Amigos do Fingidor

terça-feira, 30 de junho de 2009

Ficções do ciclo da borracha no Amazonas
Rogel Samuel*
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Um dos livros que fundamentaram a tese.

Lançamento do livro de Lucilene Gomes Lima – Ficção do ciclo da borracha no Amazonas: estudo comparativo dos romances A selva (Ferreira de Castro), Beiradão (Álvaro Maia) e O amante das amazonas (Rogel Samuel), Editora da Universidade do Amazonas, nesta terça-feira, dia 30.06, no auditório Eulálio Chaves, do campus da Universidade Federal do Amazonas, Manaus.
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Trata-se de livro extraordinário, muito bem escrito (a autora é excelente contista), originário de sua dissertação de mestrado defendida na Universidade do Pará.
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Analisa as três principais obras, segundo a autora, da temática do ciclo da borracha amazônica: a primeira é A selva, do português Ferreira de Castro; a segunda é Beiradão,de Álvaro Maia, e a terceira é O amante das amazonas, de Rogel Samuel.
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Independente do meu O amante das amazonas, o livro de Lucilene Gomes Lima é o melhor já escrito sobre o ciclo da borracha no Amazonas e a literatura a respeito.
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Foi grande a surpresa, em 2006, quando descobri por acaso esse ensaio no site da Universidade do Pará.
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Telefonei para a Neide Gondim:
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– Quem é Lucilene Gomes Lima? – perguntei.
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– Foi uma das minhas melhores alunas, disse ela.
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Outra grande alegria foi saber agora que o livro foi publicado.
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Postado originalmente no blog de Rogel Samuel.
O gato


Ele apareceu do nada e enroscou-se suavemente entre os meus sapatos. Os olhinhos pediam o carinho improvável. Depois, se afastou um pouco e ficou ali, parado, me olhando. Pedi um café com leite, puxei um fósforo e acendi um charuto. O gato esperou terminar todo o meu charuto e começou a falar sobre botas.

(Marco Adolfs)

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Quarta Literária: Monstros na ficção amazonense
O Centauro é um monstro clássico.
(Autor: H. P. Kolb)
A Quarta Literária do mês de julho acontecerá no próximo dia 1º, quarta-feira, tendo como tema Monstros na ficção amazonense. A palestra será ministrada pelo professor Allison Leão. O tema é fruto dos resultados iniciais de pesquisa que o palestrante tem desenvolvido na UEA, com o apoio da Universidade e da Fapeam.

Partindo de figuras monstruosas presentes em nosso imaginário, de origens antigas e/ou modernas – como a Medusa, o Centauro, o lobisomem, a criatura de Frankenstein –, Leão procurará mostrar algumas das características dessas figuras que, de certa forma, estejam presentes em toda a tradição teratológica. O foco da palestra, no entanto, estará em personagens da ficção de autores amazonenses (ou que tenham a obra ambientada na região) que tanto podem corroborar características mais universais dos monstros, como podem questionar e recriar o conceito de monstruosidade.

Em textos de autores como Benjamin Sanches, Erasmo Linhares e Alberto Rangel, o pesquisador mostrará, por exemplo, como a questão do corpo do monstro – afinal um dos aspectos sempiternos do imaginário teratológico – não deixou de ser observada e aproveitada pelos autores em questão. Mas discutirá, também, como o medo que o monstro pode provocar nas sociedades ganha um reverso nas representações que esses ficcionistas elaboraram, qual seja, a monstruosidade do gesto, do ato, do crime e da violência supera a monstruosidade física, ameaçando, inclusive, a existência do monstro corpóreo.

Allison Leão é doutor em Letras pela UFMG e professor de Literatura Brasileira na UEA. É autor de Jardim de silêncios e O amor está noir, livros de contos.

Lançamento:
Após a palestra Monstros na ficção amazonense será lançado o livro Carta de Deus: Ao Homem do Planeta Terra, de José Herculano da Nóbrega.

domingo à tarde


Zemaria Pinto


João não gostava de domingos. Criança, o dia se estendia até após o almoço, quando todos se recolhiam, esperando, morbidamente, pela segunda-feira. Mais tarde, adolescente, o domingo começava e terminava junto com o Fantástico. Só fora diferente enquanto Maria estivera por perto: domingo era dia de festa, acordar com a madrugada e dormir bem tarde. Agora, que Maria foi embora, João contempla o infinito, ouvindo o barulho do sol deslocando-se no céu da tarde de domingo.

domingo, 28 de junho de 2009

skabrática 7

na hora h, chamou aline de carla. mas quando abriu os olhos estava mesmo era só.

(Allison Leão)

sábado, 27 de junho de 2009

É mais um recorde para o Amazonas!

A marca do pesadelo.
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Parafraseando o palhaço Abelardo Barbosa, na Internet nada se cria, tudo se copia – o título desta foi tirado da melhor charge dos últimos tempos, sem o nome do autor (quem souber me diga, para eu registrar), publicada no Diário do Amazonas: o Edu du Brega (não confundir com o cavalheiro-partideiro Edu do Banjo) mergulha junto à marca da foto acima, exclamando a frase que tomamos emprestada para o título desta; numa das mãos, uma boia com o slogan maldito: eu tenho orgulho...
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Estas fotos, mais outras cinco, estão circulando pela Internet, sem atribuição de autoria. Mestre Pinheiro garante-me que foram tiradas por uma fada: Suely Meireles. Boa, Suely!


Se Antônio não deu jeito, e as águas continuaram a subir depois de 13 de junho, mais cedo ou mais tarde vão começar a baixar. E o que já estava ruim vai ficar péssimo, com as endemias da época castigando o povo das várzeas.


Mas o nosso vigilante imperador já tomou as providências e está buscando recursos junto ao Ministério da Saúde, que deverão se transformar numa farra eleitoreira tal qual o “bolsa-enchente”: R$ 300,00 distribuídos ao sabor das conveniências de prefeitos e vereadores da maldita “base aliada” ou, como ele prefere, “grupo político”.

Isto é o que restou da praia da Ponta Negra.
Ao fundo, os vistosos edifícios onde moram alguns dos que torceram pela tragédia.
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Como disse o filósofo escatológico João Sebastião: “seu Maria, se a cheia de 53 foi a cheia-mãe, esta é cheia filha-da-mãe, sob medida para os filhos-da-puta”. E mais não disse nem lhe foi perguntado.
Entrevista com a poeta Teruko Oda
(Hilton Valeriano*)


1 – Como ocorreu seu contato inicial com o haicai?

Teruko Oda: Conheci primeiro o haiku (poema escrito em japonês), ainda na infância. Meu pai foi discípulo de Nempuku Sato (emigrante japonês que veio ao Brasil com a missão de “plantar um país de haicai”). Sato foi um mestre itinerante – as reuniões eram realizadas nas casas oferecidas pelos praticantes. Em muitas ocasiões, tive a oportunidade de ajudar minha mãe na tarefa de preparar e servir chá verde e doces caseiros aos amigos de meu pai. São experiências que marcaram a minha infância. A essa época, eu nem imaginava que o haiku pudesse ser escrito em português. “Descobri” essa possibilidade anos mais tarde, por meio dos textos de Millôr Fernandes, publicados na revista O Cruzeiro. Comecei a escrevê-los de forma sistemática entre os anos de 1988/89, a convite de Mestre Goga, ocasião em que passei a frequentar as reuniões do recém fundado Grêmio Ipê em São Paulo.

2 – Quais são as principais características do haicai?

Teruko Oda: Regra geral, definimos o haicai como a menor forma poética do mundo. Composto por dezessete sílabas (ou próximo disso) distribuídas em três versos, seu conteúdo deve estar relacionado a uma das estações do ano. De acordo com as orientações da escola dita tradicional, da qual sou seguidora, eu diria que, na prática, o haicai é uma breve anotação sobre um acontecimento natural: um terceto cujo diferencial reside no modo como o autor registra sua experiência poética. Pela voluntária atitude em ater-se ao essencial, o poeta não explicita os detalhes da emoção ou da sensação vivenciada. Pelo contrário, o autor e seus sentimentos deixam de ser o assunto central do poema para dar lugar ao efêmero, ao transitório, ao que está acontecendo aqui e agora representado pelo kigo (palavra ou termo de estação). Penso que o registro limpo e objetivo de uma sensação muito intensa, onde fugacidade e eternidade se entrelaçam, ao mesmo tempo forte e frágil, e cujo ecoar nas cordas da sensibilidade nos conduz à percepção mais ampla de que “o tempo passa”, é uma das principais características do haicai.

3 – Como você vê a relação da prática do haicai na poesia brasileira? Qual seria sua contribuição?

