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quarta-feira, 5 de março de 2025

Folia no Seringal – lançamento

Zemaria Pinto


Começo agradecendo a presença de todos: a família – esposa, filhas, netas e irmãs; os parceiros Mauri Mrq e Tenório Telles; o time da Valer – Isaac Maciel, Neiza Teixeira, Bruna Chagas; amigos velhos, ex-alunos, pessoas que estou conhecendo hoje... E destaco ainda a presença do mestre Marcos Frederico Krüger, e do nosso decano Elson Farias, em cujas personas cumprimento a todos os presentes. Num hipotético país parlamentarista das letras, o Marcos seria o primeiro ministro e o Elson, o presidente.

Vigésimo oitavo livro publicado, ainda não me acostumei com o estresse dos lançamentos, e às portas dos setenta anos, tomo o cuidado de trazer estas breves palavras pré-escritas, para não correr o risco de gaguejar ou de simplesmente esquecer – não só o que ia falar, mas o que estou mesmo fazendo aqui?...

E olha que setenta anos não é pra qualquer um, que o digam os meus amigos Antônio Paulo Graça, Anibal Beça, Sérgio Luiz Pereira... e Torquato Neto, Paulo Leminski, Ana Cristina César... e Glauber Rocha, Raul Seixas, Sergio Sampaio, Cazuza... e Jimi Hendrix, Janis Joplin, Amy Winehouse... Mas, de uma coisa fiquem certos: com a chegada da velhice, nós aprendemos que não sabemos nada do que pensávamos que sabíamos quando jovens. Por favor, não me cancelem, isto não é etarismo; é apenas uma autocrítica. Se não, vejam.

Professora Neiza Teixeira, que conduziu o evento.

Entre os 15 e os 17 anos, estudei o Científico, equivalente ao ensino médio de hoje, no Colégio Estadual (ou simplesmente Estadual). Ficava vendo de longe os componentes do Clube da Madrugada que frequentavam o Café do Pina, na praça em frente – a da Polícia. Moleques, eu e Geraldo dos Anjos ficávamos horas a falar mal dos “funcionários públicos da literatura amazonense”. Estúpidos, nós dois, não demoraria muito para tomarmos consciência dessa estupidez. Mas, a juventude, vocês sabem, não acaba aos 17 anos... É um processo. E de repente vem a artrose, a artrite, a arritmia, a glicose, as viroses a pressão alta, a pressão baixa, a falta de... sezão... E estamos irremediavelmente velhos.

Folia no seringal é um balanço da minha aventura como ensaísta, reunindo doze exemplares da minha produção no gênero, desde “Maranhão Sobrinho, o místico de Satã”, publicado em 1999, como prefácio de Papéis Velhos... roídos pela traça do Símbolo, na histórica Coleção Resgate, coordenada por esse mítico guerreiro das Letras amazônicas, Tenório Telles, até textos escritos nesta década, vinte e tantos anos passados. E tudo tendo como eixo o Clube da Madrugada, fundado em 1954. Com este livro, celebramos os 70 anos do Clube.

Folia no seringal faz um passeio pela trajetória do Clube, que é o caminho traçado pela literatura feita no Amazonas, mostrando que há um antes e um depois do Clube da Madrugada, sendo o durante a própria existência do Clube. Comecemos pelo princípio.

 

Mauri Mrq, músico e compositor.

Antes – o ensaio de abertura, “A paisagem na literatura de viajantes e nativos”, começa com Frei Gaspar de Carvajal, que escreveu, no seu relato, Descobrimento do rio de Orellana, a nossa certidão de nascimento; e faz um breve inventário dos viajantes e nativos que tomaram a paisagem como personagem: Cristóbal de Acuña (Novo descobrimento do grande rio das Amazonas), Henrique João Wilkens, o poeta do genocídio (Muraida), Julio Verne (A jangada, 800 léguas pelo Amazonas), Conan Doyle (O mundo perdido), Raul Pompeia, autor de O Ateneu, escreveu Uma tragédia no Amazonas, com 17 anos; Euclides da Cunha (que estava escrevendo Um paraíso perdido quando foi parado pela bala de um desafeto); Ferreira de Castro (e o superestimado A selva); e os amazonenses Octavio Sarmento (A Uiara) e Violeta Branca (Ritmos de inquieta alegria).

Destaco, no já citado “Maranhão Sobrinho, o místico de Satã”, o poeta que, vivendo em Manaus, na minha Cachoeirinha, e aqui morrendo, foi o autor que logrou maior reconhecimento nacional na era pré-Madrugada. Nenhuma antologia séria do Simbolismo brasileiro o ignora.

O terceiro ensaio, fechando esse grupo, diz ao que veio já no título: “Romancistas e contistas: a literatura de ficção na Academia Amazonense de Letras”. Porque sempre tem um incomodado a reclamar que a Academia tem escritores de menos. E é verdade, mas isso não chega a ser nenhuma catástrofe, porque os escritores da AAL dominam outros saberes, além da literatura de ficção. Vejam. Em cem anos de existência, 1918-2018, contam-se 15 ficcionistas, em um total de 148 acadêmicos; 10%, portanto; o que significa que os outros 90% dominam outros saberes. E escrevem livros sobre eles.

