Amigos do Fingidor

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

A poesia é necessária?

 

Escuta o que vou dizer

      Rita Alencar Clark

 

Escuta o que vou dizer:

Antes de tudo acontecer, tinha eu,

Eu e minhas muitas eus…

Uma que sabe, outra que nega,

Que finca pé e outra, ainda, que

Solenemente, ignora e dá de ombro!

Se te falo que não tenho pudores,

Não fale em recato, que sou pura.

Só sei o que não quero e já visto.

Saí da trilha, me perdi, retomei a

Rota, aprendi seguindo o céu do

Meu coração, em plena atenção.

Ainda assim, quer você sentar-se

Comigo, ao entardecer, e apreciar o

Canto dos anjos nas ondas do mar?

Sente-se aqui, em silêncio, quieto

Pra ouvir o Angelus às seis da tarde.

Vou te dizer mais:

Tenho vivido entre desencontros,

As cenas que recorto dos filmes

Vistos são sempre de despedidas,

Nunca de encontros, só partidas.

Às vezes, piada dramática, outra

Vez uma cena final de Almodóvar,

Apoteótica, piegas, triunfal!

Posso até te dizer mais ainda:

Talvez seja a hora de refazer

Algumas cenas, quem sabe, talvez,

O começo de um poema…

Ou um bom mergulho no mar?!



quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Mostra de cinema CABA, a Amazônia como ela é

 Zemaria Pinto

 

Aconteceu na última sexta-feira, 24 de janeiro, a “Mostra de Cinema CABA”, da Companhia de Artes Bacaba, no Teatro Gebes Medeiros, que está abrigando a programação do Cine Guarany, em obras.

(Você já sacou, leitora/leitor, que a caba em questão não é o simpático himenóptero, de ferroada terrível, mas um acrônimo para Companhia de Artes...)

A CABA (essa fusão é prevista) já nasce grande: “acreditamos que a arte é uma ferramenta poderosa para celebrar, questionar e refletir sobre o mundo ao nosso redor”, diz o prospecto de apresentação da Mostra, o que os curtas-metragens apresentados, mais o show musical de abertura – “Na trilha do maraká” –, confirmam plenamente.




  Vendo Boto (2020), dirigido pelo ícone do teatro amazonense Nonato Tavares, mostra Fidelis Baniwa no papel do mitológico sedutor dos beiradões amazônicos.

Tributo a Chico Mendes (2020), direção de Bruno Pantoja, o líder da Companhia de Artes Bacaba, faz o registro audiovisual da leitura da peça que dá título ao filme, de autoria de João das Neves. Mais que teatro filmado, com as limitações da leitura, Tributo... é um exercício de criatividade e beleza, potencializando o efeito da tragédia do líder acreano.

Feira do Troca (2022), dirigido por Bruno Pantoja, mostra a ativista Olga D’Arc conduzindo um evento inusitado: uma feira onde não se usa dinheiro, mas apenas o “escambo”, isto é, a troca de produtos e o compartilhamento de experiências e muitas histórias.

Viva Sebastião! (2023), sob a direção de Bruno Pantoja, assistimos a festejos em homenagem a São Sebastião que remontam a mais de cem anos, sustentados unicamente pela fé popular e pelas imbricações entre religiosidade e cultura.

Santo Antônio da Terra Preta (2024), o mais recente trabalho da CABA, também dirigido por Bruno Pantoja, retoma o tema do filme anterior, analisando a festa de Santo Antônio, em Manacapuru, outra tradição centenária, aliás, perto de bicentenária, pois nasceu das promessas dos parentes que temiam perder seus entes queridos que lutavam na guerra da Cabanagem (1835-1840). Pela qualidade técnica, bem como a combinação entre entrevistas e registros, o filme destaca-se dos demais, mostrando a evolução da Produtora e do diretor.

O próximo filme é um desafio ainda maior: Garrote, ambientado na Manaus de 2021, em plena crise de oxigênio, que ceifou a vida de milhares de amazonenses. É um filme de ficção que passa longe do panfletarismo, investigando a deterioração das relações num ambiente que combinava o descaso pela saúde pública e o negacionismo. Aguardemos. 

