
compreenderam...
E via em mim, coberto de desgraças,
O resultado de bilhões de raças
Que há muitos anos desapareceram!
II
Minha angústia feroz não tinha nome.
Ali, na urbe natal do Desconsolo,
Eu tinha de comer o último bolo
Que Deus fazia para a minha fome!
Convulso, o vento entoava um
pseudo-salmo,
Contrastando, entretanto, com o ar
convulso
A noite funcionava como um pulso
Fisiologicamente muito calmo.
Caíam sobre os meus centros nervosos,
Como os pingos ardentes de cem velas,
O uivo desenganado das cadelas
E o gemido dos homens bexigosos.
Pensava! E em que eu pensava, não
perguntes!
Mas, em cima de um túmulo, um
cachorro
Pedia para mim água e socorro
À comiseração dos transeuntes!
Bruto, de errante rio, alto e
hórrido, o urro
Reboava. Além jazia aos pés da serra,
Criando as superstições de minha
terra,
A queixada específica de um burro!
Gordo adubo da agreste urtiga brava,
Benigna água, magnânima e magnífica,
Em cuja álgida unção, branda e
beatífica,
A Paraíba indígena se lava!
A manga, a ameixa, a amêndoa, a
abóbora, o álamo
E a câmara odorífera dos sumos
Absorvem diariamente o ubérrimo húmus
Que Deus espalha à beira do teu
tálamo!
Nos de teu curso desobstruídos
trilhos,
Apenas eu compreendo, em quaisquer
horas,
O hidrogênio e o oxigênio que tu
choras
Pelo falecimento dos teus filhos!
Ah! Somente eu compreendo,
satisfeito,
A incógnita psiquê das massas mortas
Que dormem, como as ervas, sobre as
hortas,
Na esteira igualitária do teu leito!
O vento continuava sem cansaço
E enchia com a fluidez do eólico
hissope
Em seu fantasmagórico galope
A abundância geométrica do espaço.
Meu ser estacionava, olhando os
campos
Circunjacentes. No Alto, os astros
miúdos
Reduziam os Céus sérios e rudos
A uma epiderme cheia de sarampos!
III
Dormia embaixo, com a promíscua
véstia
No embotamento crasso dos sentidos,
A comunhão dos homens reunidos
Pela camaradagem da moléstia.
Feriam-me o nervo óptico e a retina
Aponevroses e tendões de Aquiles,
Restos repugnantíssimos de bílis,
Vômitos impregnados de ptialina.
Da degenerescência étnica do Ária
Se escapava, entre estrépitos e
estouros,
Reboando pelos séculos vindouros,
O ruído de uma tosse hereditária.
Oh! Desespero das pessoas tísicas,
Adivinhando o frio que há nas lousas,
Maior felicidade é a destas cousas
Submetidas apenas às leis físicas!
Estas, por mais que os cardos grandes
rocem
Seus corpos brutos, dores não
recebem;
Estas dos bacalhaus o óleo não bebem,
Estas não cospem sangue, estas não
tossem!
Descender dos macacos catarríneos,
Cair doente e passar a vida inteira
Com a boca junto de uma escarradeira,
Pintando o chão de coágulos sanguíneos!
Sentir, adstritos ao quimiotropismo
Erótico, os micróbios assanhados
Passearem, como inúmeros soldados,
Nas cancerosidades do organismo!
Falar somente uma linguagem rouca,
Um português cansado e
incompreensível,
Vomitar o pulmão na noite horrível
Em que se deita sangue pela boca!
Expulsar, aos bocados, a existência
Numa bacia autômata de barro,
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência!
Querer dizer a angústia de que é
pábulo,
E com a respiração já muito fraca
Sentir como que a ponta de uma faca,
Cortando as raízes do último
vocábulo!
Não haver terapêutica que arranque
Tanta opressão como se, com efeito,
Lhe houvessem sacudido sobre o peito
A máquina pneumática de Bianchi!
E o ar fugindo e a Morte a arca da
tumba
A erguer, como um cronômetro gigante,
Marcando a transição emocionante
Do lar materno para a catacumba!
Mas vos não lamenteis, magras
mulheres,
Nos ardores danados da febre hética,
Consagrando vossa última fonética
A uma recitação de misereres.
Antes levardes ainda uma quimera
Para a garganta onívora das lajes
Do que morrerdes, hoje, urrando
ultrajes
Contra a dissolução que vos espera!
Porque a morte, resfriando-vos o
rosto,
Consoante a minha concepção vesânica,
É a alfândega, onde toda a vida orgânica
Há de pagar um dia o último imposto!
IV
Começara a chover. Pelas algentes
Ruas, a água, em cachoeiras
desobstruídas,
Encharcava os buracos das feridas,
Alagava a medula dos Doentes!
Do fundo do meu trágico destino,
Onde a Resignação os braços cruza,
Saía, com o vexame de uma fusa,
A mágoa gaguejada de um cretino.
