Amigos do Fingidor

domingo, 31 de julho de 2011

sábado, 30 de julho de 2011

Fantasy Art – Galeria


Jaroslaw Kukowski.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Senhora, uma leitura 2/6

Zemaria Pinto

Senhora - Análise da Obra


Enredo  


Resumamos, leitor, a fábula de Senhora. Pela leitura da obra, cuja narrativa é feita em recortes temporais, você deve ter percebido que o autor apresenta-nos um quebra-cabeça que montamos pacientemente. Aqui, procuramos desmontá-lo, apresentando a história contada sob uma perspectiva temporal linear, com princípio, meio e fim. Enfatizamos, entretanto, que o leitor não pode abrir mão do prazer de ler o texto original, no qual poderá apreciar, em seus mínimos detalhes, a arte narrativa de Alencar.  

Aurélia Camargo, órfã de pai, vive com a mãe, Emília, e o irmão, Emílio, num subúrbio do Rio de Janeiro, em situação miserável. O pai de Aurélia, Pedro Camargo, é preciso que se diga, um homem fraco de caráter, extremamente submisso ao pai, um rico fazendeiro, manteve ocultos deste a mulher e os filhos. Após a morte de Pedro, Emílio, o irmão, começa a trabalhar como caixeiro, porém morre logo em seguida, vítima de pneumonia.

Por insistência da mãe, que via no casamento da filha a única oportunidade de mudança de sorte, Aurélia coloca-se à vista de todos, na janela, em exposição, à espera de um pretendente. Surgem, assim, vários interessados, que

ambicionavam colher para a transplantar ao turbilhão do mundo; outros apenas  se contentariam de crestar-lhe a pureza, abandonando-a depois à miséria.
(Quitação, III)

A notícia da beldade de Santa Teresa espalha-se, chegando aos ouvidos de seu tio Lemos, irmão de Emília, que havia rejeitado a irmã por não reconhecer seu casamento com o pai de Aurélia. Aurélia, ingenuamente, via em Lemos a possibilidade de um amparo, esperança de não precisar expor-se à cata de um marido. Todavia, Lemos tem intenções pouco recomendáveis para com a sobrinha, achando que a jovem

estava à espera do primeiro desabusado, que tivesse a coragem de arrancá-la  da obscuridade onde a consumiam os desejos  famintos, e transportá-la ao seio do luxo e do escândalo. Apresentou-se pois francamente como o empresário dessa metamorfose, lucrativa para ambos.
(Quitação III)

Fernando Seixas, jovem galanteador e elegante, faz a corte a Aurélia, sendo correspondido pela moça. Entre os admiradores de Aurélia, encontra-se também Eduardo Abreu, moço rico que se apaixona verdadeiramente pela jovem, propondo-lhe casamento. D. Emília faz pressão sobre Seixas, para que tome uma decisão de compromisso ou deixe o caminho livre para Abreu. Acuado, Seixas faz juras de amor à Aurélia, pedindo sua mão em casamento.

Entretanto, com o passar do tempo, Seixas percebe que não fizera bom negócio, pois, sendo ambos pobres, que futuro poderiam ter juntos? Assim, embora Aurélia demonstrasse sua profunda afeição e abnegação ao noivo, Seixas a substitui por Adelaide Amaral, e seu dote de 30 contos de réis.

Ah, leitor, esclareça-se: àquela época, os rapazes eram contemplados pelos sogros com um presente em dinheiro, para que pudessem iniciar a vida a dois com tranquilidade. 

Ao tomar conhecimento da atitude de Seixas, Eduardo Abreu volta a procurar Aurélia, que o rejeita mais uma vez. O antigo pretendente de Adelaide, Torquato Ribeiro,  bacharel  pobre, que fora colega de faculdade de Seixas (que não concluíra o curso em decorrência da morte do pai), torna-se amigo de Aurélia, sendo-lhe de grande valia quando da morte de D. Emília, ajudando a órfã, inclusive, a conseguir um lugar para morar, com D. Firmina Mascarenhas, uma parenta distante.

Na sequência desses acontecimentos infaustos, Aurélia perde também o avô paterno, que, pouco antes de morrer, havia reconhecido a nora e sua filha, nomeando Aurélia como sua única herdeira. O leitor deve suspirar aliviado: enfim, uma notícia feliz.

Milionária, Aurélia vislumbra a possibilidade de ter novamente o ex-noivo aos seus pés, e, através do tio Lemos, que fora nomeado seu tutor, pois Aurélia  era menor, faz um contrato de casamento com Seixas, prometendo-lhe, como dote, 100 contos de réis. O nome da noiva milionária, contudo, não é revelado. A proposta é aceita pelo perdulário e endividado Seixas, que recebe, logo, como adiantamento, 20 contos de réis. No embalo, Aurélia também “arranja” o casamento do amigo Torquato com sua antiga oponente, Adelaide Amaral.

Ao descobrir na noiva rica sua antiga namorada, Seixas fica extasiado. Entretanto, na noite de núpcias, Aurélia expõe toda a verdade, desmascarando-o e às suas falsas juras de amor, dizendo-lhe, com todas as letras, que o havia “comprado”. Seixas, humilhado, aceita friamente o cheque de 80 contos de réis, e inicia sua vida de escravo, dedicando-se inteiramente à Senhora, representando o seu papel de marido, sem perceber, todavia, que inicia também a “reeducação” de seu caráter. Diante da sociedade, fazem a encenação de um casal feliz. Sozinhos, entretanto, Aurélia e Seixas travam diálogos que são verdadeiros duelos.

O tempo e a situação degradante fazem com que Seixas mude seu caráter, ao ponto de querer “comprar” sua liberdade de volta. Assim, não gasta o cheque de 80 contos, e, com seu trabalho e o recebimento, inesperado, de pouco mais de 15 contos, provenientes da “venda de privilégio de minas de cobre”, que havia intermediado,  junta finalmente os 100 contos de réis, e faz seu “resgate”.

