Atualmente, Praça do Congresso. |
domingo, 28 de junho de 2015
sábado, 27 de junho de 2015
quinta-feira, 25 de junho de 2015
exercício nº 15
Zemaria Pinto
no meio da escritura do poema
me vi perdido numa selva escura
por entre feras que desconhecia
talvez espectros de uma outra lida
em vão buscava no negrume denso
alguma luz de algum outro caminho
um veio, uma vereda, escassa trilha
que me levasse para além do transe
transida de silêncio, uma pantera
vibrando fogo de impossíveis fauces
sobre meu dorso deita o peso eterno
do medo renovado a cada instante
as garras invisíveis me violavam
dilacerando a pele da memória
O pensamento genético
João
Bosco Botelho
Quando o abade agostiniano Gregor Mendel
(1822-1883) apresentou, no dia 8 de fevereiro de 1865, perante a União dos
Naturalistas de Brunn, na Alemanha, o resultado das suas pesquisas do cruzamento
de ervilhas, os presentes não entenderam nada. Parece certo que o próprio
Mendel também não avaliara que estava mudando o pensamento científico: introduzindo
o terceiro corte no conhecimento da Medicina
– o pensamento molecular.
O abade Gregor Mendel, doutor em
teologia, estudou matemática, física e ciências naturais em Viena. Sofreu a
influência do darwinismo em plena ascensão na Europa e das teorias mecanicistas
dos séculos precedentes. Durante quinze anos, pacientemente, no intervalo das
suas obrigações litúrgicas, efetuou cruzamentos entre espécies diferentes de
ervilhas e anotou os resultados. Só no primeiro ano o cientista selecionou 5.527
sementes de ervilhas. A conclusão que gerou as leis de Mendel, fixou a
existência concreta do componente genótipo (caracteres da herança genética) e do
fenótipo (a aparência externa do indivíduo).
A consequência dos estudos de Mendel
ainda esperaria algum tempo para que a busca da materialidade da doença
passasse a ser procurada na dimensão molecular, muitíssimo menor do que a da célula
(existem milhões de moléculas no interior da célula). As pesquisas para
encontrar as causas das doenças pularam da microestrutura (a célula) para
dentro da célula (ultramicroscopia): estava aberto o formidável universo para outras
explicações da saúde e da doença.
Esse ponto delimitou a nova esperança de
melhor entender o paradoxo fundamental da Medicina: em qual dimensão da matéria
o normal se transforma em doença?
Para melhor entender a importância da
genética mendeliana, é necessário reconstruir algumas características do
pensamento da segunda metade do século 19. Em 1859, Charles Darwin (1809-1882)
publicou "A origem das Espécies", resultado de vinte anos de
observações nas cinco viagens, a bordo do navio Beagle, quando recolheu
o material que utilizou de suporte para a sua teoria. Imediatamente o livro se
tornou um sucesso de venda e foi traduzido, nos meses seguintes, em várias
línguas.
As propostas teóricas de Mendel e Darwin
foram incorporadas à Medicina e proporcionaram que o século 20 persistisse na
busca da saúde e da doença em dimensões cada vez menores da matéria viva: na
molécula.
Sem dúvida que o terceiro corte
epistemológico da Medicina, pensamento molecular iniciado com os estudos de
Mendel, marcou a prática médica dominante no século 20, gerando o aparecimento
da genética, do genoma, inseminação artificial, tratamento por meio de células
tronco e muitas outras mudanças.
Parece claro supor que a melhor
compreensão do átomo, nos próximos anos, impulsionará a Medicina do futuro na
direção do pensamento atômico, quando as buscas pela materialidade da saúde e
da doença serão dominadas pelas mudanças na estrutura do átomo.
quarta-feira, 24 de junho de 2015
segunda-feira, 22 de junho de 2015
Volte já para o seu lugar
Pedro Lucas Lindoso
O trágico desastre aéreo da Germanwings causado
pela saída do comandante da cabine, viabilizando a loucura fatal do copiloto,
fez me lembrar de uma viagem de dona Carmosina, com destino a Fortaleza.
Dona Carmosina é uma cearense típica,
despachada, engraçada e sorridente. Já saiu do Ceará faz tempo, mas o Ceará e
seus costumes, sotaques e idiossincrasias não abandonam dona Carmosina.
Carmosina é bem de vida, estribada, como se diz
em Fortaleza. Mas tem verdadeiro pavor de andar de avião. Com certa razão. O voo
Vasp 168, em junho de 1982, se chocou contra a Serra da Aratanha, na Região
Metropolitana de Fortaleza. Todos os 137 ocupantes do Boeing morreram na
colisão, inclusive sua filha mais nova.