Teruko Oda: Nesta nossa era globalizada, os meios de comunicação parecem estar sempre presentes no local exato do acontecimento, antes mesmo que o fato ocorra, tamanha a rapidez com que as notícias se tornam universalmente acessíveis. Se por um lado esse avanço tecnológico favorece nossa inserção no disputado mundo dos homens bem sucedidos, por outro, favorece, também, as bruscas mudanças que atropelam os rumos e os interesses dessa mesma sociedade antropofágica em que nos transformamos. Essa necessidade quase compulsória de nos robotizarmos, de nos superarmos em prol de nossa própria sobrevivência, de certo modo nos torna mais frágeis, mais vulneráveis, e nos obriga a repensar valores, a buscar o essencial. O haicai é exatamente isso – uma poesia que vem de encontro às nossas necessidades atuais: despojada, simples e objetiva, que se vale apenas do suficiente. Nesse contexto, parece-me que o haicai é um novo caminho. Uma opção através da qual nos recusamos a continuar inserindo nas três linhas do poema um discurso lírico recheado de sentimentalismo e ‘enfeites poéticos’. Entendo que haicai não é um poema que se resolve por si, isto é, não é apenas produto final. Seu recado vai muito além: é despojamento, atitude consciente de negação do ego, filosofia de vida, valorização do essencial. Não será a busca por esse novo jeito de ser e de estar no mundo, aliada a uma nova linguagem, um grande acréscimo à poesia brasileira? Por outro lado, para compor haicai não é necessário ter nascido poeta, mas é fundamental amar a natureza. Aí sim, está uma das grandes contribuições do haicai, não só para a poesia brasileira, como também para o planeta Terra. Acredito que esse tipo de texto, breve e conciso, favorece o despertar do interesse pela leitura e pela poesia, principalmente entre as crianças.

4 – Quais poetas você destacaria?

Teruko Oda: Acredita-se que hoje existam, entre anônimos e famosos, mais de dois mil haicaístas adultos no país. Entre as crianças, comprovadas pelas inscrições em concursos de haicai coordenados por membros do Grêmio Ipê, o número de praticantes é superior a cinco mil. Nesse universo composto por poetas de todas as idades e tendências, e onde se incluem oito grêmios de haicai em franca atividade, há dezenas de belos poemas que eu gostaria de ter escrito. Então, considerando a possibilidade de cometer injustiças, prefiro não citar nomes.

5 – Poderíamos dizer que existem duas dimensões interdependentes no haicai, a saber, uma dimensão imagística e uma dimensão meditativa?

Teruko Oda: O haicai, por ser sugestão poética (e não produto final como a trova, por exemplo) é um poema que se presta a várias leituras ou interpretações: é um convite a uma viagem, tanto mais rica quanto maior a experiência de vida do leitor junto à natureza.

(*)Publicado originalmente no blog Poesia Diversa.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

a rã


na fria manhã de inverno, a mulher lavava roupa, quando do tanque lhe saltou, ao decote do vestido, a solitária rã.

que susto! gritou a lavadeira, mas logo concluiria sonhadora, entre suspiros e arrepios: por que não? vai que, como na história, o sapo vire príncipe!

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 25 de junho de 2009

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Bienal da Floresta do Livro e da Leitura do Acre
Ignácio de Loyola Brandão*
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O poeta Jorge Tufic, ao centro, conversa com o crítico Fábio Lucas. Ao lado deste, o homenageado Francisco Gregório Filho.

RIO BRANCO - Se alguém pedir: por favor, pode me destentar este cheque, e você souber que o sujeito é farinha de cruzeiro, destente. Se tiver dinheiro, tudo bem, é tarefa que você pode realizar sem abraçar táxi. Vai ser como juntar com cambito. E se avistar um homem usando bosoroca não estranhe, ele é homem mesmo. Ao ouvir “cuida, menina”, não se preocupe. Agora, saindo por ai, cuidado com as peremas. Grande e vasto é o Brasil, digo sempre, sem medo do clichê. Porque é mesmo.

Felizmente, viajar por causa da literatura tem me ajudado a conhecer o país e, principalmente, descobrir as múltiplas variações de nossa língua. Vou incorporando aos meus caderninhos os vocabulários locais, além de trazer dicionários regionais. Destentar é descontar. Abraçar táxi é trabalho difícil (diga tachi e não táxi), é sofrer. Bosoroca é uma bolsinha onde se carregam cartuchos. Cuida, menina significa se apresse, avie-se! Farinha de cruzeiro é gente boa, confiável, enquanto juntar com cambito é coisa fácil de fazer. Peremas são mulheres dadas, oferecidas, assanhadas e até mais do que isso.

Aos dicionários de gauchês e de pernambucanês, já acrescentei o baianês e o cearês. Agora tenho o acreano, do Gilberto Braga de Mello, delicioso. Gilberto, como todo acreano, firma pé. Apesar da reforma ortográfica, os acreanos, com E, se recusam a se tornar acrianos, com I. Que se mantenha o E, clamam, indignados. Ouçamos, minha gente, essas vozes distantes, elas não estão separadas do Brasil.

Eu tinha saído de minha palestra no auditório da Filmoteca que está acoplada à Biblioteca Estadual, uma preciosidade encravada no centro de Rio Branco, a capital. Um edifício moderno, funcional, com grandes janelas, muita luz, internet com acesso grátis, chão sofisticado com ladrilhos hidráulicos, originais, vindos do antigo prédio que havia no lugar. Uma das mais belas bibliotecas que vi no Brasil, opinião compartilhada por um especialista de gabarito, José Castilho Marques Neto, que comanda o Plano Nacional do Livro e da Leitura e, encantado, não se cansou de fotografar tudo. Os acreanos (com E) estão dando uma lição ao Brasil em matéria de biblioteca.

A biblioteca fica em frente da praça onde aconteceu a primeira Bienal da Floresta do Livro e da Leitura, nome poético, para um evento ocorrido em 35 stands de livrarias e editoras, alem do uso de auditórios por toda a cidade. A idéia da Bienal foi do jovem governador Binho Marques, que convidou Pedro Vicente Costa Sobrinho, um potiguar naturalizado acreano, e Helena Carloni, que dirige a bela (repito) biblioteca. Juntou-se a eles Daniel Zen, presidente da Fundação Cultural. E tudo aconteceu.

O homenageado foi uma figura singular e sempre bem-humorada, o contador de histórias e artista plástico Francisco Gregório Filho, cuja figura lembra um patriarca com sua barba branca e magreza de um asceta. Um homem que há meio século batalha pela cultura acreana, tendo sido várias vezes presidente da Fundação Cultural do Estado. Acreanos são Chico Mendes, Marina Silva, Armando Nogueira, João Donato, Glória Peres. Cerca de 40 escritores agitaram a semana, entre eles Luiz Ruffato, Marcus Accioly, Márcio Souza, Fernando Monteiro, Luiz Galdino, Nelson Patriota, Jorge Tufic, Fabio Lucas, Homero Fonseca, Jomard Muniz de Britto, Alexei Bueno, Gilberto Mendonça Telles. Tudo bancado pelo governo. Clodomir Monteiro, presidente da Academia Acreana de Letras, nomeou a Fabio Lucas e a mim membros correspondentes da AAL. Somos de lá e somos de cá. Academias se abrem umas às outras.

“Olhe para cima, verá isso apenas aqui,”dizia Val Fernandes, fotógrafa que dia e noite, sem parar, registrou cada momento, cada pessoa, cada gesto na Bienal. Às margens do rio Acre, um céu turquesa, de filmes orientais, numa cor que nenhum impressionista conseguiria produzir, estendia-se avassalador sobre nós, enquanto cervejas geladas e empadas enormes chegavam na mesa deste bar do Mercado Velho, construído em 1929, e recém restaurado. Para um lado, as águas seguem em direção ao rio Purus, que penetra no Peru. Pelo outro, vão em direção à Bolívia, marcando fronteira em longa extensão. O poeta Naylor George, apaixonado pela sua cidade, conhecedor de cada canto, cada prédio, cada rua, cicerone dedicado, me diz que daqui é mais fácil chegar ao Machu Pichu que a São Paulo. Aqui estamos mais próximos dos Incas e Maias, se quisermos nos exceder na imaginação.

No rio, lá embaixo, catraias navegavam de uma margem à outra. Custa 50 centavos a travessia. Foi lembrado o tempo em que havia dois cinemas na cidade, um no Primeiro, outro no Segundo distrito. Um dos ricos, outro dos pobres. Em Rio Branco pode-se dizer que, como em Paris, há rive gauche e rive droite. O filme era o mesmo nos dois cinemas, as sessões começavam com diferença de horários. Assim, terminado o primeiro rolo em um, o catraieiro Goiaba, figura popular, agarrava a lata e corria, atravessava o rio, no braço, a remo, entregava no cinema. A sessão inteira era ir e vir. Dias de enchente, águas revoltas, sofria o pobre Goiaba. Dizem que ele nunca trocou um rolo.

Depois de visitar o mercado de verduras e frutas (que nada tem a ver com o mercado antigo, tombado), onde pode-se comprar a banana comprida (cada uma tem entre 30 e 40 centímetros), a farinha de mandioca amarela, a pimenta ou castanhas do Pará, preparadas artesanalmente, saborosas, atravesse para o Segundo Distrito e percorra as casas e lojas restauradas que pertenceram aos sírios libaneses, primeiros comerciantes na fundação da cidade. Caminhe pelo calçadão à beira-rio, cheio de bancas de flores amazônicas, entre elas a Uirapuru e a Catinga de Mulata, e de mangueiras centenárias tombadas pelo Patrimônio.

