Amigos do Fingidor

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Lábios que beijei, a canção


 

Lábios que beijei

(J. Cascata e Leonel Azevedo)


Lábios que eu beijei
Mãos que eu afaguei
Numa noite de luar, assim.
O mar na solidão bramia
E o vento a soluçar pedia
Que fosses sincera para mim.

Nada tu ouviste
E logo que partiste
Para os braços de outro amor.
Eu fiquei chorando
Minha mágoa cantando
Sou estátua perenal da dor.
 
Passo os dias soluçando com meu pinho
Carpindo a minha dor sozinho
Sem esperanças de vê-la jamais.
Deus, tem compaixão deste infeliz
Por que sofrer assim?
Compadecei-Vos de meus ais.

Tua imagem permanece imaculada
Em minha retina cansada
De chorar por teu amor.
Lábios que beijei
Mãos que eu afaguei
Volta, dai lenitivo à minha dor.

 

A gravação original, com Orlando Silva, datada de março de 1937.
(YouTube)

domingo, 29 de setembro de 2013

Manaus, amor e memória CXXVII



Colégio Estadual do Amazonas - ou Pedro II.

sábado, 28 de setembro de 2013

Fantasy Art - Galeria

Dreamfall.
Jason Engle.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Sarau da Cidade

Faltou dizer aí em cima que eu farei um recital, com poemas de vários autores, sobre Manaus.
E bacharel é a senhora...

Sob a concha da panacarica – estudo 7/8


 

Zemaria Pinto

 

Erotismo e adultério como temáticas recorrentes

 

A grande maioria das narrativas tem um ponto em comum: o erotismo.

Sob a concha da panacarica, A última pesca, O curandeiro, Ingenuidade, O boto, O sonho, O “voyeur” e Nas asas do folclore têm em comum o sexo adúltero, com finais distintos.

No conto que intitula o livro, observamos Rosinha entregar-se, sem qualquer culpa, ao sedutor Roberto:

 

Um vulto, ligeiro e cauto como um gato em telhado, pulou na proa da canoa, bem menor que o batelão de outrora. Sendo pequena, não possuía tolda. Era provida, entretanto, de uma grande panacarica. Para ela, o vulto se dirigiu, agachado, cuidadoso. Levantou a engenhosa cobertura, de leve. Mãos carinhosas puxaram-no. A canoa agitou-se, talvez por ação do banzeiro... E murmúrios sutis misturaram-se com a sonoridade do vozerio vindo de outras canoas e batelões.

 

O marido traído mata o amante, sem revelar o que sabe à mulher, perdoando-a.

Em A última pesca, Eugênio é traído pela mulher, Regina. Ao vê-la com outro, perde a razão, matando os dois amantes. Há um corte na cena adúltera. No final, vemos Eugênio atirar-se para a morte, embevecido pelo chamado de uma Iara com o rosto da esposa morta.

Em O curandeiro, Epitácio procura um charlatão para curar a infertilidade do casal. Entrega, assim, a mulher Júlia aos caprichos do espertalhão:

 

Júlia sonhou sonhos eróticos incríveis. Sonhou que havia adormecido, anestesiada pelas mãos mágicas da secretária-enfermeira e, nesse estado, transformara-se em objeto sexual, e como tal entregue à bestialidade do bruxo e de sua faminta auxiliar que, de repente, adquirira jeitos e formas de indiscutível masculinidade. Depois daquela sequência de posses, que ela não podia evitar, chegava-lhe o marido, desgrenhado e combalido, exigindo-a, também, mandado pela loura para aproveitar o excepcional momento fértil, eclodido, de repente, pela ação da bebida afrodisíaca e das tais massagens especiais. 

 

No conto Ingenuidade, Corina deixa-se levar pelos conselhos levianos das amigas e entrega-se a um admirador.  Bruno, o marido traído, flagra a mulher mas não lhes faz nada. Abandona-a, apenas, entregue ao arrependimento e à culpa, esperando por seu retorno.

