sexta-feira, 25 de julho de 2025
Artistas Plásticos do Amazonas, por Sérgio Cardoso 2/9
quinta-feira, 24 de julho de 2025
A poesia é necessária?
Antígona
Cláudio
Fonseca
A D. Hermes
da Fonseca
As grevas se
iluminam ao sol do meio-dia.
Rubros, saem da
névoa os corpos retalhados,
lâminas quebradas
gotejando trevas
sob o olhar de
tédio dos cavalos.
Fúrias que se
ocultam em rosto vário
deixam nesta hora o
plano imenso.
Quando, nos
punhais, serão gravados
nossos nomes, nossa
hora, em silêncio?
No átrio, em
silêncio, um vulto chega.
A mortalha em
farrapos sobe ao vento. Esse encarne
do Amor (que nos
corpos apodrece) chora
a carne em solidão –
o negro templo.
Abre a multidão,
caída, sob o férreo sol
da estação de
Tebas. A brutal cidade
hoje uma chaga
aberta
numa entorpecida
América selvagem.
Como um cão divino,
transparente e grave,
passa a grande
sombra sobre o fio das facas.
Não purificou, o
Tempo, a sua arca
de agonias, de
miséria e sangue.
O meio-dia tange a
lágrima de bronze
sobre bondes e
pedreiros e peões cansados
e garis suados.
Pai, é teu cadáver
que Antígona
levanta em seus braços.
quarta-feira, 23 de julho de 2025
terça-feira, 22 de julho de 2025
O genial Curupira na COP30
Pedro Lucas Lindoso
Quando
menino tive medo do Curupira. Hoje ele um herói para mim. Esse simpático e
controvertido ser mitológico, habitante da floresta amazônica, protege as plantas e os animais dos
caçadores. Para evitar caça ou derrubada de árvores de forma predatória, o
Curupira faz as pessoas se perderem na mata.
Ele tem
os pés invertidos. Sempre confundiu os caçadores e predadores. Hoje é o terror
de pessoas que usam motosserras para desmatamentos ilegais.
Quando
soubemos que o Curupira foi escolhido como mascote da COP30, com seus cabelos
de fogo e os pés voltados para trás, tive a certeza que vai representar mais do
que uma figura lendária: ele é símbolo da proteção, da resistência e do
respeito à natureza.
Na
nossa cultura, o Curupira é aquele que defende as árvores, os animais e os
rios. Ele não fala, mas seu silêncio é um grito de alerta.
O
Curupira representa um chamado à consciência de todos os povos, de que a
floresta, nossa fonte de vida, precisa de vigilância e amor. Afinal, qual o melhor
símbolo para uma conferência que visa salvar o clima do que um protetor que
vive na essência da Amazônia.
Ao
escolher o Curupira, a organização do evento mostra que quer um resgate da
nossa identidade e uma homenagem aos nossos heróis invisíveis. É uma esperança
de que a luta não seja apenas de cientistas e políticos, mas de todos nós, que
carregamos a floresta em nossas raízes.
Se o
Curupira pudesse falar, talvez dissesse: “Não deixe que minha casa se perca.
Proteja o verde, preserve a vida.” E, neste momento, ele não é mais apenas uma
lenda, mas um símbolo vivo de resistência e esperança. Que sua figura inspire
ações concretas, que a sua coragem nos lembre que, juntos, podemos virar o jogo
e garantir um futuro mais justo e sustentável para as próximas gerações.
Porque,
no fundo, o que o Curupira nos ensina é que proteger a natureza é proteger a
nós mesmos. É manter viva a esperança de um planeta equilibrado, de florestas
preservadas e de vidas respeitadas. E, na COP30, essa mensagem ecoa forte e
clara, como os passos voltados para trás do guardião, que nos chama à atenção
para aquilo que realmente importa: nossa casa comum, a Terra.
Que o
Curupira, símbolo da resistência e da esperança, nos inspire preservar o que há
de mais precioso: a vida em toda sua diversidade e beleza. A ideia de escolher
o Curupira como mascote é genial. Como genial é o próprio Curupira.
