terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A fragmentação das torres – 9

Marco Adolfs

Tio Otávio acima do Atlântico



O comandante acabou de nos avisar que estamos sobrevoando a ilha do Sal. Agora começo a pensar no futuro imediato, com otimismo. Haveria alguma coisa em mim de um cavaleiro que persegue o vento?, pensei, enquanto olhava a rota do avião pelo monitor da minha poltrona. Talvez um louco voador, domador de moinhos? Quem saberia dizer, senão eu próprio? Quando o avião decolou rumo a Portugal eu recitava baixinho aqueles versos, que diziam: “...navegar é preciso, viver não é preciso...”. Sempre me chateou muito o fato de que alguém pudesse reclamar da vida, ter preconceitos ou rancores. Quando explodiu o golpe militar de 64, após aquelas manifestações todas, mamãe ficara a favor e papai, contra. Havia reclamos por toda parte, perecendo que o amor entre todos estava partido e a alegria era triste. Eu não sabia muito bem o que significava tudo aquilo. Lembro apenas de alguns militares postados nas esquinas de algumas ruas e daquele barulho trôpego dos cascos dos cavalos passeando perto da Central do Brasil. Meu pai tinha nos levado, a mim e ao meu irmão, à Central do Brasil com o intuito de nos proporcionar a nossa primeira viagem de trem. Lembro também que pediu um filé com fritas delicioso, antes de embarcarmos com destino a Macaé. Seria apenas uma hora, mais ou menos de viagem, até Macaé. Ida e volta. Quando voltamos, o centro do Rio já não era mais o mesmo e aqueles cavalos pareciam feras arremetidas contra os passantes. Lembro de papai nos puxando pelo braço de forma violenta. “Vamos sair daqui para pegar o carro”. Havia muita gente correndo para tudo que era lado, era o que eu percebia. E aqueles cavalos bufando. Eu tentava não escorregar, sob os puxões que meu pai me dava. Via aqueles prédios da avenida como se estivessem a ponto de cair sobre mim. Foi quando então atingimos uma ruela e o barulho ensurdecedor foi amainando, que eu me senti aliviado de todo o medo. Enxuguei o suor do meu rosto, enquanto olhava para a cara enfezada que papai fazia, também vermelho de suor. “Milicos miseráveis!” Por um momento eu não entendi o que significava a palavra milico, com papai se referindo aos militares. “Pensam que vão ficar no poder!”