Já em O boto, Manduca acha que é traído pelo boto, que teria engravidado sua mulher. Ao final, descobre que o verdadeiro amante de sua esposa Chica é seu amigo Adriano. Resolve abandonar o lar, sem dar ciência que sabe da traição. Leva consigo, entretanto, a vingança calada, o tiro que havia acertado em Adriano, e que o deixara mutilado; tiro acertado por engano, julgando ser o amigo o animal fantástico.

No conto O sonho, Sandra presencia um ato sexual incomum, protagonizado por Roseno e a adúltera Marta: 

 

Ao Roseno não interessava o argumento, julgado  fora de propósito, tanto que, ameaçador, sujeitou a moça e começou a despi-la, com gestos brutais, rasgando o que não conseguia abrir.

Nunca vira algo tão animalesco, sequer assistira, até então, ao vivo e tão de perto, um jogo de querência e negaça, com final perfeitamente sincronizado. Agoniada e ela sim preocupada com possível aparição do marido de Marta, não encontrava forças nem para se mexer, quanto mais para bater em retirada.

 

A cena sensual acompanha a moça:

 

A cena impregnou-se-lhe no corpo e na alma, tanto que, muitas vezes, voltou a revivê-la, em sonhos tumultuados, nos quais ela aparecia, quase sempre na pele de Marta, lutando, bravamente, para escapar ao cerco de um peão, com cara de Roseno, enfeitado da arrogância brutal daquele. Mas, quando sua virtude debilitada, estava a ponto de capitular acordava suarenta e alquebrada pelo esforço da resistência. Contudo, nunca cedera ao apetite carnal do violento varão.

 

Em O “voyeur”,  Ricardo tem o costume de “brechar”  os  outros. É assim que observa o vizinho encontrar-se com uma mulher mascarada, para o ato sexual:

 

O exigente diplomata esqueceu, de repente, que o era e com brilho de fera nos olhos atacou-a. Combate digno de autênticos campeões, com alternâncias e variáveis(...)

Quando o combatente negro se exauriu, a pantera entregou-se aos cuidados do diligente serviçal que lhe devolveu a estranha vestimenta, conduzindo-a depois à porta da mansão, liberando-a.

 

Vem a descobrir que a mulher mascarada é sua esposa Magda, ficando o final em aberto.

O relacionamento de casais, embora não adulterino, ocorre de maneira sensual, como nos contos A lei da selva, A sonâmbula e Quando as árvores falavam.

 Tião e Zefa, de A lei da selva, são protagonistas de uma tórrida cena de amor:

 

O hóspede, apesar de extremamente fatigado acordou, sobressalto (sic) com os sons de beijos molhados e cochichos escorregados por entre as malhas frias da rede do casal(...)

 

Mais adiante:

 

Suaves rumores seguiram-se aos argumentos do Tião. Eram sons abafados de peças de roupa caindo sobre a esteira de cipós trançados. Depois, risinhos mal contidos, explodindo do interior da rede, num doce musical de conquista mútua, acompanhado de tremores e sacudidelas interferindo na quietude das paredes frágeis da barraca rústica. As cordas que atavam a rede rangeram nos caibros e ela começou a mexer-se na cadência dos corpos que se agitavam, frenéticos, num bulício ameaçador da paz da noite e da segurança dos finos esteios de acariquara verde. Pelas frestas das embiras, à guisa de cortina, era fácil observar-se, graças à incidência de feixes coados da fraca luz da lua, os contornos dos corpos agitando-se em ondas macias, num ritmo continuado de busca orgásmica.

 

Em A sonâmbula, Glorinha  finge que está dormindo para seduzir Noronha, que ainda reluta:

          

– Acorde, Glorinha, ande, componha-se. Não há perigo de se assustar; está na cama. Por favor, mande-me sair. Certamente obedecerei, mesmo contra minha vontade.

Mas não obteve resposta.

O beliche rangeu, com o sobrepeso recebido. Mas, nem assim, a sonâmbula acordou.