  

  

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Vovô foi para a Disney


Pedro Lucas Lindoso

 

Sou do tempo em que ficávamos três meses de férias. As aulas só voltavam em março. Depois do Carnaval.

Um decreto de 1967 instituiu o ano letivo de 180 dias. Anos depois, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estipulou 200 dias. Para tristeza dos professores e alegria dos pais. Mas houve dias que não havia lei impondo dias letivos e calendário escolar.

Naquele tempo morava-se em casas grandes, com quintal e pátios. Os pais de classe média tinham a sua disposição babás e empregadas 24 horas por dia. As mães de outrora tinham ajuda para reparar as crianças, inclusive nas férias escolares.

As coisas mudaram. Manter uma babá custa caro. Elas têm seus direitos trabalhistas. O que é muito justo.

Assim, nos dias atuais, os meses de férias podem ser dramáticos para algumas famílias. Crianças presas em apartamentos a ponto de ficarem com os olhos quadrados ou retangulares. De tanto ver telas. Da televisão, do computador, do tablet e principalmente do celular.

O ideal é que as famílias pudessem viajar. Outro dia, minha netinha Catarina, de apenas dois anos e meio, espantou a todos:

– Quero ir para Disney!

Com o dólar nas alturas acho que Catarina vai ter que esperar um pouco. Um amigo de Brasília, pai de quatro filhos, era sempre cobrado para levá-los à Disney. Invariavelmente, respondia:

– É um lugar para onde todos vamos um dia.

Ariano Suassuna após ser eleito para a Academia Brasileira de Letras foi perguntado por uma socialite carioca se conhecia a Disney. Ao dizer que não, o espanto e desapontamento da senhora foi tanto que Suassuna concluiu que a humanidade se dividia em duas classes. Os que conheciam e os que não conheciam a Disney.

A família do meu amigo brasiliense pertencia à segunda categoria. Não tinham ainda ido lá. Mas levar todos os seis não seria fácil. E não era por falta de pedidos. A resposta era sempre a mesma. A menorzinha perguntou diferente: pai onde fica mesmo a Disney? A resposta não mudava:

– Um lugar aonde todos vamos um dia.

Há quinze dias, o pai do meu amigo de Brasília, um vovozinho simpático, lúcido, muito querido, faleceu dormindo, aos noventa e seis anos. O caçula perguntou ao pai:

– Pai, para onde o vovô foi? O pai respondeu:

– Um lugar aonde todos vamos um dia. O menino espantado exclamou:

– Vovô foi para a Disney!

 

domingo, 26 de janeiro de 2025

Manaus, amor e memória DCCVII

 

Ponte dos Remédios.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

A poesia é necessária?

 

[4] Poemas perfeitos para levar no peito

Evandro Lobo

 

Poeta,

este sonhador errante:

torna belo o simples

e o abstrato importante.

 

 

Ritmo é tudo:

quando o corpo se reconstrói

e o coração não fica mudo.

 

O canto é triste...

mas o pássaro

resiste.

 

É preciso ser preciso:

o pássaro não voa à toa

nem admite improviso.

 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Só no dinheiro vivo

Pedro Lucas Lindoso

 

Notícias preocupantes, vindas diretamente do Rio de Janeiro, sobre nossa estimada tia Idalina. Mais teimosa do que nunca, resolveu sair de todos os grupos de WhatsApp.

Até mesmo o “amigas do peito”. Grupo que se iniciou entre senhoras preocupadas com câncer de mama, menopausa e reposição hormonal. Ficaram tão amigas que já fizeram até excursões e viagens de turismo juntas. O último passeio foi a São Paulo. Foram assistir ao musical “Tarsila, a Brasileira”, que apresenta a vida da renomada pintora Tarsila do Amaral. Estrelado com Claudia Raia e o marido. Adoraram o espetáculo.