Apesar desses fatos trágicos, as viagens de
dona Carmosina são sempre recheadas de estórias fantásticas relatadas pelos
acompanhantes. Ela nunca viaja sozinha. E poucos se candidatam a acompanhá-la.
É um mico total. Carmosina viaja, com um terço na mão, uma toalha na cabeça e
fica o tempo todo rezando e suspirando. Quando não dá gritos ou cai no choro.
Na sua última viagem, Aline, sua sobrinha-neta,
topou acompanhá-la. Afinal passagem e estadia em Fortaleza paga qualquer
constrangimento.
Carmosina e Aline sentaram-se na primeira fila
no avião. Cadeiras 1B e 1C, respectivamente. Na janela 1A estava um garoto de
uns oito anos, com cara de danação, entregue aos comissários, pois estava
desacompanhado. Na cadeira 1D e 1E, sentou-se um casal com um bebezinho que
chorava o tempo todo. Na cadeira 1F, sentou-se uma religiosa obesa, que também
portava um terço, mas estava calma.
Aline pergunta ao garoto, o que era aquela
medalha alfinetada em sua camisa. O menino diz que era uma medalha de Padre
Cícero, uma espécie de “salvo”. Se o avião cair, só ele se salvaria. Pronto.
Carmosina deu um grito e começou a chorar. A freira perguntou se ela chorava
por ser parente de um defunto que estava sendo transportado naquele voo.
Carmosina deu um grito histérico. Foi o fim da picada. A bebezinha também
começou a chorar. Confusão total.
O comandante sai da cabine para resolver a
questão e acalmar os ânimos. Carmosina pergunta ao piloto:
– Quem é o senhor? E ele responde;
– Sou o comandante.
Pelo amor de Deus, volte já para o seu lugar.
Agora!!!
E desmaiou.
domingo, 21 de junho de 2015
sábado, 20 de junho de 2015
sexta-feira, 19 de junho de 2015
Dori Carvalho
Tenório Telles
Os homens mais importantes
de um país não são os que vivem enredados no poder, nem aqueles que acreditam
que acumular tesouros é a finalidade da existência. Os seres humanos mais
importantes são os que contribuem para o enriquecimento da sociedade. Falo
especialmente dos que trabalham para tornar o convívio humano mais solidário,
generoso e cidadão. Nessa categoria de construtores sociais, incluem-se os
escritores, os pensadores, os estadistas, os profetas, os artistas de verdade,
os editores e os livreiros.
Editores e livreiros cumprem
na história uma função civilizadora. Desde os tempos dos escribas ajudam a
preservar a cultura – produzindo livros e fazendo-os circular, chegar aos
leitores. Trata-se de gente perigosa, por isso têm sido alvo de perseguições,
calúnias e não foram poucos os que pagaram a ousadia com a vida. A história de
Monteiro Lobato, José Olympio e Joel Silveira não deixa dúvidas quanto a isso.
Fiz esse arrodeio para
emoldurar a história que vou contar. É uma história imbricada com a minha
caminhada e a de muita gente em Manaus. Aliás, é parte da construção cultural
da cidade. Como falei, os livreiros são agentes a serviço da cultura e da
liberdade. A trajetória da Livraria Maíra e do escritor e ator Dori Carvalho é
afirmativa desse caráter civilizador e de resistência política. Numa época
perigosa – em que a ditadura militar assombrava o país – Dori criou sua casa de
livros. Era na verdade uma pequena república livre, onde os jovens, os
intelectuais, os artistas e os apaixonados pelos livros encontravam acolhida e
interlocutores para as suas inquietações e sonhos.
A descoberta da Maíra foi
uma experiência transformadora na minha história. Visitá-la era uma viagem –
passava horas percorrendo suas prateleiras: dialogando com autores e livros
silenciados, alternativos, alguns difamados pelos escrevinhadores a serviço da
ditadura. Foi lá que fiz as descobertas que me abriram as portas do mundo e,
assim, pude vê-lo com os olhos da consciência. Foi lá que conversei pela
primeira vez com Artaud, Rimbaud, Baudelaire, Büchner, Whitman, com meu amado
Jules Laforgue, Pessoa, Eliot, Neruda, Caio Fernando Abreu, Cacaso, Paulo
Leminski... Lá flertei com os anarquistas russos e descobri os pensadores que
me ajudaram a forjar a rota da minha navegação pelos mares da vida: Benjamin,
Gramsci, Thoreau, Emerson, Marx, Santo Agostinho e aquele que me ensinou que o
paraíso pode ser aqui e que não é pecado tentar ser feliz – Epicuro, meu
filósofo e oráculo.
