quinta-feira, 1 de maio de 2025

A poesia é necessária?

 

desvãos

Marta Cortezão

 

Quem ri quando goza / é poesia/ até quando é prosa

(Alice Ruiz)

 

meu silêncio lambe tua orelha

e se arvora feito cobra

para infiltrar-te o veneno

 

meu silêncio se espicha

pelas frestas feito lagartixa

para roubar-te a fala

 

meu silêncio aflora

e ri que goza

quando lambe

quando cobra

quando se larga e atiça

para confundir-te as horas

e de olhos nos olhos

alimentar-te a prosa

com íntima poesia

 

terça-feira, 29 de abril de 2025

Em paz, na alegria de Jesus


Pedro Lucas Lindoso

 

Papa Francisco foi ao encontro do Senhor. Um papa alegre, misericordioso. Pregava a paz e preocupava-se com os pobres e oprimidos. Para homenageá-lo escolho uma música a qual gosto de ouvir. “Jesus Alegria dos Homens”, de Johann Sebastian Bach.

“Jesus, Alegria dos Homens” é uma cantata escrita por Bach, composta em 1723. Bach compôs essa maravilha de cantata frequentemente associada ao tema da alegria e da celebração da fé cristã. Coisa que muito agradava ao Papa Chico. Alegria e bom humor eram fundamentais, dizia ele.

A música é particularmente conhecida por seu movimento mais famoso, o “Jesu, Joy of Man's Desiring”, que é frequentemente tocado em diversas cerimônias religiosas, além de concertos clássicos. Sua melodia suave e harmoniosa, combinada com letras que falam sobre a alegria que Jesus traz à vida, contribui para o seu apelo emocional.

A razão pela qual a música toca o coração e aquece a alma pode estar ligada à sua beleza melódica, à profundidade espiritual da mensagem e ao contexto em que é frequentemente apresentada. Muitas pessoas a ouvem em momentos de reflexão. É o meu caso. Quando uma parte mais materialista de minha personalidade quer aflorar e me levar ao agnosticismo. Mas logo me questiono e volto a discordar daqueles que consideram vã qualquer metafísica e qualquer ideologia religiosa, uma vez que alguns desses preceitos ou ideologias não podem ser comprovados empiricamente. O Papa Francisco me dava um certo orgulho e alegria em ser católico.

 A obra é um exemplo do estilo barroco, caracterizado por polifonia rica e ornamentação. A música barroca frequentemente utilizava contrastes dinâmicos e emocionais, algo que Bach dominou. As cantatas eram frequentemente utilizadas servindo como uma forma de educação e reflexão espiritual. Bach era um compositor profundamente religioso e sua música sacra, incluindo cantatas, oratórios e missas, reflete sua fé. Ele acreditava que a música poderia comunicar verdades espirituais de maneira poderosa e emocional. Bach tinha a habilidade de combinar texto e música. Parece-me que o original em alemão é mais forte e preciso. Mas essa tradução para o português me agrada e me consola por não dominar o alemão. Vejamos: “É Jesus minha alegria, /Meu prazer, consolo e paz; /Ele as dores alivia, /E minha alma satisfaz. /É Jesus meu sol fulgente, /Meu tesouro permanente; /Eu, por isso, o seguirei, /E jamais o deixarei”. Francisco com certeza gostaria de ouvir algo alegre e não o mais belo réquiem. Certamente está aliviado e em paz, na alegria de Jesus.

 

domingo, 27 de abril de 2025

quinta-feira, 24 de abril de 2025

A poesia é necessária?

 

A sombra

Isaac Melo

 

sobre coisas e gentes,

o seu sangue escuro,

a noite derrama

 

corta o vazio, o silêncio da palavra

úmido de corpos, incógnitas

 

um cachorro louco

ladra no vazio das almas

é noite, os olhos grávidos

dão luz às sombras

que habitam a nossa madrugada

 

das ontológicas mãos escapam

as vísceras das horas

nas entranhas, deuses e demônios,

plasmam o todo aos pedaços

 

catar sentido nos escombros

perdidos universos paralelos,

luta, destemida e vã, trava

contra toda penumbra

até, por fim, solitário, sucumbir

abraçado à própria sombra


terça-feira, 22 de abril de 2025

Rei dos Reis

Pedro Lucas Lindoso

 

No Domingo de Ramos celebramos a chegada de Jesus a Jerusalém. Foi aclamado pelo povo com ramos de palmeiras e panos estendidos no chão.  Uma chegada triunfal. Porém sem pompas e circunstâncias. Ao contrário. Estava montado num jumentinho. Mesmo assim foi aclamado pelo povo como rei.  Mas houve uma conspiração. O golpe foi dado por Judas. E quem estava no poder terreno continuou. A conspiração deu certo. E Jesus foi julgado pelo Sinédrio.