 

Em Quando as árvores falavam, a jovem castanheira “trai” o velho pretendente com uma árvore mais nova:

 

Viu os ramos mais finos das copas das árvores enamoradas se entrelaçarem. Ouviu os rangidos dos galhos chorando (ou rindo?) pela ação do vento. Identificou-os. Traduziu sons quase inaudíveis: galanteios e escusas, pedidos e negaças, pressão e receios. Depois, observou um suave tremor de folhas secas, ainda úmidas de orvalho, num ponto equidistante dos troncos das duas jovens árvores. Com a bengala, da qual não se separava nunca. (sic) Antíquos afastou as folhas, ferindo de leve a camada de húmus. E sorriu. Duas longas raízes, semi-flutuantes (sic), vindas em sentido contrário, uma de cada tronco, se encontravam, exatamente naquele ponto. Uma, alongada e fina, perfurante, se encaixara na outra, aberta em y (ípsilon), ferindo-a. A seiva escorreu, abundante ....

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Manaus 20 autores - 3.000 livros de graça na praça do povo


3.000 livros serão distribuídos para o povo, com o patrocínio da Oi, por intermédio do Ministério da Cultura.
Nem um tostão do poder público amazonense.
Eu ainda vou contar essa história aqui!!!
Plof!!!

Caminhada cultural em Paris



João Bosco Botelho

 

 

            Paris continua representando um dos mais importantes pilares da cultura ocidental.

            Ao contrário das festas e encontros, em muitos países, que podem se estender até a madrugada, em Paris, raramente acontece. De modo geral, não são muitos os locais onde é possível encontrar a vida noturna após 23 horas, quando ocorre a interrupção da maior parte das linhas do metrô e os táxis são ainda mais escassos. A exceção é o triângulo Quartier LatinSaint Germain-des-PrèsMontparnasse, desde o século 19, reduto de muitos intelectuais, pintores e escultores que marcaram a história das artes, onde muitos restaurantes permanecem abertos 24 horas e estão situados alguns dos mais importantes monumentos à cultura.

             A primeira opção, conhecer o Jardim de Luxemburg, com especial atenção na face sul, a sede do Senado. Na primavera as alamedas entrecortadas pelos nichos de flores multicoloridas extraordinariamente bem cuidadas, oferecem o ambiente ideal para a leitura ou a caminhada sem pressa, para movimentar com leveza o corpo.

            Nos últimos cinco anos, na face leste das grades de ferro fundido trabalhadas que cercam o jardim, a exposição permanente de dezenas de fotografias de renomados profissionais enfocando temas do equilíbrio ecológico da França e territórios franceses.

            O museu do Louvre, pode ser alcançado por meio de caminhada, ao longo da rua de Rennes, em toda a extensão, até a igreja  Saint Germain-des-Près. Após conhecer esse templo medieval, pleno de história, a escolha seguinte, alguns metros subindo o bulevar Saint Germain-des-Près, seria beber o melhor Bordeaux, no Café de Flore, o preferido dos intelectuais, entre eles, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, líderes incontestes dos protestos, nas ruas de Paris, nos anos 1968

            Com o corpo rejuvenescido pelo Bordeaux, o caminho seguinte seria percorrer a rua Bonaparte, parando aqui e ali, para ver as relíquias milionárias dos antiquários.  No final dessa rua, o museu do Louvre surge em toda grandeza. Após cruzar a ponte sobre o rio Sena, a entrada suntuosa, sobre e sob a pirâmide de vidro, uma das obras culturais do governo Mitterrand, representa o convite irresistível. A primeira visita, certamente, representará o incessante desejo de retornar muitas vezes. Sem deixar de ver a Monalisa, encanto mágico da genialidade de Leonardo da Vinci, no sorriso enigmático. 

            No final da tarde, a caminhada de volta ao longo das margens do Sena, até a ilha de la Cité, deslumbrada pelo mais belo monumento da arquitetura gótica: a catedral de Notre Dame,  o Palácio da Justiça (Conciergerie) , o Hotel  (Hospital) de Dieu e a Saint Chapelle.  

            Se domingo, melhor ainda, a missa das 19 horas, na Notre Dame, magnífica, plena da mágica relação com o Deus! Sempre com apresentação de algum festejado organicista e do coro da própria igreja, esse instrumento complexo, do século 13, um dos maiores do mundo, responde com veemência mágica sob as mãos e os pés do artista, acompanhando o canto gregoriano, o incenso, a estrutura gótica do átrio, a rosácea composta de vidros multicoloridos, o ambiente de e o rito transformam a missa domingueira da Note Dame em algo difícil de descrever, mas oferecendo a certeza do quanto o homem pode ser generoso.

