Amigos do Fingidor

terça-feira, 30 de abril de 2019

A vida em cor-de-rosa – com hífen



Pedro Lucas Lindoso


O trágico incêndio ocorrido na Notre Dame de Paris faz com que a cidade seja lembrada e relembrada. E não existe Paris sem as canções de Piaf. Principalmente “La vie en rose”. A vida em cor-de-rosa.
Nada mais polêmico do que o título dessa linda canção. Ou melhor, a palavra cor-de-rosa. A última reforma ortográfica cassou o hífen dos compostos com três palavras ou mais, como pé de moleque, tomara que caia, testa de ferro e mão de obra. Mas a lei que embasou a reforma citou exceções. Entre elas, cor-de-rosa, pé-de-meia e arco-da-velha. E agora? Lei é lei.
Cor-de-rosa é para meninas e azul para meninos? Sem comentários nesse particular. Há um ditado que diz: “o que seria do azul se todos gostassem do amarelo?” Nos parece um ditado machista. Considerando-se a polêmica em nível nacional, de que azul é para meninos e cor-de-rosa para meninas. O ditado poderia ser; “o que seria do verde se todos gostassem do amarelo”? Assim ficariam de fora as polêmicas cores azul e rosa, representativas de sexo binário.
Não tenho uma cor favorita. Quem gosta do boi Caprichoso gosta do azul. Quem gosta do boi Garantido gosta do vermelho. Eu sou Garantido, mas não compraria um carro vermelho. Tampouco me recuso a usar um terno azul marinho.
Existe outra polêmica com o cor-de-rosa. Há duas espécies de boto na Amazônia. O vermelho e o tucuxi, de cor cinza. Há muitos anos esteve por aqui um francês chamado Jacques Cousteau. Era um misto de biólogo e oceanógrafo. Veio a convite do Governo brasileiro e patrocinado pela Rede Globo. Teria descoberto o boto cor-de-rosa? Reza a lenda que houve na verdade uma confusão linguística. Rouge em francês significa vermelho. A pronúncia seria parecida com róseo, como os amazônidas chamam cor-de-rosa.
Na época eu morava em Brasília. Pensei que o Monsieur Cousteau houvesse descoberto uma terceira espécie de boto. O boto cor-de-rosa.  Ao retornar a Manaus, escrevi um livrinho: O boto cor-de-rosa e o jacaré do rabo cotó. Fui criticado por chamar o boto vermelho de róseo. Fiz um “mea culpa”. Escrevi outro: A visita dos botos vermelhos às Anavilhanas.  Mas os botos vermelhos continuam sendo chamados, eventualmente, de cor-de-rosa. Depois da famosa canção, a vida em cor-de-rosa, a pantera cor-de-rosa, o futuro cor-de-rosa, os sonhos cor-de-rosa, só nos resta nos conformar que os botos vermelhos serão sempre confundidos e chamados de cor-de-rosa. E com hífen!

domingo, 28 de abril de 2019

Marcos Frederico Krüger foi eleito para a cadeira 30 da Academia Amazonense de Letras




Ontem, em assembleia que contou com a participação de 35 dos atuais 38 membros do sodalício, o Professor Marcos Frederico Krüger, 70 anos, foi eleito para a cadeira de número 30, que tem como patrono Araripe Júnior e último ocupante Armando de Menezes.
  


Marcos Frederico Krüger Aleixo, amazonense de Manaus, onde nasceu em 7 de abril de 1949, graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Amazonas em 1971. Em 1978, concluiu o curso de especialização em Fundamentos da Literatura Brasileira, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1982, obteve o grau de Mestre em Literatura Brasileira, na UFRJ, com a dissertação Introdução à Poesia no Amazonas. Em 1997, obteve o grau de Doutor, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com a tese Recriando a criação: natureza e cultura em mitos amazônicos.

Foi professor da UFAM por 30 anos, tendo se aposentado como Professor Adjunto IV. Nesse período, foi chefe do Departamento de Língua e Literatura Portuguesa, Coordenador do Curso de Letras e Diretor do Instituto de Ciências Humanas e Letras. Atualmente, atua no curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas, onde é Professor Adjunto A.



