Amigos do Fingidor

terça-feira, 31 de março de 2020

Repousar: repousemos...



Pedro Lucas Lindoso


Quando Deus criou o mundo, o fez em sete dias. No primeiro dia criou a luz. No segundo criou o céu. No terceiro dia criou a terra. No quarto criou os corpos celestes. No quinto criou os animais e as aves do céu. No sexto dia os animais da terra, inclusive os humanos.
No sétimo dia, Deus descansou. Ele estava satisfeito. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, porque era o dia de descanso.
O velho Chaguinhas, pai do meu amigo, era um cristão fervoroso. Católico praticante. Não fazia, não assinava, não decidia nada importante nos dias de domingo.
Após acordar, ia à missa. Em jejum. Até a fisiologia precisa de uma pausa, dizia ele. Ademais, a Santa Madre Igreja nos ensina que devemos comungar em jejum.
O domingo era para ficar com a família, fazer as coisas devagar e respeitar o descanso. Afinal, domingo era um dia santificado. Quando as padarias e outros pequenos comércios começaram a abrir as portas aos domingos, o velho Chaguinhas achou um absurdo.
Eventualmente fumava um cachimbo. Isso podia. Domingo pede cachimbo. E proibia qualquer membro da família de fazer algum trabalho importante. Até mesmo os estudos podiam ser interrompidos.
Certo domingo, recebeu a visita de um amigo que desejava alugar uma casa de Chaguinhas. O velho foi enfático:
– Não faço negócios aos domingos. Volte amanhã.
Quando supermercados e shopping centers começaram a abrir aos domingos, ele profetizou:
– Os homens andam muito gananciosos. Isso desagrada ao Criador.
Tudo e todos precisam de um descanso. Uma pausa. Até na música há pausas. As pausas musicais são intervalos de tempo em que deve haver silêncio, ou seja, nenhuma nota deve ser tocada nesse instante. E continuou:
– Haverá um dia em que esses homens que não param de trabalhar, que não respeitam o domingo santificado pelo Senhor, serão obrigados e fazer uma pausa. Nem que seja compulsoriamente.
Nesses dias de quarentena, lembrei-me do velho Chaguinhas. Ele sempre dizia que devemos repousar. Repousemos.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Thiago de Mello, 94 anos de notícias e não notícias


Zemaria Pinto


O que dizer de Amadeu Thiago de Mello, que seus leitores não saibam?
Que ele nasceu em Barreirinha, no paraná do Ramos, tributário do Amazonas, em 30 de março de 1926, filho de Pedro e Maria?
Que um dia quis ser médico, estudou até o 5º ano, mas a poesia não permitiu que ele a abandonasse e nem mesmo dividisse a dedicação a ela?
(Será que vem daí o seu amor pelo trajo branco?)
Que foi preso pela ditadura militar e na cela sombria leu uma frase, ecoando a sua própria voz, escrita por quem lá estivera antes: Faz escuro mas eu canto!?
Que foi exilado pela ditadura militar brasileira e morou no Chile, na França e na Alemanha?
Que no Chile neoliberal do general Pinochet esteve diante de um pelotão de fuzilamento, após o assassinato de Allende?
Que há mais de 40 anos voltou para a floresta, onde construiu casas e poemas em perfeita comunhão com a natureza amazônica?
Que publicou mais de uma dúzia de livros de poesia, além de crônicas e prosa poética, como o belo Arte e ciência de empinar papagaio, que todo menino e menina deviam ler?
Que esses livros foram traduzidos em mais de trinta idiomas, fazendo dele um poeta de reconhecimento universal?
Que generosamente traduziu para o português um sem número de poetas, com destaque ao magnífico Poetas da América de canto castelhano?
Isso tudo e muito mais os seus leitores já sabem.
O que poucos sabem – os que tiveram a graça de prosear com ele, sem medidas de tempo – é que aos 9 anos, Thiago recitava de cor (de coração) o I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias, graças ao estímulo das professoras Clotilde Pinheiro e Aurélia Barros, do remoto Grupo Escolar José Paranaguá. De lá para cá, o dizer poemas em voz alta virou brinquedo.
O que quase ninguém sabe é que seu primeiro poema, aos 12 anos, nasceu de uma tragédia – a morte por afogamento do pequeno Anísio, da mesma idade do poeta:

Vi meu amigo morrer,
afundando no perau.
O que vai acontecer?