Para saber mais sobre o Curupira, clique aqui.
domingo, 20 de julho de 2025
sexta-feira, 18 de julho de 2025
Artistas Plásticos do Amazonas, por Sérgio Cardoso 1/9
quinta-feira, 17 de julho de 2025
A poesia é necessária?
Geração 70
Taiguara (1945-1996)
Nós estamos inventando a vida
como se antes nada existisse,
porque nascemos hoje do nada,
porque nascemos hoje pro amor.
Nós estamos descobrindo os corpos
como a manhã descobre as imagens.
como o amor descobre a verdade,
como a canção descobre uma flor.
Nós queremos desvendar a tempo
esse mistério azul de oxigênio,
esse desejo imenso de sexo,
essa fusão de angústias iguais.
E nós vamos resistir sem medo
à solidão de um tempo de guerras
e nossos sonhos loucos e livres
vão descobrir e celebrar a paz!
terça-feira, 15 de julho de 2025
Valeu, Fluminense!
Pedro Lucas Lindoso
Sou
torcedor do Fluminense. Mas desde o início da Copa de times torci por todos os
times brasileiros. Principalmente, pelo FLU é claro. Esperava que nas quartas de final desse
campeonato todos os brasileiros fossem
torcer pelo meu time. Afinal era o único time brasileiro que restava.
Penso
que seria uma forma de torcer pelo Brasil. Foi um convite aos brasileiros para
carregar uma bandeira invisível, uma esperança coletiva que conectaria o
torcedor às raízes do futebol brasileiro. Agora não importa mais o resultado.
Perdemos o jogo. O que importa é o sentimento de que torcer pelo Fluminense,
naquele momento, significou algo maior. Torcer pelo Fluminense no 8 de julho de
2025 foi torcer pelo Brasil. Simples assim.
O
futebol, assim como a vida, é feito de altos e baixos, de vitórias e derrotas,
de lágrimas e sorrisos. E o torcedor, não só do Fluminense, mas os torcedores
de todos os times do Brasil, são apaixonados. Uma paixão vibrante.
Quando
o Fluminense entrou em campo, o coração do torcedor pulou forte. Um pênalti que
nos favorecia. Acabou não marcado. Um juiz francês. C’est la vie. E aí vem a
questão do "secar". Secar o time adversário, combater o rival com
estratégias que muitas vezes beiram a antipatia, o ridículo. Naquele momento em que o FLU representava o
futebol do Brasil. “Secar” pode ser
apenas uma demonstração de insegurança, de falta de empatia. Assim, ao invés de
valorizar o que o futebol tem de mais belo: a paixão, a história, o respeito.
Torce pateticamente contra.
Independentemente
do que aconteceu naquela semifinal da Copa de Times, valeu fluzão. João Pedro,
nosso algoz, foi cria da casa. Porque, no fundo, o futebol é isso: uma
narrativa de esperança que nos faz acreditar que sempre haverá outros jogos.
Logo vai chegar um novo sonho a conquistar.
Afinal,
como negar a beleza de um clube, que já viveu momentos gloriosos e, mesmo nas
horas difíceis, mantém-se firme, como um símbolo de esperança. E que dizer do
seu torcedor? Aquele que, mesmo diante de adversidades, não abandona a
esperança, que canta nas arquibancadas, que vibra com cada gol.
Portanto,
que todos os brasileiros possam entender: aqueles que apoiaram o Fluminense
naquele final de copa foi uma forma de amar o Brasil. De celebrar nossas cores,
nossas tradições, nossa paixão. E que, ao invés de secar, possamos torcer com
alegria, com respeito e com orgulho. Porque, no final das contas, o verdadeiro
espírito patriótico está em valorizar aquilo que nos une — o amor pelo futebol,
pela nossa Cultura e pelo nosso país. Ficamos na semifinal. Mas, valeu,
Fluminense!
domingo, 13 de julho de 2025
sexta-feira, 11 de julho de 2025
Trinta fábulas cruéis: Os que andam com os mortos
Ricardo Kaate Lima*
A
literatura amazônica nunca esteve em tão bom momento. Há uma variedade de
autores e autoras praticando poesia, contos e romances a partir de perspectivas
amplas e seguindo variadas tradições: o realismo social, a literatura marginal,
a fantasia especulativa e tantas outras. Temos uma literatura que existe e
resiste a despeito de ser ignorada pelos grandes centros, pelas grandes
editoras ou pelos grandes prêmios.