Tem dezessete livros publicados, todos de análise e/ou história literária, entre os quais destacamos Amazônia: mito e literatura (sua tese de doutorado, retrabalhada; 2003; 2009, em 3ª edição); e A sensibilidade dos punhais (2007; 2011, em 2ª edição). Organizou para a Editora Global, de São Paulo, o livro Melhores poemas de Thiago de Mello (2009), que inclui um estudo crítico sobre o poeta. Para a UEA, em parceria com Allison Leão, organizou a obra O mostrador da derrota: estudos sobre o teatro e a ficção de Márcio Souza (2013), que inclui uma análise da obra do romancista e dramaturgo amazonense.



Seu livro A sensibilidade dos punhais, um estudo sobre os poetas Violeta Branca, Sebastião Norões e Luiz Bacellar, ganhou o Prêmio L. Ruas, de 2006, concedido pela Prefeitura de Manaus para o melhor livro inédito de ensaios. Recebeu a Medalha do Mérito Educacional, outorgada pelo Conselho Estadual de Educação, em 2011. A Academia Amazonense de Letras o distinguiu com a Medalha do Mérito Cultural Péricles Moraes, em 2017.



Manaus, amor e memória CDXVIII



sábado, 27 de abril de 2019

Fantasy Art - Galeria


To tell the truth.
Tim Okamura.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

A poesia é necessária?



A Nova República
Farias de Carvalho (1930-1997)


Vou começar a construir meu mundo.
Este, que não suporto, me asfixia.
Os olhos já se cansam de assistir
à mecânica dança dos bonecos.

Um botão, e o sorriso encomendado
rasga a máscara fria do fantoche.
Outros botões, e seguem-se outros gestos
na estúpida intenção preconcebida.

Por isto eu quero um mundo. Hei de cercá-lo
com a alta tensão da sensibilidade
da Poesia inquilina do meu sangue.

Nele entrarão apenas os eleitos,
os que apanham as estrelas como rosas
e as dependuram, vivas, sobre o peito!


quarta-feira, 24 de abril de 2019

Fantasy Art - Galeria


Victoria Stoyanova.

terça-feira, 23 de abril de 2019

“Les Feuilles Mortes”, “La Vie En Rose”, “La Boheme”



Pedro Lucas Lindoso


Enquanto na Europa é primavera, aqui no hemisfério sul estamos no outono. Estação onde predominam as folhas secas. Os franceses chamam essas folhas de folhas mortas. “Les Feuilles Mortes”. Nome de canção de Jacques Prévert, imortalizada na voz de Yves Montand e de Edith Piaf. Essa canção e a famosa “La Vie en rose” são a essência de Paris. Canções significativas da cidade luz para muitos e por todo o mundo afora.
A tragédia que abateu Paris e o mundo nesta Semana Santa de 2019 nos deixa atormentados e melancólicos. Yves Montand e Edith Piaf já não estão entre nós. São personagens do século passado. Mas ainda completamente entranhados na memória dos franceses. Assim como daqueles que admiram a cultura desses teimosos e relutantes gauleses. Desde os tempos imemoriais. Vejam estes versos:
“Naqueles dias, a vida era bela,
E o sol mais quente do que hoje.
As folhas mortas coletadas com a pá.
Você vê, eu não me esqueci...”
E quem pode esquecer Paris? Nem mesmo aqueles que a conhecem só de fotos e filmes.
Meditava na utilidade das folhas. Folhas secas para nós, folhas mortas para os franceses. E aí pensei que aquelas folhas caíram não porque eram inúteis e não prestavam mais. Elas caíram porque tinham dado a vida.
Já os versos de “La vie en rose” são mais românticos e remetem mesmo a uma vida mais cor-de-rosa.
Contudo, não se pode falar de ‘’chansoniers” sem mencionar Charles Aznavour. Falecido em 2018, é o cantor francês mais popular do século 20. Ao longo de seus 80 anos, compôs clássicos como “La Bohème”, “She”, “Hier Encore” e muitas outras músicas!
O que aconteceu em Paris foi uma triste tragédia. A música nos inspira, mas também nos consola. É chavão, mas quem canta seus males espanta.
Estamos na Semana Santa. Acreditamos que Ele nos deu a Sua vida para nos salvar. Temos que acreditar que os valorosos e irredutíveis gauleses vão reconstruir sua bela e majestosa catedral. Já há milhões de euros em doações. A catedral de Notre Dame vai ressurgir das cinzas. Para gáudio de toda a Humanidade.