O Sinédrio, na época de Jesus, era o conselho religioso e judicial dos judeus em Jerusalém, responsável por questões religiosas e algumas questões civis. O processo que levou à condenação de Jesus, conforme os Evangelhos, teve várias irregularidades, como a falta de um julgamento justo, a apresentação de testemunhos contraditórios e a pressa em julgar.  Sem qualquer observância ao devido processo legal. Se considerarmos o contexto jurídico moderno, é possível argumentar que, em um tribunal democrático de nossos dias, Jesus teria direito a um julgamento mais justo, com defesa adequada, contraditório e ampla defesa.

Essa comparação é interessante e ressalta como os sistemas de justiça evoluíram ao longo do tempo e como a proteção dos direitos individuais é uma preocupação central nas democracias contemporâneas. Se considerarmos a traição de Judas sob a perspectiva do sistema jurídico contemporâneo, a análise seria bastante complexa. A traição, conforme entendida no contexto bíblico, refere-se ao ato de Judas Iscariotes entregar Jesus às autoridades, o que levou à crucificação.

No Brasil, a traição em si não é um crime tipificado como tal, mas Judas poderia ser acusado de crimes relacionados, como conspiração ou até mesmo homicídio, dependendo das circunstâncias. No entanto, a análise jurídica não se restringe apenas ao ato em si, mas também ao contexto, às intenções e às consequências.

Um tribunal moderno consideraria diversos fatores, como a real motivação de Judas. Se teria Judas sido coagido ou manipulado e o real impacto de suas ações. Se foi o responsável direto pela morte de Jesus ou se foi apenas um facilitador. Judas teria o direito a um julgamento justo e a se defender das acusações.

Dessa forma, embora Judas pudesse enfrentar acusações graves, o resultado dependeria de muitos fatores, incluindo a interpretação das leis, o contexto e a defesa apresentada. É uma discussão interessante sobre moralidade, ética e justiça ao longo da história.

Todavia, Judas nunca foi julgado. Ele mesmo tirou sua vida. Enforcou-se. Por remorso ou arrependimento? Eis a questão. Jesus foi injustamente julgado, condenado e crucificado. Ressuscitou e tornou-se para sempre Rei dos Reis.

 

domingo, 20 de abril de 2025

Manaus, amor e memória DCCXIX


Vista aérea do Porto de Manaus, o Roadway.

 

quinta-feira, 17 de abril de 2025

A poesia é necessária?

 

Não fosse o ‘se’

Nívea Chagas

 

Não fosse medo,

Eu era pássaro.

 

Não fosse escuridão,

Eu era astro.

 

Não fosse distância,

Eu era a certeza.

 

Não fosse abismo,

Eu era o pecado.

 

Não fosse a ausência,

Eu era o beijo.

 

Não fosse desequilíbrio,

Eu era palmas.

 

Não fosse morte,

Eu era o riso.

 

Não fosse não,

Não fosse o ‘se’.

 

terça-feira, 15 de abril de 2025

Decisão judicial se cumpre

 Pedro Lucas Lindoso

 

O cronista deve procurar sempre deleitar os leitores. A crônica, diferente do artigo ou da reportagem, está, em nosso sentir, no campo da ficção. Entretanto, cabe ao cronista falar do cotidiano. E muitas vezes o cotidiano é árido e polêmico. Então, vamos lá. Enfrentar um pouco essa aridez de nossos dias.

Um dos pilares dos regimes democráticos é justamente um judiciário forte, atuante e respeitado.

Vejo estarrecido notícias de que decisão de um juiz federal americano não foi cumprida. Ora, o mundo dá mesmo muitas voltas.

Há muitos anos, assisti a um debate entre advogados e juízes brasileiros com um magistrado federal americano. O seminário aconteceu na OAB de Brasília sob o patrocínio da Embaixada Americana e a Casa Thomas Jefferson, o ICBEU de Brasília. Uma pergunta. Uma simples resposta e diversos “sorrisos amarelos” de juízes e advogados brasileiros presentes ao evento.