O
livro Os que andam com os mortos: fábulas cruéis e outras estórias más
(Editora Valer, 2024), de autoria do escritor e crítico literário amazonense
Zemaria Pinto, é um belo exemplar de boa literatura produzida no Norte. Também
pudera, temos um autor já consagrado no Amazonas, autor de mais de vinte livros
entre poesia, crítica literária, teatro e contos.
É
uma coletânea de histórias curtas que mostra um autor maduro, dono de um estilo
limpo e seguro. Não há frase ou palavra fora
do lugar. Tudo se encaixa num todo coeso. Zemaria nos apresenta trinta
histórias que narram facetas perversas da humanidade ou momentos dramáticos da
existência humana. Minhas favoritas são: “Do circo como espaço de tragédias”
narra a história trágica de um anão que trabalha em um circo; “Entrevista com
um patriota” apresenta as palavras de um ex-militar e torturador da ditadura
salazarista que justifica seus atos odiosos contra opositores do regime. “A
paixão de Antônio Mocinha”, dedicado ao saudoso Arthur Engrácio, é uma bela
fábula amazônica de triste final; já em “Foi Boto, sinhá”, Zemaria revisita a
lenda do Boto.
Caso
o leitor esteja à procura de fábulas, histórias sombrias e relatos perversos
que fogem do lugar-comum do que é publicado nas grandes editoras ou do que é
enviado em forma de enlatados pela indústria cultural para o Brasil, Os que andam
com os mortos é uma boa opção.
Então,
leitor amigo, aperte as mãos desses monstros oferecidos por Zemaria Pinto e
deixe-se levar pelos meandros da escuridão da alma humana.
*Doutor
em Ciências Sociais (UNESP), autor de O Fim de Todas as Coisas (2021) e
de A Lança de Anhangá (CACHALOTE, 2024).
quinta-feira, 10 de julho de 2025
A poesia é necessária?
Repetir-se
Régis Bonvicino (1955-2025)
repetir-se
em putrefatas que nada
nem um ser oco e aparente
repetir-se
em ausência, não em nada,
de carnes suaves em lábios
coxas, cabelos que se
emaranham em desejo
não
como a noite
bocejo diante do ereto
um narciso escombro cego
repete-se:
branco sob pontos negros.
terça-feira, 8 de julho de 2025
Sim ou não como defesa
Pedro Lucas Lindoso
Minha
esposa reclama quando, às vezes, respondo de forma ambígua. Digo não quando
quero concordar com algo.
No
português, parece que preferimos o não ao sim. Não é uma questão de
negatividade, mas de uma forma de expressão que carrega nuances de resistência,
de cuidado ou de simples preferência. Quando alguém nos pergunta se queremos
algo, muitas vezes, a resposta é quase automática: “Não, obrigado”, “Não quero”,
“Não posso”. Quando é algo que queremos
muito, dizemos logo: claro, com certeza. Quero!
Será
que o uso frequente do “não” revela alguma resistência? Não sei. Parece-me uma característica do
falante do português no mundo todo.
Já o “sim” pode soar como uma
afirmação rápida, uma abertura sem muitas explicações. O “não” é uma escolha mais pensada, mais
consciente. É uma forma de proteger o espaço, de estabelecer limites, de
mostrar que há algo que não se deseja ou não se pode. Será isso uma
característica machista que incomoda minha mulher?
Respondemos
com o verbo, é verdade, mas também com o sentimento que o acompanha. Não é só
uma palavra, é uma posição. Por exemplo: – Quer casar comigo? A maioria
responde: – Quero! Raramente se responde com um insosso sim.
E aí,
surge a questão: será que essa preferência pelo "não" reflete uma
cultura de resistência, de reserva, de cautela? Ou será que, na essência, é uma
maneira de dizer “quero pensar”, “preciso de mais tempo”, “não estou pronto”?
No
nosso dia a dia, o “não” é uma palavra poderosa. Pode fechar portas, mas também
pode abrir espaço para o que realmente importa. Porque, no fundo, dizer “não”
também é uma forma de dizer “sim” — sim àquilo que realmente desejamos, às
nossas prioridades, ao que acreditamos ser melhor para nós.