domingo, 21 de abril de 2019

Manaus, amor e memória CDXVII


Praça do Comércio, em 1933.
À direita, o Roadway e a Alfândega.

sábado, 20 de abril de 2019

Fantasy Art - Galeria


Dance of te moth by moonywolf.
Moony Khoa Le

quinta-feira, 18 de abril de 2019

A poesia é necessária?



Eu não sei
Pollyanna Furtado


Eu não sei, mas deveria saber
que o ser humano pode saber tanto
e que, no entanto, de tudo que sabe,
não sabe o que realmente importa.

Eu não sei, mas deveria saber
que a ignorância é maior
do que o entendimento;
que a dúvida é sempre uma dádiva
quando a certeza absoluta nos cega.

Eu não sei, mas deveria saber
que a realidade não se resume
ao meu estreito conhecimento;
que se existe tanta divergência
é porque às vezes posso estar enganado.

Eu não sei, mas deveria saber
que eu não sou a medida de todos
e que, portanto, o que vale para mim
pode não valer para tantos outros.

Eu não sei, mas deveria saber
que se eu não sou medida dos outros,
também os outros não me são medida,
mas isso não significa desprezar
o princípio essencial que nos liga.

Eu não sei, mas deveria saber
que o meu ódio é o meu veneno;
que, com ele, mato supostos inimigos
e, pouco a pouco, também mato a mim mesmo.

Eu não sei, mas deveria saber
que se existe um Deus, esse Deus é Amor
e que o Amor é luz e comunhão divina
e nada nesta nossa vida, nada justifica
essa ânsia de ceifar outras vidas.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Fantasy Art - Galeria


Cassandra.
David Delamare.


terça-feira, 16 de abril de 2019

Apelido. Se der corda, pega...



Pedro Lucas Lindoso


Apelido é como relógio antigo: se der corda, pega. Nós, amazonenses, acho que até por razões inexplicáveis e culturais, gostamos de apelidar as pessoas. Principalmente políticos.
Quem é gordinho é sempre apelidado de balão, bolinha ou botijão de gás. O importante é não dar bola. Os altos e magros são varapaus. Os baixinhos são tampinhas. Os muito brancos são macaxeira. E por aí vai. A imaginação para apelidos é muito fértil entre os amazonenses.
Não se pode confundir apelidos com pseudônimos. Muito usados em concursos literários e entre escritores. Os editais exigem o pseudônimo para preservar a imparcialidade dos julgadores. Um amigo participou da banca de um concurso literário na cidade. Houve nove candidatos que escolheram “curupira” como pseudônimo. Todos desclassificados. Se o curupira faz os caçadores se perderem na floresta, na cidade faz os escritores perderem concursos literários.
A alcunha tem um valor depreciativo e é definida a partir de uma característica particular, física ou moral. Já o codinome geralmente é para designar disfarce ou nomes de subversivos. Vem do inglês “code name”.  Aliás, na internet tem se usado também o anglicismo “nickname”. Especialmente em sites de bate papo, visando o anonimato.
Por falar em anonimato, não há artigo da Constituição Federal mais violado do que o inciso IV do artigo 5º, pelo qual é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Ora, em tempos de internet e “fake news”, não se vê outra coisa do que acusações anônimas. A honra dos famosos, políticos e celebridades é jogada na lata de lixo sem dó ou piedade.
Antigamente, os políticos e famosos eram vítimas de cartas anônimas. O mundo não muda tanto assim. Como filho de político, vi minha mãe indignada com essas cartas. Mau caratismo não surgiu com a internet. Podem acreditar.
Os políticos e celebridades que se importam com apelidos e sofrem muito com críticas devem deixar a vida pública. E, como Greta Garbo, pedir para ser esquecido. Para ficar só.
Um deputado do PT chamou um ministro do atual governo de “tchutchuca”. O ministro revidou. Deu corda. Não deveria. Como já disse, apelido é como relógio antigo, se der corda, pega.