Perguntou-se ao americano o que acontece nos EUA quando uma decisão judicial não é cumprida?

A resposta curta e certeira foi:

– Isso é impossível de acontecer nos Estados Unidos. Acontece aqui no Brasil?

A expressão “sorriso amarelo” significa um sorriso forçado, sem vontade. É usada para descrever uma situação em que alguém está sem graça ou constrangido. De fato, todos os brasileiros que sorriram estavam constrangidos. Alguns ficaram lívidos outros, impávidos.

O Brasil estava saindo de um período de exceção. Em regimes ditatoriais acontecem situações em que as decisões judiciais não são acatadas.

Felizmente, no Brasil de hoje as decisões judiciais tem sido cumpridas. Estamos num regime democrático. E espero que dure para sempre.

Como esse episódio aconteceu há muitos anos e o juiz americano já era um senhor de certa idade, provavelmente não está mais entre nós.

Ao saber que decisões de seus colegas magistrados americanos estão sendo descumpridas, me perdoem o clichê, o juiz gringo deve estar se revirando no túmulo. Tio Sam não é mais o mesmo. Afinal, decisão judicial não se discute. Se cumpre.


domingo, 13 de abril de 2025

quinta-feira, 10 de abril de 2025

A poesia é necessária?

 

porto alegre, 2016

Angélica Freitas

 

 

quando você viu na TV

aquelas pessoas em fila na chuva

à noite numa estrada

na fronteira de um país que não as deseja

 

e quando você viu as bombas

caírem sobre as cidades distantes

com aquelas casas e ruas

tão sujas e tão diferentes

 

e quando você viu a polícia

na praça do país estrangeiro

partir para cima dos manifestantes

com bombas de gás lacrimogêneo

 

não pensou duas vezes

nem trocou o canal

e foi pegar comida

na geladeira

 

não reparou o que vinha

que era só uma questão de tempo

não interpretou como sinal a notícia

não precisou estocar mantimentos

 

agora a colher cai da boca

e o barulho de bomba é ali fora

e a polícia vai pra cima dos teus afetos

munida de espadas, sobre cavalos



terça-feira, 8 de abril de 2025

Onde o rio chega chega a vida

Pedro Lucas Lindoso

 

O meu pai costumava se referir às pessoas nascidas na calha do rio Madeira como conterrâneos. Para ele e muitos amazônidas, a sua lealdade, o senso de ser natural, de terra natal, de pertencimento, enfim, está ligado mais ao rio do que à cidade ou vila em que nascem. Daí a palavra ribeirinhos. Os caboclos são tão ribeirinhos quanto as aves ribeirinhas. Vivem nos rios e pelos rios.

Os nossos rios, sempre majestosos, serpenteiam pela floresta, deslizando entre as árvores imensas do Amazonas. O título desta crónica foi inspirado em homilia do Padre João Carlos, ao citar versículo do profeta Ezequiel. Como o rio que brota do templo traz vida em abundância, o Amazonas, com sua imensidão e força, é a artéria pulsante de um ecossistema bastante complexo.

As aves, em suas cores vibrantes, dançam entre as copas das árvores, enquanto os peixes nadam nas águas dos rios e igarapés, refletindo a luz do sol que se infiltra por entre as folhas. Cada canto, cada movimento, é uma sinfonia que ecoa na vastidão.

Os ribeirinhos, que vivem em harmonia com o rio, entendem que o rio não é apenas um recurso, mas uma fonte de vida. As águas são o sustento de suas comunidades, de suas tradições e de suas histórias. É na beira do rio que a vida se renova: nas colheitas das várzeas, nos igapós e no regime das águas; tempos de cheias e de vazante. E claro, nas festas e nos rituais que celebram a conexão com a natureza. Nos saberes repassados de geração a geração.

Mas, assim como a vida floresce a partir das águas, também há a sombra da degradação. O avanço do desmatamento, a poluição e as mudanças climáticas ameaçam esse delicado equilíbrio. O rio, que antes era um símbolo de fertilidade, agora carrega os vestígios de uma luta constante entre o progresso e a preservação.

Os habitantes da floresta, guardiões do saber ancestral, lutam para proteger esse legado. Eles reconhecem que a saúde do rio é a saúde da terra. Cada ação, cada escolha, reverbera na correnteza, e a vida que ali floresce depende da sabedoria de quem a habita.

