terça-feira, 29 de julho de 2025

“Gönnen” não tem tradução

 Pedro Lucas Lindoso

 

A palavra “gönnen”, do alemão, significa “o contrário de invejar”. Ficar contente pelo outro. Alegrar-se com a conquista do outro. Não temos essa palavra no português.

O boto cor-de-rosa e o jacaré do rabo cotó é um livro infantil de minha autoria. O jacaré, de moto próprio, fica de rabo cotó em consequência de sua inveja. Questionado o porquê do Brasil não ter Prémio Nobel, um dos jurados explicou que os candidatos são prejudicados por falta de apoio dos brasileiros. Seríamos nós um povo invejoso?

Há quem diga que é doloroso fazer sucesso no Brasil. A inveja e o ciúme são sentimentos básicos bem explorados tanto por Shakespeare quanto pelo nosso grande Machado de Assis.

Não ter inveja. Alegrar-se com a conquista do outro. Uma virtude rara. Existe isso? Na sociedade em que vivemos, a inveja às vezes parece ser uma companheira constante, silenciosa, quase inevitável. Ela se insinua na esquina do sucesso alheio, na felicidade que parece brilhar mais forte do que a nossa. É difícil imaginar alguém completamente livre desse sentimento, tão humano, tão natural, quase uma sombra que acompanha nossos passos.

Porém, há quem, mesmo diante do brilho do outro, consiga sorrir de verdade. Essas pessoas são verdadeiramente raras. Uma virtude quase impossível. Ter alegria pela conquista do próximo.

Acredito que não ter inveja não significa negar o próprio desejo de alcançar algo, mas sim reconhecer que a felicidade alheia não diminui a nossa, pelo contrário, ela a amplia. Quando nos alegramos com o sucesso do outro, estamos celebrando a possibilidade de que todos possam ser felizes.

Essa virtude, infelizmente, parece escassa. Talvez porque a sociedade nos ensine a competir, a olhar o outro com olhos de cobrança, de comparação. Nos ensinam desde criança, que devemos nos esforçar para ser o melhor. Ouvi muito dos mais velhos: ”escolha qualquer profissão. Mas seja o melhor”. É difícil considerar que a verdadeira força está em apoiar, em reconhecer o esforço do outro, em sentir-se feliz por ele, como se fosse uma extensão de nossa própria alegria.

Então, será que existe essa virtude? Talvez. Talvez ela seja um exercício de humildade e generosidade. Uma prática rara. Mas possivelmente capaz de transformar relações.

Porque, no fundo, não é fácil deixar a inveja de lado. Mas vale a pena. Não apenas pelo bem que faz ao outro, mas pelo bem que faz a nós mesmos. Uma alma leve e livre do peso da inveja. Enfim, não ser invejoso muita gente consegue, mas ser um “gönnener”, alegrar-se pela vitória alheia, é raro. No Brasil não temos nem palavra para isso.