Aurélia jura seu amor a Seixas, perdoando-o e pedindo perdão. Seixas reluta, dizendo que a riqueza de Aurélia separou-os para sempre. Aurélia tenta persuadir o marido, entregando-lhe o testamento que havia feito no dia do casamento, no qual declara o enorme amor que lhe dedica, nomeando-o ainda  como seu único herdeiro. Seixas convence-se da sinceridade de Aurélia, e dão, ambos, a “guerra conjugal” por finda. Os dois amantes, reconciliados, podem então consumar o casamento:
As cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor  conjugal.
(Resgate, IX)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Lançamento duplo na Valer

Cérebro: o elo final entre evolução e consciência

João Bosco Botelho


O homem, ao longo do seu processo de evolução, tem procurado a natureza das emoções. Existe farta evidência, a partir dos primeiros registros, em torno de 5.000 anos, que a busca foi feita em duas dimensões: a sagrada, sagrando coisas e homens; a profana, buscando a ressonância das idéias na realidade.

No espaço sagrado, a divindade passou a ser a força motriz de todos os sentimentos. A vontade divina era a grande dominadora das emoções. Restava aos homens cumprir fielmente o determinismo inexorável, vindo do céu, obedecendo às ordens dos representantes na terra do poder transcendente, e agradecer, com oferendas e ritos de louvor, a vida vivida. Na dimensão profana, o homem iniciou a longa caminhada para desvendar o próprio corpo escondido atrás da pele, como primeiro momento para saber por que chorava, ria, amava e odiava.

No Antigo Testamento (AT) existem citações metafóricas do coração como sede da vida física (Ge 18, 5; At 14, 17), da tristeza (Dt 15, 10), da alegria (Dt 28, 47) e do medo (Dt 20, 3). O cristianismo não fez inovações e manteve a mesma certeza de que Deus se comunica com os homens através do coração (Mc 2, 6 8; Lc 3, 15; 2Co 2, 4).

O islamismo foi mais longe e estabeleceu a relação com a presença do Espírito sob o duplo aspecto de Conhecimento e Ser. O coração passou a representar o órgão da intuição (al kashf = revelação, ato de levantar o véu) e o ponto de identificação (wajd) com o Ser (al wujud).

No espaço profano, Hipócrates e os seus seguidores, no século 4 a.C., confrontando as afirmações sagradas, asseguraram ser o cérebro o centro das emoções: “Algumas pessoas dizem que o coração é o órgão com o qual pensamos e que ele sente dor e ansiedade. Porém, não é bem assim: os homens precisam saber que é do cérebro e somente do cérebro que se originam os nossos prazeres, alegrias, risos e lágrimas. Por meio dele, fazemos quase tudo: pensamos, vemos, ouvimos e distinguimos o belo do feio, o bem do mal, o agradável do desagradável...O cérebro é o mensageiro da consciência...O cérebro é o intérprete da consciência...”

A extraordinária beleza da “Criação do Homem”, pintada por Michel¬angelo (1475 1564), no teto da Capela Sistina, no Vaticano, é uma das mais sublimes manifestações na arte do deslocamento do coração, como o centro do corpo, para o cérebro. O afresco que retrata o momento em que o homem recebeu de Deus a inteligência tem a perfeita forma do sistema nervoso central.

As pesquisas da neurociência, nos últimos anos, são suficientes para sustentar a veracidade da afirmação de Hipócrates e dos seus discípulos: o cérebro é o elo final entre a evolução e a consciência.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Fantasy Art – Galeria


Chelin Sanjuan.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Marilene Corrêa substitui Áderson Dutra na Academia Amazonense

Rogel Samuel*



Excelente escolha da Academia Amazonense de Letras: Marilene Corrêa substitui Áderson Dutra na Academia Amazonense.

Ela é minha amiga dileta e a última vez que a vi foi em Paris, quando ela me ofereceu seu apartamento para hospedar-me, já que eu estava tendo problemas com minha amiga francesa Annie Giraud, em casa de quem me hospedava sempre que estava em Paris. Cara e querida Annie, cara e saudosa Annie, que já naquela época começava a ter problemas psicológicos. E que suicidou-se poucos anos depois. Eu nada pude fazer por ela, estando tão distante.

Marilene prontamente se ofereceu para me abrigar, mas eu já estava de volta para o Brasil.

Jantamos e bebemos vinho numa noite memorável. Inesquecível noite.

Agora fico realmente feliz por ter ela sido eleita para a cadeira de Áderson Dutra.

O Dr. Áderson Pereira Dutra nasceu no dia 27 de janeiro de 1922 em Parintins, no Amazonas. Seu pai era o Sr. Militão Soares Dutra e sua mãe a Senhora Jacy Pereira Dutra, que cheguei a conhecer. Bacharelou-se em Direito aos 25 anos, em 1947, pela Faculdade de Direito do Amazonas. E em maio de 1949, dois anos depois, com 27 anos, torna-se Procurador da Fazenda Nacional no Amazonas, cargo que ele exerceu de maio de 1949 a julho de 1958.

Professor Catedrático de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas, cargo que exerceu de julho de 1958 a janeiro de 1992. Foram 34 anos de Magistério. Aposentou-se aos 70 anos.

Um ano antes, em outubro de 1957, perante a Congregação da Faculdade de Direito do Amazonas tornou-se Doutor em Direito, mediante defesa de tese. 

Em julho de 1958, deixa a Fazenda para assumir o cargo de Diretor-presidente da Companhia de Eletricidade de Manaus, que exerceu até abril de 1967.

Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas, de 1956 a 1960.

Ingressa na Justiça Federal como Juiz Federal no Amazonas, de abril de 1967 a agosto de 1970, em Manaus.

De fevereiro a abril de 1967 foi Secretario de Justiça do Estado do Amazonas, no final do Governo de Arthur Cesar Ferreira Reis. Este cargo volta a ser exercido por ele, de janeiro de 1987 a agosto de 1988, no início do Governo de Amazonino Mendes.

No período de outubro de 1970 a dezembro de 1976 torna-se Reitor da Universidade Federal do Amazonas.

Foi Procurador-geral de Justiça do Amazonas de abril de 1979 a abril de 1983.

Suas principais obras publicadas, foram:

-DA JURISDICÃO ADMINISTRATIVA (Tese de Concurso), Manaus, 1956.

-DA AUTONOMIA MUNICIPAL, Manaus, 1956.