            A noite pode ser encerrada em um dos muitos restaurantes do Quartier Latin, seja grego, chinês, tailandês, japonês ou italiano, onde é sempre possível beber o melhor vinho francês.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Fantasy Art - Galeria


The Sorceress Flower.
Julie Bell.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013




A covardia é a chave para uma vida tranquila.

(Duda Teixeira, sobre o caso Eduardo Saboia - mas o conceito pode ser aplicado à administração, à economia, à política e até à cultura. Os puxa-sacos que o confirmem, com a própria experiência...)

domingo, 22 de setembro de 2013

Manaus, amor e memória CXXVI


Rua Municipal, esquina com Eduardo Ribeiro.
À esquerda, a calçada da Matriz.

sábado, 21 de setembro de 2013

Fantasy Art - Galeria


Tide.
Jonathon Earl Bowser.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Sob a concha da panacarica – estudo 6/8




Zemaria Pinto

 

 

Água – A água ainda será utilizada em vários contos, numa simbologia bastante rica, como nas histórias relacionadas a seguir.

Em Sob a concha da panacarica, as águas do Solimões testemunham a sedução de Rosinha, e é sobre suas águas, no interior de uma canoa, sob a concha da panacarica, que se consuma o adultério:
 

A canoa agitou-se, talvez por ação do banzeiro...
 

É uma imagem romântica de eroticidade, de vida, embora no mesmo conto transforme-se novamente em túmulo, quando sepulta o corpo do sedutor, morto pelo marido traído.

Também em A sonâmbula, é no interior de um barco que ocorre a sedução, no silêncio da noite, quando:
 

Não fora pelo poderoso holofote da embarcação varrendo, continuamente, os canaranais dos baixios do Catalão e em seguida do Solimões (o que pressupunha a existência de alguém a manejá-lo) dir-se-ia que não havia ninguém acordado, a bordo.   
 

Em O boto, a água é o suporte do flutuante do ingênuo Manduca, que acredita que a mulher fora engravidada por um boto. A água é provedora, amiga de Manduca, tanto que dirige seu destino quando se descobre traído pela mulher e pelo amigo:
 

Quieto como chegara, entrou na canoa, empunhou o remo e saiu macio, rumo ao igapó, dando um adeus definitivo ao seu flutuante, de tantas recordações.
 

Haja adjetivo! – Outra característica observada na linguagem do livro é a utilização excessiva de adjetivos, o que torna, por vezes, a leitura difícil, enfadonha, como o leitor poderá observar ao longo da obra. Atrelados aos adjetivos é comum que venham os chavões, as soluções fáceis, que, de tão batidas, tornam-se antiliterárias. Aqui, somente para ilustrar nossa afirmativa, transcrevemos o seguinte trecho, de Curiós:
 

Estava ali, pousado num galho fino de cajueiro, exibindo magnífico, seus inatos dotes de sublimado cantor silvestre.
 

Anotamos também um fragmento de Ingenuidade:
 

Olhou, no infinito da estrada, o ponto longínquo que lhe parecia um vulto. Mas era tão impreciso, tão pequenino, tão vago... Contudo, grande, muito grande, do tamanho de sua imaginação, de sua visão distorcida pelo tempo que a distanciava do objeto que gostaria de ver e ansiava rever. Tão grande que ia da linha do horizonte às fraldas da imensa cúpula celeste, curvada em todas as direções, formando um círculo relativamente próximo, mas inatingível.      
 