Assim, onde o rio chega a vida se expande, mas é preciso cuidado. É um chamado à responsabilidade: preservar a riqueza do Amazonas é garantir que as futuras gerações herdem não apenas a beleza da natureza, mas também a sabedoria de viver em harmonia com ela. O rio continua a fluir, e com ele, a esperança de um futuro onde a vida, em toda sua diversidade possa sempre estar presente. Que o versículo bíblico citado pelo padre João Carlos, do Livro de Ezequiel seja uma verdade perene – onde o rio chega chega a vida.



domingo, 6 de abril de 2025

sexta-feira, 4 de abril de 2025

A lança de Anhangá: mais que um livro novo, uma nova literatura

 Zemaria Pinto

 

Relutei muito antes de escrever esta nota. Resisto ainda. Mas preciso seguir em frente. Começo pelo fim: a conclusão expressa no título.         

O livro de contos de Ricardo Kaate Lima, vencedor do Prêmio Literário Cidade de Manaus, de 2022, traz à literatura feita no Amazonas uma ramificação do gênero fantástico como ainda não víramos nas melhores páginas de Erasmo Linhares ou Adrino Aragão.

Na verdade, se “o fantástico é a suspenção da realidade e o maravilhoso é a realidade estendida”, como eu disse sobre os anões de Márcia Antonelli, estamos diante, em A lança de Anhangá, de um caso extremo de realismo maravilhoso, onde o não-real faz parte da realidade: uma paradoxal realidade não-real, que assume, muitas vezes, uma ambientação distópica de pura fantasia – fantasy art. Literatura em estado pleno.

Ricardo Lima assume o regionalismo que a literatura anêmica do “Sul maravilha” – lembrando a querida Graúna, criada pelo irmão do Betinho – insiste em fazer de conta que não existe. Os sete contos do livro trazem narrativas que contrapõem a gente comum e entidades que extrapolam a mitologia amazônica, como Anhangá, o demônio do título. Aliás, autores de peso, como Câmara Cascudo e Nunes Pereira, registraram que a grafia correta é Anhanga, mas a literatura – a melhor literatura, como Gonçalves Dias e Machado de Assis – registra Anhangá. Nenhuma dúvida. Mas o Anhangá de Kaate é menos um demônio que um justiceiro, na melhor tradição das Graphic novels.

Ambientados numa Amazônia futurista não muito distante, os contos de Kaate Lima colocam o leitor, de supetão, entre as “guerras lunares de Phobos e Europa”, ou “em algum lugar entre as Trevas Exteriores e as Terras Devastadas”. E pra não dizer que não falei das flores, registro sem spoilers a narrativa mais completa do livro, “O prelúdio da escuridão”, uma novela noir, para ser lida em preto e branco, com todas as nuances de cinza. Sim, novela, não apenas pela extensão, cerca de cem páginas, mas pela complexidade da trama e da narrativa.

No centro dos acontecimentos, passados numa cidade semidestruída chamada Manaus, assistimos ao confronto entre o agente federal Heitor Navarro e Anhangá, o senhor das trevas, sugador de almas. O pano de fundo é um país dominado pelo totalitarismo nazifascista, lembrando a ficção de George Orwell e a história real das guerras do século 20: o Big Brother, aqui chamado de Grande Líder e sua milícia de “pacificadores”, mais a palavra de ordem de Franco antes de acionar o garrote vil, traduzida literalmente, “Viva la muerte!”.

Os contatos com a história recente do Brasil são muitos, como o slogan oficial, sobre a foto do Grande Líder: “O enviado de Deus protege o Brasil do caos”. Substitua caos por “comunismo” e terá a impressão de um déjà-vu. Mas a ação do vigilante justiceiro não passava em branco nas camadas inferiores, economicamente, da população, que buscava a proteção não do Grande Líder, mas de uma entidade espiritual em quem pudesse confiar:

– Arrependam-se! O fim está perto! O Anhangá é o Cavaleiro do Apocalipse trazido pelo senhor Jesus!

Os velhos professores “aposentados” pelo Grande Líder sabiam que Anhangá é um servo de Yurupari, o Legislador divinizado, que se encontra como base em todas as religiões e mitos ancestrais. Tempos medonhos pedem tempos de mudança. Heitor Navarro percebeu isso.

A literatura de Ricardo Kaate Lima é mais que mero entretenimento: é uma prospecção profunda e simbólica do que nos espera no breve tempo que ainda temos pela frente.  