Admirava Dori Carvalho a
distância, com devoção e um misto de respeito e inveja. Jovenzinho, tímido e
inseguro não ousava me aproximar daquele que simbolizava a coragem, o
esclarecimento e o construtor de um espaço de ideias. Invejava sua altivez,
juventude e beleza. Quando falava um poema em público, com sua voz
inconfundível – parecia mais um bardo grego –, então, a humilhação era
completa. Para muitos rapazes daquele tempo, Dori era a personificação do que
desejávamos ser. Sem falar no fascínio que exercia sobre as mulheres.
Dori era também um
conselheiro de leitura. Testemunhei conversas suas com leitores sobre obras e
escritores fundamentais. Comprei vários livros a partir dessas indicações. Como
bom leitor, era inevitável sua inserção no universo da escrita. Estreou, em 1987,
com Desencontro das águas, um dos livros mais expressivos da literatura
brasileira pós-64. Contundente e visceral, foi um dos finalistas do prêmio Casa
de las Américas. Seu segundo trabalho, Paixão e fúria, distingue-se pela
intensidade humana e tom lírico dos versos.
Outra margem de sua vida é o
teatro. Destacou-se como professor e ator. Participou de montagens históricas
da cena teatral amazonense, consagrando-se como um dos atores mais preparados
tecnicamente. O que sobressai, entretanto, no seu itinerário artístico é seu
comprometimento com as boas causas – com a liberdade, com a dignidade e com o
ideal de transformação do mundo. Num tempo como este, solapado pela indiferença
e pelo egoísmo, esses valores podem parecer excessivos e retrógrados.
Neste tempo de morte e
banalidade da estupidez e da maldade, Dori Carvalho manteve-se vivo, sem perder
a capacidade de se indignar diante dos descaminhos do mundo. Esse estado de
desassossego funda o seu ser e a sua poesia, como se depreende da leitura de seu
belo poema “O menino e os poetas”:
Por isso, ando com esse
sentimento do mundo
que tanto me faz sofrer e
faz sonhar
por isso, o silêncio e a
palavra
por isso, essa dureza e essa
ternura
por isso, sede de liberdade
e as canções desesperadas
por isso, carrego em meu
coração um pouco de poesia
por isso, levo em minha boca
um copo de pasárgada
que tanto me faz amar e faz
viver.
Filho de São Joaquim da
Barra, Dori renasceu no Amazonas e deu a este chão um legado significativo.
Ajudou na construção de nosso processo cultural e escreveu uma das mais belas
páginas da história do livro na Amazônia. Como o tempo passa e a poeira dos
anos recobre a memória, escrevo este testemunho para o conhecimento das novas
gerações e para que seu legado não seja esquecido. Este texto é um gesto de
gratidão pelo seu trabalho e também um ato de reconhecimento pela sua história.
Que saiba que não foram em vão seus esforços e sua luta a favor da arte, dos
livros e da dignidade humana.
(Dori Carvalho
completou 60 anos no último dia 11 de junho)
Marcadores:
A poesia é necessária?,
Cronicas,
Dori Carvalho,
Tenório Telles
quinta-feira, 18 de junho de 2015
Microscópio e micróbios
João
Bosco Botelho
O conjunto das novas observações consequentes
da utilização do microscópio – pensamento micrológico – se tornou grande em tempo
tão curto que se formaram inúmeras associações científicas, onde eram
comunicadas e discutidas as descobertas da microestrutura do corpo humano. Entre
as aplicações imediatas das novas observações se destacou a identificação do
ácaro como agente causador da sarna. Esta doença da pele já era conhecida desde
os tempos bíblicos e incluída entre as oito doenças aceitas como contagiosas. A
identificação do ácaro se tornou a primeira prova de os micro-organismos serem
as causas das doenças.
Como consequência da nova abordagem, a
relação direta entre a identificação do micro-organismo e a certeza do
diagnóstico influenciou o modo como os médicos do século 18 se relacionavam com
os doentes. A frieza com que a concepção mecanicista de vida impunha
determinava a simplificação das funções vitais a simples acontecimentos
mecânicos ligados aos micróbios. Os médicos passaram a se contentar com a
descrição dos sintomas a distância do doente: a partir dos dados obtidos de
maneira indireta, estabeleciam o diagnóstico e o tratamento.
As críticas mais contundentes dessa
Medicina mecanicista se mantiveram fortalecidas com as publicações de Thomas
Sydenham (1624-1689). Esse genial autor defendia que o ponto fundamental da
Medicina era a presença do médico na cabeceira do doente, utilizando todos os
recursos que pudessem auxiliar na cura.