Aqui nos idos 900 ancoravam os batelões e as chatas que traziam mercadorias da Europa para os ricos (as mulheres usavam vestidos com alças de ouro), que freqüentavam o fechadíssimo Tentamen, clube da elite, restaurado em todo seu esplendor e que hoje é alugado para festas e eventos. Ainda existem exemplares gigantes do Apuí, arvore cuja seiva os índios usavam para colar ossos fraturados. Vá até a gameleira imensa onde a cidade se iniciou. Diante do rio, o bar do Grassil Roque com um caldinho de feijão fervente de explodir a língua. Ao lado, na Varanda do Porto, do Telmo, bebe-se cerveja em mesas quase lançadas ao espaço sobre o rio Acre.

Em frente, uma das dezenas de Casas de Leitura (com centenas de poesias pregadas nas portas e paredes) que a cidade possui, que acolhe principalmente crianças. Além dessas casas, pelos parques espalham-se os Quiosques com bibliotecas que o povo utiliza a granel nos finais de semanas, feriados, fins de tarde. Admirado com a noite fresca? São os ventos que sopram da Cordilheira dos Andes, na crendice popular.

*Publicado no jornal Estado de São Paulo, dia 18/06/2009.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

drops de pimenta 16


Joca, sem você eu sou uma nau sem rumo. Você é meu vento ou meu trapiche?


(Zemaria Pinto)

terça-feira, 23 de junho de 2009

O mito é o nada que é tudo
(homenagem aos 75 anos de Mensagem, de Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa (1888-1935),
por Almada Negreiros (1893-1970).

Em comemoração aos 75 anos de publicação de Mensagem, do poeta português Fernando Pessoa, a Cátedra Amazonense de Estudos Literários da Universidade do Estado do Amazonas (CAEL), promove o encontro com o Prof. Dr. Maurício Matos, nos dias 29 e 30 de junho de 2009, das 14h às 18h.

O pesquisador é um dos mais conceituados estudiosos da poesia de Camões e de Pessoa no Brasil, tendo organizado, em parceria com Cleonice Berardinelli, com quem fez o pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a edição crítica (a partir das fontes primárias) do único livro publicado em vida pelo criador de Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.

A atividade, aberta a professores e alunos da UEA e demais Instituições de Ensino Superior sediadas em Manaus, confere declaração de extensão. Para solicitar sua inscrição, é preciso enviar email para cael.uea@gmail.com, informando o nome completo, a filiação institucional e telefones para contato. Será cobrada taxa única de cinco reais a fim de cobrir os custos com fotocópias e impressão de declarações. As aulas serão realizadas na Escola Normal Superior, à Av. Djalma Batista, 2470, ao lado do Amazonas Shopping. Importante: são apenas 30 vagas.

O professor Otávio Rios, destaca a importância de se trazer a Manaus pesquisadores da envergadura de Maurício Matos (UFRJ), “cuja produção bibliográfica e conhecimentos acerca da poesia de Luís de Camões e de Fernando Pessoa são conhecidos no meio acadêmico, nacional e internacionalmente”.

Sexta-feira, no Pina
Marco Adolfs
Um quarteto perfeito: vinho, pão, azeite e bacalhau.

Quando Dora e eu chegamos, eles já estavam nas punhetas. Na cabeceira da mesa, o conde Bacellar; ao lado, os nobres Célio Cruz, Zemaria Pinto e Benayas.

– Sentem-se e nos acompanhem – disse Bacellar.

– A punheta é um prato português, feito com bacalhau – começou a explicar o Francisco, dono da lanchonete Pina, da Joaquim Nabuco, apresentando a iguaria.

Sentamos e nos foi servido vinho para acompanhar o manjar.

– ...Desfiam-se postas de lombo de bacalhau – continuou Francisco –, lavando com água fria, sempre amassando com os punhos. Daí o nome punhetas...

– E o que mais? – interrompi.

– Cortam-se cebolas em tiras, sempre misturando tudo com azeite e uns pingos de vinagre – completou Francisco, orgulhoso. Serve-se frio, acompanhado de salada de agrião, azeitonas e muito pão. E um bom vinho, é claro.

Aí o Bacellar resolveu levantar uma dúvida cruel.

– Com uma das mãos se faz as punhetas, já que a outra pode estar ocupada.

Rimos dessa possibilidade. Também, com um nome desses!

Assim ficamos um bom tempo, envolvidos nas punhetas e vinhos da lanchonete do Pina. Resultado desses encontros das sextas-feiras.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

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domingo, 21 de junho de 2009

skabrática 6

no instante em que a terra perdeu a força gravitacional, uma bailarina ensaiava um salto. e plim: tornou-se uma borboleta.

(Allison Leão)

sábado, 20 de junho de 2009

Literatura sendo arte, como todas as artes ela tem as suas sutilezas, os seus segredos, que não se revelam facilmente. Daí, para mim, a necessidade de esrever e reescrever, numa luta penosa para que o resultado final não saia muito diferente do que foi imaginado, já que uma superposição perfeita é inatingível. Por isso, eu acho que toda obra de arte, seja livro, pintura, escultura, sinfonia, é sempre uma derrota do autor, no sentido de que não é exatamente o que ele sonhara. Eu me dou por satisfeito quando finalmente reconheço a derrota.
(José J. Veiga*)
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José J. Veiga (1915-1999) é autor, entre outros títulos, de Os cavalinhos de platiplanto, A hora dos ruminantes, A máquina extraviada e Sombras de reis barbudos.
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*Depoimento concedido a Edla van Steen, para o livro Viver & Escrever.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

apenas três palavras


– matou por amor! eis aí um conto em apenas três palavras.

– poderia também ser “viveu por amor”, não poderia?

– talvez até pudesse; mas aí o conto não seria conto, por lhe faltar algo mais, que eu não saberia explicar.

– ué!?

(Adrino Aragão)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Antologia do Conto do Amazonas – Apresentação
Zemaria Pinto
A Antologia do Conto do Amazonas
será lançada no próximo sábado, 20/06, às 10h, na Livraria Valer.