domingo, 14 de abril de 2019

sábado, 13 de abril de 2019

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Marcia Batoni.


sexta-feira, 12 de abril de 2019

Um diálogo poético com Thiago de Mello 2/2




Tenório Telles*


Fui seguindo viagem, navegando as águas da tua poesia e parando nos diversos portos que são os teus livros. Notei que eles testemunham episódios da tua longa caminhada. Tem muita gente que pensa que a tua lírica é apenas de combate ou, como preferem outros, comprometida socialmente. Tua poética possui diversos matizes e tons. Aliás, o início do teu percurso criativo é marcado por uma dicção reflexiva sobre o existir e o sentido da tua presença neste vasto mar que se chama vida: O poema “Rumo” é revelador dessa inquietude e dessa busca: “Minhas faces mais diversas / são labirintos antigos / que me confundem e perdem // Para chegar até onde / não me presumo, mas sou, / sigo em forma de palavra”.
Sabe, amigo velho, hoje consigo compreender o sentido do verso que abre o poema que acabei de citar: “Somente sou quando em verso”. Tenho a impressão que o que dá existência às coisas são as palavras. Existimos pelas palavras. Penso que o mundo não existe em si mesmo. Acho que tudo é uma grande ilusão. Ou como dizia Shakespeare, um teatro. De bufões, loucos e espectros. Quando afirmas que és pela poesia, lembro de uma passagem do professor Bosi em que ele afirma que o poético é um ato de ressignificação e de “reencantar pessoas, coisas e eventos, mas também reconhecer-se em si mesma, palavra que se dobra sobre a palavra”. Acredito que a única forma de ser verdadeiro e de chegar ao cerne das coisas é pela poesia e por isso teu verso é epifânico.
Gosto da delicadeza dos teus poemas afetivos. Não seriam propriamente amorosos, mas enamorados, cheios de ternura, vibração e calorosos. “Num campo de margaridas” é tão bonito e comovente. E de uma densidade crua e delicada. Ele está sempre comigo. Lembro sempre dele. Ouço o ritmo dos versos e fico perscrutando o movimento das cenas. O jogo entre o onírico e a vigília. E de como o encontro dos enamorados se dá dentro do sonho:

   Sonhei que estavas dormindo
   num campo de margaridas
   sonhando que me chamavas,
   que me chamavas baixinho
   para me deitar contigo
   [...]

   Mas eu não fui, meu amor,
   que pena!, mas não podia,
   porque eu estava dormindo
   num campo de margaridas
   sonhando que te chamava
   que te chamava baixinho
   e que em meu sonho chegavas,
   que te deitavas comigo
   e me abraçavas macia
   num campo de margaridas.

Thiago, percebi que nos teus poemas tu contas na verdade uma história. Há uma narrativa permeando teu discurso poético. Entre tantas coisas e temas [liberdade, utopia, amor, justiça...] que teces com os fios do teu canto, o que sobressai é a tua vida, teu itinerário poético-existencial: a descoberta do mundo, da poesia, o sonho de uma sociedade diferente, libertária e mais justa. Plasmando tudo isso, um Eu à procura de si, de um lugar na existência e desejoso de compreensão e acolhimento. Esse ser, esse menino desconsolado, esse homem em busca de redenção se anuncia e se enuncia ao longo dos poemas. Tuas dores são dores que te aproximam dos outros e também de mim.
Nos versos de o “Encontro com o pai”, senti tua tristeza, a angústia da criança que um dia esperou do pai a “antiga ternura / e velhos carinhos / jamais transmitidos”, mas que viste “acumulados” em seus olhos. Talvez por isso és tão veemente no artigo oitavo dos “Estatutos do homem”: “Fica decretado que a maior dor / sempre foi e será sempre / não poder dar amor a quem se ama”. Imagino a falta que fez esse afeto silenciado no olhar do teu pai. Eu também convivi com esse silêncio e sei a dor que ele causa. Tua mãe, dona Maria Mitouso de Melo, teve sabedoria para depurar essas feridas com o bálsamo do amor e do cuidado. O poema que dedicas a ela é de uma ternura e comoção que faz qualquer um chorar:

   Dona Maria está partindo.
   Parece que está dormindo.
   Mas já está chegando ao finzinho
   do vale que leva à eternidade.