No
português, aprendemos a dizer “não” com frequência, como uma expressão de
cuidado, resistência ou preferência. No inglês, a coisa é um pouco diferente.
Aqui, muitas vezes, evita-se o “yes” — que pode parecer uma afirmação rápida
demais — e usa-se o auxiliar “I do” para reforçar uma resposta, uma afirmação
com mais ênfase ou precisão.
Por
exemplo, ao responder a uma pergunta negativa, em inglês, podemos dizer “I do
not” ou “I do” para afirmar ou negar com mais firmeza. Essa prática mostra uma
preferência por respostas claras, com um suporte gramatical que reforça a
intenção.
E,
assim como no português, o “não” é uma resposta carregada de significados. No
inglês, o “I do” ou a sua ausência também carregam uma nuance. Evitar o “yes”
muitas vezes é uma estratégia para não parecer demasiado afirmativo, para
manter uma certa delicadeza ou até mesmo para não se comprometer de forma
precipitada.
Em
qualquer língua – Português, Inglês, Francês, Espanhol ou Mandarim –, os
idiomas mostram que a forma de responder revela quem somos, como pensamos e
como nos posicionamos. No fim das
contas, a comunicação é uma ponte que construímos com cuidado e intenção.
E assim
seguimos. Falando a “última flor do Lácio, inculta e bela”, como disse Olavo
Bilac. Respondemos com o verbo, com o
coração, muitas vezes com o não. Porque, no português, o não é uma forma de
negar, claro. Pode também afirmar ou uma maneira de resistir, de refletir ou se
defender. Ora pois, pois.
domingo, 6 de julho de 2025
quinta-feira, 3 de julho de 2025
A poesia é necessária?
01
Jamerson Eduardo Reis
essa penumbra está em si mesma
escurimesmada
antesmontada
de pé no espaço entre os morros
entre o rio
essa penumbra está em si mesma
vestida em elmo-equino
suja de vento
de pé no espaço entre os morros
entre o rio
essa penumbra está em si mesma
esperando a si mesma
está antes das tempestades
de pé no espaço entre os morros
entre o rio
terça-feira, 1 de julho de 2025
A fé que fluiu no Encontro das Águas
Em
junho de 1980, há 45 anos, Manaus se preparava para um dos momentos mais
emblemáticos de sua história: a visita do Papa João Paulo II. O clima na cidade
era de expectativa e reverência. A procissão de São Pedro, anualmente celebrada
no dia 29 de junho, foi adiada para julho.
O governador do Amazonas, José Lindoso, católico fervoroso, e o prefeito
de Manaus, José Fernandes, evangélico, uniram-se em um gesto de respeito e
acolhimento. Ambos prepararam a cidade, com a significativa colaboração do Vice-governador,
Dr. Paulo Nery, para a chegada do Papa a Manaus.
Na
procissão, a baía do Rio Negro se transformou em um mar de barcos, todos com um
único destino: o Encontro das Águas, onde as correntes de dois rios se
entrelaçam em um abraço simbólico. O Papa, em uma das três fragatas da Marinha,
navegava lentamente pelo Rio Negro, cercado por autoridades e fiéis. As pessoas
acenavam dos barcos com fervor e alegria. No barco em que me encontrava, com
familiares, incluindo minha querida irmã Liliana, então noviça salesiana; naquele
dia pude testemunhar a sua fé junto com outras companheiras dedicadas à missão
preconizada por Dom Bosco. A cena era de
uma beleza indescritível: a silhueta do Papa contra o céu amazônico, as águas
refletindo a luz do sol, e as vozes em uníssono entoando cânticos de louvor.
É
preciso que se destaque um gesto de respeito e ética. O prefeito José
Fernandes, ao receber um terço de presente do Papa, decidiu que aquele símbolo
de fé deveria ser oferecido a quem realmente mereceria. Com um coração
generoso, ele entregou o terço a uma senhora católica, pobre e anônima, que
representava a simplicidade e a devoção do povo. Esse ato, reforça a ideia de
que a fé não se mede por títulos ou posições, mas pela capacidade de respeitar
e entender a fé do outro.