Para facilitar o trabalho de observação do leitor, anotamos outros casos, folheando o livro ao acaso: 

Rosinha era uma linda morena de corpo escultural e rosto de princesa. (Sob a concha da panacarica)

...formas varonis e másculas de um atleta grego. (Idem)

...provecto genitor (O delito da bondade)

...manhã de sol brilhante. (Curiós)

...afinal ele era másculo e viril, jovem e saudável. (O curandeiro)

...E a noite desceu compacta e aliciante, envolvente, sedutora, provocante. (Ingenuidade)

...velha palafita; ...rústico flutuante; ...antiga morada; ...banco tosco; ...madeira serrada; ...habitações lacustres. (O boto)

E ficou ali, estática, observando aquele ritual dinâmico, absorvendo os encantos da inesperada relação e sentindo subir-lhe pelo corpo as labaredas ardentes de desejos despertos. (O sonho)

...Hás de pagar caro, prematura adúltera. (Quando as árvores falavam...)

...Enganaste-me, ingrata... (Idem)

Intocada. Pura. Maravilhosa. (O sonho de Ana Maria)
 

Estilo – Os adjetivos são como tecidos gordurosos no organismo da obra literária. E como sabemos que gordura em excesso faz mal à saúde, consideramos que o estilo do autor, tributário do velho e cansado Naturalismo, sofre consideravelmente com esses excessos.

Revisão – Um livro indicado para o exame Vestibular deve ter qualidades. Embora o nosso trabalhe vise, especificamente, auxiliar o leitor na tarefa de ler e compreender o livro, furtando-nos, portanto, à avaliação crítica, de juízo de valor, não podemos deixar de anotar que a primeira edição de Sob a concha da panacarica está eivada de erros de revisão, o que poderá deixar em dúvida o leitor não muito experimentado sobre o valor literário da obra. Há que se considerar também que o escritor tem responsabilidades para com a língua, e o livro, mesmo fora de seu controle no processo de edição, é o resultado final do seu trabalho. Vamos dar apenas alguns exemplos, unicamente do primeiro conto, que dá título ao livro, para o leitor sentir a extensão do problema.

Começa pelo título, que está grafado Sob a concha na panacarica e não “da panacarica”;

Os homens, estes, pulando de canoa em canoa (...); o pronome demonstrativo “estes” não tem qualquer função na frase;

Não amava ao rapaz(...)E Rosinha amava a outro(...) cumprimentou ao marido. Ora, os verbos amar e cumprimentar são transitivos diretos, não pedem preposição: “não amava o rapaz”, “amava outro”, “cumprimentou o marido”;

Por que? – em vez de “Por quê?”;

Volto a noitinha para cobrá-lo – falta a crase em “à noitinha”;

super-mãe – em vez de supermãe;

Mas nada disse a esposa – falta a crase em “à esposa”;

(...) libertar-se da incomoda situação – a situação, na verdade, é “incômoda”;

semi-nu - por seminu

sargeta - por sarjeta
 

Nas citações apresentadas em nosso trabalho, os erros de revisão mais grosseiros são sucedidos, entre parênteses, pela expressão latina sic, que significa “assim”, enfatizando que é assim mesmo que está no original.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

I Livro de Graça na Praça de Manaus



 
 
O Livro de Graça na Praça é um evento literário com lançamento de concurso para seleção dos autores, edição e publicação de obra original e distribuição gratuita dos livros em praça pública, com a presença da população local e dos autores. Consolidado em Belo Horizonte, o LGP realizará, em 2013, sua 11ª edição com mais de 160 mil livros distribuídos. Um evento que vem revelando novos valores literários e contribuindo para o desenvolvimento da cultura letrada da população. 

Aprovado pelas leis de incentivo do Ministério da Cultura, patrocínio da Oi e apoio cultural da Oi Futuro, o Livro de Graça na Praça chega a Manaus, incentivando o hábito da leitura, valorizando os escritores da região e promovendo a interação entre o autor e o leitor.  

Durante o evento a ser realizado na manhã de domingo, 29 de setembro, no Largo de São Sebastião, a obra Manaus 20 autores será distribuída gratuitamente à população. Os autores estarão presentes para conversar com os leitores e sessão de autógrafos. O livro reúne o trabalho de 17 contistas convidados e três escritores que tiveram seus contos selecionados pelo I Concurso Livro de Graça na Praça/Manaus. 

Em Manaus, o I Livro de Graça na Praça tem ainda o apoio da Prefeitura Municipal, por intermédio da ManausCult, e da Academia Amazonense de Letras. 