As incríveis redondilhas brotaram milagrosamente, sem que o menino soubesse ao menos o que era uma redondilha.
E a descoberta do amor, aos 14 anos? Só quem sabe é a Lenize, moradora da Praça da Saudade, que descobriu essa paixão platônica ao ler uma crônica do poeta, muitos anos depois, quando ambos moravam no Rio de Janeiro.
Aos 15 anos, quando, pássaro menino, migrou para o Rio – ele o disse só a mim – Thiago levava consigo três princípios, que o iluminam ainda hoje, mesmo quando nuvens de chumbo ameaçam apagar o sol da pátria amada: “a descoberta de que o homem é capaz de criar a beleza com o poder da criação artística; a descoberta de que o amor é possível; e a certeza de que a amizade é a mais bela forma de amor”.
Então, já que não há o que falar do poeta, falemos de sua poesia.
A obra poética de Thiago de Mello é diversa, original e superlativa.
Quando ele aparece, no inícios dos anos 1950, é saudado por algumas das maiores vozes literárias da época: Alceu de Amoroso Lima, Gilberto Freyre, Otto Maria Carpeaux, José Lins do Rego, Manuel Bandeira.
Sua poesia então era intimista, questionadora do estar-no-mundo e do papel do poeta e da poesia num mundo convulsionado.
Nos anos 1960 e 1970, Thiago produz a mais lírica poesia política, que tem o seu zênite nos Estatutos do Homem. Ele denunciava a ditadura brasileira para o mundo e nos ensinava a doce canção da liberdade.
A partir dos anos 1980, sua poesia passa por outra mudança profunda: o poeta reflete sobre o meio ambiente e a ação nefasta do homem para o futuro da humanidade.
Às vésperas dos 90 anos, Thiago de Mello nos doa um livro – Acerto de contas – que é muito mais que o legado de um poeta tocado pelo gênio: trata-se do inventário de uma vida, onde todos os temas anteriores retornam com força e luz, dando ênfase à palavra mais cara ao poeta, que paira por toda a sua obra: esperança.
Agora, no aniversário de 94 anos do poeta, a Editora Valer nos presenteia com três títulos que estavam guardados nos escaninhos da memória.
Notícia da visitação que fiz no verão de 1953 ao rio Amazonas e seus barrancos: relato em prosa poética de uma viagem ao interior do Amazonas, entremeado de causos contados pelos moradores visitados.
Horóscopo para os estão vivos: um poema engajado-surrealista, formado por outros poemas, um para cada signo – para ser lido ouvindo “um concerto de Bach, de preferência para fagote ou fuzil”.
Mormaço na floresta: antes da ecologia virar notícia corrente, Thiago, recém chegado do exílio a que o submetera a ditadura, surpreende seus leitores com poemas da temática nova, tão radical e combatente quanto a anterior.  

Imenso, em sua ternura vestida de branco, o poeta passeia por entre a bruma da memória e não tropeça, e não vacila, porque esse é o caminho que ele trilha, com seu andar cambaio de caboclo suburucu, desde sempre.

Manaus, cheia de 2020.

domingo, 29 de março de 2020

Manaus, amor e memória CDLXVI


Boulevard Amazonas. Acervo: Frank Lima.

sábado, 28 de março de 2020

Fantasy Art - Galeria


Guangjian Huang.

quinta-feira, 26 de março de 2020

A poesia é necessária?



