Amigos do Fingidor

sábado, 31 de agosto de 2019

Fantasy Art - Galeria


Sky Princess.
Shane Braithwaite. 

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Lago Curumucuri 3/5


Caminhos que se bifurcam.

Caminhos que se bloqueiam.

Caminhos feitos de espinhos.

Caminhos sem embaraços.

À sombra do emaranhado.

O tempo implacável.

O cinza sem vida,
a vida em azul.

No tronco sem alegria
o verde-vida viceja.

Roça planejada,
roça protegida.

A bananeira sorrindo
e mostrando a língua.

Florescendo na enchente
enquanto não vem vazante.


Texto e fotos: Zemaria Pinto.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

A poesia é necessária?



Geografia provinciana
Astrid Cabral


Manaus um ponto perdido
no mapa. Ali, desgarrada
entre paredes de verde.
Mas iam e vinham navios
trazendo franjas do mundo.
Europa e Península Ibérica
surgiam das próprias pedras
das avenidas e esquinas:

a Itália na taberna
de seu Vicenzo Arenaro.
Também no livro de Dante
que o sapateiro traduzia
rodeado de crianças
a mostrar-lhes céus e infernos
toda a celeste geografia.

Seu Genaro, já grisalho
fundava o reino de Espanha
atrás de barris de vinho
tinas mantas de banha
vinagres azeites doces
réstias de alho e cebola.

Seu Carvalho, o português
vendia bolos e broas
à vontade do freguês
mais rala-rala e refrescos
de guaraná e groselha.
Síria China e Argentina
vinham na gorda maleta
do turco mais seus bigodes:
damascos crepes Chambleys.

A França era ali na Madame
Marie e no Aux Cent Mille Paletots
a moda do dernier cri.

E passavam barbadianas
sob chapelões de palha
ao sol dos dias em brasa.
E um fugitivo das Guianas
testemunhava a Ilha do Diabo!

O mundo estava em Manaus
Manaus estava no mundo.



quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Fantasy Art - Galeria


Valshea.
Keith Parkinson.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

A Selva, no Teatro Amazonas



Aniversário de Educandos



Pedro Lucas Lindoso


Há muitos educandenses ilustres, como o maestro Pedrinho Sampaio e Wagner “Vavá” Ferreira. Vavá é o idealizador da BHANDA DA BHAIXA DA HÉGUA.
Mas não se pode falar em Educandos sem mencionar Cláudio Amazonas e Tereza Brandão. Se o Brasil fosse uma monarquia, Claudio Amazonas seria no mínimo Visconde de Educandos. Tereza Brandão com certeza teria o título de Condessa de Constantinópolis, antiga denominação do bairro. Uma homenagem ao governador Constantino Nery.
Aliás, Tereza já é rainha. Não só rainha. É fundadora e musa eterna da BHANDA DA BHAIXA DA HÉGUA. Trata-se de um dos blocos de carnaval mais tradicionais de Educandos e de Manaus.
Claudio Amazonas, jornalista e escritor apaixonado pelo local, nos ensina que o nome do bairro de Educandos deriva da criação do Estabelecimento dos Educandos Artífices, criado no dia 21 de agosto de 1856. Mas só através do Decreto nº 27, de 22 de julho de 1907, foi denominado bairro de Constantinópolis.
Foi sob a batuta do Claudio com a participação de Tereza, Wagner e do deputado Nonato Lopes que, em 1993, comemorou-se, pela primeira vez e em grande estilo, o aniversário do famoso e tradicional bairro de Manaus. A data escolhida foi 21 de agosto.
  Com a inesquecível participação do maestro Pedrinho Sampaio, a festança contou ainda com a presença de vários músicos de Educandos e da cidade. Ressaltando-se ainda a presença do internacional Trio Cristal. Quem estava lá não esquece jamais, segundo a minha querida companheira de Rotary e dileta amiga Tereza Brandão.
Cláudio Amazonas relata que outro momento de glória para ele e para o bairro de Educandos aconteceu nas festividades de 100 anos do nosso Teatro Amazonas. Foi o prestigiado lançamento do seu livro Memórias do Alto da Bela Vista – Roteiro Sentimental de Educandos.
Obviamente, os festejos dos 100 anos do TA foram inesquecíveis. Além do lançamento do livro do Cláudio, houve várias apresentações de nossas orquestras. Fafá de Belém marcou presença.
Sempre em 29 de junho vou ao restaurante da família da Teresa. O famoso São Francisco. De lá, se pode acompanhar a tradicional procissão fluvial de São Pedro.
Nesse agosto já quente e de pouca chuva, novamente Educandos faz aniversário. Mas os nossos parabéns vão para essa turma ilustre do bairro. Principalmente, para a nobreza educandense, na pessoa do Visconde Claudio Amazonas e da Condessa Tereza Brandão.