-DO ESTÁGIO PROBATÓRIO, Manaus, 1956.

-SUBSÍDIOS À ELABORACAO DO PROJETO DO CODIGO TRIBUTARIO NACIONAL, Ministerio da Fazenda, Rio de Janeiro, 1954, p.460-472.

-CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO, Revista do Tribunal de Contas do istrito Federal, Brasília, 1979, Vol. 9, p.51-63.

Áderson Dutra era Cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito Educativo (Decreto de 31 de dezembro de 1973). Recebeu a Medalha do Mérito Universitário (RES. 13/84, do CONSUNI/UA), foi Presidente da Comissão de Reforma da Constituição do Estado do Amazonas (1967), Membro da Comissão de Adaptação da Constituição do Estado do Amazonas (1969), Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, Seção do Amazonas, Membro da Academia Amazonense de Letras Jurídicas, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA).

Dutra era casado com a prima de minha mãe, Norma Dutra, já falecida. Norma era filha da irmã de minha avó, Maria José Freitas, casada com o Dr. Edgar Freitas, Barão e Visconde de Vila-Gião.

Dr. Edgar era um homem ilustre, de nobreza portuguesa, muito culto, pois fui mantenedor de parte de sua biblioteca. Advogado formado em Londres, devia tocar violino, pois seu violino foi usado por meu pai. O apartamento da família Freitas, na Glória, no Rio de Janeiro, era frequentado por presidentes da República.

Áderson Dutra era um bom amigo. Quando Diretor da Companhia de Eletricidade de Manaus vinha muitas vezes ao Rio, onde eu, na época estudante de letras, o encontrava. Estou longe de Manaus há 50 anos, ainda que tenha morado ali em 1996 e 97, quando fui professor-visitante da UFAM.

Áderson era homem de grande cultura, tinha uma extraordinária biblioteca na sua casa, na rua 10 de julho, onde todos os fins de ano passávamos o réveillon, enquanto minha mãe era viva.

Sempre de muito bom humor, o Dr. Áderson gostava de fazer umas reflexões jocosas sobre as coisas mais sérias.

Famoso foi o seu concurso para catedrático, em cuja banca estavam os maiores nomes da ciência jurídica do seu tempo, como creio que Bilac Pinto.

 Eu me lembro de Áderson Dutra jovem, na varanda de nossa ex-casa, na Av Getulio Vargas, nos dias de aniversário. Rindo, como sempre, contando fatos.

Ele era assim. Generoso. Ele e Norma, sua esposa, instituíram uma cesta básica para pessoas pobres. Todo mês o chofer ia levar os mantimentos para elas. Vivia para os outros. Gostava de política e era um democrata.

Homem elegante sempre, mesmo em casa. Escrevia muito bem, conforme se pode ler em seus textos jurídicos.

Creio que foi Olavo Bilac Pinto quem participou da banca de catedrático de Áderson Dutra. Bilac Pinto (Santa Rita do Sapucaí, 8 de fevereiro de 1908 — Brasília, 18 de abril de 1985) foi um grande advogado, jurista e político brasileiro, Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil em 1965, embaixador do Brasil na França, de 1966 a 1970, e Ministro do Supremo Tribunal Federal até 1978.

Outros membros da banca de Áderson Dutra devem ter sido Enoch Reis e Aderson de Meneses, famoso professor titular das Universidades do Amazonas e de Brasília e autor da "Teoria geral do estado", manual usado até hoje nas Faculdades de Direito no Brasil.

Eu não tive tempo de pesquisar.

Áderson Dutra foi um grande orador.

Foi ele quem representou a Ordem dos Advogados na homenagem a Waldemar Pedrosa.

Seu discurso foi publicado no Jornal do Comercio de 18.11.1955.

Excelente escolha, a da Academia. Excelente e oportuna, no Ano Internacional da Mulher Brasileira.

Espero que Marilene seja eleita também para o Governo do Estado do Amazonas, já que foi candidata ao Senado.

(*) Publicado originalmente no blog de Rogel Samuel.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Samuel Benchimol e a paixão amazônica

Jorge Tufic



Honrado estou, nesses dias de julho de 2011, quando revisito Manaus, com a difícil mas também agradável tarefa que recebo de meu velho e nobre amigo João Renor Ferreira de Carvalho, de apresentar aos leitores este raro livro cujo título – O Samuel Benchimol que eu conheci – logo nos traz de volta a figura legendária do ilustre “homem apaixonado pelo mundo amazônico”, com quem tive o orgulho de conviver na qualidade de membro do Conselho Estadual de Cultura.

Sem dúvida, o autor desta coletânea (Documentário e Memória sobre o acervo de manuscritos da Capitania do Rio Negro, transferido de Portugal para a Universidade do Amazonas), sentira-se ainda mais inspirado com o fato nada comum de, ao obter o respeitoso acesso aos arquivos do grande amazonólogo Samuel Benchimol, deparar-se ali com todas as vinte e sete cartas que lhe foram enviadas e respondidas no período de 1978 a 1982, a partir de Manaus, Lisboa e Paris. Nada então, ou quase nada lhe impediria de realizar, com esse importante conjunto ativo e passivo de correspondências tão valiosas, a obra que certamente faltava em nossas estantes, nos levando, inclusive, a entender melhor o contexto sombrio de uma ditadura militar.

Comove-nos, e às vezes até nos angustia vivenciar a leitura dessas cartas, tanto as de Benchimol, quanto as de Renor, pois refletem elas, de maneira espontânea e coloquial, a realidade (e as hostilidades) que costumam rondar as iniciativas pioneiras em favor do resgate das fontes primárias de nossa história, ou seja, da verdadeira História do Amazonas, nos séculos XVII e XVIII.