   Quero só ver o que a eternidade
   vai fazer com Dona Maria.
   Ela sempre garantiu, desde mocinha,
   que ia morar lá no céu.
   E muito ouvi dela que Jesus,
   de quem era serva fiel,
   A esperava, contente.

E por falar em eternidade, caro amigo, noto que, embora ressaltes que não tenhas “lá essas certezas” quanto a essa matéria, desde os teus primeiros livros há uma atmosfera de dúvida, uma ânsia de compreensão de si e do mundo – uma certa angústia metafísica. No “Silêncio e palavra”, de 1951, flagra-se um sinal alusivo a um certo sentido de transcendência presente na tua fala poética. Quarenta e cinco anos depois publicaste um poema, a propósito denominado “Da eternidade”, em que reiteras esse vínculo com uma percepção que considera a possibilidade da transcendência e de um princípio primevo que gerou todas as coisas:

   Da eternidade venho. Dela faço
   parte, desde o começo da vida
   dos que me fizeram ser
   até chegar ao que sou.

Como abarcar a complexidade dessa nossa vida tão cheia de segredos e coisas que nos ultrapassam? Embora nos achemos autossuficientes, o fato é que sabemos tão pouco sobre o que somos, nosso lugar no mundo, nosso destino, o que nos espera... Várias vidas não seriam suficientes para esclarecer tantas dúvidas e mistérios. A vida foi dadivosa contigo, meu bom amigo. Chegaste até aqui e estás próximo de completar uma centena de anos. Sobreviveste a tantas coisas e viste muito neste mundo tão grande e inapreensível. E por teres vivido tanto, aprendeste a “cultivar... o dom de ver, / mesmo o que visto dói de ausente brasa”.
Foi para te celebrar – tua vida e teu canto – que escrevi esta carta para ser lida por ti e por todos os que te querem bem. Que aprenderam a respeitar tua história e a amar teus versos. Escrevi esta carta também para registrar teus longos anos de vida, tua luta, teu comprometimento com a causa do ser humano e a transformação do mundo. E porque te mantiveste fiel a ti e ao propósito de ser no mundo – e combateste o bom combate sem te renderes como os guerreiros de Leônidas, que resistiram até o fim pela liberdade –, relembro, neste momento, para louvar tua vida e tua poesia, os versos do poeta grego Simonides dedicados ao general espartano e seus soldados:

   Digam aos espartanos, estranhos que passam,
   Que aqui, obedientes às suas leis, jazemos.

Estas palavras, amigo leitor, é para testemunhar um poeta e sua história. E também para celebrar a amizade – para que não esqueçamos a mensagem desse filho de nossa terra que cantou a liberdade, a utopia e um novo sonho para a humanidade – na certeza de que um dia

   haverá girassóis em todas as janelas,
   que os girassóis terão direito
   a abrir-se dentro da sombra;
   e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
   abertas para o verde onde cresce a esperança.

Thiago, este pequeno gesto é para que saibas que nada foi em vão e que a tua poesia foi inspiração e força para os teus amigos e leitores. E também para os que continuam sonhando com um mundo mais generoso, mais verde e mais solidário. Parabéns, querido amigo. Que as musas continuem inspirando teu canto e te guardando.




*Tenório Telles é poeta e ensaísta, autor de Canção da esperança & outros poemas, Viver e Clube da Madrugada – presença modernista no Amazonas.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

A poesia é necessária?


