Zemaria Pinto
CATULO – A Lírica latina tem seus
primeiros registros em meados do século I a.C. Caius Valerius Catullus (87-54 a.C.) é a expressão
máxima daqueles a quem o azedo Cícero chamou desdenhosamente de “poetas novos”, jovens que preferiam as formas breves, preconizadas havia 300 anos pelos alexandrinos, às
longas e invariavelmente chatas epopeias. Havia nos novos poetas
romanos ecos de um tempo ainda mais distante: Safo, poeta grega, de Lesbos,
século VII a.C,
foi descarada e amorosamente copiada por Catulo, que a homenageou nomeando sua
musa como Lésbia. A Lésbia, frívola e inconsequente – cujo nome real era Clódia –, Catulo dedicou a maioria dos 116 carmes legados
à posteridade. Entre o amor avassalador e o ódio desmedido, o poeta sintetizou
num dístico imortal o dilema trágico de sua inconstância:
Odeio e amo.Talvez perguntes por que faço isso.
Não sei, mas sinto que acontece e me torturo. (1)
Mas o lírico refinado – sobre quem Carpeaux afirmou ser “no
primeiro século antes da nossa
era, um poeta moderno” – é também o introdutor na cultura latina de uma
linguagem sarcástica e ferina, no limiar do
que os convencionais e puristas de todos os matizes e ocasiões chamariam
simplesmente de chula. O Carme 32,
por exemplo, é um convite de assustar qualquer mocinha casadoira:
Te peço, minha doce Ipsilila,
delícias minhas, graça, mimos meus,
ordena, que finda a sesta, eu te procure,
e caso ordenes, cogita tais cuidados:
despe de trava ou tranca a tua porta,
não te assaltem coceiras de sair.
Mas fica em casa, em raro preparo
de nove, gota a gota, nove fodas.
Se assim quiseres, pressa!, não hesites,
que eu, já almoçado, e farto à farta,
perfuro a um só tempo toga e túnica! (2)
Se
Ipsilila despertava uma devastadora paixão priápica, o mesmo não se dá com
Ameana:
Ameana, mulher
super-usada,
me pediu a quantia de dez mil!
Uma mulher de nariz grotesco,
amante de um
caipira sem dinheiro!
Parentes, que
se preocupam com a moça,
chamem os
amigos e os médicos:
a moça está doente. E nem precisa
perguntar o que é: ela delira! (3)
Nem a adorada Lésbia escapou da
fúria de Catulo:
Ah! Célio, a nossa Lésbia, aquela
Lésbia,
a própria Lésbia a quem Catulo amou
mais que a todos os seus, mais que a
si próprio,
agora, nas encruzilhadas e nos becos,
esfola os netos do magnânimo Remo. (4)
Mas
é para os amantes de Lésbia que Catulo guarda a maior dose de, digamos,
maldade:
Imundo puteiro, e vocês, companheiros de putaria
(nona pilastra depois do templo dos irmãos de barrete),
pensam que só vocês têm culhões,
podem comer tudo quanto é moça
e que os outros não passam de bodes?
(...) Pois a minha menina, que fugiu de meus braços,
amada tanto quanto nenhuma será amada,
pela qual travei tantas batalhas,
senta-se aí, com vocês.
Com ela, vocês todos, nobres e ricos,
fazem amor e, contudo, o que é uma indignidade,
são todos mesquinhos e depravados da sarjeta (...) (5)
(nona pilastra depois do templo dos irmãos de barrete),
pensam que só vocês têm culhões,
podem comer tudo quanto é moça
e que os outros não passam de bodes?
(...) Pois a minha menina, que fugiu de meus braços,
amada tanto quanto nenhuma será amada,
pela qual travei tantas batalhas,
senta-se aí, com vocês.
Com ela, vocês todos, nobres e ricos,
fazem amor e, contudo, o que é uma indignidade,
são todos mesquinhos e depravados da sarjeta (...) (5)
Ao ex-amigo Gélio, que ousou cobiçar (só?) a amada, Catulo lança imprecações terríveis:
Gélio é esguio, como não seria?: tem
ele mãe tão boa
e tão robusta, e tão encantadora irmã,
e tão bom tio, e tão completa abundância de jovens
parentas... Como poderia ele deixar de ser magro? (6)
e tão bom tio, e tão completa abundância de jovens
parentas... Como poderia ele deixar de ser magro? (6)
Ou:
Que faz o
homem, Gélio, que com sua mãe e sua irmã
satisfaz seus desejos e, sem roupa, passa a noite inteira?
Que faz o homem que não deixa o tio ser marido?
Por acaso sabes que grande infâmia comete? Comete, ó Gélio, qual nem a
extrema Tétis
nem o Oceano, pai das ninfas, pode lavar;
pois nenhuma outra infâmia pode ir mais além
mesmo se ele, com a cabeça abaixada, chupasse a si
mesmo. (7)
Traduções:
(1), (5),
(6), (7): Paulo Sérgio de Vasconcelos
(2), (4): Luiz António de Figueiredo e Ênio Aloísio Fonda
(3): Zélia
de Almeida Cardoso
OBS: Escrito e publicado em 1993, em forma de
plaqueta.
Catulo e Lésbia, por Lawrence Alma-Tadema (1836-1912). |