Vista de Educandos, com o rio Negro ao fundo.


domingo, 25 de agosto de 2019

Manaus, amor e memória CDXXXV


Cidade Flutuante: o horror da poesia.

sábado, 24 de agosto de 2019

Fantasy Art - Galeria


Carol Phillips.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Lago Curumucuri 2/5

O melhor caminho
é seguir em frente.

O azul é intenso,
viver é imenso.

Nem o gado escapa:
a câmera capta.

À sombra amiga,
o barco pousa.

A canarana é muralha
contra o olhar estrangeiro.

A rabeta vai pesada
levando a faina do dia.

Qualquer que seja o destino,
mais importante é chegar.

Palmeiras acenam
aos tolos que passam.


Texto e fotos: Zemaria Pinto.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Nós, Medeia - sexta e sábado no Instalação



Sabanibal no Porto de Lenha



A poesia é necessária?



Ofício de viver
Afonso Félix de Sousa (1925-2002)


O mundo que encontrei já era isso.
O jeito foi bordá-lo
com palavras.

Palavras e palavras, esta a herança
que tive e vou deixando.
O jeito foi juntá-las
untá-las
soprá-las
dobrá-las a meu jeito.
Perdão ó mestres
vos dou a mão à palmatória
mas não sei ser outro, não sei
ser de outro jeito.

O mundo é isso
e o jeito é ir chutando e vou chutando
e vou driblando e vou sendo driblado
e vou caindo e vou-me erguendo e vou
e vou gemendo
atrás da bola
e a bola atrás
e a bola à frente
e ao lado a bola
e do outro lado
e nas alturas.

Mestres
meus mestres
qual o sentido
de tudo isso?


quarta-feira, 21 de agosto de 2019

LABORATÓRIO DE CRIAÇÃO LITERÁRIA – inscrições abertas


Chamada para 1ª turma



A coordenação do projeto de extensão A literatura na oficina convida os interessados em participar da primeira turma do Laboratório de Criação Literária a submeterem suas propostas de inscrição.
O curso de extensão terá duração de 30 horas presencias e 60 não presenciais, com encontros a cada duas semanas, sempre nas manhãs de terça-feira, indo de agosto ao início de dezembro. Para esta turma, o foco recairá sobre a prosa de ficção.
Há 20 vagas disponíveis, sendo 10 para estudantes da UEA e 10 para quaisquer outras pessoas, desde que maiores de 18 anos. O curso dará direito a certificado e participação em coletânea editada pela Segunda Oficina, selo da Editora UEA.
A seleção se dará por avaliação de textos. Para tanto, os candidatos devem encaminhar por e-mail um texto literário de autoria própria de até uma lauda em A4, intitulado “O rinoceronte”.
Os textos devem conter nome completo do(a) autor(a), contato telefônico e de e-mail, além de cópia de documento de identificação. Também deve constar a informação sobre a procedência (se UEA ou comunidade externa).
As propostas devem ser enviadas para 2ofic.lab.editorial@gmail.com
Assunto do e-mail: Seleção Turma 1.
As propostas serão recebidas até as 23h59 do dia 23 de agosto de 2019.
O resultado será divulgado na página de Facebook da Segunda Oficina Laboratório Editorial – https://www.facebook.com/2oficinalabeditorial/ – no dia 26 de agosto de 2019. O curso terá início no dia 27 de agosto de 2019, às 9h, na sala Ilsa Honório da Escola Normal Superior da UEA (Av. Djalma Batista, 2470, ao lado do Amazonas Shopping).