Aquele ruído obscuro de gagueira
Que à noite, em sonhos mórbidos, me
acorda,
Vinha da vibração bruta da corda
Mais recôndita da alma brasileira!
Aturdia-me a tétrica miragem
De que, naquele instante, no
Amazonas,
Fedia, entregue a vísceras glutonas,
A carcaça esquecida de um selvagem.
A civilização entrou na taba
Em que ele estava. O gênio de Colombo
Manchou de opróbrios a alma do mazombo,
Cuspiu na cova do morubixaba!
E o índio, por fim, adstrito à étnica
escória,
Recebeu, tendo o horror no rosto
impresso,
Esse achincalhamento do progresso
Que o anulava na crítica da História!
Como quem analisa um apostema,
De repente, acordando na desgraça,
Viu toda a podridão de sua raça...
Na
tumba de Iracema!...
Ah! Tudo, como um lúgubre ciclone,
Exercia sobre ele ação funesta
Desde o desbravamento da floresta
À ultrajante invenção do telefone.
E sentia-se pior que um vagabundo
Microcéfalo vil que a espécie
encerra,
Desterrado na sua própria terra,
Diminuído na crônica do mundo!
A hereditariedade dessa pecha
Seguiria seus filhos. Dora em diante
Seu povo tombaria agonizante
Na luta da espingarda contra a
flecha!
Veio-lhe então como à fêmea vêm
antojos,
Uma desesperada ânsia improfícua
De estrangular aquela gente iníqua
Que progredia sobre os seus despojos!
Mas, diante a xantocróide raça loura,
Jazem, caladas, todas as inúbias,
E agora, sem difíceis nuanças dúbias,
Com uma clarividência aterradora,
Em vez da prisca tribo e indiana
tropa
A gente deste século, espantada,
Vê somente a caveira abandonada
De uma raça esmagada pela Europa!
V
Era a hora em que arrastados pelos
ventos,
Os fantasmas hamléticos dispersos
Atiram na consciência dos perversos
A sombra dos remorsos famulentos.
As mães sem coração rogavam pragas
Aos filhos bons. E eu, roído pelos
medos,
Batia com o pentágono dos dedos
Sobre um fundo hipotético de chagas!
Diabólica dinâmica daninha
Oprimia meu cérebro indefeso
Com a força onerosíssima de um peso
Que eu não sabia mesmo de onde vinha.
Perfurava-me o peito a áspera pua
Do desânimo negro que me prostra,
E quase a todos os momentos mostra
Minha caveira aos bêbedos da rua.
Hereditariedades politípicas
Punham na minha boca putrescível
Interjeições de abracadabra horrível
E os verbos indignados das Filípicas.
Todos os vocativos dos blasfemos,
No horror daquela noite monstruosa,
Maldiziam, com voz estentorosa,
A peçonha inicial de onde nascemos.
Como que havia na ânsia de conforto
De cada ser, ex.: o homem e o ofídio,
Uma necessidade de suicídio
E um desejo incoercível de ser morto!
Naquela angústia absurda e
tragicômica
Eu chorava, rolando sobre o lixo,
Com a contorção neurótica de um bicho
Que ingeriu 30 gramas de nux-vomica.
E, como um homem doido que se enforca,
Tentava, na terráquea superfície,
Consubstanciar-me todo com a
imundície,
Confundir-me com aquela coisa porca!
Vinha, às vezes, porém, o anelo
instável
De, com o auxílio especial do osso
masséter,
Mastigando homeomérias neutras de
éter
Nutrir-me da matéria imponderável.
Anelava ficar um dia, em suma,
Menor que o anfióxus e inferior à
tênia,
Reduzido à plastídula homogênea,
Sem diferenciação de espécie alguma.
Era (nem sei em síntese o que diga)
Um velhíssimo instinto atávico, era
A saudade inconsciente da monera
Que havia sido minha mãe antiga!
Com o horror tradicional da raiva
corsa
Minha vontade era, perante a cova,
Arrancar do meu próprio corpo a prova
Da persistência trágica da força.
A pragmática má de humanos usos
Não compreende que a Morte que não
dorme
É a absorção do movimento enorme
Na dispersão dos átomos difusos.
Não me incomoda esse último abandono.
Se a carne individual hoje apodrece,
Amanhã, como Cristo, reaparece
Na universalidade do carbono!
A vida vem do éter que se condensa,
Mas o que mais no Cosmos me
entusiasma
É a esfera microscópica do plasma
Fazer a luz do cérebro que pensa.
Eu voltarei, cansado da árdua liça,
À substância inorgânica primeva,
De onde, por epigênese, veio Eva
E a stirpe radiolar chamada Actissa!
Quando eu for misturar-me com as
violetas,
Minha lira, maior que a Bíblia
e a Fedra,
Reviverá, dando emoção à pedra,
Na acústica de todos os planetas!
(continua)