Quando a colheita é farta, escolher os melhores frutos é sacrifício prazeroso. Mas se o terreno é árido e a messe míngua, tem-se a oportunidade de escolher para multiplicar. A responsabilidade pela escolha toma uma dimensão bem maior. Na poesia do Amazonas, temos dois casos exemplares: a Pequena Antologia Madrugada[1] e a Lira Amazônica[2]. Passados 51 anos do primeiro e 44 do segundo, pergunto-me se Jorge Tufic e Anisio Mello tinham ideia do que estavam fazendo, do serviço que estavam prestando aos que se interessam pela poesia produzida no Amazonas. São livros cuja importância histórica transcendem, de muito, sua importância estética. E não veja nisso, leitor/leitora, nenhum desdém. É que as antologias sérias são registros históricos da produção estética de um período/lugar, e não o inverso. Eu disse antologias sérias? As não-sérias são aquelas que se limitam a reproduzir idiossincrasias – sem compromisso com a História, portanto.
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Para se ter uma idéia da preferência pela poesia nos trópicos, a primeira antologia de contos amazonenses de que tenho notícia (perdão, se peco por ignorância) tem apenas 38 anos[3]. Ainda assim, o livro organizado por Arthur Engrácio é uma referência obrigatória para entendermos a evolução da narrativa curta no Amazonas, tanto quanto os citados anteriormente o são em relação à poesia. Estas considerações são apenas para augurar aos organizadores desta Antologia sucesso pelos próximos 50 anos.
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Contar histórias é, até prova em contrário, a mais antiga manifestação artística do Homem. Imagina, leitor/leitora: o sujeito sai para uma caçada ao Mamute e chega contando que no meio do caminho encontrou três tristes tigres dentes-de-sabre, que só não o atacaram porque um bando de pterossauros os alcançou antes. Quando pensava que estava a salvo, um velocirráptor surgiu a pouco mais de 50 metros, obrigando-o a uma nova corrida, até que um gigantesco tiranossauro rex deteve o primo distante com um singelo pontapé. Cansado, o bravo caçador sentou-se à beira do rio, inventou a pesca predatória e levou para casa um belo celacanto, que, para quem não sabe, é uma espécie de jaraqui pré-histórico. Ele chega em casa, todos o ouvem assustados, porém, claro, ninguém acredita. Mas sempre haverá alguém pedindo que ele recorde a história da tal caçada, tão bem ele a conta, acrescentando um detalhe aqui, outro ali, a cada vez. Moral da história: mais importante que a verdade é a verossimilhança. Antológico, portanto. Aliás, sempre achei essa palavra, antologia, um tanto parnasiana, afetada mesmo. Coleção de flores! Onde colocar, por exemplo, as Flores do Mal?
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Agora, falando sério, mas ainda tratando da oralidade. Uma antologia do conto amazonense não poderia ignorar a nossa tradição oral, a forma primordial do conto. Poucas literaturas podem se dar esse luxo, porque poucas literaturas têm um suporte mitológico como a tem a amazonense. Com certeza, os registros feitos a partir do final do século XIX não recuperam a não ser uma ínfima parte do que existia então disponível. Por isso, merece destaque o trabalho de Luiz Lana, mais recente, de registrar os relatos de seu pai, já contaminados com a influência missionária, grande responsável pelo desaparecimento da memória oral do povo amazonense, ao impor seus dogmas aos mitos ancestrais.
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O passeio pela antologia organizada pelos professores Marcos Frederico Krüger e Tenório Telles é revelador também ao desmistificar a idéia de que a ficção amazonense é essencialmente regionalista. Mas aqui precisaríamos de algumas páginas a mais para conceituar o que é, afinal, regionalismo. Prefiro dizer que há uma certa tendência na prosa de ficção amazonense a um naturalismo anacrônico, que busca pintar quadros com uma indefinida e um tanto patética “cor local”. É possível, sim, ser universal, sem sair da restrita geografia regional e sem apelar a fórmulas narrativas desgastadas pelo tempo. E aqui temos reunidos vários exemplos, que o leitor poderá descobrir sozinho. Mas Benjamin Sanches, Astrid Cabral, Carlos Gomes e Erasmo Linhares devem ser citados, nos anos 60/70, como os arautos dessa nova ordem.
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Entretanto, aos naturalistas, pelo menos aos mais velhos, devemos conceder o benefício da dúvida. Afinal, os que escrevem por diletantismo, e não têm a mão invisível do gênio a guiar-lhes as maltraçadas, contentam-se em ser epígonos e diluidores. Ora, o realismo francês – Balzac, Flaubert, Zola – foi a grande influência na geração que se insurgiu contra os ideais românticos. No início do século XX, a grande referência na literatura nacional era Euclides da Cunha, que, mesmo não sendo ficcionista, influenciou em definitivo a literatura local, especialmente pela sua presença em Manaus, entre 1904 e 1905, e grande interesse pela região, que resultou no muito citado mas pouco lido À Margem da História. Foi no prefácio a Inferno Verde, de Alberto Rangel, que ele escreveu a sentença que para alguns funciona como autêntica maldição: “a Amazônia é a última página, ainda a escrever-se, do Gênesis.” A partir dos anos 30, com a injeção de brasilidade dos modernistas, um novo realismo assoma como paradigma: o romance nordestino, mais exatamente o romance graciliano. Como escapar dessas armadilhas? Antísthenes Pinto, por exemplo – a quem, em outro trabalho, classifiquei como expressionista, dada a sua opção por uma “estética do Mal”, que transforma seus personagens em monstros morais, deformados interiormente –, redireciona sua ficção, compondo, em seus últimos trabalhos, textos onde a linguagem é mais importante que os aspectos espaciais, antes privilegiados.
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Pois é a essa categoria de linguagem trabalhada ao extremo, apesar da aparente simplicidade – refletida na facilidade com que se oferecem à leitura –, que pertencem dois autores que certamente serão lembrados quando esta Antologia tornar-se um clássico: o experiente João Pinto, cuja linguagem tangencia a poesia, e o jovem Allison Leão, hábil na transformação de clichês em matéria de alta literatura.
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Na terra onde os poetas proliferam, esta Antologia de contos vem mostrar que, silenciosamente, a narrativa curta vai se impondo como essencial à construção de uma identidade literária própria. Longa vida a esta Antologia!
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[1] TUFIC, Jorge. Pequena Antologia Madrugada. Sérgio Cardoso, Manaus, 1958.
[2] MELLO, Anisio. Lira Amazônica – Antologia. Correio do Norte, São Paulo, 1965.
[3] ENGRÁCIO, Arthur. Antologia do Novo Conto Amazonense. Madrugada, Manaus, 1971.
drops de pimenta 15


Mira, Mirinha, Mariazinha. Um beijo por cada letra do nome teu. Tem colo pa eu?


(Zemaria Pinto)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

As espigas do Bacellar
Marco Adolfs
O poeta revisado.

Um dia desses entrei na livraria Valer e dei de cara com o Bacellar sentado naquela mesinha localizada no lado esquerdo de uma das vitrines de livros.

– Oh! Meu caro! Como vai? Levantou-se o poeta, a me cumprimentar efusivamente.

– Tudo bem... E o senhor?

– Está tudo bem.

Resolvi sentar ao lado do poeta para conversar. O Bacellar além de poeta é um ótimo contador de causos. Lá pelas tantas, resolveu contar uma de suas divertidas histórias.

– Veja só que absurdo. Disse então o Bacellar. – Essa questão da revisão. Uma vez, um sujeito, revisando um livro meu, encontrou a palavra respigar, que escrevi, e achou por bem trocar a bendita, achando que estava errada a grafia.

– E qual foi a que ele imaginou que fosse?

– Respingar, com ene! Exclamou.

– O como é que ficou?

– Respingar, mesmo. Respondeu o poeta, resignado. – Ele não sabia que a palavra respigar existia e que significa recolher as espigas que ficam no campo após a ceifa.

Olhamos um para o outro e pensei nas dificuldades de revisão pelas quais um livro passa. Ainda mais, caindo nas mãos de revisores com baixo repertório de conhecimento. Que o diga o poeta, pois até hoje as espigas de milho do Bacellar respingam em sua consciência elevada. É um erro médico que não tem volta.
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Fotos: tem sempre alguém por perto pra tirar.
 
Antônio Loureiro lança dois novos livros

O historiador, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e da Academia Amazonense de Letras, Antônio Loureiro lança dois novos livros: Um passeio pelas praças de Manaus e O toque do Shofar, vol. II.
O evento será no próximo sábado, dia 22 de junho, a partir das 10h00, no IGHA.

domingo, 14 de junho de 2009

Revista Literária - Entrevista com João Bosco Botelho


João Bosco Botelho é um conceituado otorrinolaringologista e professor universitário, viajando anualmente para a França onde dá aulas na Universidade de Paris 7 – Centro Hospitalar Universitário – Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, e faz conferências na Sociedade Francesa de História da Medicina. Mas ele ainda encontra tempo para escrever livros, já tendo lançado, entre outros, História da Medicina: da abstração à materialidade (2004); Medicina e Religião: conflito e competência (2005); e Epidemias, o medo coletivo da dor e da morte (2008), além dos romances Sedução (1995), e Entre as sombras, este ainda inédito, em fase de edição.

Revista Literária – O Sr. é médico, professor universitário e viaja bastante a trabalho. Aonde encontra tempo para o escritor e pesquisador, sim, porque seus livros têm textos profundos e densos?

João Bosco Botelho: O mundo atual requer, de modo muito enfático, maior velocidade em todos os segmentos das atividades produtivas. Na realidade, essa contextualização das relações sociais está atada ao avanço de conjunto tecnológico muito complexo, que inclui com destaque a Internet. Com 60 anos, (in)felizmente, pertenço à geração que está claramente inserida nesse drama, no qual o dia de 24 horas nunca é suficiente. Uns se adaptaram, outros não insistiram na substituição das antigas máquinas de escrever pelo computador. Aliás, o simbolismo dessa troca – máquina de escrever pelo computador – retrata a absoluta premência da velocidade para cumprir os prazos da produção acadêmica.

RL – Sete livros, os sete sobre medicina. Um completa o outro ou o Sr. busca assuntos variados?

JBB: Os dois livros, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço Para Estudantes, em 2000, pela EDUA, com a participação de dezoito professores de universidades brasileiras e francesas, e Otorhinolaryngologie et Chirurgie Cervico-Faciale, em 2002, pela Universidade de Paris 7- EDK, França, com mais de cem trabalhos científicos e duas dezenas de pesquisas financiadas pelo CNPq e FAPEAM, publicados em revistas técnicas reconhecidas, são essencialmente de natureza médico-cirúrgica e estão, sim, estritamente relacionados nos conteúdos e idéias teóricas.

Os outros, inclusive História da Medicina: da abstração à materialidade, Medicina e religião: conflito de competência e Epidemias: o medo coletivo da dor e da morte foram tecidos em torno de outras questões dos saberes médicos. Não sei se podemos entendê-los como complementares. Contudo, estão atados ao processo teórico com novas categorias que eu estruturei, nos anos 90: memória sócio-genética, publicado em dois livros: Arqueologia do prazer, Metro Cúbico, Manaus, 1993, e Os limites da cura, Scortecci-Plexus, SP, 1998.
Sob o entendimento da teoria das memórias sócio-genéticas, estritamente de caráter evolutivo, o processo humanizador estaria vinculado na associação de fatores sociais e genéticos, moldando o corpo pessoal e coletivo para fugir da dor e se aproximar do prazer. Esse conjunto abriga duas etiologias das memórias:

1. Memória pré-neocorticais ou resquícios do processo evolutivo, anterior ao Homem sapiens, isto é, antes do aparecimento do neocortex: dor-prazer e sexualidade-cooperação-territorialidade;
2. Memórias neocorticais adquiridas a partir do aparecimento no neocortex (parte do sistema nervoso central exclusivo da nossa espécie) também associado ao pensamento abstrato: Linguagem, ser-tempo, ser-não-tempo, relacões médico-míticas e dor-histórica.