O
lado mais espetacular do pensamento micrológico aderiu aos esforços de quatro médicos
extraordinários que se imortalizaram por terem mudado a Medicina e o mundo
evitando a morte e o sofrimento de milhões de pessoas:
–
Louis Pasteur (1822-1895): identificação do estafilococo no furúnculo e na
osteomielite (infecção no osso); identificação do estreptococo na febre
puerperal (infecção pós-parto que matou milhões de mulheres); introduziu o
termo vacinação; realizou a primeira vacinação anti-rábica, em 6 de julho de
1885, numa criança de 9 anos de idade que tinha sido mordida por cão raivoso; introduziu
a assepsia e anti-sepsia com famosa frase: “Se eu tivesse a honra de ser
cirurgião, sempre lavaria as mãos com muito rigor e as exporia, rapidamente, ao
calor, e só usaria instrumentos limpos previamente submetidos à temperatura
entre 130 e 150 graus e água tratada até 110 graus”.
– Robert Koch (1843-1910): definitiva
comprovação de que cada doença infecciosa é causada por bactéria específica; isolamento,
em 1882, do bacilo da tuberculose; identificação, em 1884, do vibrião da
cólera.
– Alexandre Yersin (1863-1943): durante
a epidemia, em Hong Kong, em 1894, esse médico suíço identificou o bacilo da
peste e o papel do rato na transmissão da doença, contudo não associou a pulga
como o elemento contagiante.
– Gehard Hansen (1841-1912): identificou
o bacilo da lepra (Mycobacterium leprae), em 1873, a partir de
preparações frescas e não coradas.
quarta-feira, 17 de junho de 2015
terça-feira, 16 de junho de 2015
Pelo fim do preconceito
Pedro Lucas Lindoso
O famoso cronista gaúcho Luís
Fernando Veríssimo, em crônica recente, intitulada “Buracos morenos”, discorre
na verdade, sobre os famosos buracos negros. Diz ele que há mais buracos negros
do que se imaginava. Engolindo tudo, como gigantescos aspiradores. E ainda há
pequenos ductos a nossa volta, também engolindo coisas e pessoas. Fiquei
preocupado. E cita tia Idalina, ”que
todos pensavam que tinha fugido com um boliviano e fora apenas sugada por um
ducto”.
Alguns de meus poucos e amados
leitores sabem que eu tenho uma tia chamada Idalina. Não deve ser a mesma
pessoa, porque minha querida tia Idalina está viva, não foi engolida por ducto
nenhum e ainda mora em Copacabana.
Outra coincidência é que tia
Idalina, em sua juventude manauara, também fugiu. Não com um boliviano, mas com
um peruano. Foi parar em Cusco e teria sido a primeira garota amazonense a
conhecer Macchu Picchu.
Disse-me tia Idalina, que o
peruano era um gentleman, mas ela não se deu bem com a altitude do Peru. Acabou
voltando para Manaus. Ademais ficava constrangida. Não por ter fugido, mas o
rapaz era do Peru e morava em Cusco. Havia ainda o Lago Titicaca, Pisac e Macchu
Picchu. As palavras pareciam copular obscenamente em suas cartas, carinhosamente
remetidas às amigas e aos parentes saudosos aqui no Brasil.
Outra coisa constrangedora, em
desfavor do tal peruano, é que aqui no Amazonas, há um dito popular
desagradável, preconceituoso, e politicamente incorretíssimo. Em todo Brasil,
dizem que só vai para prisão, três tipos de gente que começa com “p”. Aqui em
Manaus, aos três “p”, acrescentam, odiosamente, paraenses e peruanos.
Tia Idalina, que é filha e
neta de paraense, acha isso um desrespeito. Talvez seja uma das razões de ter
se mudado definitivamente da cidade. Quanto ao seu amor peruano, ela jamais o
esqueceu. Um rapaz honesto, carinhoso, educado. O problema foi altitude e não
atitude.
Quanto à prisão, Idalina
proclama que deveriam prender os preconceituosos e infames, que ficam
alardeando por aqui que só vai preso paraense, peruano, pobres. Esqueçam isso
gente! Idalina é enfática quando diz:
“Vamos acabar com
preconceitos.”
segunda-feira, 15 de junho de 2015
Retorno a Bósdio
Inácio Oliveira
Eu estava em Bósdio outra
vez, a cidade permanecia exatamente igual como no dia em que eu partira. O rio
que outra vez recuava deixando ver as pedras, as ruas esburacadas e os prédios
coloniais que desafiavam o tempo; tudo permanecia igual como numa fotografia. O
lento verão se arrastava pelas ruas. Do alto da praça dava pra ver o lago ao pé
da serra, fiquei pensando que para aquela paisagem faltava apenas uma moldura.