A missa
campal na Bola da Suframa, testemunhava um amazónico céu azul. O povo, num
respeitoso e contrito silêncio, se unia em oração. As palavras do Papa
reverberavam nas almas, e a conexão entre os presentes se tornava palpável. A
fé, como as águas do rio Negro, fluía livre e poderosa, unindo todos em um só
espírito. Aquela manhã mágica não era apenas uma celebração religiosa; era um
testemunho da força da comunidade, da esperança e da beleza que reside na
diversidade, na alegria do povo amazonense.
Assim,
o Encontro das Águas não era apenas um fenômeno natural, mas um símbolo da
união de diferentes crenças e culturas, refletindo a riqueza da Amazônia e a
profundidade da fé que habita em cada coração. E enquanto a fragata do Papa se
afastava, a cidade de Manaus sabia que aquele dia ficaria gravado para sempre
na memória coletiva, como um momento em que a fé e a beleza se entrelaçaram nas
águas do Rio Negro.
As
novas gerações precisam saber da fé que fluiu naquele dia. A bênção papal, dada
no meio do nosso Encontro das Águas, reverbera até hoje nessa cidade que um dia
se chamou Lugar da Barra de São José do Rio Negro.
domingo, 29 de junho de 2025
sexta-feira, 27 de junho de 2025
A estreia oficial de "Garrote"
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A plateia lotou poucos minutos antes de começar. |
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Abertura: música-tema original - "Eterno talvez" -, com a compositora Mirian Simões ao violão, e a felina Jaguar cantando. |
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Após a exibição, debate com parte da equipe e participação do pesquisador Jesem Orellana (camisa verde), da Fiocruz. |
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A professora Gleice Oliveira questiona os debatedores. |
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A plateia participa ativamente do debate. |
quinta-feira, 26 de junho de 2025
A poesia é necessária?
Da espera
Alcides Werk (1934-2003)
Direi aos pássaros que esperem,
enquanto perdurar a ronda dos morcegos.
Mas, quando se avizinhar a madrugada,
exigirei
que todas as canções tecidas no silêncio
deixem o verde tímido dos bosques
e povoem de sons as avenidas
para que os homens se alegrem
e conheçam que o mundo é bom.
terça-feira, 24 de junho de 2025
Língua de boi, não
Pedro Lucas Lindoso
Dia de
São João. As festas juninas são lembranças gostosas da minha infância.
Literalmente gostosas, como são as comidas dessa época.
As
festas, as fogueiras e o boi. Não havia para nós, meninos daqui de Manaus, o
Festival de Parintins. Mas havia boi-bumbá. Diferente das apresentações de
hoje. Mais parecido com as tradições do boi do Maranhão, eu presumo. Havia o
Corre Campo, o Tira Prosa e o Caprichoso da Praça 14.
As
famílias costumavam “contratar” um boi para se apresentar na frente das
residências. Era São João e meu pai contratou o Corre Campo. Eu passei o dia
ansioso para ver a apresentação. Foi na rua mesmo. Em frente à nossa casa. Nem
precisou interromper o trânsito. Não havia trânsito na Henrique Martins do
início dos anos de 1960.
Quando
o pessoal do boi chegou, meu coração batia forte. As bandeirinhas de sempre, feitas com
capricho, eram coloridas e de papel de seda. Enfeitavam o pátio da casa e ainda
cruzavam a rua, amarradas nos postes de luz. Foi-nos autorizado a fazer uma
pequena fogueira no pátio externo da casa. Uma exceção. As fogueiras só eram
permitidas no enorme quintal da casa de nossa avó.
E então
o boi chegou. Na apresentação conta-se a
história de Pai Francisco e Catirina.
Quando grávida, Catirina deseja comer a língua de um boi. Pai Francisco,
buscando satisfazer o desejo da esposa, mata o boi mais bonito da fazenda. Ao
saber, o fazendeiro manda prender Francisco. Ato contínuo, busca a ajuda de um
pajé para ressuscitá-lo. A festa do Bumba Meu Boi celebra a ressurreição do
boi, com música, dança e tudo mais. O festival de hoje enfatiza a festa. Mas
aquela história da mulher grávida desejar comer língua de boi, impressionou por
demais aquele menino de calças curtas que hoje vos escreve.