RL – Fale um pouco sobre os seus livros e o que pretende com eles?

JBB: Os de natureza médica e técnica se destinam aos meus alunos da graduação e pós-graduação (Residência médica, mestrado e doutorado). Os outros são reflexões do pesquisador em busca das incontáveis respostas para compreender melhor em qual dimensão da matéria o normal se transforma em doença (se é que existe a doença como a compreendemos hoje).

RL – O Sr. também tem um lado romancista e já prepara o seu segundo romance. Fale sobre Sedução, o primeiro deles.

JBB: O primeiro romance, Sedução, foi artesanal. O contexto está composto por personagens expressando diferentes seduções, uns honestos, outros desonestos. O cenário se desenrolou numa cidade amazônica fictícia denominada Acará. Na época, apesar de estar zangado com muitos aspectos das relações sociais, consegui expressar a sedução dos homens pela política, pela religião, pela sexualidade e pelo dinheiro. Mas, valeu a pena.

RL – E Entre as sombras, ainda inédito?
JBB: Esse me parece mais maduro. Contudo, como sou um cirurgião, o esforço para conseguir construir a trama romanesca tornou-se quase dolorosa. A estrutura ficcional foi escrita em três meses. Porém, quase um ano se passou antes de considerá-lo finalizado.

Apesar de não haver datas explícitas, o contexto desenrola-se em Manaus, nos anos 60. Na instalação da Zona Franca, os novos-ricos, as mazelas da expansão urbana, o Clube da Madrugada... Os personagens principais são quatro mulheres. Salvo uma delas, a que traçou os objetivos de vida inseridos no contexto social da época, as outras, ao contrário, são duramente machucadas, pelas escolhas ou pelas circunstâncias.

(A Revista Literária é produzida pelo escritor Evaldo Ferreira e circula somente via e-mail; solicitações para evaldo.am@hotmail.com) .
skabrática 5

afundou no amazonas, agonizou no nilo, boiou morto no ganges.

(Allison Leão)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Nostalgia do luar minguante
Jorge Tufic
Jorge Tufic e Aluísio Sampaio ao pé do ex-mulateiro.
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Após vários encontros, deu-se a fundação. Simplesmente aconteceu. Madrugada de 22 de novembro de 1954. Debaixo do velho mulateiro, quase em frente ao portão do quartel da Polícia Militar, na praça do Ginásio Amazonense ou Ginásio D. Pedro II. A boemia literária emocionava a juventude da época, e aos papos diários em redor do pavilhão São Jorge, do amigo Pina, apareciam, com regularidade, estudantes, professores, advogados, operários etc. O maior contingente de jovens parecia vocacionado para as ciências sociais, contábeis, econômicas, entre outras. Os artistas e poetas quase não se importavam com isso. Eles já tinham a sua própria Universidade. A Universidade da Vida, que ficava ali mesmo na República Livre do Pina, um delta que em 1965 receberia o nome de Gonçalves Dias, sem faltar a escultura do grande indianista, por Álvaro Páscoa.

Nessa fase primitiva do Clube, e por conta da boemia, sagravam-se os nobres Cavaleiros de Todas as Madrugadas do Universo, brindava-se ao luar com a taça das Valquírias, compunham-se versos nas lousas do Cemitério de São João Batista, em pleno Boulevard Amazonas; fazia-se o circular do bonde a pé (segundo nos ensinara o poeta Paulo Monteiro de Lima), tudo isso numa só algazarra de festas e cantos heróicos (Marselhesa, Internacional, em primeiro lugar). Esgotou-se, portanto, o vinho de Hamlet, sorvido às pressas no crânio do Vivente Desconhecido. Começam, a partir daí, a surgir os grupos dentro do Grupo. Música, teatro, literatura, cinema, estudos sociais, história, amazonologia. Eclodia o movimento Madrugada. Começava a tentativa de demolição dos valores acadêmicos. Uma estética nova, legitimamente regional, esboçava-se, com certa hesitação, em nossa primeira revista: MADRUGADA 1, 1955. A seguir viriam as páginas literárias, palestras e debates orientados pelos companheiros Saul Benchimol, Francisco Batista e Jefferson Peres. Com a edição dos primeiros livros, programas de rádio, exposições de pintura e desenho, filmagens com roteiros cinematográficos etc., a mobilização atingiria o seu clímax por volta de 1967. A partir de então, à falta, naturalmente, de abertura para o ingresso de novos clubistas, entre tantos espectadores interessados na causa, bate o refluxo.

Reduz-se o grupo dos abnegados plantonistas da aurora, o fogo olímpico decresce na pira da resistência. Ele mastiga os últimos clarões que lhe deram os primeiros gravetos da luta, mas não cede ao desmaio total.

As gerações que ficaram de fora, aí estão, sem terem muita coisa a dizer sobre o Clube da Madrugada. E os tantos outros que se fundaram por aí, com distinção para o de Brasília, o que resta deles?

Quando vou a Manaus fico a rever este cenário da praça, hoje tão diferente. Me assusta, porém, que todos nós ainda estejamos por ali, como à espera de alguém mais para o quorum de votação do ante-projeto dos estatutos da grei. Sem dúvida, inúteis.
primeiro livro

pagou a pequena edição de seu livro e se sentiu um contista realizado: distribuiu um a um, pelas ruas da cidade, ao apelo de que, como recompensa ao autor, lessem os contos.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

30 anos de prazeres desconhecidos: Joy Division




Data: 24 e 25 de Junho de 2009

Local: Espaço Cultural da Livraria Valer

Hora: 18:30


Programação:

Dia 24 - quarta-feira – 18:30

Exposição de 125 imagens da Banda Joy Division, Ian Curtis e Correlatos

Painel em Power Point sobre a Banda Joy Division, Ian Curtis e Correlatos

Audição de músicas da Banda Joy Division

Exibição do Documentário JOY DIVISION, do diretor Grant Gee (Legendado)

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Dia 25 - quarta-feira – 18:30

Lançamento do livreto JOY DIVISION-PRAZERES DESCONHECIDOS, de Genecy Silva (Editora Valer)

Apresentação da Banda JOY, homenageando Ian Curtis e Joy Division


Sobre este evento:

Coordenado pelos pesquisadores musicais Jorge Bandeira e Genecy Silva, com o apoio de Darlan Guedes e da Banda “JOY”, composta por Lúcio Ruiz e Naiara, este evento rememora os trinta anos de aparecimento da lendária banda da cidade inglesa de Manchester, JOY DIVISION, formada por Ian Curtis, Bernard Sumner, Peter Hook e Steve Norris, que estabeleceram um marco na música dos anos 80: a influência da Joy Division é crescente, e seu legado musical é incontestável. Seus discos estão sempre na lista dos melhores de todos os tempos do rock, e as letras inspiradas e de uma poética deslumbrante de seu líder Ian Curtis constituem-se em uma riqueza de imagens que a cada ano se renovam em estudos e audições, fazendo da Joy Division uma banda em crescente atualização de sua produção pelas novas gerações. A voz de Ian Curtis, “sagrada” para o vocalista da famosa banda U2, e o som original dos integrantes da Joy Division, são momentos dos mais ricos da estética profunda e sensível que transformou a Joy Division em uma verdadeira instituição musical, de um som único e inovador. Das capas revolucionárias de Peter Saville para os discos da banda, especialmente o primeiro LP “Unknown Pleasures”, ao fechamento do ciclo Joy Division com “Closer”, aqui você poderá sentir emoções genuínas de um evento feito com o coração e com a razão. Isto é Joy Division.

Contatos:

Jorge Bandeira
vicaflag@hotmail.com
3233-7316
9116-6775

quarta-feira, 10 de junho de 2009

A segunda vez, melhor que a primeira
Roberto Mendonça*

Eu me chamo Roberto e, nos meados de 1966, ingressei na Polícia Militar. Meses depois, fui indicado para proteger o desembarque de um ilustre passageiro no Ponta Pelada (denominativo do aeroporto que, hoje e no mesmo local, serve à Base Aérea). Aliás, outro colega também foi designado para a missão, seu nome era Carlos. Se você juntar esses dois nomes-de-guerra, decifra o nome do ilustre visitante.

Esse mesmo. Em 1º de setembro, desembarcava aqui o cantor Roberto Carlos, que já arrebentava os padrões musicais do País, com “É uma brasa, mora!”. Na época, o avião vindo do Sul aterrissava aqui ao final da tarde, com todos extenuados, após um dia de viagem. Antes do horário, assumi o policiamento, pois o colega conseguiu uma dispensa. Os fãs de todas as idades foram chegando, gente de todas as situações financeiras, até juízes e empresários.