Escritores presentes na obra Manaus 20 autores 

Adrino Aragão, Aldisio Filgueiras, Allison Leão, Almir Diniz, Antonio Felipe, Astrid Cabral, Edweine Loureiro, Elson Farias, Francisco Vasconcelos, Inácio Oliveira, João Pinto, Márcio Souza, Maria Elisa Souto Bessa, Neuton Correa, Pedro Lindoso, Priscila Lira, Tenório Telles, Thiago de Mello, Vera do Val e Zemaria Pinto.

 
(Divulgação)

A doença como mal: as curas



João Bosco Botelho

 

            A doença como MAL é sempre o outro, localizado fora da ordenação deseja­da, que não o próprio ser.

            Os modelos sociais colocaram o outro, a doença, sempre absoluto e sobrenatural, acima e abaixo da terra. A doença, como desordem, aparece como consequência direta das transgressões do ritmo aceito como bom, podendo ter natureza cósmica, moral e natural.

            A alternância entre a saúde, a ordem, o bom, o belo (BEM) e a doença, a desordem, o feio (MAL) produzindo enfermidades é o ponto fundamental e o limite que continua permitindo a construção do saber médico fora da subjetividade, levando a edificação do conhecimento do corpo, desvendando lentamente o escondido atrás da pele. 

            Esse extraordinário processo tornou indispensável a presença dos agentes espe­cializados – médico, curador, benzedor, erveiro, padres e pastores – para observar e interpretar o MAL, tanto no espaço real quanto no imaginado das relações sociais. Por essa razão podem ser entendidos como agentes da cura.

            Esses personagens, essencialmente normativos, historicamente têm se comportado como elos entre o MAL e o BEM, já que é por meio da cura que se dá a passagem da doença ao sadio. A capacidade desses agentes para desvendar a doença, tornando‑a visível e curável, dá ao ato da cura a construção mágica, porque se liga às emoções do subjetivismo do MAL, como antítese da vida.

            A ambiguidade dos saberes dos agentes, técnicos em relação à doença e mágicos com o paciente, se edifica no discurso bitonal capaz de ser utilizado também como instrumento de dominação. Isto ocorre porque a doença, por mais insignificante que seja, representa sempre a antecipação da morte. O agente da cura, como dono do saber para curar, se coloca entre a vida e a morte.

            O principal instrumento legitimador do poder é o diagnóstico. É através do diagnóstico que os agentes da cura identificam o MAL para, em seguida, extirpá‑lo. É a precisão para transformar o subjetivo em objeti­vo, o imaginário em material, que ampara as práticas de curas, em especial, as da medicina.

            A medicina se fez como especialização social decifrando os mistérios dos corpos sadios e doentes em permanentes transformações, tanto no espaço laico quanto no religioso das relações sociais.  A maior valorização de um ou de outro segmento depende do conhecimento historicamente acumulado e dominante da sociedade

            O médico, ao diagnosticar o câncer antes de operá‑lo, e o pajé, reconhecendo o espírito malfeitor para exorcizá‑lo, represen­tam duas medicinas com objetivos semelhantes e em espaços diferentes: afastar o MAL.  

 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Fantasay Art - Galeria



Orestes Bouzon.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

No Amazonas é assim...



Paulo Sérgio Medeiros
 

Espia só, no Amazonas é assim... Comeu jaraqui não sai mais daqui, nem com nojo. O peixe aqui não é delicioso, é gostoso no balde. É caroço! Almeno é o que falam pelos quatro cantos do estado. E não falam debalde! 

Caboco, no Amazonas é assim... Tá morto de brocado e quer comer um sanduíche? Então peça um sanduba no capricho. Comeu e não gostou? Putatinga! Vai para casa e faz uma gororoba. Não encheu? Putitanga!   

Camarada, no Amazonas é assim... Quer ir embora? Capa o gato, pega o beco, bora? Borimbora. Se vai de vez, vai de mala e cuia. Se decide voltar de carro, vai ter que dar o balão. Se quer ficar, faz hora então. Se está livre, está só de bubuia. E por falar em bubuia, banho na beira do rio gostoso mesmo é com cuia. E no futebol, ah, no futebol, banho de cuia. Do contrário, pimba! Banho de cacimba. 