Algumas digressões em torno do “gênero” podem ser necessárias. As epístolas, mensagens em forma de cartas, tornaram possível o Novo Testamento. É famosa, no Brasil, a correspondência de Guimarães Rosa com seu tradutor alemão Curt Meyer-Clason (1959-1967), sobre a qual depõe Francis Henrik Aubert: “Aqui flagramos, literalmente, os momentos dos diversos fazeres tradutórios, em um processo quase inédito de co-autoria” (João Guimarães Rosa, Correspondência com seu tradutor alemão Curt Meyer-Clason, pag.9, Academia Brasileira de Letras/Topbooks, 2003). Dos séculos XIX ao XX, igualmente famosa é a correspondência entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco, organizada, com introdução e notas, por Graça Aranha. Referindo-se a ela, escreve José Murilo de Carvalho: “Trata-se de conjunto numericamente modesto de 53 cartas  e um bilhete. Machado comparece com 31 cartas, Nabuco com 22. De imediato, chama a atenção do leitor a distribuição cronológica da correspondência. A primeira carta é de Nabuco, um rapazola de 15 anos, aluno do Colégio Pedro II, que escreveu em 1865, agradecendo elogios feitos por Machado, então com 25 anos, um poema patriótico sobre a rendição de Uruguaiana, que recitara em presença do imperador. Machado elogiara o aluno (talvez em parte por ser filho de quem era), e Nabuco lhe escreveu para agradecer” (Machado de Assis &  Joaquim Nabuco, correspondência, Academia Brasileira de Letras/Topbooks, 2003). Estas correspondências abordam assuntos gerais e específicos da época, oscilam nos tratamentos, ora de “meu caro”, ora de “meu querido”, à medida que aumentam;  pedem desculpas por alguma pressa em dar as respostas, avançando desse modo no âmbito da intimidade, enquanto se identifica nos laços afetivos a causa abraçada por ambos, aplaudem os sucessos.

Tal e qual se verifica entre Renor e Samuel, essa prática dos homens de ciências e letras tem sido benéfica ao país, e, particularmente, aos estados do norte, em razão do espaço geográfico que os separam dos grandes centros urbanos, detentores do poder econômico e político desde que o Brasil foi descoberto. Quanto ao veículo – mucanda, epístola etc. – se não é uma arte de linguagem, virtudes não lhe faltam para motivar poetas e romancistas que dele se utilizam para suas deambulações filosóficas, artifícios líricos, recados, informações. A epopéia lhe subjaz.

Atendo-me, pois, resumidamente, ao núcleo temático deste elenco de cartas e bilhetes, ora tidos como documentos, ou corpus, de tantas pequenas batalhas, a par de enormes cotas de sacrifícios, aos quais também se juntam o esforço e a colaboração do ilustre e saudoso professor Roberto Vieira, baliza-me este simples roteiro de pesquisa, data vênia dos mestres, manuscritores e alquímicos da palavra final:

(a) As cartas do professor Benchimol são documentos preciosos, porque absorvem as duras preocupações de um momento dramático na História de nosso País (1978/1982);

(b) As cartas do professor Renor são, também, documentos (fontes primárias) revelando um grandioso trabalho realizado nos Arquivos Históricos de Portugal, trazendo até nós a memória geossocial da Capitania Colonial de São José do Rio Negro;

c) As notas de rodapé constituem a memorabilia do não menos ilustre professor Renor, sobre as circunstâncias daqueles quatro anos em que esse hercúleo trabalho de resgate histórico e cultural fosse concluído. Agora, vejam: quantos anos antes que o próprio Governo Brasileiro, através do Ministério da Educação, recebesse de volta os códices de nossa própria certidão de nascimento?

Segundo Renor, gestou-se o projeto de levantamento da memória do Amazonas ao longo de interessante “bate-papo” com mestre Benchimol, quando lhe fora apresentado pelo historiador Mário Ypiranga Monteiro, em 1977. Já em 1978, a conversa passa para as letras de cada um, dando-se conta dos primeiros passos em direção da microfilmagem do arquivo Histórico Ultramarino. “Deste modo”- escreve Benchimol em 04/07/1978 – “um judeu brasileiro amazônida e um católico nordestino vão se aliar para produzir a nossa história e reaver os preciosos manuscritos de Lisboa. É um serviço que vamos prestar.”

Por sua vez, Renor vai liberando seus relatórios nas cartas de próprio punho, numeradas de 01 a 28, sem faltarem os demonstrativos de receita e despesa, custos em escudos, além de várias comunicações de remessas de livros raros adquiridos nas livrarias, deixando transparecer algumas surpresas e dificuldades a caminho do espólio. Nessa troca de luzes, mantém-se o bom humor, a autoconfiança e o lema da fraternidade, da generosidade e da lealdade, com que define o legítimo ideário humanista de seu indomável companheiro de luta.

Ao tratar deste assunto, não devemos esquecer a ectódica, ou o temor dos retardatários nesse tipo de salvamento nada mais encontrarem nas velhas caixas de madeira, senão traças ou uma outra escritura deixada pela corrosão devastadora. Comenta Augusto Meyer: “A verdade é que o leitor moderno, acostumado à facilidade das tiragens amiudadas, em plena era gráfica, nem de longe poderá imaginar a aventura da transmissão dos textos antigos, ou considerados clássicos, através dos séculos” (pag. 23, “Os pêssegos verdes”, ABL, 2002). E Antonio Tovar: “No deberá olvidar nunca el  filólogo que los fundamentos, y la vez las aspiraciones y los límites de su ciência los pusieran Zenodoto, Aristófanes de Bizâncio, Aristarco, Erastóstenes. Es possible que hoy manejemos, al cabo de veinte-tres siglos, um material de major precision, pero las bases son las mismas, los problemas e los temas que nos ocupan están iniciados desde entonces” (idem). Ainda hoje quer-se decifrar as palavras que Jesus escreveu na areia, enquanto o interrogavam sobre o destino da mulher adúltera; mas os juízes, ao se retirarem do recinto, já tinham como certo que eles próprios também seriam julgados. Não há traço nem risco de pena que não possa desdobrar-se numa longa odisséia.

Restituído ao seu lugar de origem, este resgate promovido por Renor e Benchimol é a sementeira da História, a matriz de nossa infância cósmica, os olhos do pajé que se transporta na fumaça do cachimbo, a letra da verdade histórica, o sonho do conquistador e a escravidão do conquistado. E este livro é um diálogo de sábios, cuja terceira margem se concretiza no empenho de trazer do exílio a História do Amazonas.   

domingo, 24 de julho de 2011

Marilene Corrêa e Francisco Vasconcelos são eleitos para a AAL

.