Manaus, 16 de agosto de 2019


Prof. Allison Leão – Coordenador do projeto

Fantasy Art - Galeria


Joe Jusko.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Juruti, Jurutize-se



Pedro Lucas Lindoso


Uma experiência gratificante e feliz conhecer a cidade de Juruti (escreve-se com u depois do r). Lá acontece o FESTRIBAL. O evento ocorre sempre no final do mês de Julho. Para não rivalizar com o boi de Parintins, cidade vizinha a Juruti.
Juruti é o primeiro município do Pará, após a divisa com o Amazonas. É uma das cidades da região do Tapajós, cuja cidade polo é Santarém.
O FESTIBRAL é um evento parecido com o boi de Parintins. Mas não tem boi. O que torna a competição mais linear. O enredo flui com mais coerência e contextualização. Assim como acontece em Parintins, há duas tribos que competem entre si. Os Mundurukus representados pelas cores vermelho e amarelo. E os Muirapinima, com as cores vermelho e azul.
Na sexta-feira que precedeu o festival houve a apresentação das tribos infantis. A curuminzada deu um show. E o mais importante. Não havia competição entre as tribos mirins. Achei isso formidável. Seria injusto uma cunhã-poranguinha de uma tribo receber uma nota dez e a outra tão bonita quanto receber 9.9.
A rivalidade e a competição ficam só entre os adultos. A apresentação deu-se no sábado. Uma beleza. O tema foi a resistência dos indígenas em relação à histórica opressão que sofrem desde o tempo do Descobrimento do Brasil.
A tribo Muirapinima foi a campeã desse ano. Homenageou as amazonas. Lendárias mulheres guerreiras que o espanhol Francisco Orellana, ao chegar a região, assim as denominou. Essas índias guerreiras eram mulheres altas, fortes, de pele clara com cabelos longos e negros. Frei Gaspar de Carvajal que estava na mesma expedição relata que eram as índias icamiabas. Habitavam justamente na região do rio Nhamundá, nas vizinhanças de Parintins e de Juruti. Ou seja, na divisa dos Estados do Pará e do Amazonas.
Foi com imensa alegria que estive na pequena e graciosa Juruti. Tive o privilégio de almoçar na casa da secretária de Cultura e Turismo do Município, Ariadne Lima. Acompanhados de Zemaria Pinto e de Tainá. Saboreamos uma deliciosa comida regional. Tainá, como provável descendente das icamiabas, orgulha-se de sua terra. Convida a todos a Jurutizar-se!  Muito bem. Eu recomendo: Jurutize-se!

Cena do Tribódromo.
Foto: Pedro Lucas Lindoso.


domingo, 18 de agosto de 2019

sábado, 17 de agosto de 2019

Fantasy Art - Galeria


Nature of Beauty 3.
Rupchand Kundu.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Lago Curumucuri 1/5


O Lago Curumucuri fica em Juruti, no oeste do Pará.


A cancela está fechada,
mas, logo logo se abre
para a festa da chegada.

Ciscando à beira do rio,
galinhas não tomam banho...

O gado se arrisca mais:
vai em busca do alimento
que a terra lhe está negando.

A arraia toma sol,
à espera de incauto pé...

Não foi bicho ou temporal:
marcas de humana passagem.

Montaria, igarité
ou simplesmente canoa:
equipamento de rio.

Os primeiros movimentos:
entre terra e terra, a água.

Água, mata, nuvem, céu:
a viagem se inicia. 

O verde avança na água:
segredos da natureza.

Verde sobre azul:
massas de água e ar,
balé infinito.

Texto e Fotos: Zemaria Pinto.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

A poesia é necessária?


