Zemaria Pinto
será lançada no próximo sábado, 20/06, às 10h, na Livraria Valer.
Quando a colheita é farta, escolher os melhores frutos é sacrifício prazeroso. Mas se o terreno é árido e a messe míngua, tem-se a oportunidade de escolher para multiplicar. A responsabilidade pela escolha toma uma dimensão bem maior. Na poesia do Amazonas, temos dois casos exemplares: a Pequena Antologia Madrugada[1] e a Lira Amazônica[2]. Passados 51 anos do primeiro e 44 do segundo, pergunto-me se Jorge Tufic e Anisio Mello tinham ideia do que estavam fazendo, do serviço que estavam prestando aos que se interessam pela poesia produzida no Amazonas. São livros cuja importância histórica transcendem, de muito, sua importância estética. E não veja nisso, leitor/leitora, nenhum desdém. É que as antologias sérias são registros históricos da produção estética de um período/lugar, e não o inverso. Eu disse antologias sérias? As não-sérias são aquelas que se limitam a reproduzir idiossincrasias – sem compromisso com a História, portanto.
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Para se ter uma idéia da preferência pela poesia nos trópicos, a primeira antologia de contos amazonenses de que tenho notícia (perdão, se peco por ignorância) tem apenas 38 anos[3]. Ainda assim, o livro organizado por Arthur Engrácio é uma referência obrigatória para entendermos a evolução da narrativa curta no Amazonas, tanto quanto os citados anteriormente o são em relação à poesia. Estas considerações são apenas para augurar aos organizadores desta Antologia sucesso pelos próximos 50 anos.
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Contar histórias é, até prova em contrário, a mais antiga manifestação artística do Homem. Imagina, leitor/leitora: o sujeito sai para uma caçada ao Mamute e chega contando que no meio do caminho encontrou três tristes tigres dentes-de-sabre, que só não o atacaram porque um bando de pterossauros os alcançou antes. Quando pensava que estava a salvo, um velocirráptor surgiu a pouco mais de 50 metros, obrigando-o a uma nova corrida, até que um gigantesco tiranossauro rex deteve o primo distante com um singelo pontapé. Cansado, o bravo caçador sentou-se à beira do rio, inventou a pesca predatória e levou para casa um belo celacanto, que, para quem não sabe, é uma espécie de jaraqui pré-histórico. Ele chega em casa, todos o ouvem assustados, porém, claro, ninguém acredita. Mas sempre haverá alguém pedindo que ele recorde a história da tal caçada, tão bem ele a conta, acrescentando um detalhe aqui, outro ali, a cada vez. Moral da história: mais importante que a verdade é a verossimilhança. Antológico, portanto. Aliás, sempre achei essa palavra, antologia, um tanto parnasiana, afetada mesmo. Coleção de flores! Onde colocar, por exemplo, as Flores do Mal?
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Agora, falando sério, mas ainda tratando da oralidade. Uma antologia do conto amazonense não poderia ignorar a nossa tradição oral, a forma primordial do conto. Poucas literaturas podem se dar esse luxo, porque poucas literaturas têm um suporte mitológico como a tem a amazonense. Com certeza, os registros feitos a partir do final do século XIX não recuperam a não ser uma ínfima parte do que existia então disponível. Por isso, merece destaque o trabalho de Luiz Lana, mais recente, de registrar os relatos de seu pai, já contaminados com a influência missionária, grande responsável pelo desaparecimento da memória oral do povo amazonense, ao impor seus dogmas aos mitos ancestrais.
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O passeio pela antologia organizada pelos professores Marcos Frederico Krüger e Tenório Telles é revelador também ao desmistificar a idéia de que a ficção amazonense é essencialmente regionalista. Mas aqui precisaríamos de algumas páginas a mais para conceituar o que é, afinal, regionalismo. Prefiro dizer que há uma certa tendência na prosa de ficção amazonense a um naturalismo anacrônico, que busca pintar quadros com uma indefinida e um tanto patética “cor local”. É possível, sim, ser universal, sem sair da restrita geografia regional e sem apelar a fórmulas narrativas desgastadas pelo tempo. E aqui temos reunidos vários exemplos, que o leitor poderá descobrir sozinho. Mas Benjamin Sanches, Astrid Cabral, Carlos Gomes e Erasmo Linhares devem ser citados, nos anos 60/70, como os arautos dessa nova ordem.