O touro
Ernesto Penafort (1936-1992)


o touro cinza traz sobre o ocipício
estranha meia lua eclipsada
no turvo olhar das vacas do Cambixe.
é belo o touro. o olhar (lâmina e gelo)
passeia-nos as almas decorando-as
como se fossem seus os nossos pastos.
de seu dorso escorrem-lhes os desejos
que se fincam nas patas feito plantas
de onde brota-lhe o viço das andanças.
um mugido de cores o ilumina
e a tarde se afugenta de seu lombo
sorvendo o que há de luz pela ravina.
é silêncio o curral. sobreflutua
eclipsada e estranha meia lua.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Fantasy Art - Galeria


Adrian Bordan.


terça-feira, 24 de março de 2020

Imortalidade: há controvérsias



Pedro Lucas Lindoso


Brasília completa sessenta anos no próximo dia 21 de abril. A Academia Brasiliense de Letras, fundada em 30 de novembro de 1968, considera-se a entidade literária máxima do Distrito Federal.
Em junho de 1986, um grupo de professores de escolas públicas de Taguatinga, cidade satélite de Brasília, ousaram criar a Academia Taguatinguense de Letras.
Olhada com desdém pelos imortais membros da Academia Brasiliense de Letras, o sodalício taguatinguense hoje abriga um Centro Cultural, uma boa biblioteca, com acervo em braile, e um teatro.
 Existem academias de letras em todos os estados. Seria ótimo se cada município brasileiro tivesse sua academia. Pelo menos uma. Penso que quanto mais academias, melhor.
As academias são associações de escritores, professores e artistas que se deleitam com artes, cultura e humanidades em geral. Criam-se associações para dar suporte de times de futebol a escolas de samba. Não vejo razão para críticas às associações culturais e literárias.
 Todo município do Brasil deveria ter sua academia de letras. Infelizmente, em muitos não há sequer uma biblioteca.
Uma das maiores obras da teledramaturgia do Brasil foi “O bem amado”. Na fantástica novela, Odorico Paraguaçu, prefeito da longínqua Sucupira, tinha o projeto de inaugurar um cemitério novo na cidade. Mas faltavam defuntos. Paraguaçu deveria ter fundado a Academia Sucupirense de Letras. Como diria o próprio Paraguaçu, a obra, ou seja, a academia, “entraria para os anais e menstruais de Sucupira."
A retórica do prefeito, sua grande marca, era cafona, grandiloquente e vazia. Quiçá indecente e escatológica. Todavia, ficou imortalizada na obra do genial e imortal Dias Gomes.
Parece-me que a questão de pertencer a uma academia e ser imortal é assunto controvertido. Como diria o imortal Odorico Paraguaçu:           
– Vamos botar de lado os entretanto e partir logo pros finalmente, quanto à questão da imortalidade: há controvérsias.

domingo, 22 de março de 2020

sábado, 21 de março de 2020

Fantasy Art - Galeria


Luis Royo.

quinta-feira, 19 de março de 2020

A poesia é necessária?



O lado vermelho do azul
(fragmento)
Arnaldo Garcez

(Em memória do poeta Ernesto Penafort)

O lado vermelho do azul
é encarnado encardido
assim como o amarelo
e a fome das crianças
do Solimões
o lado vermelho do azul
não é verde
tal os limões azedos
na ponta dos dedos
da memória do povo
(ovo em banho-maria)
o lado vermelho do azul
busca a dignidade
sem contemplar o tempo
essência de ócio e do cio
na fome da miséria
de alguns homens podres
o lado vermelho do azul
não admite o fruto falso
que traduz o vento
da lepra, que insiste
no encalço dos nossos
passos
entre a Getúlio Vargas
e a Dez de Julho
(ditadura e liberdade)
o lado vermelho do azul
rejeita o lilás
aliás é contrário
a qualquer forma de
governo
que não busque
a essência da luz
que traduza o alimento
a razão e o equilíbrio
o lado vermelho do azul
é mais forte
do que qualquer forma
de governo
permanece no ventre
do vento num tempo
que não necessita de
governo
o lado vermelho do azul
também é contrário
ao rio que escorre
como álibi, no córrego da
vida
faminta de uma sociedade
quase extinta
o lado vermelho do azul
não é frágil como os olhos
da manhã
que se ilude com o sol
os limões e a lepra
amarelada sob as armas
e armaduras de grupos
indecentes
o lado vermelho do azul
procura o verde, não esse
verde
da bandeira,
nem o verde da esperança,
mas sim, o ver do verde,
futuro decente
de um povo (o ovo em
banho-maria)
verdes o vermelho
é o outro lado do azul



quarta-feira, 18 de março de 2020

Fantasy Art - Galeria


Penélope.
Alex Alemany.

terça-feira, 17 de março de 2020

A lua é...