Eu
gosto muito de tambaqui, pirarucu, pescada e sardinha, especialmente bem ticada
e bem frita. Mas não gosto de pacu.
No
jantar daquela noite havia duas opções. Caldeirada de pacu e uma carne
estranha, ao molho madeira. Perguntei logo:
– O que
é isso? No que Darinha, nossa babá e cozinheira, respondeu:
– É
língua.
– De
boi? Perguntei eu. Entre espantado e curioso. Sim. Aquilo era língua de boi!
Nesse dia comi pacu sem reclamar. Só me lembrava da Catirina atormentando Pai
Francisco com desejo de comer língua. Não gosto de língua até hoje. Nem de
pacu. Mas preferi comer pacu. Viva Santo
Antônio, São Pedro e São João. Viva o Boi-bumbá! Língua de boi, não!
segunda-feira, 23 de junho de 2025
Garrote – trailer e comentário
Garrote estreia nesta quarta-feira, 25 de junho,
no Teatro Gebes Medeiros, térreo do Ideal Clube, às 19h.
domingo, 22 de junho de 2025
sexta-feira, 20 de junho de 2025
Garrote: estreia
quinta-feira, 19 de junho de 2025
A poesia é necessária?
Bilhete Em Papel Rosa
Adélia Prado
A meu amado secreto, Castro Alves.
Quantas loucuras fiz por teu amor, Antônio.
Vê estas olheiras dramáticas,
este poema roubado:
“o cinamomo floresce
em frente do teu postigo.
Cada flor murcha que desce,
morro de sonhar contigo”.
Ó bardo, eu estou tão fraca
e teu cabelo é tão negro,
eu vivo tão perturbada,
pensando com tanta força
meu pensamento de amor,
que já nem sinto mais fome,
o sono fugiu de mim. Me dão mingaus,
caldos quentes, me dão prudentes conselhos,
eu quero é a ponta sedosa do teu bigode atrevido,
a tua boca de brasa, Antônio, as nossas vidas ligadas
Antônio lindo, meu bem,
ó meu amor adorado,
Antônio, Antônio.
Para sempre tua.
terça-feira, 17 de junho de 2025
Bloomsday em Manaus
Pedro Lucas Lindoso
Os sudestinos subestimam Manaus. No “boom” da borracha nós
tivemos o maior PIB nacional. Onde há dinheiro a cultura floresce. Foi assim no
Renascimento. Acontece em todo lugar. E aqui corre dinheiro. E mais: a cidade
já deu gente como Claudio Santoro, Thiago de Mello, Márcio Souza, Milton Hatoum,
Elson Farias. A lista é enorme. E um
caboclo formidável que organiza o Bloomsday aqui. O Nelson Castro. Sim. Temos
movimento cultural. Temos gente que gosta e conhece Literatura. Temos
Bloomsday.
James Joyce é, sem dúvida, uma das figuras mais influentes da
literatura do século XX. Seu impacto vai muito além do seu tempo, pois sua obra
desafiou as convenções narrativas tradicionais e abriu caminhos para a
modernidade na literatura. Entre suas criações mais célebres, destaca-se Ulisses, uma obra monumental que retrata
um dia na vida de Leopold Bloom, na cidade de Dublin, em 16 de junho de 1904.
Joyce não foi apenas um romancista; foi um inovador do
idioma, um mestre na técnica do fluxo de consciência, que busca retratar os
pensamentos mais íntimos e complexos de seus personagens. Ulisses é considerado um verdadeiro épico urbano, uma celebração da
cidade de Dublin, suas pessoas, suas histórias e suas emoções. Sua importância
reside na sua capacidade de transformar o cotidiano em uma obra de arte,
elevando o trivial ao sublime, e desafiando o leitor a uma leitura atenta e
sensorial.
O Bloomsday é uma celebração anual que acontece justamente no
dia 16 de junho, data em que se passa toda a narrativa de Ulisses. Essa data foi escolhida porque representa o dia em que
Leopold Bloom vive suas aventuras na história. Desde a sua criação, na década
de 1950, o Bloomsday virou uma espécie de homenagem a Joyce e a sua obra,
reunindo leitores, estudiosos e admiradores em Dublin e em várias partes do
mundo. Durante as celebrações, é comum que as pessoas revisitem os locais
descritos no livro, leiam trechos da obra, assistam a peças teatrais,
participem de leituras públicas e até mesmo revivam as experiências do
personagem principal.