 

A Lança de Anhangá (São Paulo: Cachalote, 2024), de Ricardo Kaate Lima, foi lançado no segundo semestre do ano passado, e vem obtendo excelente recepção crítica. No Brasil.

 

quinta-feira, 3 de abril de 2025

A poesia é necessária?

  

A baforada do vazio

(fragmento de O drone de Yebá Buró)

Thiago Roney

 

Antes o mundo não existia

resistia o puro silêncio alado,

sempre incalculável,

do despovoado.

 

Antes o eu das coisas não existia

subsistia a poesia despida de fome,

sempre incessante,

do sem nome.

 

Antes o tempo não existia

persistia o instante bruto e contido,

sempre imóvel,

do infinito.

 

Antes o verbo não existia

insistia a voz muda e desmedida,

sempre ininterrupta,

do não-nascido.

 

Antes a forma não existia

remanescia o conjunto aliviado

sempre indizível,

do desabitado.



quarta-feira, 2 de abril de 2025

terça-feira, 1 de abril de 2025

Reflexões de Idalina

Pedro Lucas Lindoso

 

Tia Idalina me liga via whatsapp para me informar que desistiu de ir passear em Nova Iorque. Apesar de gostar muito da cidade, disse que é um desconforto usar banheiro por lá. Não tem bidé. Muito menos ducha.

Idalina não tem dúvidas de que o papel higiênico é a opção mais comum e prática. Mas discorda que seja totalmente eficaz na limpeza completa. Tem certeza que a relação do papel com as pessoas é ambivalente. Concorda que é prático e facilmente acessível. Mas gera uma montanha de resíduos. Quem nunca se pegou pensando na quantidade de árvores que se vão para manter esse hábito no mundo inteiro?

Advoga que o bidé é uma excelente opção para a limpeza completa e suave. Ora, o uso do bidé ajuda a limpar a área com água, sendo muito mais higiênico e confortável. Mas os americanos não usam. Uma das grandes contribuições dos franceses para a humanidade. Mas até eles deixaram de usar. Não se sabe o porquê. Os americanos com certeza não utilizam bidé em razão da colonização puritana. Os puritanos emigrados da Inglaterra eram moralistas rigorosos na aplicação de ideias e de costumes. Não usariam bidés, por certo. Titia tem umas teorias próprias e poucos ortodoxas. Mas deve ter razão.

E por que não adotam a ducha? É outra opção que permite a limpeza com água. É mais fácil de instalar em algumas configurações de banheiros.

Idalina ouviu dizer que no interior usam sabugo de milho e até jornal. Um horror. O uso do jornal pode ser arriscado devido à tinta e ao papel áspero. Já o sabugo de milho pode ser desconfortável. Mas é certo que a escolha do método vai depender das preferências pessoais e, claro, da disponibilidade dos materiais.

Disse à Tia Idalina que uma boa opção são os lenços umedecidos. Oferece uma limpeza mais suave e eficaz que o papel higiênico seco. Adverti titia de que ela deve escolher lenços que sejam biodegradáveis. Não podemos esquecer nossos princípios básicos de Ecologia. E ainda lhe disse que deve escolher lenços que não contenham produtos químicos irritantes.

Idalina vai reconsiderar e estudar a possibilidade de usar lenços umedecidos. Coisa que não existia na sua juventude.

Titia não tem dúvidas de que o uso da água, tanto no bidé como na ducha, são os mais higiênicos. E acrescenta: a ducha e o bidé são símbolos de um cuidado refinado. Oferecem uma abordagem mais delicada e definitivamente mais eficaz. Para Idalina a sensação de água fresca é revigorante e sinônimo de limpeza verdadeira.

Finalmente Idalina não abre mão de seu conforto e praticidade. E lembra-nos que a higiene é um ato de amor, por nós e pelo planeta.

 

 

segunda-feira, 31 de março de 2025

As diversas escritas de Zemaria Pinto


Entrevista com Tania Luz e Ecila Mabeline.

 

domingo, 30 de março de 2025

quinta-feira, 27 de março de 2025

A poesia é necessária?

 

Poemas para a minha rua – XXI

Sarah Rodrigues

 

E quando essa rua assoma

meus canteiros multicores,

há serenatas de aromas

na madrugada das flores...

Neste cenário perfeito

que a noite serena espreita,

a sombra parece um leito

onde o silêncio se deita.