Sentei-me, acendi um cigarro e fiquei fumando, procurando não pensar na minha
vida.
Um rapaz passou por mim,
me encarou por um segundo, hesitou e veio falar comigo.
Você não é o Inácio
Oliveira, o escritor?
Sim, acho que sim.
Cara, eu adoro seus
livros.
Obrigado.
Ele parecia embaraçado,
mas havia admiração em seu embaraço. Então fiz pose de escritor para ele. Ele
disse que havia um coincidência incrível naquele encontro, que ele morava na
mesma casa em que eu morei na minha juventude. Disse também que a coincidência
era maior ainda porque ele mesmo era escritor, ou melhor, era um aprendiz de
escritor. Mas disse aprendiz com um certo orgulho que eu achei comovente.
Você gostaria de rever a
casa, ver se ela continua como antes? Garanto que pouca coisa mudou.
Não sei se gostaria de
voltar lá depois de tanto tempo.
Ele insistiu, disse que
me ofereceria uma bebida. Fazia tanto tempo que ninguém me reconhecia como
escritor que a minha vaidade foi maior que a minha vontade de ficar sozinho,
então aceitei o convite. Saímos caminhando pela rua estreita. Era quase noite,
as luzes foram se acendendo uma a uma iluminando o casario. Paramos enfrente a
casa onde eu havia nascido. Na minha memória a casa não era tão antiga, nem havia
essas rachaduras que sobem até o teto.
Entre. Você deve ter
muitas lembranças daqui, não?
Lembranças, lembranças.
Sim. Um estoque delas.
O rapaz me ofereceu uma
taça de Quinta do Morgado. Eu detestava aquele vinho barato, mas ele imaginava
que isso me agradaria, afinal, em meus livros, os personagens estão sempre bebendo.
Para não o frustrar saboreei o vinho demonstrando que era prazer a repugnância
que eu sentia.
Então, sobre o que você
escreve?
Rabisco alguns versos,
escrevo pensamentos. Gosto de escrever crônicas também, mas aqui não temos muito
assunto, nada acontece.
Mas este é um tema
maravilhoso, o tema da cidade onde nada acontece. Você devia escrever sobre
isso.
Não sei se é bom o que eu
escrevo, não sei se sou um bom escritor.
É claro que você não é um
bom escritor, você está apenas começando. É bom que seja ruim.
Uma moça ruiva entrou na
sala. Usava um short jeans rasgado e uma blusa à moda de espartilho que sufocava
os seios. Ela disse olá e eu pude ver um piercing na sua língua, virou-se para
beijar o rapaz ao meu lado e vi três borboletas tatuadas nas suas costas. O
doce do vinho e a nostalgia daquela casa me fizeram pensar em um antigo amor.
Ele me apresentou sua
namorada, mas ela não pareceu impressionada de conhecer um escritor. Apenas
disse.
Você é o segundo escritor
que eu conheço.
Eu acompanhei o casal até
um barzinho que ficava no cais. Eles tinham a urgência de viver que há naqueles
que são jovens. A brisa que vinha do rio brincava com os cabelos da moça ruiva.
De repente, vê-los junto me encheu de melancolia, pois percebi o quanto aquela
cena era frágil. Deu vontade de dizer para a moça ruiva. Esse rapaz vai partir
seu coração, mas isso era um clichê e um escritor como eu jamais diria um
clichê como esse. Deu vontade de dizer também para o rapaz. Vá embora daqui,
não perca tempo com esta cidade, ela nada poderá lhe oferecer. Mas eu não havia
ido a Bósdio dar conselhos para ninguém.
domingo, 14 de junho de 2015
Fernando Brant (9/10/1946 – 12/6/2015)
sábado, 13 de junho de 2015
quinta-feira, 11 de junho de 2015
Do outro lado da sombra do vento
Zemaria Pinto
do
outro lado da sombra do vento
passa
um rio de águas transparentes
onde
pássaros brincam de manja-pega
com
peixes e pequenos roedores
do
outro lado da sombra do vento
o
leite dá em árvores
o
mel brota das flores
e
os pães espalham-se entre as pedras das encostas
do
outro lado da sombra do vento
medra
o vinho nas parreiras
o
néctar, nas palmeiras
e
os frutos flutuam como nuvens ao alcance da mão
do
outro lado da sombra do vento
eu
alimento um desejo proibido:
construir
contigo um sonho
de
sermos um para o outro mais que amigos...