Mano, no Amazonas é assim... Povo bacana é chibata de touro. Apesar de nossas mazelas, ou melhor, nossas perebas, nós rimos, ou num bom amazonês, nós achamos graça, né não? Coisa de amazonense. 

Márrapá, no Amazonas é assim... Se o negócio é sério, eita porra! é dos vera, senão, é dos brinca. Égua, que fuleiragem. Agora eu vi! Mas o povo daqui sabe fazer o caqueado de verdade, estou falando sério, de rocha, não é bacaba não.  

Parente, no Amazonas é assim... Mulher fácil é periguete, casa pequena, quitinete, pessoa musculosa, parrudo, coisa boa, porreta, proporções anormais, maceta, chuva forte, pau d’água, coisa boa, paid’égua, tá pra ti? Então te mete! 

Meu grande, no Amazonas é assim... Faltar a um compromisso é bater fofo, o que provavelmente é garantia de um caloroso bate-boca mais tarde, com direito a baculejo na carteira, no facebook ou no carro. As mulheres por aqui são desconfiadas que só. 

Maninho, no Amazonas é assim... Nunca prescreve o mormaço de ar molhado como a dizer: sou este inferno verde, inferno de amar, apedreja-me e ainda terás o meu afago.  

Bicho, no Amazonas é assim... Um perene abrigo verde tingido de Eldorado para todas as tribos que quando do teu arco a flecha parte, longe de ti o pior castigo. 

Enfim, no Amazonas é assim... Comeu jaraqui não sai mais daqui.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Lábios que beijei 2


Zemaria Pinto
Rosa



Eu era menos que uma criança quando ela se aproximou de mim e propôs namoro. Eu entendia o que era namorar, mas não tinha ideia do que deveria fazer. Rosa foi didática: enquanto durar a viagem, você só conversa comigo. E a gente vai se beijar? Depende, se você merecer, quem sabe?... Seriam três dias de viagem e aquela conversa acontecera antes mesmo de o navio sair do porto. Até o toque de recolher – quando homens e mulheres iam cada qual para seu lado, mas as crianças ficavam com as mães –, conversamos (e acho que namoramos) bastante. Sentado em minha rede, procurei por ela até ser vencido pelo sono. Antes do sol raiar, acordado pela algazarra da passarada, já estava de pé. A doce rotina estendeu-se por toda a viagem. Quando cheguei ao meu porto – ela iria seguir por mais três dias –, Rosa me abraçou e colou por largos segundos os lábios finos nos meus. Não pude conter um choro convulso. Ainda hoje sonho com aqueles lábios e uma angústia indescritível me espezinha o peito.

domingo, 15 de setembro de 2013

Manaus, amor e memória CXXV


Antes do esgoto Tropical.

sábado, 14 de setembro de 2013

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Sob a concha da panacarica – estudo 5/8



Zemaria Pinto

 

 

A descrição e o ambiente amazônico

 

Sob a concha da panacarica apresenta, em quase todos os contos, um ponto em comum: a descrição do ambiente amazônico, da natureza, embora tal abordagem subordine, por vezes, a estrutura do conto, já que a descrição não é, propriamente, característica dessa modalidade narrativa.

Esses contos, conforme classificamos anteriormente, que tratam dos aspectos típicos, ou seja, dos usos e costumes regionais, podem ser chamados de regionalistas. Vejamos alguns exemplos.

No conto que dá título ao livro, assim começa o narrador:

 

A “Ituí” singrava as águas mansas do Solimões, naquela tarde, sem ocorrência de vento. Por isso o sol chegava mais ardente, mais cáustico, insuportável quase.

Sob as coberturas improvisadas das canoas maiores que a lancha arrastava penosamente, agrupavam-se integrantes do naipe feminino, para conversas infindáveis.

Os homens, estes, pulando de canoa em canoa iam reunir-se embaixo das toldas de pequenos batelões, para a satisfação do vício de enfadonhas partidas de dominó.