Zona Franca
Simão Pessoa


Esta zona nunca foi franca
mas falsa:
com seu estilo decadente
de art noveau sem graça.

Ali onde havia macacaúba,
marupá, louro e andiroba
hoje é só vidro fumé
(concreto armado
com portas pantográficas
e dégradé).

Ali onde nadava o matrinxã,
piramutaba, tucunaré e jaraqui
hoje é só veio de lama
(esgotos fétidos
com suas imundas
ratazanas).

Ali onde cantava o japiim,
pipira, curió, uirapuru
hoje é só banco de mármore
(carrinho de pipoca
com a praça da Matriz
e da Saudade).

Ali onde andava o tracajá
capitari, iaçá e cabeçudo
hoje é só vão de dentro
(urubu sobrevoando
com cunhãs catando
o lixo).

Ali onde comia o caititu,
queixada, tamanduá e capivara
hoje é só desmatamento
(conjuntos do BNH
com gente cabisbaixa
dentro)

esta zona franca nunca passou
de um rendez-vous:
com suas polacas new society
e seus homens-guabiru.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Fantasy Art - Galeria


Serpiere.
Paolo Eleuteri.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Insubstituíveis. Até que ponto?



Pedro Lucas Lindoso


Há quem diga que no cemitério há milhares de pessoas tidas como insubstituíveis. Claro que pais, filhos, principalmente filhos, irmãos e grandes amigos, definitivamente são insubstituíveis.
Nas relações de trabalho e emprego, durante toda minha vida, vi colegas se aposentarem, alguns faleceram e outros simplesmente pediram demissão. Eu também trabalhei em lugares diversos com funções diversas.  Alguns colegas se tornaram amigos e o contato se manteve. Outros simplesmente desapareceram e não se têm notícias.
Sempre me questiono sobre até que ponto certas pessoas são insubstituíveis. Há colegas ou superiores que se destacam. Fazem um excelente trabalho. Quando partem é comum alguém colocar a questão. E agora? Quem vai fazer o trabalho tão bem como sicrano? O fato é que em pouco tempo depois já tem um substituto fazendo aquilo da mesma maneira, ou diferente, ou até com mais eficiência.  Em poucos meses ninguém se lembra mais do colega que saiu.
E com relação aos animais de estimação? Falo dos “pets” que fazem a alegria e tem o afeto incondicional de muitas pessoas e famílias. Há os que morrem. Há os que desaparecem. Perdem-se no oco do mundo. Foi o caso da gatinha Tininha. A gata pertencia à dona Teresa, uma simpática senhorinha moradora da Compensa.
Dona Teresa sentiu muito a falta da gata Tininha. Ela simplesmente sumiu. Uma semana depois, Tininha reaparece. A filha de dona Teresa desconfiou que aquela gatinha fosse só muito, mas muito parecida com a Tininha. Talvez uma irmã gêmea, quem sabe. Argumentou que Tininha que era arredia estava agora mais carinhosa.
Dona Teresa disse que poderia ser trauma. Ficou na rua perdida. A certeza que era Tininha deu-se quando ela chegou e veio direto em sua direção. O fato é que dona Teresa se convenceu que a gata era a Tininha e pronto. Fim de papo. Ai de quem ousasse dizer que seria uma impostora ou coisa que o valha. A filha de Teresa acabou concordando que a gata era mesmo a Tininha. A alegria e a felicidade voltaram a reinar na casa de dona Teresa. 
Um dia a barriga de Tininha, que era castrada, começou a crescer.  Na opinião de dona Teresa, o veterinário não tinha feito um trabalho bem feito. Essas coisas acontecem. Com a conivência da filha de Teresa, Tininha foi novamente curetada e definitivamente castrada.
A gatinha continuou sendo tratada e amada como a Tininha de sempre. Até que ponto a gata Tininha foi substituível? Ou seria mesmo insubstituível?