Braza ou brasa, eis a questão!
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O “rei da jovem guarda” iria cantar em dois locais: no “Circo Americano”, montado na praça da Praça 14, em frente à igreja de Fátima, então uma área desocupada. Apesar do tamanho do circo, “armado sobre doze torres”, era tido por um local desprezível. Para minimizar a situação, entrevistado em São Paulo, o próprio cantor tratou de desfazer o embaraço. Qualquer que fosse o entendimento, porém, tratava-se do único local compatível para acolher numeroso público. Dá para imaginar o nosso “orgulho”, às vésperas da instalação da Zona Franca? Depois do circo, o espetáculo seria no Cheik Clube, ali mesmo onde em nossos dias uma academia mantém a designação. Também era diminuto o espaço, mas...

De volta ao Ponta Pelada. Estabeleci um cordão de isolamento no saguão de desembarque, esperando facilitar o trânsito do cantor e demais viajantes. Na hora prevista, o avião estaciona e os passageiros começam a desembarcar. Cada um que passava, e nós conhecíamos a todos, era saudado e interrogado sobre o ilustre companheiro de viagem. Cada confirmação aumentava a vibração da platéia, porém, de minha parte, só aumentava a inquietação. Roberto foi o último a desembarcar; e obrigado a caminhar desde o avião até o desembarque, acompanhado dos empresários locais, tendo à frente João Bosco Ramos de Lima, então radialista, falecido senador.

Aguardei o visitante à porta, junto ao policiamento. Quando ele chegou, aproximei-me, e ele, enfático, me solicitou: “Por favor, não deixe ninguém me tocar”. Não preciso explicar o motivo dessa solicitação. Prometi cumprir o solicitado e, ao seu lado, tentamos atravessar o saguão em direção ao carro. Não foi fácil. Logo o cordão de isolamento foi rompido e os PMs tiveram que portar a “borracha” (cassetete) para facilitar a circulação. Virou um pandemônio, mas o jovem cantor conseguiu sair do aeroporto, são e salvo. Desfeita a agitação, logo recebi algumas queixas contra a atuação estabanada dos policiais; lembro bem de uma avó, perguntando pelos seus netos. Não me recordo a resposta, mas deve ter sido qualquer coisa como “a senhora deveria estar em casa”. Somente hoje compreendo a euforia promovida pelo “esse rapaz desajustado”, na definição de um anônimo professor local, intrigado com a ousadia da “jovem guarda”. Poderia ter recolhido o cantor à porta do avião, frustrando os fanáticos manauaras; mas disso não teria como me penitenciar.

No Circo Americano, a polícia, por minha orientação, mudou a estratégia. A questão maior era a presença de fãs à porta do circo. Para ludibriar esse entusiasmo, concentramos um forte policiamento no local, orientando o motorista do cantor a se dirigir pelos fundos. Assim, quando o show começou com o assovio padrão do “rei” e o rebolado provocativo do iê-iê-iê, a turma do “sereno”, enganada pela polícia, mandou esta e tudo mais “pro inferno”. Lá dentro houve tudo o que um circo podia permitir; o delírio de jovens e adultos foi impressionante, acompanhado de cenas de desmaio com direito a retirada nos braços de bombeiros, especialmente de fanzocas. Entre gritos e delírios, o espetáculo foi do agrado.

Convite chiquê.
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Roberto Carlos já conhecia Manaus; na primeira vez (talvez 1965) levou um cachê de 150 mil cruzeiros – “e olhem lá”, informa uma coluna jornalística, comparando que desta vez “a cotação do menino está subindo, ou é inflação”: 12 milhões de cruzeiros. Foram tantas as ligas retiradas do dinheiro, após conferi-lo, e que o cantor colocou nos braços, que, conta uma lenda urbana, a juventude adotou o modismo.

A festa no Cheik Clube pertencia à grã-finagem, convidada “para assistir ao maior show do ano: o homem do calhambeque”. Havia duas maneiras de ingresso: apresentação da carteira social e recibo nº 8 (agosto) para os sócios, e aquisição de mesas vendidas pelos diretores de plantão. A sociedade se divertiu com prazer e sem notícias desagradáveis, acolhendo o garoto que começava a encantar o Brasil, embalado pela “popularidade maior que a de Jesus Cristo” dos britânicos Beatles.

Manhã seguinte, muito bem recompensado, o futuro “Rei” embarcou de regresso, sem necessidade de policiamento. Os fãs dormiram satisfeitos, sonhando com um breve regresso. Eu também dormi bem, sonhando que uma multidão me aplaudia; no entanto, ao ser despertado pelo clarim do quartel, lembrei-me que os aplausos foram para o Roberto Carlos. Mas, valeu!
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Rebeldia sem causa, simpatia conservadora.
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(*) Roberto Mendonça é coronel da reserva da Polícia Militar do Amazonas, pesquisador e autor de livros sobre a história do Amazonas.
Tufic ao sopro do ZÉfiro
Francisco Carvalho

Recorro a um truísmo para dizer que o poeta Jorge Tufic já se tomou numa figura legendária da poesia brasileira do século passado e do milênio que se inicia. Críticos e resenhadores do país, independentemente de tendências e opções estéticas, não têm negado aplausos ao desempenho literário deste autêntico mestre da artesania poética, acreano de pais libaneses, nascido no final da terceira década do século recém-findo.

Numerosos livros de poemas e de ensaios enriquecem sua vasta bibliografia. Jorge Tufic é desses autores que exprimem, através do poema, sua paixão avassaladora pela beleza e fugacidade da vida, pelo legado existencial herdado de seus antepassados mais remotos. Profundamente ligado às raízes, sem renunciar à fidelidade e aos apelos do tempo presente, o poeta insinua-se nos meandros das realidades do cotidiano para se encontrar consigo mesmo, com as razões ou sem-razões do poema. Ou para confessar em versos como estes, repletos de evocações do seu rio tutelar: “Menino ainda, escolhi o meu acaso Segui uma nuvem que vinha das cabeceiras” (ZÉfiro com Soneata Barroca, Realce Editora, Fortaleza, 2004).

Mestre incontestável do soneto, essa teia mágica que ainda intriga os pretendentes de Penélope, Tufic passa incólume pelas “perpétuas grades” (Augusto dos Anjos) dessa autêntica jaula medieval, com certeza uma das mais polêmicas de todas as modalidades de poemas já concebidas pela fantasia humana. Os sonetos de Jorge Tufic são de uma leveza prodigiosa, e nisso reside um dos segredos de sua modernidade.

(Oportuno lembrar que o texto literário produzido sob o signo da norma culta é, necessariamente, terreno propício ao surgimento de numerosas figuras de sintaxe e/ou de pensamento, das quais é pródigo o idioma dos nossos ancestrais ibéricos. Essa opulenta nomenclatura de tropos faz parte do acervo arqueológico do próprio idioma, razão pela qual, na maioria das vezes, eles entram compulsoriamente na poesia ou na ficção sem que os autores tenham contribuído diretamente para isso. Seria utópico imaginar que a verdadeira poesia dependesse, aleatoriamente, de eventualidades ornamentais. Não seria absurdo imaginar que esses arquétipos podem ser encontrados até mesmo numa tediosa exposição de algum balancete sobre lucros bancários.)

Poeta de muitas andanças pelo Brasil e outras paragens do mundo, espírito inquieto num corpo de beduíno, Jorge Tufic assimilou imagens e recordações dos lugares por onde passou. De tal modo que em seus poemas arrulham pássaros e regatos, rios e lagos que escondem mistérios, lendas de sereias e visões encantadas, duendes, feiticeiros e outros seres fantásticos que habitam nos troncos diluviais da floresta amazônica. Além de colméias dos tempos da criação do mundo, construídas de fragmentos de diamantes lapidados. Sem falar nas flores exóticas cuja beleza e perfume enfeitiçam os homens, peixes, insetos e animais que se acasalam ou hibernam nas grutas, à espera que os estios acordem no fundo dos lagos.

No primeiro poema de Zéfiro, Tufic já celebra o rio tutelar: “Este rio profundo, mas / nem tanto como a noite e as palavras / que dormem nas conchas do lodo”. É a saga do menino que vai descobrindo paulatinamente o mundo poroso das águas. “A incansável descoberta dos mapas/ nomes que foram sendo trocados/ passaportes vencidos”. A referência a passaportes sugere que o menino já trazia, dentro de si, as encruzilhadas, rotas e caminhos que deveria percorrer ao longo da vida. Ao ouvir predição de pessoa estranha, segundo a qual haveria de ser famoso, deixou “que o menino ficasse ali/ para sempre / coberto de vaga-lumes”. O memorial do menino prossegue em seu lirismo minucioso: “Os morcegos de Sena Madureira / tinham asas de eucalipto. / Quando estas árvores foram derrubadas / eles passaram a dormir nos alpendres. / E a insônia tomou conta das janelas”. O poeta confessa que nasceu numa rua chamada Amazonas. “Ficava perto do rio / perto do mercado. / Era a rua mais perto do mundo”. A rua em que o menino dialogava com o futuro poeta nas esquinas do sonho.