Pedro Lucas Lindoso


No último dia 9 de março, um dia após a comemoração ao dia Internacional da mulher, surgiu nos céus da nossa querida Manaus e do Brasil uma superlua.
Fiquei curioso em saber o porquê desse destaque. O que tornaria aquela lua, muito bonita e bastante brilhante por sinal, uma superlua?
As notícias dos jornais explicavam que a superlua ocorre quando a lua cheia coincide com a sua maior aproximação com a Terra. O fenômeno tem o nome de perigeu. Essa maior aproximação faz o nosso querido e festejado satélite parecer ainda mais brilhante e maior do que as outras luas cheias.
Aprendi no Grupo Escolar Saldanha Marinho, aqui em Manaus, que os índios chamavam a lua de Jaci. Lições de livros editados e oriundos do sul do Brasil. De fato, Jaci na mitologia tupi é a deusa Lua. Mas há outras línguas indígenas importantes, como o Saterê Mauwé. Trata-se de tronco linguístico do tupi, mas a lua se chama Wati.
A lua sempre exerceu um enorme fascínio sobre os homens. Penso até mais do que o sol. Possivelmente pela oportunidade que se tem de observá-la melhor, sem se ofuscar. E esse fascínio parece presente em todas as culturas. Em suas mais diversas manifestações. Na religião, nas artes plásticas, na literatura, em especial na poesia e na música.
A palavra lua e suas derivações, como luar, lunar, lunático, lual e tantas outras só parece rivalizar em variações e conotações quando o assunto são as estrelas, incluindo o sol.
Na boca dos poetas o luar cai sobre a mata, que revela a lua, que no céu flutua. A lua é sempre lembrada poeticamente em metáforas e nas mais diversas figuras de linguagem. A lua chora, pensa, tem pena, escuta e é confidente de muitos.
Carlos Páez Vilaró pintor, escritor e empresário uruguaio, foi proprietário da famosa Casapueblo. Escreveu um belo livro:  Entre meu filho e eu a lua. Seu filho Carlos estava no famoso desastre de avião em que uma equipe de rugby ficou perdida entre as neves dos Andes. Nas noites insones, Vilaró contemplava a lua. Já quase insano, na perspectiva de que seu filho também a contemplava e por ela pudessem se comunicar. Carlos foi um dos sobreviventes.
Há novas descobertas envolvendo o lado oculto da lua. Nessas disputas sobre quem é seu dono, não nos esqueçamos: a lua é dos namorados.

domingo, 15 de março de 2020

Manaus, amor e memória CDLXIV


Ponte de Ferro da Cachoeirinha; oficialmente, Benjamin Constant.

sábado, 14 de março de 2020

Fantasy Art - Galeria


Julie Bell.

sexta-feira, 13 de março de 2020



quinta-feira, 12 de março de 2020

A poesia é necessária?


O Solo dos utensílios
(em doze acordes cifrados)
        Anibal Beça (1946-2009)

Para o poeta Zemaria Pinto



No raso chão do convívio
as coisas da casa cosem
na costura dos minutos
um figurino ordenado.

Talhado traço exclusivo
para os olhos de quem veste
as coisas ganham lugar
no corpo de quem as usa.

No espaço entronizadas
regidas na duração
de seda comum do tempo
sela de um baio ordinário.

Há coisas que se cavalgam
sem as rédeas do comando
outras há de trote breve
encilhadas no seu trato.

As mais simples entre tantas
entretanto são tamanhas
na grandeza utilitária
servis ao seu mandatário.

Serviçais mas não escravas
pois têm vontade liberta
há dias nos seus recatos
regados de teimosia.

E se negam às tarefas
contrariando a mesmice
de repetir dia a dia
a previsão das agendas.

É esse o dia da caça:
a água quente que esfria
o barbear postergado
no ferrolho da desdita.

Mas há que reconhecer
dentre aquelas mais fiéis
as do amparo solitário
no voo das confidências.

Aquelas que escutam penas
acolchoando a memória
e que nunca recriminam
nossos pecados diários.

As que servem à magia
como aquela escrivaninha
repouso de muitos versos
emplumando garças brancas.