Com a expressiva participação de 32 acadêmicos – apenas 3 ausências –, foram eleitos, na manhã de ontem, para as cadeiras 24 e 40 da Academia Amazonense de Letras, os escritores Marilene Corrêa e Francisco Vasconcelos.



A socióloga Marilene Corrêa, ex-reitora da UEA, nascida em Carauari-AM, é autora de O Paiz do Amazonas (1996) e Metamorfoses da Amazônia (2001), entre outros títulos.

Francisco Vasconcelos, nascido em Coari-AM, militou no Clube da Madrugada, tendo sido seu presidente no biênio 1964-65. Atualmente, reside em Brasília. Vasconcelos publicou, entre outros: O palhaço e a rosa (1963), Regime das águas (1985) e O menino e o velho (2008).



O presidente da entidade, desembargador José Braga, anunciou que até o final deste mês de julho serão abertas as inscrições para as últimas três cadeiras, vagas com o falecimento dos acadêmicos Demóstenes Carminé, Anisio Mello e Ruy Lins.

O tempora, o mores!!!

Tempos de austeridade:
o governador Álvaro Maia, na sua igara.
Tempos de farras de jatinhos:
use a imaginação...
Foto: blog de Rogel Samuel.

sábado, 23 de julho de 2011

Fantasy Art – Galeria

La brisa.
Alex Alemany.  

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Senhora, uma leitura 1/6

Zemaria Pinto*

Informação biográfica




José Martiniano de Alencar nasceu na cidade de Mecejana (hoje, integrada à grande Fortaleza), no Ceará, a 19 de maio de 1829. Ainda criança foi com a família para o Rio de Janeiro, capital do Império, onde seu pai era senador. Em São Paulo, formou-se em Direito, mas logo retornou ao Rio, onde, além de advogar, iniciou-se como jornalista, em 1850.

Em 1860, elegeu-se deputado federal e de 1868 a 1870 foi Ministro da Justiça de Pedro II. Na sequência, mesquinharias da disputa política tiraram-no de vez da vida pública.

Falecido em plena maturidade literária, aos 48 anos de idade, a 12 de dezembro de 1877, José de Alencar deixou obra volumosa, entre romances, novelas, peças de teatro, crônicas e poemas. Figura de proa do Romantismo brasileiro, podemos dividir sua obra de ficção em quatro grandes grupos: indianista (O Guarani, Iracema), histórico (A Guerra dos Mascates), regionalista (O Gaúcho, O Sertanejo) e urbano (Senhora, Diva, Lucíola).



Principais Obras – Romances e Novelas


                              

. Cinco Minutos (1856)

. O Guarani (1857)

. A Viuvinha (1860)

. Lucíola (1862)

. As Minas de Prata (1862-66)

. Diva (1864)

. Iracema (1865)

. O Gaúcho (1870)

. A Pata da Gazela (1870)

. O Tronco do Ipê (1871)

. Sonho d’Ouro (1872)

. Til (1872)

. Alfarrábios (1873)

. A Guerra dos Mascates (1873)

. Ubirajara (1874)

. Senhora (1875)

. O Sertanejo (1875)

. Encarnação (1877)


Contexto Histórico




O nascimento de uma nação



Apenas 14 anos separam a Independência (1822) e o início do Romantismo no Brasil (1836). Os intelectuais brasileiros, na luta pela liberdade política, tinham consciência do papel que desempenhavam na construção da nação que surgia. Por isso, em suas obras, ufanavam-se de seu país, valorizavam sua terra e procuravam pintar, com as tintas da época, a realidade daquele momento.

É através da literatura, muito mais que da política, que José de Alencar desempenha um papel relevante dentro do contexto social da nação que se firmava. Assim, de maneira consciente, procurou traçar um “retrato” do Brasil, tanto no tempo (através dos romances históricos e indianistas) quanto no espaço (nos romances   regionalistas e urbanos).

José de Alencar é contemporâneo do Segundo Reinado (1840/1889), exercendo sua atividade intelectual sob o governo de Pedro II. O período é de transformação social e de prosperidade econômica, baseada na cultura do café, que, por muitos anos, ainda seria o sustentáculo da nação. Sob esse influxo, são criados bancos, indústrias, estradas, companhias de comércio... É o progresso, enfim, que vai refletir no ritmo da vida urbana.  O Rio de Janeiro é a capital do país e a melhor representação do Brasil urbano, com suas lojas de artigos importados, as costureiras famosas da rua do Ouvidor, e os salões frequentados pelas futilidades de todos os matizes.

A importância dos centros urbanos para a literatura reside na consolidação do romance como fonte de entretenimento, pois dentro das cidades é que estão os leitores abastados, e que buscam o deleite da leitura. Leitores como os referidos em Senhora:

Pela manhã Aurélia mandou comprar o romance, e o leu em uma sesta, ao balanço da cadeira de palha, no vão de uma janela ensombrada pelas jaqueiras cujas flores exalavam perfumes de magnólias.

À noite aparece o crítico.

– Já li a Diva; disse depois de corresponder ao cumprimento.

Então? Não é uma mulher impossível?

Não conheço nenhuma assim. Mas também só podia conhecê-la Augusto Sá, o homem que ela amava, e o único ente a quem abriu sua alma.
(Resgate, II)

Por conta dos romances urbanos, que retratam o Rio de Janeiro do século XIX e sua sociedade, Alencar concebe seus melhores personagens, pois, criando-os sob uma perspectiva prenunciadora do realismo, dá-lhes características complexas, onde se entrelaçam o Bem e o Mal. Personagens fecundos, quase humanos, como Paulo e Lúcia (de Lucíola) e, principalmente, Aurélia e Seixas (de Senhora).


A sociedade em mutação um tema para Alencar

Senhora, Diva e Lucíola são os livros mais representativos dentre os romances urbanos de Alencar. Mostram o Rio de Janeiro e a sociedade daquele período, embora sob a ótica conservadora do autor, de maneira bastante fiel, retratando o comportamento da sociedade, e hoje nos servem como base para traçar um panorama de época, se não fiel, bem aproximado do real.