Por esse tempo, Tufic contemplava “A noite pública / sobre telhados particulares”. ZÉfiro com Soneata Barroca termina com o poema XIX. Um soneto no qual o poeta lavra esta inscrição para os tempos vindouros: “sou formiga, sou fonte, sou texugo / larva na sequidão dos necrológios. / Quem foi ao bosque, livre-se dos ódios / que outros lugares roubam-me do estudo; ali estão nossos ossos e o veludo / das luas sobre tantos episódios”. Restaria uma alusão especial aos treze sonetos de que se compõe a Soneata Barroca. Trata-se de poemas da melhor qualidade, seja pelos aspectos formais ou pela clarividência com que o poeta celebra as metamorfoses do cotidiano, onde muitos de nós naufragamos naqueles “instantes sem razão e sem verso”, a que se refere Carlos Drummond de Andrade.

Sempre imaginei que os verdadeiros poetas são bons em tudo o que fazem. (Deixo aqui a ressalva de Horácio, em A Arte Poética, segundo a qual até mesmo o bom Homero tem o direito de cochilar algumas vezes.) Pouco importa que escrevam poemas rimados e metrificados ou poemas em versos livres, sem medida e sonoridades coincidentes. Na épica, na ode, na elegia, no epigrama ou no madrigal, o verdadeiro poeta sempre diz a que veio. É o que acontece com Jorge Tufic, que oportunamente publicou plaqueta à maneira dos repentistas nordestinos ou dos chamados folhetos de cordel. Com o mesmo “savoir-faire” com que escreve poemas eruditos, onde celebra o amor, a vida e a morte sob o viés metafísico, Tufic canta em tom de menor intensidade, diversos outros assuntos ligados à natureza, ao ser humano e aos bichos de modo geral. Um exemplo de sua verve nessa vertente caudalosa da poesia popular: “Ao som, portanto, maduro / dessa batalha encourada, / visto a roupa do vaqueiro, / seu gibão, sua toada / e curto o couro dos bichos / que morrem de madrugada”.

Tufic está por dentro dos saberes e feitiços dos pajés, pessoas dedicadas às reflexões e estudos dos fenômenos da natureza que se revestem de conotações sobrenaturais. Segundo o poeta, em Quando as Noites Voavam, “os pajés costumam ver uma escada que tem a ponta no setestrelo e a base na fonte sagrada que alimenta as reservas do líquido primário” (p. 43). Logo mais adiante, esta informação para iniciados em estudos amazônicos: “Pelas bordas da fonte, rãs se petrificam de olho nos mosquitos. E a linfa, de alegre, não pára de cantar”. Desconfio que o engenhoso Tufic teria sido eminência parda de algum pajé para tratar de assuntos relacionados com bruxarias e outras coisas desse tipo. A segurança com que trafega nos labirintos e mitologias da selva lhe confere o diploma de pós-graduação nessa área inacessível ao comum dos mortais. Vejam a intimidade com que fala o poeta dos poderes da “Cobra Grande, que ajuda o boto a entrar nas moças surdas aos conselhos dos pais”. Pelo discurso poético de Tufic, a gente fica sabendo que “os filhotes da Cobra Grande deixam a barriga da moça” que se deixara seduzir ... “A água vai subindo, engole a casa. Nas palhas que submergem, cobrinhas arrastam seu avô para o fundo das águas”. Surrealismo à flor da pele.

Poderia escrever páginas inteiras falando dos poemas amazônicos desse acreano de raízes libanesas. Ele sabe das coisas e faz uso das melhores estratégias formais para transmitir ao leitor seu legado de saberes, como se personagem principal das lendas que nos conta de forma absolutamente sedutora. Na introdução do livro Quando as Noites Voavam, Tufic esclarece que suas crônicas (ou poemas) tiveram origem no “foco temático” da obra de Antônio Brandão Amorim, intitulada Lendas em Nheengatu e em Português. Tufic nos brinda com autêntico trabalho de recriação desses mitos e lendas que desafiam a voragem e fugacidade dos séculos.

Em livro lançado recentemente por editora de Manaus, de autoria de Gaitano Antonaccio, fica-se conhecendo melhor a história e as origens do homem e do poeta Jorge Tufic Alaúzo, como também das lutas do povo acreano para conquistar sua independência política. Como a grande maioria do povo brasileiro, purgou seus pecados na condição de inspetor fiscal do Ministério do Trabalho, mas não permitiu que lhe seccionassem a veia poética nem que o esmagassem nas engrenagens da burocracia, cuja aridez nos permite sobreviver por algum tempo, mas sempre nos deixa marcas indeléveis no corpo e na alma. O opulento currículo que hoje ostenta, constituído de títulos honoríficos, prêmios literários, medalhas de mérito, diplomas e certificados – tudo isso dá testemunho vigoroso da carreira ascendente do funcionário público e do poeta, figura admirada e respeitada em todos os estamentos da sociedade e do mundo intelectual do país. Por tudo o que escreveu em prosa e verso, pela coerência e limpidez do seu depoimento de ser humano, de humanista e de poeta, dou-lhe nota dez. “Cum laude”.
drops de pimenta 14


Joãozinho, meu sol, chove hoje?

(Zemaria Pinto)

terça-feira, 9 de junho de 2009

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Tabaco: o sagrado e o profano em torno da fumaça – 6/6
João Bosco Botelho


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo com todas as restrições, o tabagismo está longe de ser contido. Com a produção das folhas secas de tabaco concentrada nos países do Terceiro Mundo (Figura 17), continua gerando lucros de bilhões de dólares, aos maiores produtores de cigarro que estão nos países do Primeiro Mundo: Altadis (Gouloises, News, Royale, Gitanes, Fortuna); Gallaher (Benson & Hedges); Altria (Marlboro, Philip Moris, Chesterfield, L&M); British American Tobacco (Winfield, Peter Stuyvesant, Lucky Strike); Japan Tobacco International (Camel, Winston); Imperial Tobacco (Jps, Route 66).
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Figura 17 – Produção das folhas secas do tabaco.

As tentativas de formar um perfil do fumante não têm sido bem sucedidas. Apesar de não haver dúvida do processo da dependência física com os mecanismos neurológicos de recompensa melhor esclarecidos(29) – a nicotina se liga ao receptor nicotínico α4β2, determinando maior liberação de dopamina no núcleo accumbens, que se acredita estar associado à recompensa – parece que a visão da fumaça exerce enorme fascínio no fumante.

Não é sem razão que os cegos de nascença não fumam!

É possível que as empresas produtoras de cigarro já estejam engajadas na busca de variedades genéticas menos nocivas de tabaco, mas capazes de manter o elo de encanto do fumante com a fumaça.


Bibliografia

29. ALENCAR FILHO, A. C.; ACHUTTI, A.; MIRRA, A P.; CAMPANA, A M; MENEZES, A.M. Tabagismo e Sistema Cardiovascular. In: Aloyzio Achutti. (Org.). Guia Nacional de Prevenção de Tratamento do Tabagismo. Rio de Janeiro. Vitrô Comunicações & Editora. 2000.

As Nuvens de Machu Pichu – III (conclusão)
Marco Adolfs
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Terraços para plantação.

Chegamos a Machu Pichu sob uma chuva fina. Envolvidos por capas e grossos casacos de frio. Entramos em uma fila de turistas ansiosos e ao mesmo tempo resignados. O importante seria visualizar Machu Pichu em qualquer condição. Bingham, o “descobridor” americano das ruínas “abandonadas” de Machu Pichu, também estava envolvido em nuvens, não só como as nossas, mas de dúvidas sobre a visualização das ruínas incaicas que procurava. Na verdade ele não procurava por Machu Pichu, e sim buscava uma capital, com templos, sepulturas e outras edificações. Passou por várias ruínas: Salapuncu, Torontoy, Ollantaytambo e quando chegou à cidade de Mandorpampa, falou com um camponês que disse, apontando para o alto de uma montanha, que “ali atrás ficava Machupijchu, que significa “Topo Antigo”.

A subida de Bingham e sua equipe se deu no dia 24 de junho de 1911 e quando ele chegou às proximidades das tais ruínas camponeses lhes ofereceram água e ficaram a maior parte do tempo em conversas fiadas, desconfiados e inseguros daquela expedição. Conversa vai, conversa vem, Bingham ficou sabendo que as duas famílias que ali moravam estavam plantando batatas e legumes (nos patamares incas!), com o único intuito de fugir do controle fiscal do governo. Enquanto Bingham conversava com os relutantes camponeses, um menino de seus dez anos aproximados observava tudo e arquitetava um plano. Quando Bingham ainda pensava em uma outra estratégia de abordagem, o menino então o puxou por uma das mãos.

Bingham se deixou levar por entre árvores e pedras até a encosta da montanha onde existia uma passagem natural que, quando foi afastada pelos braços do americano, revelou uma imagem com estruturas arquitetônicas incas envolvidas por plantas e cipós. Não a visão limpa de Machu Pichu que hoje temos, mas apenas 30% de uma cidade misteriosa...

Quando finalmente passamos a entrada principal de Machu Pichu, a chuva havia estancado e as nuvens começavam a se dissipar. E o que vimos, mereceu cada dólar gasto para chegar até lá.