Quem tem os olhos de ver
as mais simples e ordinárias
ganham mimo especial
nesse afago de palavras.


quarta-feira, 11 de março de 2020

Fantasy Art - Galeria


Autor desconhecido.

terça-feira, 10 de março de 2020

Outro patamar



Pedro Lucas Lindoso


Tina é uma jovem profissional de sucesso. Ainda está solteira e mora com os pais. Os pais de Tina criam uma neta, Larissa, filha de um dos irmãos de Tina.
Larissa é fruto de um relacionamento fugaz entre o irmão mais novo de Tina e a mãe da garota. Entre idas e vindas, Larissa acabou ficando com os avós paternos. Uma guarda compartilhada e bem-sucedida. A mãe é presente na vida da garotinha. Porém, Larissa desde sempre mora com o pai e os avós. A relação entre os pais de Larissa acabou já há muito tempo. 
O relacionamento de Tina com sua sobrinha Larissa é permeado de muito afeto. Mesmo porque moram na mesma casa. Numa época em que até domesticas iam passear na Florida, Tina resolveu levar Larissa para conhecer os parques da Disney.
Passagem comprada com promoção relâmpago Manaus-Miami. Porém, tudo bem planejado e com bastante antecedência. Depois de tirar os passaportes, foram até Brasília para obter o visto junto à Embaixada Americana.
A ansiedade de Larissa era evidente. Tina também estava apreensiva. Era sua primeira viagem ao exterior e a responsabilidade de cuidar da sobrinha era grande.
Os pais obviamente autorizaram a viagem. Estava tudo certo. Entradas para os parques e hotéis devidamente pagos e reservados. No dia do embarque a família toda foi deixá-las no aeroporto.
Na hora do check-in um pequeno contratempo. Tina não havia reservado os lugares no voo. Só havia disponível lugares separados. Ela explicou para a atendente que Larissa era uma garotinha de dez anos. Estavam indo para a Disney pela primeira vez. Não poderia viajar longe da sua sobrinha. Estava responsável por ela.
A atendente resolveu então disponibilizar uma poltrona na primeira classe para a menina. Disse à Tina que ao seu lado estava um rapaz sozinho. Ele com certeza trocaria de lugar com Larissa na primeira classe. E as duas então poderiam viajar juntas.
Embarque concluído. Na hora da troca, Larissa já aboletada na primeira classe, não queria trocar de lugar como o moço. Larissa, pressionada pela tia, acabou cedendo a cadeira para o rapaz. E foi sentar perto da tia, protestando.
O rapaz, feliz da vida, exclamou:
– Primeira classe é outro patamar!

domingo, 8 de março de 2020

sábado, 7 de março de 2020

Fantasy Art - Galeria


Renso Castañeda.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Krapp em nova temporada no Ateliê 23


O Ateliê 23 fica na Tapajós, 166 - entre Ramos Ferreira e Monsenhor Coutinho.

quinta-feira, 5 de março de 2020

A poesia é necessária?



Última Vontade
Millôr Fernandes (1923-2012)


Enterrem meu corpo em qualquer lugar.
Que não seja, porém, um cemitério.
De preferência, mata;
Na Gávea, na Tijuca, em Jacarepaguá.
Na tumba, em letras fundas,
Que o tempo não destrua,
Meu nome gravado claramente.
De modo que, um dia,
Um casal desgarrado
Em busca de sossego
Ou de saciedade solitária,
Me descubra entre folhas,
Detritos vegetais,
Cheiros de bichos mortos
(Como eu).
E, como uma longa árvore desgalhada
Levantou um pouco a laje do meu túmulo
Com a raiz poderosa,
Haja a vaga impressão
De que não estou na morada.

Não sairei, prometo.
Estarei fenecendo normalmente
Em meu canteiro final.
E o casal repetirá meu nome,
Sem saber quem eu fui,
E se irá embora,
Preso à angústia infinita
Do ser e do não ser.
Ficarei entre ratos, lagartos,
Sol e chuva ocasionais,
Estes sim, imortais.
Até que um dia, de mim caia a semente
De onde há de brotar a flor
Que eu peço que se chame
Papáverum Millôr.