Em Senhora, o autor trata, com elegância, denunciando seu anacronismo, de uma prática que ainda estaria vigente por muito tempo: os “arranjos” matrimoniais, reflexos de uma sociedade dominada pelo homem, machista, patriarcal. Com estudada ironia, retrata a sociedade fluminense, desfilando seu ócio pelos salões da Corte, por entre Aurélias, Lísias, Adelaides, e os indefectíveis “leões”.

Como há leitores que não conseguem, diante de uma obra de arte, de qualquer gênero, deixar de formular a velha “qual é mesmo a mensagem?”, antecipemos o principal elemento temático de Senhora, antes mesmo de lhe analisarmos a forma: a reificação ou coisificação do ser humano. O casamento como produto de uma operação comercial, fato comum àquela época, tem, no relacionamento entre Aurélia e Seixas, um retrato pintado com as mais fortes cores do Romantismo. Aurélia manipula o marido a partir do poder emanado de sua fortuna. Compra-o, submete-o, escraviza-o. Mas, e isso é inerente também àquela escola, o Amor, aliado incondicional do Bem, triunfa, restando, para a posteridade, a denúncia de uma prática tão vil.   

(*) Publicado no livro Análise Literária das Obras do Vestibular 2000, da UFAM.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Defesas dos corpos e organização social

João Bosco Botelho


Há muito tempo, sabe-se da estreita relação entre doença e a organização social. Hoje, basta comparar o tipo de enfermidade, no mesmo período, nos países industrializados e nos subdesenvolvidos, para perceber a importância da saúde como indicador social.

Especialmente, depois da publicação dos trabalhos do pesquisador Susumi Tonegawa, o ganhador do prêmio Nobel da Medicina de 1987, esclarecendo algumas dúvidas de como ocorre a variação dos aminoácidos dos anticorpos produzidos pelos linfócitos B. O pesquisador demonstrou que quando o linfócito B se desenvolve, segmentos do seu material genético são selecionados e misturados para formar novos genes, dando origem a milhões de sequências variadas de aminoácidos, capazes de efetuar com mais ou menos competência a defesa do corpo humano contra as agressões micro e macroscópicas vindas do exterior.

Como consequência imediata dessas pesquisas, é possível afirmar que pelo menos parte da estrutura genética do homem é móvel e capaz de desenvolver, durante a vida, infinidade de combinações gênicas adaptativas. Para que este mecanismo biológico ocorra na sua plenitude é indispensável que o corpo disponha da mais importante fonte de energia – o alimento adequado.

Desse modo, caíram por terra, por meio da demonstração científica, os pressupostos étnicos racistas alimentados pelos interesses dos diferentes matizes ideológicos. Isso significa que as crianças subnutridas dos países pobres não poderão competir, em igualdades de condições, com outras dos países industrializados, onde a oferta de alimentos, indispensável para a maturação do genoma, é feita em níveis calóricos adequados.

Essa leitura da ciência também encontra suporte na História. A certeza da importância do sociocultural produzindo doença no homem já estava presente nos livros sagrados, escritos há milhares de anos.

Naquelas épocas, os legisladores utilizaram os poderes disponíveis e interferiram nos hábitos coletivos das populações. Assim, conseguiram determinar, ao longo dos séculos, modificações na cadeia epidemiológica de muitas doenças. O exemplo histórico de fácil verificação é o câncer do colo uterino, com baixa prevalência entre as judias. A atual explicação é dada pela cirurgia da fimose realizada, obrigatoriamente, nos homens judeus no sétimo dia após o nascimento. Com isto, o prepúcio do pênis fica livre, facilitando a higiene e impedindo que o vírus Epstein Baar, relacionado com a etiologia do câncer do colo uterino, se aloje na secreção que está presente na glande.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Magia e Sedução

Jorge Tufic


Cronologicamente, deve ter sido em 1948 que tive meu primeiro encontro com Almir Diniz, na redação da “Folha do Povo”, em Manaus. E já nessa época ambos assinávamos uma coluna nesse jornal do combativo Francisco Rezende. Transitávamos da crônica ao soneto, sob os olhares compassivos do mestre Adaucto Rocha, um paraibano que foi colega de Café Filho na imprensa de João Pessoa, agora a serviço da nossa como Redator Chefe. Uma época turbulenta, pois tivemos a oportunidade de assistir aototal empastelamento da gráfica, seguido de incêndio, dano jamais reparado pelo Governo de Leopoldo Amorim da Silva Neves.

Mas nada impedira que seguíssemos em frente, Almir para “O Jornal”, dos Archer Pinto, e eu para “O Tempo”, semanário fundado por mim e o jornalista Julian Flores Lopes. A poesia, contudo, era o que mais nos fazia sonhar, principalmente através dessa forma fixa imortalizada por Camões e Petrarca. Tanto que, sessenta anos após, organizei e publiquei, em coautoria com Gaitano Antonaccio, uma espécie de florilégio sob o título de O Soneto no Amazonas, onde figuram textos de autores amazonenses e duas longas pesquisas que fizemos sobre as origens do gênero nas terras de Makunaíma. O que vale dizer, vencemos os anos acreditando na “chave de ouro”, enquanto os modernistas da primeira hora esnobavam de Bilac e a geração de 45, através de Lêdo Ivo, trazia-a de volta sob novas roupagens, sempre bem recebidas pelos leitores brasileiros.

Este livro, Magia e Sedução, composto em 2003, dá-nos mais uma prova da dedicação do autor – hoje com várias obras publicadas e uma estante cheia de diplomas e títulos conquistados em certames nacionais, a exemplo do Prêmio Esso de Jornalismo – quer aos temas iniciais de sua inspiração lírica, quer aos difíceis quatorze versos que fazem de nós aqueles eternos e contemplativos ouvintes da Via Lactea.

Juízos de valor? Ao invés, degustem os leitores daquilo que ainda podemos definir como poemas de amor de todos os tempos, tal fora um dos prazeres estéticos de Walmir Ayalla, ao nomear as seletas de conteúdo romântico. Poemas de amor que servem, contudo, para uma bem humorada excursão pelos domínios do corpo e da alma da mulher, este ser que irritara os filósofos com seus “cabelos longos e idéias curtas”.