O Bloomsday é mais do que uma comemoração literária; é um
símbolo de como a literatura pode criar laços entre as pessoas, transformar uma
cidade, e eternizar uma obra através do tempo. Joyce, com sua genialidade,
mostrou que a narrativa pode ser uma janela para a alma de uma cidade e de seus
habitantes. E, ao celebrar esse dia, mantemos viva a chama da inovação, da
criatividade e do amor pela leitura.
Assim, James Joyce permanece como um gigante na história da
literatura, e o Bloomsday como uma celebração vibrante de sua visão única do
mundo — uma homenagem eterna a um dia, uma cidade, um homem, e a toda a magia
que a literatura pode proporcionar. E claro, aqui em Manaus, como em toda
cidade onde se lê e produz Literatura, comemora-se o Bloomsday. Por que não?
Valor da amizade
Pedro Lucas Lindoso
Viúvo
aos trinta anos, Manuel volta a morar com sua mãe. Desde que perdeu sua mulher,
dedica-se a cuidar de pessoas em situação de rua. Também faz visitas constantes
a creches e asilos. Montou uma equipe de
voluntários. Nesse grupo se destaca seu grande amigo de infância, o João.
Há
cerca de três meses, Manuel enfrenta um diagnóstico terrível e inesperado.
Agora, na quietude de um quarto silencioso, sob a luz tênue de uma manhã que
parecia não chegar, Manuel sabia que seus dias estavam contados. Sua pele
pálida, os olhos fundos, mas o coração aquecido pela presença de quem mais
amava — sua mãe Maria e seu amigo João. Ali, na beira de sua cama, uma última
esperança se acendia: a de deixar uma mensagem de amor, de gratidão e de
amizade verdadeira.
Manuel,
com os olhos marejados, segurou a mão de João, seu amigo de longa data, e com
voz fraca, mas cheia de significado, pediu algo que carregaria no coração para
sempre: que João cuidasse de sua mãe, que amparasse Maria, aquela mulher que
lhe dera a vida e o ensinara a amar. E João, com lágrimas silenciosas, prometeu
— não só cuidar de Maria, mas honrar a amizade que os unia, aquela amizade que
resistiu às tempestades da vida e que agora se mostrava ainda mais preciosa.
A
amizade entre João e Manuel era uma história de afeto, de companheirismo e de
respeito mútuo. Desde os tempos de infância, compartilhando sonhos,
dificuldades e alegrias, eles aprenderam que o verdadeiro valor de uma amizade
é medido nos momentos difíceis. Quando a doença veio silenciosa, Manuel soube
que podia confiar em João, assim como confiava no amor de sua mãe. E foi nesse
momento de despedida que a amizade se revelou mais forte — uma ponte de
solidariedade e esperança.
A
despedida de Manuel nos ensina uma lição fundamental: valorizar nossos amigos.
Pessoas que nos acompanham na jornada da vida, que oferecem seu apoio sem
esperar nada em troca, são nossos maiores tesouros. E amar a nossa mãe,
demonstrar gratidão, é uma dívida que carregaremos para sempre. Não há maior
ato de coragem e de amor do que cuidar de quem nos deu a vida, mesmo quando ela
já não está mais conosco.
Que a
história de Manuel, João e Maria inspire cada um de nós a cultivar amizades
sinceras e a valorizar o amor de nossas mães. Pois, no final, são esses laços
que nos dão sentido, que nos mantêm de pé, mesmo diante das adversidades mais
incontornáveis. E que, na despedida, possamos deixar para o mundo a mensagem de
que o verdadeiro valor da vida está no amor, na amizade e na gratidão que
carregamos em nossos corações.
Não
conheço essas pessoas. Essa história me foi contada por uma amiga de Brasília.
Lembrou-me que Jesus, sendo crucificado, pediu a João, que estava com Maria e
Madalena ao pé da cruz, que tomasse conta de sua mãe. A história reflete o
valor de uma amizade. Uma linda amizade.