Três haicais de primavera
Gracinete Felinto
Na estação das flores,
belas manhãs de setembro.
Borboletas dançam.
Nas paredes, flores
descem enfeitando o prédio,
início da estação.
No vaso, uma flor
dedicada à estação.
Lá fora, perfume.
ensaios, contos & outras prosas
Três haicais de primavera
Gracinete Felinto
Na estação das flores,
belas manhãs de setembro.
Borboletas dançam.
Nas paredes, flores
descem enfeitando o prédio,
início da estação.
No vaso, uma flor
dedicada à estação.
Lá fora, perfume.
Pedro Lucas Lindoso
Uma
jovem me pediu uma mentoria. Achei aquilo inusitado. O que seria uma mentoria?
Então você quer que eu lhe dê conselhos? Ela me disse que sim. Gostaria que eu
a ensinasse a ser amazonense. Estranho isso. Perguntei-lhe o motivo. Ela disse
que preferia não contar. Mas que aguardava ansiosa por meus conselhos. Minha
mentoria. Disse-lhe que de fato era amazonense e filho de amazonenses. Mas que
havia vivido por mais de trinta anos em Brasília. Talvez estivesse um pouco
descaracterizado. Ela me disse que justamente por isso eu faria uma boa
mentoria. Por ter sido exposto a outras vivências.
Disse-lhe
então que poderia lhe dar algumas dicas. Não seria nem mentor nem conselheiro.
Teríamos um prazeroso bate-papo. E comecei dizendo que deveria gostar de
tacacá, de farinha do Uarini, pimenta murupi e caldeirada de peixe. Sim,
deveria saber ticar um peixe. Informou que já gosta de peixe, tacacá e
pimenta. Mas não sabia ticar peixe.
Ficou de aprender com a sua cozinheira já no dia seguinte.
Pareceu-me
bem determinada. Já sabia o básico. Deveria ir ao centro, merendar ovo coberto
com suco de maracujá. Pedir do vendedor uma coxinha de massa de mandioca e
recusar a coxinha de trigo. Não chamar bombom de bala. Bala só de cupuaçu ou
castanha. Chamar cabide de cruzeta, menino de curumim e menina de cunhatã. Se
você não souber o nome do porteiro ou do zelador, pode chamá-lo de “seu
menino”. Se no Sul fala-se vigiar o carro, aqui é reparar. A gente repara
crianças também. E repara também outras coisas. O que deve e o que não deve.
Pode-se usar a expressão “telezo” entre
amigos. Mas acusar alguém de leseira baré pode ser constrangedor. Amazonense
gosta de tomar banho de chuva quando criança. Mas quando adulto, se chove
muito, chama a chuva de toró, nunca tempestade. E fica em casa. Não sai nem
para ser enterrado. Deixa para o dia seguinte.
Tem que
torcer por um boi. Se for Garantido, evitar vestir a cor azul e nem pronunciar
o nome do Caprichoso. Dizer que é o boi contrário. Gostar mais de toada de boi
do que samba, gostar de praia de rio e banho de igarapé.
Ser
amazonense raiz é mais do que nascer na maior floresta tropical do mundo. É
mergulhar de cabeça na essência de uma cultura riquíssima. É preciso aprender a
respeitar e valorizar a floresta. Não basta admirar sua beleza de longe; é
preciso entender seu ritmo, sua riqueza e diversidade.
Um
verdadeiro amazonense se orgulha de sua história. Conhece as lendas indígenas,
as histórias dos seringais, o valor da floresta para a sobrevivência de todos.
Sabe receber as pessoas com um sorriso, dividir um peixe assado na beira do
rio.
Ser
amazonense raiz também implica em estar conectado com a natureza de maneira
consciente. Valorizar os rios, as matas, os animais. Defender a floresta e seus
povos, porque ela é nossa fonte de vida e identidade.
É preciso amar esta terra de verdade — com
orgulho, com coragem, com esperança. Porque ser amazonense é muito mais do que
uma origem; é uma atitude de amor. E assim, quem abraça essa essência, vive e
respira a alma do caboclo, torna-se, de fato, um verdadeiro amazonense.