Deste modo singular, a presença do soneto na poesia universal só encontra ecos perenes na misteriosa incorporação dos segredos femininos, sugeridos ou antevistos por trás da magia, do fascínio e do encantamento que sublimam os tercetos de Dante, levam ao êxtase a Bossa Nova de Vinicius de Moraes e, aqui, nesta coletânea de sonetos, fazem vibrar as cordas da lira deste poeta da Academia Amazonense de Letras, do Chá do Armando, do Clube da Madrugada e das praias de Icaraí, em Fortaleza, Ceará.

domingo, 17 de julho de 2011

Editora Valer no Prêmio Jabuti 2011

A Editora Valer participa do Prêmio Jabuti 2011. A Editora concorre ao prêmio com três livros: “Formosa – a sementinha voadora”, de Wilson Nogueira; “A cidade perdida dos meninos-peixes”, de Zemaria Pinto; e “Contos de uma aula no vermelho”, de João Pinto.

Com o objetivo de promover a literatura que se produz no Amazonas e os autores da terra, a Editora Valer concorre ao PRÊMIO JABUTI 2011. A participação amazonense será em três categorias, com participação dos escritores Zemaria Pinto, Wilson Nogueira e João Pinto.

A participação da Valer no Prêmio contribuirá para por em destaque a produção literária regional, pondo em evidência e ajudando na divulgação das obras e autores amazonenses. A Valer inscreveu no PRÊMIO as seguintes obras e autores:

1. Categoria: Melhor Livro Infantil:
– “Formosa – a sementinha voadora” – do jornalista e escritor Wilson Nogueira

Formosa – A sementinha voadora é o segundo livro infantil do jornalista Wilson Nogueira. Trata-se de uma narrativa delicada sobre as experiências de uma pequenina semente de samaumeira que, ao se desprender do fruto, é levada pelo vento e inicia uma viagem por paisagens desconhecidas e lugares distantes. Publicado pela Editora Valer, Formosa é um livro especial, escrito numa linguagem simples e cheio de lições de vida, em que o autor fala de temas como solidariedade, amizade, cuidado com a natureza, coragem e aprendizagem.
A história de Formosa é uma metáfora da própria existência, manifesta na trajetória do ser humano, que vive muitos desafios do seu nascimento até amadurecer e adquirir segurança, como a sementinha voadora, que, após rodear “o mundo”, será plantada e se transformará numa bela samaumeira, e “dará muitas frutas e sementes!”. As duas palavras que melhor expressam essa história e definem este livro são: poesia e humanidade. Formosa é uma obra que encanta e comove pela sua delicadeza e conteúdo humano.
Nascido na beira do rio Amazonas, em Parintins, Wilson Nogueira conviveu em criança com os bichos, as plantas, os pássaros e as histórias de encantados. Foi o aprendizado da leitura, entretanto, que mudou o curso da sua vida. Experiência que tornou possível o acesso ao conhecimento, à educação escolar e, hoje, aos estudos acadêmicos.
O autor
Wilson Nogueira é jornalista, sociólogo, escritor, Especialista Design, Propaganda e Marketing e Mestre em Sociedade e Cultura, pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). É autor dos livros Órfãos das Águas, O andaluz (2005), Festas Amazônicas – boi-bumbá, ciranda e sairé (2009) e Formosa, a sementinha voadora (2010), todos publicados pela Editora Valer.

2. Categoria: Melhor Livro Juvenil:
– “A cidade perdida dos meninos-peixes” – do poeta e prosador Zemaria Pinto.
Em seu décimo-primeiro livro, A Cidade perdida dos meninos-peixes, Zemaria Pinto expõe de forma reflexiva a narrativa da lenda do povo-água que por sua vez era possuidora da lenda do povo-terra com “atualizações” do mundo moderno. Dessa forma o autor faz uma crítica da realidade contemporânea, ao apresentar a crise do mundo em seus aspectos ambientais e sociais. Em uma passagem da obra, Zemaria apresenta o cenário em que desenrola a narrativa:
Na imensidão do mar-oceano ou nas profundezas dos grandes rios existem vestígios de antigas civilizações que não migraram para a terra, mas cumpriram ali todos os estágios da evolução. São cidades inteiras que se desenvolveram sob as águas, dando motivos para muitas histórias, que, de tão repetidas e transformadas, tornaram-se lendas. No Amazonas, por exemplo, a Iara é uma dessas lendas: uma bela moça, que em noites de luar emerge para encantar os pescadores, levando-os para seu reino, no fundo dos rios. O boto conquistador é um rapaz que freqüenta as festas no interior e, após seduzir as mocinhas ingênuas, desaparece nas águas escuras dos rios amazônicos. Essas lendas fundamentam-se em casos que são passados segundo uma tradição oral, que se renova sempre e sempre.
O autor
Ensaísta, dramaturgo e poeta, Zemaria Pinto é professor de Teoria da Literatura e de Literatura Brasileira. Além de inúmeras palestras sobre literatura, tem ministrado oficinas e cursos, com destaque para a poesia. Tem onze livros publicados: dois de poemas (Fragmentos de silêncio – 1995 e Música para surdos – 2001), dois de haicais (Corpoenigma – 1994 e Dabacuri – 2004); uma peça de teatro (Nós, Medéia – 2003), dois de ensaios para o vestibular (em 2000 e 2001, em parceria com o professor Marcos Frederico Krüger), organização de poemas de Octávio Sarmento (A Uiara & outros poemas – 2007) e um de teoria literária (O texto nu – 2009), além do recém-lançado ensaio O conto no Amazonas – 2011. Próximos lançamentos: O beija-flor e o gavião (juvenil), Viagens na casa do meu avô (infantil), O urubu albino (infantil) e Lira da madrugada (ensaio). Peças de teatro: Papai cumpriu sua missão, Diante da justiça e O beija-flor e o gavião (encenadas); Nós, Medéia, A cidade perdida dos meninos-peixes (versão para o palco), Otelo solo e Cenas da vida banal (inéditas). É membro da Academia Amazonense de Letras.