Tia Idalina adora esses passeios e vive saindo com as tais amigas do peito. Mas saiu do grupo. De todos os grupos e contatos. O pior de tudo é que anunciou que não usará mais celular.

Algumas pessoas acharam que tia Idalina havia falecido. Ela riu da estória. Estava muito nova para morrer.

Agora titia está afirmando que fez sessenta anos. O que é uma deslavada mentira. Uma pessoa que namorou um dos membros fundadores do Clube da Madrugada não tem só sessenta.

Coube a uma das sobrinhas de Idalina descobrir o motivo dessa drástica “morte digital” acontecida com titia. A primeira pergunta feita foi como ela viveria sem o aplicativo do banco.  Ela disse que há um caixa eletrônico perto. Desinstalou tudo.

Um verdadeiro suicídio. De acordo com vários de seus sobrinhos, não existe vida fora da web. Idalina pretende provar que é possível. Está com medo dos espiões do governo. Ela tem duas aposentadorias. Uma de professora outra de servidora estatutária dos Correios. Tudo lícito. Mas recebe ainda duas outras pensões de dois maridos falecidos. Tem medo que o Governo casse seus benefícios.

Ouviu falar que vão fiscalizar do pix passado ao verdureiro da feira ao pix pago como salário da empregada. Um absurdo, segundo Idalina. Explicou-se que o controle sempre existiu. Que ela não se preocupasse. Querem pegar grandes sonegadores, corruptos e traficantes. Não é o caso de tia Idalina. Mas ela está irredutível. Viu muita fake news nas redes sociais. Sabe-se que mentira tem perna curta. Mas o boato corre.

 E titia acreditou nas fake news e inverdades espalhadas dentro e fora das redes sociais. Mesmo porque notou que muitas pessoas estão recusando pix. Titia aloprou. Disse que ela, daqui para frente, vai trabalhar somente com numerário. Para Idalina agora só no dinheiro vivo.

 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

domingo, 19 de janeiro de 2025

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

A poesia é necessária?


Cultura

Lu Nobre

 


Arderam muitos sóis

 

Limpou

Adubou

Arou

Semeou

Irrigou

 

Deitaram-se muitas luas

 

Combateu gorgulhos orgulhosos 

Cascudos atrevidos

Bicheiras sorrateiras

Percevejos invejosos

Engoliu lagartas famintas

Descartou junquinhos

 

Rugas

Rusgas

Rasgos

 

Depois de colher,

Pilou, gemeu

Gemeu, cantou

Transpirando, pilou

Pilou, pilou

 

De paneiro conjugado às mãos,

Numa dança braçal que só ele conhecia,

O lavrador, então,

Tomou lugar contra o vento,

Que soprou, soprou, soprou

As cascas de tudo

 

O que ficou alimenta.

  

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Corujinhas voltaram

Pedro Lucas Lindoso

 

2025 chegou com novidades para os manauaras. Ou manauenses.  A volta das corujinhas. Em Brasília as chamam de pardais. Para mim, a ave mais adequada seria o corvo. Geralmente o corvo é interpretado como indicativo místico de mau presságio. O fato é que possivelmente dentro de alguns meses a cidade vai parar. Manaus está saturada de carros. Ninguém aguenta mais o trânsito da cidade.

Manaus fica cercada pela floresta amazônica. E tornou-se também uma selva de buracos, congestionamentos, obras e azulzinhos conferindo e anotando placas dos carros.

No início, a faixa azul serviu para afugentar os flanelinhas. Agora eles voltaram. Paga-se para estacionar e paga-se para reparar o carro, como diz o outro. Quem é o outro? Ninguém sabe quem é o outro. Melhor pagar, senão vai se arrepender.

Os diversos prefeitos insistem em construir viadutos. Quanto mais viadutos mais carros aparecem.

São anos e anos de crescimento desordenado. A nossa cidade parece que não se preparou para a era dos carros. Parou no tempo das catraias. A babá da minha irmã morava em São Raimundo. Ela vinha trabalhar de catraia. Nunca se atrasou. Sua sobrinha, que hoje é diarista, vem de ónibus. Mora na mesma casa. E se atrasa devido ao engarrafamento.