Cavalo selvagem
Eliakin Rufino


eu sou cavalo selvagem
não sei o peso da sela
não tenho freio nos beiços
nem cabresto
nem marca de ferro quente
não tenho crina cortada
não sou bicho de curral
eu sou cavalo selvagem
meu pasto é o campo sem fim
para mim não existe cerca
sigo somente o capim
eu sou cavalo selvagem
selvagem é minha alegria
de ser livre noite e dia
selvagem é só apelido
meu nome é mesmo cavalo
cavalo solto no pasto
veloz carreira que faço
lavrado todo atravesso
caminhos no campo eu traço
eu corro livre galope
transformo galope em verso
eu sou cavalo selvagem
sou garanhão neste campo
eu sou rebelde alazão
sou personagem de lendas
sou conversa nas fazendas
sou filho livre do chão
eu sou cavalo selvagem
meu mundo é a imensidão

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Fantasy Art - Galeria


Luana.
Frank Frazetta.

terça-feira, 9 de abril de 2019

A Páscoa, o coelho e seus auxiliares



Pedro Lucas Lindoso


A Páscoa de minha infância tinha um sentido mais religioso. A celebração principal era a missa, onde todos os que já tinham feito a primeira comunhão deveriam se confessar e comungar.
O tal coelhinho da Páscoa já existia. Mas parece que não tinha muito prestígio na minha época de menino. Talvez porque não havia o apelo de consumo dos dias atuais. Coelho e Papai Noel vendem muitos produtos. Principalmente para a criançada.
Nos dias atuais, o coelho da Páscoa anda prestigiadíssimo. Minha sobrinha Ceci, de apenas sete anos, que mora nos Estados Unidos, escreveu uma cartinha para um tal de Mr. Lepercon. Trata-se de uma entidade do folclore irlandês. Aparece geralmente no período da Quaresma. É quando se comemora o dia de Saint Patrick, festejado em 17 de março e muito popular por lá.
Mr. Lepercon seria possivelmente um auxiliar do coelho da Páscoa. Também interage com unicórnios, duendes e outros seres que encantam as crianças e alguns adultos mundo afora. Especialmente, as entidades mágicas que andam pelo arco-íris. Local fantástico onde há um pote de moedas de ouro. Parece-me que o tal de Mr. Lepercon administra ou sabe onde está o tal pote de ouro. Como é de conhecimento geral, esse misterioso tesouro se localiza no final do arco-íris.
Dizem que o tal de Mr. Lepercon fica ocupadíssimo na época da Pascoa. Ele tem que auxiliar o coelho na confecção e embalagem de ovos de chocolate. Os ovos são para ser distribuídos entre todas as crianças boazinhas ao redor da terra. Incluindo Ceci, seu irmão Nicholas e os primos brasileiros.
Pois bem. Vamos então falar da cartinha que Ceci escreveu para o tal de Mr. Lepercon.  Ceci, que vem de uma linhagem de gente inteligente e bem sucedida, houve por bem propor negócios com o tal irlandês. Na missiva, a esperta garotinha propõe ao administrador do tal pote de ouro cuidar dos cavalos, dos duendes e dos unicórnios. A contrapartida seria receber o famoso pote como pagamento.
Entre suas obrigações contratuais, a pequena Ceci se compromete ainda a comprar um caminhão e um trailer para facilitar a vida do tal Lepercon na distribuição dos ovos.
Essa minha sobrinha vai longe. Executivos da Wall Street guardem esse nome: Cecilia, conhecida carinhosamente como Ceci.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