3. Categoria: Melhor Livro de Contos e Crônicas:
     – “Contos de uma aula no vermelho” – do escritor João Pinto

Em Contos de uma aula no vermelho o efeito é fulminante. Só escreve dessa maneira quem tem conhecimento de causa. Assim é o contista João Pinto, para quem deseja uma leitura de impacto. O leitor não sai da leitura da mesma forma. Inovador é pouco. Um experimentador de novas formas. Não o contista experimental. Maduro na arte. Seus contos arrastam o leitor para novas possibilidades expressivas: a marcação da vírgula, quando assim o escritor quer. O leitor sente o estranhamento e a advertência. O anacoluto e a fragmentação são as recorrências amiúdes que não deixam o leitor no sossego. “Fico ao lado do caixão para ver a anatomia de um professor morto”. A anatomia do conto, olhar vesgo e amargo do trabalho de carpintaria, do remador, do oleiro no desempenho e desempeno da feitura do objeto. “Uma caneta contra a minha escola”. A sentença remete o leitor ao dilema existencial do professor. O apontador deambula no quadro de todos os contos de uma aula no vermelho.
Os contos espelham a sensação da incompletude e do desespero do escrevinhador, devolve-os como quem migra. A metáfora de cada conto, uma obra em construção, que se completa no ato finito que é a linguagem. O professor e o contista se reconhecem – duas vozes em uníssono – o social e o estético se entrecruzam surpreendentemente, tecendo a teia do fabulador no permanente flerte-flashe da vida. O conto do João – o vinho no balanço da taça encorpando o gosto no contato leve com o vidro e os lábios. O contista, qual o padeiro entre o forno e a fôrma; ou o ferrageiro entre a forja e a bigorna. Trabalha até obter o fascínio do objeto. Um deleite e um desafio para o leitor: 19 contos-aula, que nocauteado pelas lições de vida, resumidos numa mesma personagem.
O autor
João Pinto vai se firmando como escritor de primeira linha. É vencedor do Concurso de Contos do Departamento de Letras e Língua Portuguesa da Universidade do Amazonas, com o conto “O crime da Zezé”, cuja ação se passa durante o ciclo da carnaúba no Piauí e mostra ao público amazonense o estilo pessoal e agressivo do autor. Formado em Letras pela Universidade Federal do Piauí, trabalha como professor de Língua Portuguesa e Literatura em escolas da cidade de Manaus.

sábado, 16 de julho de 2011

Junior & Junior

Ontem, 15/07, no quintal do Junior Rodrigues,
o encontro entre o Junior do samba e o Junior do futebol. 

Fantasy Art – Galeria

Renso Castañeda.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Mar morto, de Jorge Amado, uma análise 14/14

Zemaria Pinto

5) Linguagem

A linguagem utilizada por Jorge Amado é coloquial e muito próxima da fala popular. Como o narrador nos conta uma história, já o dissemos, como se estivesse conversando com o leitor, prevalece o discurso indireto. Mas o discurso direto, isto é, a expressão dos próprios personagens é recurso muito utilizado, o que dá mais dinamismo à narração.
Mas há duas particularidades que gostaríamos de destacar. Ao contrário de outros livros de Jorge Amado, a fala popular a que nos referimos não dá guarida ao baixo calão, à grosseria gratuita. Pelo contrário, o autor buscou aqui uma linguagem lírica, poética mesmo, que muitas vezes chega a resvalar para o sentimental. Veja, como exemplo, o delírio de Traíra, transcrito páginas atrás quando de nossa análise do foco narrativo. Veja também o mito de Iemanjá e Orungã, transcrito há alguns parágrafos, quando da análise do estilo. Mas o ponto alto dessa linguagem é atingido no primeiro fragmento do capítulo “Contrabandista”, que, por ser muito extenso, nos eximimos de reproduzir. Observe, em paralelo à poesia que emana do texto, a crueldade, melhor dizendo, o naturalismo das brincadeiras do pequeno Frederico.
 
Também ao contrário de boa parte da copiosa obra amadiana, um outro ponto a destacar é a ausência de qualquer referência ao Partido Comunista do Brasil. Melhor dizendo, ausência de qualquer referência política explícita, mesmo quando coloca em cheque a inexistente política trabalhista. A apologia a Besouro, no capítulo “Viscondes, Condes, Marqueses e Besouro”, é a passagem mais “politizada” de toda a narrativa, contrapondo às classes dominantes, representadas pelos títulos de nobreza, a figura mítica do herói popular. 

6) Uma canção

Mar morto, a obra de Jorge Amado cuja análise damos por concluída, mas sem a pretensão de esgotá-la, produziu um das canções mais belas da nossa combalida música popular brasileira. Trata-se de “É doce morrer mo mar", de Dorival Caymmi e, claro, Jorge Amado. É o próprio Caymmi quem conta:

Foi num dia feliz que nasceu a melodia desta canção. Estávamos vários amigos entre os quais os inesquecíveis Érico Veríssimo e Clóvis Amorim reunidos em casa do coronel João Amado de Faria a quem eu tanto queria para um daqueles almoços. Em meio à festa e ao calor da amizade compus a toada sobre um tema de Mar morto, romance dos mestres de saveiro da Bahia. Na mesma hora, Jorge acrescentou alguns versos aos publicados no romance, completando a letra.
(do livro Cancioneiro da Bahia, de Dorival Caymmi)   

 Transcrevemos abaixo a letra integralmente. Você pode observar que no capítulo “Marcha Nupcial” está boa parte dela. Pelo depoimento de Caymmi, percebemos que a música só foi feita depois do livro ter sido publicado. Isto é, Jorge Amado imaginou-a sendo cantada, embora ela não existisse...
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar 

A noite que ele não veio foi
Foi de tristeza pra mim
Saveiro voltou sozinho
Triste noite foi pra mim... 

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar 

Saveiro partiu de noite, foi
Madrugada não voltou
O marinheiro bonito
Sereia do mar levou... 

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar 

Nas ondas verdes do mar, meu bem
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo
No colo de Iemanjá 

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar


Ilustrações: capa da edição italiana de 1989; capa da edição espanhola de 1990; gravura de Emilio Goeldi para Mar morto.