Micrologia: origem da doença no invisível aos olhos
João
Bosco Botelho
Apesar dos claros resíduos do
pensamento greco-romano nas práticas médicas até o século 19, o processo de
mudança estava delineado no Renascimento; especificamente, na busca da materialidade
da doença em dimensões só visíveis por meio das lentes de aumento.
Esse novo avanço em direção à matéria
invisível aos olhos desarmados — pensamento micrológico — foi iniciado com os
trabalhos de Marcelo Malpighi (1628-1694), que publicou o livro De Viscerum
Structura, em 1666, alguns aspectos da micrologia dos tecidos da língua do
boi, iniciando o segundo corte
epistemológico da Medicina.
O século 17, também caracterizado pelo
aperfeiçoamento das lentes de aumento, impulsionou o microscópio e, como
consequência, o pensamento micrológico na busca da causa das doenças no mundo
invisível aos olhos. Eu entendo essa extraordinária mudança como o segundo
corte epistemológico da Medicina.
A genialidade de Marcelo Malpighi estava
em sintonia com algumas variáveis importantes, presentes no século 17. Além do
estímulo coletivo de busca da materialidade da doença que contagiou a Europa, os
novos estudos da ótica foram fundamentais para produzir microscópios mais
potentes.
O depoimento de Malpighi ao utilizar as
lentes de aumento trouxe à materialidade e ao visível outro mundo inimaginável:
“O aparelho é fixado num círculo, móvel na base; para ver tudo é preciso
girá-lo, num só golpe de olhos, pode-se ver apenas uma pequena parte do conjunto...
Para observar objetos muito grandes é preciso poder distanciar e aproximar as
lentes e isso é possível graças a mobilidade do aparelho. Deve ser usado com um
ar sereno e límpido, sendo melhor utilizável ao sol, para que o objeto seja bem
iluminado. Contemplei inúmeros animais pequenos com admiração infinita: entre eles a pulga é
horrível, o mosquito e a traça os mais belos e foi com grande contentamento
como fazem a mosca e outros pequenos animais para caminhar”.
A histologia, o estudo das microscopias dos
tecidos, propostas por Malpighi trouxe a doença da macroestrutura (corpo), para
a microestrutura (célula). Esse fato abriu a porta que desvendou a base da
Medicina da atualidade: o diagnóstico microscópico, deslocando a doença da
macrodimensão (o corpo, o órgão) para a microestrutura dimensão (a célula, a
bactéria) e renorteou as práticas médicas.
A maior parte das ações de saúde que são
realizadas na atualidade é alicerçada no
diagnóstico da infecção (qual a bactéria?) ou do tumor (qual o tecido onde o
tumor iniciou?).
Nessa conjuntura, o pensamento micrológico
atenuou os medos pessoais e coletivos em relação às epidemias de doenças
infecciosas que mataram milhões de pessoas. O diagnóstico passou a identificar
por meio do microscópio o tipo do tumor ou da infecção. Este fato é facilmente comprovado
pelas grandes campanhas mundiais de esclarecimento de como podemos evitar o
câncer e as infecções. Em todos esses casos, o diagnóstico é obtido do estudo
da microestrutura.
quarta-feira, 10 de junho de 2015
terça-feira, 9 de junho de 2015
Otelo Solo no SESC
Missa pela manhã
Pedro Lucas Lindoso
Nas zonas temperadas da Terra as
estações são bem definidas. Com verão de
noites curtas e dias longos e invernos sem sol. Já aqui na Amazônia, o tempo se
mede pela subida e descida do sol, do oriente ao ocidente, sem maiores
variações durante o ano. O que importa é o regime das águas. De janeiro a junho
o rio enche. É quando chove muito. Alguns dizem que é inverno porque o calor é
moderado. De julho a dezembro temos a vazante. As chuvas ficam mais escassas e
aparecem as praias nas margens dos rios.
O caboclo ribeirinho vive uma
existência meio que atemporal. Muitos não usam relógio e sequer sabem ler e
dizer as horas. Conheci um que usava um relógio com bateria vencida. Era um
simples enfeite. Em certas comunidades, relógio não tem serventia, pois as
coisas acontecem nas manhãs, à tarde ou à noite.
O padre Sidney Canto dá
assistência religiosa a uma comunidade ribeirinha no Baixo Amazonas. Padre
Sidney é um homem humanista e valoroso. Dentre suas diversas atividades,
trabalhou na criação do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós.