Ah!... Ia esquecendo... A cidade que Bingham procurava era uma tal de Vilcabamba la Vieja, o último lugar onde os incas moraram.

Detalhes.

Fotos: tem sempre alguém por perto pra tirar.
 

segunda-feira, 8 de junho de 2009

O mundo da literatura esquecida
Rogel Samuel*
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Acabo de ver que não há nada sobre Mavignier de Castro na web. Nem no meu antigo site aparece, onde eu o coloquei. Meu "Site do escritor" foi o primeiro a colocar na web autores amazonenses antigos, como Mavignier de Castro. Seu melhor livro - verdadeira obra-prima - é Amazônia panteísta, com capa de Moacir Andrade.
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Antonio Mavignier de Castro nasceu no Ceará, no dia 21 de novembro de 1895; fez curso primário em Belém. Com nove anos de idade, em companhia da tia, seguiu para a França até concluir o Curso de Bacharel em Ciências e Letras. Regressando ao Brasil, entrou para a redação do jornal “A Época”, em Manaus. Em 1916, foi nomeado chefe de revisão do Diário Oficial do Estado do Amazonas. Foi repórter do jornal “O Tempo” e no “Jornal do Comércio”, de Manaus. Como Promotor Público, atuou nas Comarcas de Eirunepé, Tefé e Manacapuru, deixando-as para ser nomeado Prefeito de Moura, no interior do Amazonas. Foi professor de Francês na Escola de Comércio “Solon de Lucena”. Escreveu Síntese Histórica e Sentimental da Evoluçao de Manaus e Amazônia Panteísta. Era membro da Academia Amazonense de Letras, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e sócio-correspondente da Academia de Letras do Ceará.
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Ele era um escritor forte, à moda antiga, naquele estilo que chamo de art nouveau, como Euclides da Cunha, Eça, Rui Barbosa, Coelho Neto, os escritores impressionistas, imitadores dos franceses. Até mesmo Barthes escrevia assim. Eu os imitei no meu pobre O amante das amazonas.
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Transcrevo um capítulo de Amazônia panteísta:
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Orfeu das selvas amazônicas
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“Leucolepia arada modulatrix”... Na classificação dos milhares de pássaros existentes nas selvas, nos campos e nos montes de todos os continentes, talvez nenhuma especificativa se ajuste melhor que a do uirapuru amazônico. Até a terminologia tupi interpreta a vulgaridade que o torna conhecido - “uirú”, (boca) e “purú”, (ruidosa, cantora).
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É na quietude balsâmica das manhãs luminosas, antes do sol atingir o zênite, que, invariàvelmente, na copa de uma árvore altíssima da terra firme, um gorjeio harmonioso se faz ouvir em escala crescente de acordes enleantes, de sonidos puríssimos, tal um conjunto inefável de notas metálicas e cristalinas vibradas ao mesmo tempo, num misto aproximado de arpejo eólio e avena pastoril, cuja gama de sublimada consonância nenhum instrumento musical, por mais sonoroso, pode imitar.
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Então, como que atraídos pela suave melodia, ora evanescente, ora altissonante, centenas de pássaros revoam transpondo os recessos florestais. Suas asas não tatalam e nenhum pipilo lhes sai da garganta. Crer-se-ia que temendo profanar a serenidade panteística do momento, eles se aproximam silenciosos do minúsculo orfeu plumiliforme, e, pousados a seu redor, vão matizando os ramos com as suas plumagens azuis, citrinas, purpúreas, brancas e negras.
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Terminada a fantasia de cores esvoaçantes com a quietude embevecida dos alígeros ouvintes, o gorjeador faz pausa, voeja para empoleirar-se na ramagem de outra árvore, seguido triunfalmente pela profusão de penas deslumbrantes que lembram a policromia de um fogo de artifício caindo na penumbra do matagal silente.
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Na sucessão desses rápidos intervalos, é possível, de relance, vislumbrar a tonalidade barrosa do corpo do pequeno virtuose ornitológico. Quem jamais ouviu as modulações do mago passarinho, dificilmente acreditará no estranho fascínio que a sua harmonia exerce sobre os seres alados e, também, na extraordinária influência que ela desperta em nosso espírito.
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Excluída a prodigiosa propriedade do canto inimitável, pouco se sabe dos hábitos do “Leucolepia arada modulatrix”. Jamais um exemplar de qualquer idade resistiu ao cativeiro. Pacientes observações, entretanto, revelaram que ele é insetívoro, nunca se alimentando com gramíneas ou frutos silvestres. A plumagem do casal é uniforme, — cor de argila escura, mais carregada que a do vulgaríssimo “joão-de-barro”. Não possuem, ambos, os soberbos reflexos metálicos vistos nas asas dos rouxinóis do Rio Negro; não lhes ornam as cabeças penachos carmesins como os dos “galos-de-campina”, e suas gorjeiras não ostentam as cintas douradas que refulgem no peito dos “japiins”. Em compensação, quando eles nidificam, no período nupcial, a capacidade vocal se lhes desenvolve de modo tão imprevisto que a melodia patética do gorjeio adquire, dentro do místico recolhimento da natureza, surpreendente motivo de elevação hierática, somente comparável aos temas poéticos que nos levam aos paroxismos da emotividade, como quando ouvimos, sublimadas, a execução suave, espiritualística, das extasiantes músicas sacras.
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Tabaco: o sagrado e o profano em torno da fumaça – 5/6

João Bosco Botelho

A mudança na incidência dos cânceres, nos países industrializados, determinou reações coletivas para combater o tabagismo. A primeira assembléia para tratar do assunto, reunindo representantes de quarenta e três países, ocorreu em Paris, no dia 4 de maio de 1935. Entre outros resultados, estruturou a União Internacional Contra o Câncer (UICC) (Figura 13), com sede em Genegra. A UICC se transformou em referência na luta contra o tabagismo(24).


Figura 13 – A União Internacional de Combate ao Câncer como símbolo da luta contra o tabagismo.

O alerta das autoridades mundiais de saúde pública sobre os riscos do tabagismo, nos Estados Unidos e Europa, até então os maiores consumidores, ocorreu graças ao Relatório de Hammond e Horn, em 1954, financiado pelo American Cancer Society, seguido pelo do Royal College of Phisicians, da Inglaterra, em 1962, descrevendo a nocividade do fumo.

Os controles epidemiológicos começaram a identificar a mudança do perfil de mortalidade em adultos fumantes(25). Entre as alterações na prevalência das doenças como causas de mortes, recebeu impressionante destaque o câncer de pulmão(26). Tido como raro até o início do século 20, esse tipo de câncer começou a ser compreendido como uma das mais sérias ameaças à saúde dos homens fumantes com mais de 45 anos.

Os serviços de saúde na Europa e nos Estados Unidos passaram a considerar o cigarro como a maior causa isolada evitável de morte, não só pela maior incidência dos cânceres de pulmão, orofaringe, laringe e bexiga, mas também pelas doenças cardíacas e respiratórias incapacitantes(27).

Na década de setenta, foram realizadas três reuniões sobre o fumo e a saúde, organizadas pela UICC, que forneceram subsídios para intensificar as campanhas públicas contra o cigarro com ampla concordância dos governos. Nos anos seguintes, surgiram leis que alertavam o consumidor dos riscos e protegiam os não fumantes.

Os estudos bioquímicos dos resíduos da fumaça do tabaco no organismo identificaram muitas substâncias tóxicas e outras relacionadas à carcinogênese.

Na França, em 1985, o Pr. Ives Cachin(28) liderou um grupo de cancerologistas na publicação do livro La lutte contre le cancer em France, que norteou as ações do Estado Francês para conter o tabagismo (Figura 14).


Figura 14 – o autor, com o Professor Yves Cachin, da Sorbonne, em 1983, em Paris.

Os serviços de saúde pública, no Brasil, conseguiram elaborar um dos mais respeitados programas contra o tabagismo e aprovar leis que restringiram enormemente o fumo em lugares públicos, protegendo os não fumantes, proibindo propagandas e adicionando avisos de alertas nos maços de cigarros (Figuras 15 e 16).

O mundo industrial, independente das ideologias, pretende varrer o tabaco do planeta.


Figura 15 – Competente presença do Estado brasileiro no projeto mundial para banir o tabagismo do planeta.

Figura 16 – Competente presença do Estado brasileiro no projeto mundial para banir o tabagismo do planeta.

(Conclui amanhã.)

Bibliografia

24. WAKEFIELD, John, ed. Public Education about cancer. Genebra, International Union Against Cancer. 1977. v. 26. p. 8‑27.
25. WYNDER E. L. & HECHT, S, eds. Lung cancer. Genebra, International Union Against Cancer. 1976. v. 25. p. 95-145.
26. MAISIN, J. H. History of the International Union Against Cancer. Genebra, UICC, 1968. 35 p.
27. FLAMANT, Robert. Notions actuelles sur l'epidemiologie des cancers facteurs de risques. Paris. Institut Gustave Roussy. 1985.
28. CACHIN, Yves. La lutte contre le cancer en France. Paris. La Documentation Française. 1985. p. 72‑4.
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