 

No conto seguinte, A última pesca, o narrador utiliza-se de quase metade do conto para descrever o ambiente, a pesca. Ilustremos com o segundo parágrafo:

 

Amanhecia. O sol de verão banhava de luz a extensa lâmina líquida que se descortinava a perder de vista e tingia de verde o cobertor denso da galhada exuberante das muitas e variadas espécies vegetais que compunham o igapó. Remando, mansamente, para não furar o silêncio da manhã que despertava, vestida da magia de cores vivas e para não espantar os peixes que iniciavam a faina de todos os dias (a busca de alimentos), dirigiu-se a uma enseada e aproou a frágil montaria numa vaga entre os troncos nodosos de imensas árvores varzeanas banhadas de enchente.

 

Somente a partir da metade do quarto parágrafo é que trata do personagem em si, seus pensamentos:

 

(...) O tucunaré riscou a água, na ânsia de fugir, mas o pescador, experimentado, logo o dominou. Por momentos admirou o belo exemplar. Sorrindo devolveu-o a água. Naquele dia não queria tucunaré, seu objetivo era tambaqui.  Afastou-se e foi fazer hora à sombra de frondosa mungubeira. E ali, em compasso de espera, deu asas à imaginação, voltando ao passado que, afinal, não estava tão distante.

 

São apenas exemplos. O leitor pode exercitar-se anotando outras recorrências da ambientação amazônica, predominante em todo o livro.

 

Língua, linguagem e estilo

 

A linguagem do texto em prosa deve primar pela objetividade, por isso o narrador deve utilizar, principalmente, a linguagem denotativa (que é a linguagem encontrada nos dicionários). Apesar disso, temos como característica da verdadeira obra literária, mesmo em prosa,  a utilização da linguagem figurada, o emprego de metáforas (e assim poderemos enquadrá-la  como essencialmente artística).

No livro em estudo, a linguagem metafórica é uma constante, por vezes sutilmente apresentada, e integrando quase sempre os personagens à natureza, como nos contos trabalhados a seguir.

Morte – Em A última pesca, a morte da esposa traidora e de seu amante  é apenas sugerida:

 

Ao passar pelo quarto percebeu que a porta estava entreaberta. Olhou com indiferença. Viu um monte de lençóis brancos. Engraçado, não se lembrava de possuir lençóis brancos com aqueles florões vermelhos, grandes como manchas...

 

Mais adiante, a morte é apresentada como a Iara, uma Iara com o rosto da esposa assassinada:

 

Ah! Era a Regina, sim, e continuava a chamá-lo com gestos de paz e sorrisos de amizade. Eugênio acenou-lhe, sorrindo também, desejoso do reencontro. Ergueu-se.  Firmou-se no banco da canoa, e com um grito de satisfação atirou-se nos braços de Regina, no meio da estranha piscina, com jeitos de eternidade.

 

A água é seu túmulo, um instrumento da morte.

Também em O delito da bondade, a morte apresenta face distinta. Aqui tem asas, numa clara  referência romântica de liberdade, um voo livre:

 

(...) os pássaros iniciaram a festa da colheita fácil, sanhaçus, pipiras e sabiás à frente; os papagaios voltaram em bandos... E, de repente, o velho Zeca se sentiu entre eles. E voou, como seu pai, o velho Santos o fizera, anos antes, para os confins da eternidade.

 

 Na narrativa que tem o título No igarapé, o riacho que testemunha a  violação da jovem Judite, assim como ela, torna-se maculado, e o lugar, outrora cheio de vida, transforma-se em desolação. A constatação é da própria Judite:

 

Ela, também, murchara. O frescor da juventude atiçado pela força telúrica emanada daquele conjunto nativo, deixara de alimentar-se dos fluidos secretos da natureza palpitante. E os pés descalços que outrora se banhavam de santo orvalho fresco, durante as caminhadas matinais, cobriam-se agora de cinza escura e feia das queimadas repetidas.

 

Ora, se em A última pesca a água é um instrumento da morte, o túmulo do pescador, também em No igarapé é elemento de morte, mas aqui aproveitada em um de seus melhores símbolos: a morte em plena juventude e beleza. E é a ingênua Judite que morre, maculada pelo algoz, e só ressurge ao conceder o perdão ao violador.