 

 

terça-feira, 25 de março de 2025

Por um mundo justo e acolhedor

Pedro Lucas Lindoso

 

Vivemos em tempos difíceis. A globalização e a internet democratizaram as informações. Mas nem todos têm conhecimento e ética em processá-las corretamente. O mundo está dividido. O mais grave é o afloramento da xenofobia, racismo e intolerância.

A nossa Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, reza expressamente que todos são iguais perante a lei. Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Garante aos brasileiros e aos estrangeiros no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Folheando e relendo pela enésima vez a nossa Carta Maior, em especial o artigo sobre igualdade, um eco de silêncio ressoava no meu âmago. Era o silêncio daqueles que, por medo ou cansaço, não se manifestam contra as desigualdades que ainda persistem. O racismo, a xenofobia, a intolerância — essas chagas sociais ainda marcam nossa sociedade. Muitas vezes, as pessoas preferem se calar, acreditando que a mudança é impossível, que o preconceito é um mal inerente à natureza humana.

Lembrei-me de uma conversa que tive com um imigrante em Brasília, quando da minha experiência no Ministério da Justiça. Contou-me sobre as dificuldades que enfrentava ao se estabelecer no Brasil. O olhar triste enquanto falava sobre discriminação e desprezo me fez perceber o quão doloroso é viver em um mundo onde as diferenças são vistas como fraquezas. O que deveria ser uma celebração da diversidade frequentemente se transforma em um campo de batalha de estereótipos e preconceitos.

É fácil se perder na rotina, esquecer que cada um de nós carrega uma história única. Precisamos, no entanto, nos lembrar de que o verdadeiro progresso começa com pequenos gestos. Um sorriso, uma palavra de apoio, um ato de solidariedade podem ser o primeiro passo para desconstruir as barreiras que nos separam.

O pôr do sol em nossa capital é sempre deslumbrante. Da janela do Ministério da Justiça o sol se punha no horizonte, tingindo o céu de cores vibrantes, como se a natureza estivesse nos dizendo que a beleza está na diversidade. E ali, naquele instante, percebi que o futuro é moldado por nossas ações, por nossas escolhas.

Dizer não ao racismo e à xenofobia é um ato de coragem, mas também de amor. Amor por nós mesmos e por todos que compartilham este mundo. Que possamos ser, todos os dias, agentes de mudança, ecoando a mensagem de que a diversidade é o que nos torna humanos e que juntos podemos construir um mundo mais justo e acolhedor.

 

domingo, 23 de março de 2025

quinta-feira, 20 de março de 2025

A poesia é necessária?


almoço de domingo

Cynthia Teixeira


 

é domingo, leve como o silêncio.

um cheiro forte de desassossego de pai-morto e mãe abatida.

recordo meu passado

de ser sorridente e concreto.

– eu era viva em outro lugar,

rodeada de gente ao meu lado.

 

mas, que venha este velho almoço,

que eu escolhi e que me escolheu.

o vidro de sal e o pote de farinha,

há neles certa pena?

irrita-me a força de gente mais do que eu,

a potência da colher batendo no prato.

irrita-me o vigor que me exige a faca no cortar.

 

sim, e ainda há um festivo burburinho entre mesa e cadeira,

entre prato e colher,

entre garfo e faca.

 

e todos eles zombam de mim,

essas coisas da mesa do almoço de domingo, mais do que eu,

que sou menos gente do que eles, que não são gente.


e todos zombam, porque só o que me resta é bufar.



terça-feira, 18 de março de 2025

Natureza e fraternidade

Pedro Lucas Lindoso

 

A Campanha da Fraternidade é uma iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que ocorre todos os anos durante a Quaresma. Tem como objetivo promover reflexões e ações em torno de temas sociais, éticos e espirituais. Este ano o tema é Fraternidade e Ecologia Integral.

Dom Leonardo Steiner, nosso Arcebispo aqui em Manaus, está bastante engajado. É o primeiro Cardeal da Amazónia. Ele destaca que a preservação da natureza é essencial para garantir um futuro digno para todas as pessoas, especialmente as mais vulneráveis.

Dom Leonardo é Franciscano.  Todos sabemos que São Francisco de Assis, padroeiro da Ecologia, amava e até falava com os animais. Principalmente os passarinhos.

Em um mundo marcado pelo consumo desenfreado e a exploração desenfreada dos recursos naturais, a Campanha da Fraternidade nos convoca a um despertar. A mensagem ecoada por Dom Leonardo Steiner ressoa como um chamado à responsabilidade coletiva: cuidar da Terra é um ato de fraternidade.