O padre nos contou que certa
feita foi rezar uma missa num vilarejo ribeirinho e fazer alguns batizados.
Chegou à comunidade por volta das sete horas. Não havia ninguém. Às sete e meia
chegou o ministro da eucaristia e os coroinhas que iriam ajudar na missa. Às
oito horas começou a chegar mais gente. Ás oito e meia, finalmente, inicia-se a
missa. Como já dito, os eventos na Amazônia acontecem nas manhãs, à tarde ou
pela noite.
As distâncias também são em
escalas desconhecidas aos brasileiros do sudeste. O sacerdote havia acordado as
três da matina para chegar à comunidade às sete horas. Enfrentou algumas horas
de lancha, que é mais rápido.
Após a missa aconteceu o
batizado das crianças. O relógio marcava dez e meia quando Pe. Sidney dirigiu-se
à lancha que o traria de volta a Santarém. De repente atracou uma canoa com um
casal e uma garotinha de colo. Vinham para ouvir a missa e batizar a pequena
cunhatã. Haviam remado por duas horas de sua comunidade até o vilarejo.
O padre disse que já havia
rezado a missa e feito os batizados. Mas desembarcou da lancha para atender ao
jovem casal. O rapaz havia argumentado:
– Seu padre, a missa não era
pela manhã?
segunda-feira, 8 de junho de 2015
Possibilidades de um conto
Inácio
Oliveira
Ouvindo
Uma Canção No Rádio
Vitor
nasceu de uma música tocando no rádio. Eu o vejo sentado, olhando pela janela
de um trem. Ele ainda não tem um rosto. Você sabe, os personagens não nascem
prontos. É preciso conviver com eles, amá-los e até mesmo odiá-los; assim como
se faz com certos parentes. Vitor pode estar pensando em alguém que deixou para
trás. Talvez seja uma menina loira, com sardas no rosto e de corpo frágil, que conheceu
na adolescência. Ele a amou como se ama na primeira vez e agora terá que esquecê-la.
Ou então Vitor pensa naquilo que vai encontrar ao chegar ao seu destino. Uma
nova cidade, novas pessoas e a possibilidade de reinventar a própria vida.
Talvez alguém espere por ele, pode ser uma tia distante e sem filhos que anseia
a sua chegada. Aos poucos, Vitor ganha um rosto, uma expressão melancólica e ao
mesmo tempo sonhadora.
O
trem chega à estação no segundo e último parágrafo desta história. Vitor
desembarca e olha ao redor como se procurando reconhecer alguém. Ele traz
apenas uma mochila, é possível que esteja só de passagem. Nesta história, Vitor
ainda é jovem, ele veste calça jeans, camisa branca e uma jaqueta escura por
cima. Aparentemente, ninguém espera por ele. Ele está sozinho numa cidade
desconhecida. Vitor caminha entre os transeuntes e aos poucos se perde na
multidão. Esta cidade certamente é uma cidade do sul, porque aqui faz frio e
anoitece sempre às pressas. Pobre Vitor, com frio e com fome; longe da sua casa
e da sua gente e o culpado disso tudo sou eu, que ouvi uma canção no rádio.
domingo, 7 de junho de 2015
sábado, 6 de junho de 2015
quinta-feira, 4 de junho de 2015
noturno, opus 1
Zemaria Pinto
tua sombra salta do chão
e vai além da minha cabeça
teu olho majestoso e nu
clareia o espaço em minha volta
estás nua e todo teu corpo brilha
indiferente à incandescência dos faróis
e ao gemer dos edifícios em chamas
(1972)
Diagnóstico e tratamento das doenças na leitura greco-romana
João
Bosco Botelho
No
século 4 a.C., na Grécia, na Escola Médica de Cós, sob a liderança de
Hipócrates, a palavra higiene se impôs no sentido regulador, tanto na alimentação
quanto no caráter educativo. Nesse contexto, a ginástica fazia parte da manutenção
da saúde. Por esta razão, os ginastas permaneceram independentes frente ao
crescente poder médico nas relações sociais e também conquistaram papel
importante no aconselhamento do corpo sadio.
O
texto De um Regime de Vida Saudável se
propõe servir de guia ao público. O autor desconhecido estabeleceu os
parâmetros da cultura médica mínima da vida saudável. O objetivo central do
autor seria estabelecer, pela lei, o caminho que as pessoas deveriam seguir
para evitar a doença.
O
propósito parece ter sido o mesmo do autor do livro Da Dieta que aborda a importância da alimentação balanceada com
frutas e legumes.