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Entretanto, aos naturalistas, pelo menos aos mais velhos, devemos conceder o benefício da dúvida. Afinal, os que escrevem por diletantismo, e não têm a mão invisível do gênio a guiar-lhes as maltraçadas, contentam-se em ser epígonos e diluidores. Ora, o realismo francês – Balzac, Flaubert, Zola – foi a grande influência na geração que se insurgiu contra os ideais românticos. No início do século XX, a grande referência na literatura nacional era Euclides da Cunha, que, mesmo não sendo ficcionista, influenciou em definitivo a literatura local, especialmente pela sua presença em Manaus, entre 1904 e 1905, e grande interesse pela região, que resultou no muito citado mas pouco lido À Margem da História. Foi no prefácio a Inferno Verde, de Alberto Rangel, que ele escreveu a sentença que para alguns funciona como autêntica maldição: “a Amazônia é a última página, ainda a escrever-se, do Gênesis.” A partir dos anos 30, com a injeção de brasilidade dos modernistas, um novo realismo assoma como paradigma: o romance nordestino, mais exatamente o romance graciliano. Como escapar dessas armadilhas? Antísthenes Pinto, por exemplo – a quem, em outro trabalho, classifiquei como expressionista, dada a sua opção por uma “estética do Mal”, que transforma seus personagens em monstros morais, deformados interiormente –, redireciona sua ficção, compondo, em seus últimos trabalhos, textos onde a linguagem é mais importante que os aspectos espaciais, antes privilegiados.
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Entretanto, aos naturalistas, pelo menos aos mais velhos, devemos conceder o benefício da dúvida. Afinal, os que escrevem por diletantismo, e não têm a mão invisível do gênio a guiar-lhes as maltraçadas, contentam-se em ser epígonos e diluidores. Ora, o realismo francês – Balzac, Flaubert, Zola – foi a grande influência na geração que se insurgiu contra os ideais românticos. No início do século XX, a grande referência na literatura nacional era Euclides da Cunha, que, mesmo não sendo ficcionista, influenciou em definitivo a literatura local, especialmente pela sua presença em Manaus, entre 1904 e 1905, e grande interesse pela região, que resultou no muito citado mas pouco lido À Margem da História. Foi no prefácio a Inferno Verde, de Alberto Rangel, que ele escreveu a sentença que para alguns funciona como autêntica maldição: “a Amazônia é a última página, ainda a escrever-se, do Gênesis.” A partir dos anos 30, com a injeção de brasilidade dos modernistas, um novo realismo assoma como paradigma: o romance nordestino, mais exatamente o romance graciliano. Como escapar dessas armadilhas? Antísthenes Pinto, por exemplo – a quem, em outro trabalho, classifiquei como expressionista, dada a sua opção por uma “estética do Mal”, que transforma seus personagens em monstros morais, deformados interiormente –, redireciona sua ficção, compondo, em seus últimos trabalhos, textos onde a linguagem é mais importante que os aspectos espaciais, antes privilegiados.
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Pois é a essa categoria de linguagem trabalhada ao extremo, apesar da aparente simplicidade – refletida na facilidade com que se oferecem à leitura –, que pertencem dois autores que certamente serão lembrados quando esta Antologia tornar-se um clássico: o experiente João Pinto, cuja linguagem tangencia a poesia, e o jovem Allison Leão, hábil na transformação de clichês em matéria de alta literatura.
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Na terra onde os poetas proliferam, esta Antologia de contos vem mostrar que, silenciosamente, a narrativa curta vai se impondo como essencial à construção de uma identidade literária própria. Longa vida a esta Antologia!
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