Quando caminhamos por nossa floresta, ouvimos o canto dos pássaros e admiramos a beleza das árvores, dos igapós, da nossa fauna. Cada elemento da natureza é um irmão, uma irmã. São Francisco assim os chamava. No entanto, ao olharmos ao nosso redor, muitas vezes nos deparamos com a realidade da destruição: florestas desmatadas, rios poluídos e espécies ameaçadas de extinção. É um grito silencioso da Terra pedindo socorro.

Dom Leonardo nos lembra que a fraternidade não é apenas um ideal, mas uma prática. É agir em solidariedade, é reconhecer que nossas vidas estão entrelaçadas. A natureza nos oferece tudo o que precisamos, mas em troca, devemos cuidar dela. O cuidado com o meio ambiente é um reflexo do amor ao próximo. Quando protegemos a natureza, garantimos um futuro mais justo e sustentável para todos.

Que ao cuidar da Terra possamos também cultivar a fraternidade, reconhecendo que todos fazemos parte de uma mesma criação.

A natureza, em sua sabedoria, nos ensina que a vida é um dom precioso que deve ser respeitado e preservado. Que possamos, juntos, ser a voz que clama por um mundo mais justo, onde a fraternidade e o cuidado com a criação andem lado a lado. É hora de agir, de amar e de cuidar. É hora de ser verdadeiramente irmãos e irmãs da Terra.

 

 

domingo, 16 de março de 2025

Manaus, amor e memória DCCXIV


Precursora da Almir Neves, tradicional funerária de Manaus.

 

quinta-feira, 13 de março de 2025

A poesia é necessária?

 

Não vou dar voz

Vanessa Almeida

 

 

Aos abraços que torturam,

aos beijos que ferem,

às bocas que maltratam,

às pernas que enlaçam e

às mãos que afagam duramente.

Não vou dar voz. 

 

terça-feira, 11 de março de 2025

Descer para BC

Pedro Lucas Lindoso

 

Recebi um whatsapp de tia Idalina apavorada. Titia me contou que teve um terrível pesadelo. No sonho, Manaus, aliás toda a Amazônia, era invadida por extraterrestres.

Transformavam a floresta amazônica no maior jardim botânico das galáxias. Manaus se tornaria um grande cassino interplanetário.

Nós, os habitantes de Manaus, poderíamos escolher morar na Riviera de Gaza.  Aos paraenses foi dada a opção de colonizar a Groelândia. Muito frio por lá.  Entretanto, todos os colonizadores vindos do Pará teriam direito a tacacá e maniçoba.

Mas que show da Xuxa é esse, tia Idalina? Ela me disse que o último pesadelo que teve foi nos anos de 1960. Um alienígena queria transformar a região amazônica num grande lago. Uma loucura. Titia acordou suada e ofegante.

Depois criaram a Zona Franca. Vendiam de um tudo que era importado no centro de Manaus.

Foi nessa época que Idalina virou muambeira. Levava para Copacabana dúzias de calças Lee, dezenas de relógios e baralhos importados, diversos lenços de seda, roupas indianas e máquinas de retrato Cannon. Tinha alfândega, mas um sobrinho dela era inspetor. Então, sem problemas.

Seu apartamento em Copacabana era uma festa. Os clientes ainda tinham direito a xarope de guaraná gaseificado. Uma engenhoca onde se colocava gás no xarope, também adquirida na Zona Franca. Vendia aquilo também. Mas só por encomenda. Ficou tão rica que comprou um apartamento em Miami.

Mas agora não sabia o que me dizer. Estava preocupada conosco. O sonho era muito real. Ainda bem que morava no BC. Teria titia se mudado para Balneário Camboriú? Não BC é Balneário Copacabana, explicou-me.

Disse ainda que os extraterrestres eram comandados por um velhote cínico, louro desbotado. Falavam Inglês.

Transformavam o Teatro Amazonas em cassino, o Palácio da Justiça em boate. O porto virou uma fantástica marina. O Palácio Rio Negro virou um hotel butique. O Mercadão, um shopping center.

Além da Riviera de Gaza, os amazonenses poderiam optar pelo projeto de colonização do Planeta Marte.

Ainda bem que foi só um pesadelo. Se fosse verdade iria aceitar o convite de Idalina. Pegar um avião e descer. Descer para BC.