A
estrutura teórica da Medicina como paideia, na Grécia, no século 4 a.C., estava
tão bem elaborada que perpassou o mundo romano. No século 2 a.D., o médico
Galeno (138-201), o mais conhecido representante da medicina romana, acoplou a
cada humor da Escola de Cós, da teoria dos Quatro Humores (sanguíneo,
fleumático, bilioso preto e bilioso amarelo) novas categorias por ele denominadas
temperamentos (sanguíneo, linfático, melancólico e colérico). Os escritos
galênicos, valorizados durante mais de quinze séculos no Ocidente cristão,
valorizava a sangria, sudorese, diarreia e vômito como formas de tratamento
para equilibrar os humores e restabelecer a saúde.
Humor
(Grécia) Temperamento (Roma)
|
|
Sanguíneo Sanguíneo
|
Fleumático Linfático
|
Bilioso
preto Melancólico
|
Bilioso
amarelo Colérico
|
A
flexibilidade da Medicina como paideia acabou ferida, na Idade Média, pela
intolerância restritiva exaltando a doença como pecado e o milagre como
principal prática de cura. Os santos substituíram os deuses e deusas
greco-romanos e se tornaram o único tratamento dos doentes sem esperanças, nos
incontáveis santuários, especialmente, em Jerusalém e Compostela.
A
influência greco-romana trazida pelo elemento colonizador marcou as práticas
médicas coloniais: a princesa Paula Mariana, filha do primeiro imperador do Brasil,
sob os cuidados dos mais importantes médicos da corte, faleceu após ser
submetida às muitas sangrias e clisteres para expurgar os “maus humores”. O
mesmo pensamento se manteve na Europa do século 19: o viajante Von Martius, no
Amazonas, descreveu o temperamento dos índios como “fleumático, por terem pouco
sangue nas veias”.
As
construções teóricas dos saberes, independente dos juízos de valores, se mostram
competentes e duradouras na medida da durabilidade do pensamento inovador: a
teoria dos Quatro Humores, do tempo de Hipócrates, na Grécia do século 4 a.C.,
e a teoria dos Temperamentos, do médico romano Cláudio Galeno, no século 1,
sustentaram a veracidade do diagnóstico e do tratamento por quase vinte
séculos.
quarta-feira, 3 de junho de 2015
terça-feira, 2 de junho de 2015
Aos botos, mais vida!
Pedro Lucas Lindoso
A Baía da Guanabara
continua poluída. As vésperas das Olimpíadas do Rio de Janeiro, o velejador
Lars Grael, em triste depoimento, diz: “ninguém gosta de velejar na sujeira”.
A família real veio para
o Brasil em 1808. Além de dona Maria, a louca, veio com Dom João VI e dona
Carlota Joaquina e o filho Pedro, um garoto de 10 anos de idade, que viria a
ser nosso primeiro imperador.
Ao entrar na Baía da
Guanabara todos ficaram maravilhados com a beleza do Pão de Açúcar e do
Corcovado. Contudo, a família imperial encantou-se com a quantidade de
golfinhos que pulavam alegremente entre as diversas naus e fragatas que
trouxeram aqueles que mudariam a nossa História para sempre.
Minha amiga Ana Lúcia,
que é bióloga, certa vez me disse que os golfinhos e os botos são a mesma
coisa. Não há nenhuma diferença. É só uma questão de nomenclatura regional. São
todos cetáceos.
Eles, os botos, digo, os
golfinhos, constam do escudo oficial da cidade do Rio de Janeiro. Mas não mais
existem golfinhos na Baía da Guanabara. Estão ausentes, dizem, há mais de um
século.
Quando eu era menino aqui
em Manaus, passeava-se pela Baía do Rio Negro até o Encontro das Águas. Havia
muitos botos, nossos golfinhos, habitando o local. Outro dia fui por lá e não
vi nenhum. Lembro-me que gritávamos aqui!, quando um pulava. Ali!, quando outro
pulava. Apelidei os botos de Aqui e Ali, num livrinho de estória de minha
autoria.
Estou preocupado com os
nossos botos. A carne do boto está sendo utilizada como isca para pescar o
bagre piracatinga, um peixe exportado principalmente para a Colômbia e vendido
enganosamente como capaz ou capacete.
Mas a poluição da nossa
Baía do Rio Negro também preocupa. E muito. Espero que não seja mesmo
construído o tal porto em frente ao Encontro das Águas.
O Hino do Amazonas, na
bela letra do poeta Jorge Tufic, conclama:
- “aos que lutam, mais
vida e riqueza.”
Digo eu: aos botos, mais
vida! A nossa riqueza está na nossa fauna e na nossa floresta.
Assinar:
Postagens (Atom)