A mulher



David Almeida


O que seria da vida se não existisse a mulher? É difícil de responder, porque não existiria vida; então, não existiria nem essa pergunta. Mas eu insisto, afinal de contas vivemos num planeta em que existe vida, né? Alguém pode afirmar isso? Será que a mulher está com essa bola toda? Ou a bola toda desse planeta é a mulher? Será que a mulher é uma espécie de sol onde tudo gira ao seu redor e ninguém percebe, ou faz de conta que não percebe? A mulher é a mãe dos filhos da terra?
Já sei, vocês não querem responder, porque não admitem que a mulher é, realmente, a vida nesse Planeta ainda Azul. Que tudo seria sem graça, sem cor, sem cheiro, sem alma, sem amor, sem luz, ..., sem o toque e a leveza da alma feminina. Admitem ou não? Já pensaram num jardim sem flores, rosas? Não passaria de um matagal, devoluto, sem graça, pronto pra invasão de extraterrestres. Vocês não acham que a mulher é a flor mais bela, esplendorosa, que inspira o beijo ao toque da multiplicação do jardim da vida? Aí, algum engraçadinho pode falar: “e quem vai arar a terra para fazer o jardim?” O próprio engraçadinho, né? Tudo na vida é uma consequência de atos; se querem viver, respeitem a vida; respeitem e cuidem da mulher, porque só ela é capaz e tem o poder de gerar vidas.
Será que Ela é uma necessidade sem limite? Não, o limite da necessidade é Ela, depois vem um abismo, o vazio onde tudo se perde, onde o nada não é nada; é só uma cabeça oca que pensou ser tudo, sem perceber que o seu tudo era o nada sem ela. 
As estações do ano sem a primavera seriam: verão, outono e inverno, aí, iria faltar a estação mais feminina de todas; a mais perfumada; a mais florida; a mais mulher... a minha Mãe, e de todos, claro! Ela: a Primavera! Não que todas não tenham importância fundamental na vida desse planeta ainda azul, mas a Primavera é que dá um toque de elegância é a que floresce e de suas flores vem a multiplicação da vida que se completa em todas estações da existência.
A mulher floresce a cada dia, se rega a cada momento, se constrói a cada passo, caminha sobre suas regras regando caminhos e como uma bandeira desfraldada acima de qualquer muralha, levanta a sua voz proclamando sua libertação, desprendendo-se do rótulo que lhe prendia há tanto tempo, desvinculando-se daquela “fêmea” – “que era a mulher de verdade” – pra ser a mulher de hoje, uma heroína sim, com todo o poder de salvar a humanidade, pelo amor de cada gesto seu.
O que seria da vida se não existisse a Mulher?

domingo, 7 de abril de 2019

Manaus, amor e memória CDXV


Estação da Booth Line.

sábado, 6 de abril de 2019

Fantasy Art - Galeria


Ophelia.
Elisabetta Trevisan.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Um diálogo poético com Thiago de Mello 1/2



Tenório Telles*


Thiago,

Fiquei sensibilizado, no nosso último encontro, com o teu ânimo e altivez com que enfrentas as circunstâncias do tempo que te afligem. Nem as dores e nem o cansaço dos anos abateram teu ser resistente, pois como dizes

   De madeira lilás (ninguém me crê)
   se fez meu coração. Espécie escassa
   de cedro, pela cor e por conter
   no seu âmago a morte que o ameaça.
   [...]
   No crepúsculo estou da ribanceira,
   entre as janelas e o chão que me abençoa
   as nervuras. Já não faz mal que doa
   meu bravo coração, de água e madeira.

Filho da terra verde ribeirinha, dos encantados e dos rios amazônicos – teu coração tem o vigor das árvores centenárias da floresta e teu ser, a fundura dos rios e seus mistérios. Por isso resististe às tempestades, às dores e às perdas que te foram dadas viver. E agora mais uma primavera, florescente girassol, abre-se no teu peito: completas 93 anos e segues tua travessia com coragem, humor e sem lamentos.
Ao chegar em casa decidi revisitar teus livros e logo me deparei com o poema “Na manhã do milênio”, em que refletes sobre o significado da existência e te questionas sobre a validade dos teus sonhos, as promessas não cumpridas do nosso tempo e o sentido da tua própria poesia. Teu poema é doloroso porque nos expressa igualmente em nossas inquietações, buscas e sonhos nem sempre realizados. Mas tua capacidade de encantar as palavras, colori-las e revesti-las de humanidade o tornou belo e pungente. Li-o devagar, ouvindo cada verso, imaginando tuas mãos deslizando pela página, tua respiração e o compasso do teu coração relembrando os fatos e vivências que evocas no texto:

   De que valeu o assombro indignado
   e esta perseverança que me acende
   em pleno dia a estrela que me guia,
   seguro do meu chão e do meu sonho?
   [...]
   De que valeram todas as palavras
   que proferi na treva da esperança?
   Tão pouco, talvez nada. Não consola
   saber que fiz, que fiz a minha parte,
   que reparti com tantos o diamante,
   que olhei o sol de frente e não fugi
   (nem do meu próprio medo).
   De consolo não cuido. Pois valeu.
   Que tudo vale a pena quando a alma
   não é pequena.
                            Não sei o tamanho
   da minha alma. Só sei que vou varando
   o fim do rio, já posso discernir
   a margem que me chama. Mas obstinado
   confiante sigo no poder distante
   da estrela alucinante. Que destino
   de estrela é o de brilhar.
                             E mesmo extinta
   brilhante permanece sobre o mundo.