Antigamente, só tinha engarrafamento na hora do rush. Uma palavra do Inglês que significa pressa, avanço, corrida. Justamente o que não acontece nessa hora. Não adianta ter pressa porque nada avança e não tem como correr.

Antigamente, os engarrafamentos tinham hora e local. Avenida Djalma Batista e Paraíba entre cinco e seis da tarde. Quem gostava deles era só dirigir-se, de carro obviamente, para essas avenidas no horário. Os engarrafamentos eram portanto mais organizados e previsíveis. Agora não. Toda hora e todo lugar engarrafa. Desordem total.

Ainda tem as centenas de sinais luminosos. Ou semáforos. Nem todos são obedecidos. Principalmente pela noite e madrugada. Os outros sinais que não são luminosos também são bastante desobedecidos. Principalmente onde é proibido parar e estacionar.

E temos as motos. Mas isso e para outra crónica. E não se esqueça. As corujinhas voltaram. Coruja não fala como os papagaios. Mas presta muita atenção. E multa.


domingo, 12 de janeiro de 2025

Manaus, amor e memória DCCV

 

Cine Guarany.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

A poesia é necessária?


                Passeio

             Grace Cordeiro

 

Muito prazer em te conhecer Dylan Thomas!

Muito prazer em te conhecer Antonin Artaud! 

Muito prazer em te conhecer Lima Barreto!  

Muito prazer em te conhecer Marcileudo Barros!

Muito prazer em te conhecer Alejandra Pizarnik!

Muito prazer em te conhecer Violeta Parra!

Muito prazer em te conhecer Sylvia Plath!

Muito prazer em te conhecer Violeta Branca!

Parto esse pão cheio de vontades!

Parto esse pão feito de loucura e vaidade! 

Parto esse pão porque é necessário coragem!  

Parto esse pão porque houve a semente, o fruto e as mãos!

Parto esse pão para os mudos e os surdos (quando deveria ser para todos).

Parto esse pão porque fomos expulsos do paraíso.

Parto esse pão, tabuleta de argila, pergaminho, papiro, papel e que agora desliza límpido na tela de um computador.

Parto esse pão coberto de linhas e signos no banco da praça, na cadeira de um botequim, no intervalo de um trabalho, no desassossego de uma vida.

Parto esse pão, bebo seu sumo porque tenho sede de conhecimento, alma e beleza.

Parto esse pão, essa palavra descascada, mastigada, esculpida, talhada, porque ela é sagrada e pode ser silenciada.

Parto esse pão, da praça à Academia, entre sóis violetas e ventos sonolentos

Parto esse pão, a palavra, esse breve sussurro da humanidade... ad immortalitatem.

  

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Sem barulho

Pedro Lucas Lindoso

 

Liguei para a minha querida tia Idalina para saber como passou o réveillon. E, claro, desejar-lhe um novo ano com saúde e prosperidade. Estranhei sua carinha de tristeza no vídeo do celular. Ela foi logo dizendo, em francês: “Je suis devastée”. Em tradução rápida significa estar arrasada.

Quando ela fala francês comigo, das duas uma: ou está muito feliz ou muito triste. Perguntei-lhe o que houve. E ela continuou gastando seu francês. “Riobaldo est mort”.

Riobaldo, cachorro de estimação de Idalina, morreu na passagem do ano novo. Uma tragédia para titia. Já idoso, Riobaldo atordoado com o barulho de fogos de artifício, após latir incessantemente, começou a sentir falta de ar. Segundo tia Idalina, ele ficou ofegante. Era como se estivesse com dificuldade em puxar o ar para os pulmões.

Titia acha que Riobaldo enfartou em consequência dos fogos. Sabe-se que os fogos são terríveis não só para os animais. Crianças e autistas sofrem muito com o barulho. Idosos também.

Tia Idalina diz que apesar de ter 70 anos não se considera idosa. E complementa:

– Os fogos são desesperadores também para a terceira idade. Não é o meu caso. Mas tenho amigas idosas que ficam em pânico.