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Marcos Frederico Krüger toma posse na AAL


Na última quinta-feira, sob a presidência de Robério Braga (à mesa), 
o escritor recebeu das mãos do poeta Max Carphentier
e do desembargador Lafayette Vieira o diploma de acadêmico.
O discurso de posse na cadeira número 30, que tem como patrono
Araripe Júnior. O novo acadêmico lembrou seu antecessor, Armando de Menezes. 

Pela primeira vez, a posse foi transmitida ao vivo, pelo feicebuque. Confira o vídeo, na íntegra, copiando o endereço abaixo, e colando-o no seu navegador:

https://www.facebook.com/academiadeletras.am/videos/2398562680429377/

domingo, 11 de agosto de 2019

Manaus, amor e memória CDXXXIII


Rua Marquês de Santa Cruz, esquina com Miranda Leão. Ao fundo, à direita, a Sapataria Onça.

sábado, 10 de agosto de 2019

Fantasy Art - Galeria


Earth Mother.
Keith Parkinson.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

A poesia é necessária?



Crianças negras
Cruz e Sousa (1861-1898)


Em cada verso um coração pulsando,
Sóis flamejando em cada verso, e a rima
Cheia de pássaros azuis cantando
Desenrolada como um céu por cima.

Trompas sonoras de tritões marinhos
Das ondas glaucas na amplidão sopradas
E a rumorosa música dos ninhos
Nos damascos reais das alvoradas.

Fulvos leões do altivo pensamento
Galgando da era a soberana rocha,
No espaço o outro leão do sol sangrento
Que como um cardo em fogo desabrocha.

A canção de cristal dos grandes rios
Sonorizando os florestais profundos,
A terra com seus cânticos sombrios,
O firmamento gerador de mundos.

Tudo, como panóplia sempre cheia
Das espadas dos aços rutilantes,
Eu quisera trazer preso à cadeia
De serenas estrofes triunfantes.

Preso à cadeia das estrofes que amam,
Que choram lágrimas de amor por tudo,
Que, como estrelas, vagas se derramam
Num sentimento doloroso e mudo.

Preso à cadeia das estrofes-quentes
Como uma forja em labareda acesa,
Para cantar as épicas, frementes
Tragédias colossais da Natureza.

Para cantar a angústia das crianças!
Não das crianças de cor de oiro e rosa,
Mas dessas que o vergel das esperanças
Viram secar, na idade luminosa.

Das crianças que vêm da negra noite,
Dum leite de venenos e de treva,
Dentre os dantescos círculos do açoite,
Filhas malditas da desgraça de Eva.

E que ouvem pelos séculos afora
O carrilhão da morte que regela,
A ironia das aves rindo a aurora
E a boca aberta em uivos da procela.

Das crianças vergônteas dos escravos
Desamparadas, sobre o caos, à toa
E a cujo pranto, de mil peitos bravos,
A harpa das emoções palpita e soa.

Ó bronze feito carne e nervos, dentro
Do peito, como em jaulas soberanas,
Ó coração! és o supremo centro
Das avalanches das paixões humanas.

Como um clarim a gargalhada vibras,
Vibras também eternamente o pranto
E dentre o riso e o pranto te equilibras
De forma tal que a tudo dás encanto.

És tu que à piedade vens descendo.
Como quem desce do alto das estrelas
E a púrpura do amor vais estendendo
Sobre as crianças, para protegê-las.

És tu que cresces como o oceano, e cresces
Até encher a curva dos espaços
E que lá, coração, lá resplandeces
E todo te abres em maternos braços.

Te abres em largos braços protetores,
Em braços de carinho que as amparam,
A elas, crianças, tenebrosas flores,
Tórridas urzes que petrificaram.

As pequeninas, tristes criaturas
Ei-las, caminham por desertos vagos,
Sob o aguilhão de todas as torturas,
Na sede atroz de todos os afagos.

Vai, coração! na imensa cordilheira
Da Dor, florindo como um loiro fruto
Partindo toda a horrível gargalheira
Da chorosa falange cor do luto.

As crianças negras, vermes da matéria,
Colhidas do suplício a estranha rede,
Arranca-as do presídio da miséria
E com teu sangue mata-lhes a sede!