Este poema bem poderia ser teu testemunho poético ou tua carta ao mundo – como declarou Emily Dickinson ao conceber um de seus textos. Hoje percebo que teu canto transcende qualquer declaração ou tema particular. Tua poesia é teu chão, tuas vivências e tua infância, onde aprendeste a enfrentar os humores da natureza e, “entre os rebojos”, perdeste o medo. Teus versos tresmalhados de água, barro e vida se fizeram protesto e canção. Por isso carregas esse “grito que cresce”

   Cada vez mais na garganta,
   cravando seu travo triste
   na verdade do meu canto.

   Canto molhado e barrento
   de menino do Amazonas
   que viu a vida crescer
   nos centros da terra firme.
   Que sabe a vida da chuva
   pelo estremecer dos verdes. 

Caro amigo,

Sei o quanto a vida te foi cara pelas tuas escolhas e pelos compromissos que assumiste diante do teu tempo e da humanidade. Entre um existir resignado e a luta pela construção de um mundo menos bárbaro e desigual, te lançaste nas águas da história e, como os antigos argonautas, foste em busca da lâmpada capaz de despertar os seres humanos do negror da indiferença e da ignorância. Tua arma foi teu canto: sabias que as noites passam e por mais que os perversos prolonguem seu domínio de sombras e mentiras, a aurora, brasa incendida sob as cinzas, se tornará fogo, claridade. E não sendo possível deter o tempo, sabes que “a manhã vai chegar”. Que o novo é inevitável. Entre noites, guerras e solidão o destino humano se tece indiferente. E o que importa, como disseste, é “poder dar amor a quem se ama / sabendo que é a água / que dá à planta o milagre da flor”.
Pensando nisso, lembrei do poema que escreveste quando estiveste preso com o Cony, o Callado e o Glauber Rocha. Era o início do ciclo de sombras que se abateu sobre o país e vocês, como os espartanos nas Termópilas se lançaram contra a força dos senhores do poder. Nessa “Iniciação do prisioneiro”, escrito no cárcere em novembro de 1965, ressaltas exatamente a necessidade de afirmar o Amor como alento e contraponto àquele momento de suplício:

   É preciso que Amor seja a primeira
   palavra a ser gravada nesta cela.
   Para servir-me agora e companheira
   seja amanhã de quem precise dela.

Alguns anos depois viveste situação semelhante no Chile quando o sonho de Allende e do povo chileno foi tragado pelo fogo e pela morte. Por pouco não perdeste a vida, como ocorreu com o cantor Víctor Jara e outros artistas chilenos. Mas a providência te queria vivo, apesar do longo inferno que tiveste que amargar no exílio. Há um fato da tua história que me comove ainda hoje. Ele me foi relatado por um poeta peruano. Contou-me que estavas no Peru e para saciar tua saudade da pátria organizaram uma expedição clandestina ao rio Solimões para que pudesses ver, sentir o cheiro e estar próximo da tua terra. Fico imaginando os sentimentos que rebojavam dentro de ti – tão perto e tão longe do país. Dos teus familiares. Essas experiências te ensinaram que, apesar das intempéries, é preciso continuar navegando

   Como um rio, que nasce
   de outros, saber seguir,
   junto com outros sendo
   e noutros se prolongando
   e construir o encontro
   com as águas grandes
   do oceano sem fim.
  
   Mudar em movimento,
   mas sem deixar de ser
   o mesmo ser que muda.
   Como um rio.


(Conclui na próxima sexta-feira)

*Tenório Telles é poeta e ensaísta, autor de Canção da esperança & outros poemas, Viver e Clube da Madrugada – presença modernista no Amazonas.