Sabemos que tia Idalina não tem só 70 anos. Ela foi ao baile do Rio Negro Club que elegeu Terezinha Morango Miss Amazonas. Em 1957. Mas voltemos aos fogos do réveillon.

Para os autistas os fogos trazem sobrecarga sensorial. O barulho é avassalador. Provocam estresse e ansiedade. As luzes brilhantes também podem causar reações aversivas.

Alguns tem dificuldade em entender o que está acontecendo. Essa situação pode fazer com que autistas fiquem, além de assustados, frustrados e desorganizados.

Teve origem no Senado Federal um Projeto de Lei que proíbe a fabricação, o armazenamento, a comercialização e o uso de fogos de artifício que produzam barulho acima de 70 decibéis. Está em tramitação na Câmara dos Deputados.

Espera-se que em breve a lei seja sancionada pelo Presidente da República. Afinal, três cachorrinhas vivem no Alvorada. Esperança, adotada na visita do presidente na cheia de Porto Alegre, Paris e Resistência. Esta última foi a cachorrinha que ficou famosa e entrou para a história por ser o primeiro animal a subir a rampa do Palácio do Planalto no dia da posse presidencial. O próximo réveillon será sem barulho. É lei.

 

domingo, 5 de janeiro de 2025

Manaus, amor e memória DCCIV

 

Exposição do Clube da Madrugada, na praça da Matriz, primeira metade dos anos 1960:
no sentido horário, identificamos Getúlio Alho (foto 1); obras de Getúlio Alho (foto 2);
Afrânio de Castro (mãos no bolso), Aluísio Sampaio (braços cruzados) e Elson Farias (foto 3); 
Afrânio de Castro (foto 4, de perfil).

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

70 anos do Clube da Madrugada (texto de abertura e vídeo)

 Zemaria Pinto


Fundado em 22 de novembro de 1954, mas amadurecido desde cinco anos antes, o Clube da Madrugada germinou da resistência de uma geração, nascida na segunda metade dos anos 1920 e primeira metade dos anos 1930, ao marasmo governamental, que nada de interessante oferecia aos jovens que concluíam os estudos médios, a não ser o curso de Direito. Restava a esses jovens os caminhos do porto e do aeroporto, rumo ao Brasil.

Um grupo deles chegou a realizar duas viagens pelo país, antes da fundação, para descobrir, num tempo de comunicações precárias, o que acontecia de novo no país. Descobriram, por exemplo, o Modernismo dos anos 20, o romance realista dos anos 30 e a chamada Geração de 45, da qual fazia parte o jovem estudante de medicina Thiago de Mello.

Em 1955, comemorando um ano de fundação, o Clube da Madrugada lançou um manifesto, criticando as artes em geral e o pensamento retrógrado da Academia Amazonense de Letras. O item Literatura, que abre a seção crítica do manifesto, é uma verdadeira bomba: Não há literatura no Amazonas. O resto é história.

Influentes nos 30 anos que se seguiram, além da literatura, o Clube ajudou a plasmar a cultura amazonense como a conhecemos hoje, nas artes plásticas, no cinema e na música, e, principalmente, na maneira de pensar a cultura. 70 anos depois, o Clube mostra seu vigor no interesse que desperta nos jovens por estudar sua gênese e seu desenvolvimento, longe ainda de esgotar esses estudos.    

Clique sobre a figura, 
para abrir o vídeo no YouTube.


quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

A poesia é necessária?

 

Círculo vicioso

Machado de Assis (1839-1908)

 

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:

– “Quem me dera que fosse aquela loura estrela,

Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”

Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

 

– “Pudesse eu copiar o transparente lume,

Que, da grega coluna à gótica janela,

Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!”

Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

 

– “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela

Claridade imortal, que toda a luz resume!”

Mas o sol, inclinando a rútila capela:

 

– “Pesa-me esta brilhante auréola de nume...

Enfara-me esta azul e desmedida umbela...

Por que não nasci eu um simples vaga-lume?”