 

Tenório Telles, escritor e crítico literário.

Clube da Madrugada – o ensaio que abre este capítulo não se isenta de polêmica, em três frentes; duas afirmações e uma pergunta. Primeira afirmação: o Clube da Madrugada não se constituiu como um movimento, uma vez que não tinha um programa estético, e sim político. Segunda afirmação: o Clube da Madrugada não foi o Modernismo no Amazonas. E a pergunta: até onde vai, cronologicamente, o Clube da Madrugada? Costuma-se dizer, eu mesmo já o disse várias vezes, que o Clube da Madrugada foi fruto de uma geração excepcional. Na verdade, foram pelo menos três gerações.

Na sequência, quatro ensaios sobre quatro autores emblemáticos do Clube: Luiz Bacellar (Frauta de barro), Astrid Cabral (Alameda), Elson Farias (Memórias literárias) e Ernesto Penafort (uma visão geral de sua obra, mostrando que havia muita poesia além do azul). Esses quatro autores representam as mais de duas dezenas de autores que gravitaram em torno do Clube.

Eu lembro que, há exatos 10 anos, em um 9 de março, Eu e o Mauri, juntamente com o Tenório, o Marcos Frederico, o Alisson, a Nícia e outros amigos, lançávamos na sede da Academia o livro-objeto Lira da Madrugada, homenagem aos 60 anos do Clube – aliás, não fomos eu e o Mauri, mas sim o Mauri e eu. O Mauri cantou, tocou, fotografou, produziu, deu palpite em tudo. Eu só desorganizei as ideias poéticas, para dar um toque de não sei quê. Parece que faz tanto tempo: até o conceito de livro-objeto, nestes tempos virtuais, fica difícil de entender. Vou tentar: eram dois livros e um CD. O CD era um disquinho compacto, um compact disk... É melhor parar por aqui...

 

Depois – reunindo três ensaios de autores que surgiram após o auge do Clube da Madrugada, comenta-se a dramaturgia amazônica de Marcio Souza – A paixão de Ajuricaba, Jurupari, a guerra dos sexos, A maravilhosa história do Sapo Tarô-Bequê, As Folias do Látex, Tem piranha no pirarucu e muitas outras; o romance histórico de Rogel Samuel, O amante das Amazonas; e três títulos da escritora Márcia Antonelli, que tem a figura de um adulto portador de nanismo como protagonista e como isso se desenvolve entre o grotesco, o fantástico e o marginal: são eles O enterro do anão, O anão do açougue e O anão trompetista. De novo, quero deixar bem claro que isso não é capacitismo, até porque os anões de Márcia, além de protagonistas, são personagens com uma carga trágica muito forte. E foi isso o que me encantou neles, além da já conhecida capacidade da autora de engendrar tramas fantásticas. Antonelli representa, no livro, a literatura produzida no Amazonas neste século 21. É, portanto, o que há de mais novo em nossa literatura.   

Zemaria Pinto.

Fechando o capítulo, um ensaio – “Miniconto, microconto, nanoconto, contos são?” – onde se discute uma tendência minimalista do conto contemporâneo, que chega a usar os muros da cidade como veículos para o texto, lembrando a Poesia de Muro, teorizada pelo poeta madrugadense Jorge Tufic.

Por fim, sempre me têm perguntado “por que Folia no seringal”? Talvez estranhando um súbito relaxamento na sisudez com que se trata a literatura sobre a época. Lembro o amigo Márcio Souza, a quem presto todas as reverências que um discípulo deve ao mestre: a peça As folias do látex, encenada pela primeira vez em 1976, me deu a senha. Então, eu li o lírico romance do amigo Rogel Samuel como se fora um desfile carnavalesco, trocando o circunspecto Bakhtin, teórico da carnavalização, por um glamoroso e feliz Joãosinho Trinta. Evoé!   

O livro é de vocês! 

          

 Fotos: diversos autores; obrigado a todos.

domingo, 5 de janeiro de 2025

Manaus, amor e memória DCCIV

 

Exposição do Clube da Madrugada, na praça da Matriz, primeira metade dos anos 1960:
no sentido horário, identificamos Getúlio Alho (foto 1); obras de Getúlio Alho (foto 2);
Afrânio de Castro (mãos no bolso), Aluísio Sampaio (braços cruzados) e Elson Farias (foto 3); 
Afrânio de Castro (foto 4, de perfil).

domingo, 1 de dezembro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCIX

José Maciel, Moacir Andrade, L. Ruas e (na extrema direita) Elson Farias
ladeiam jovens componentes do Clube da Madrugada.



 

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

O rio Amazonas

Elson Farias


Rio, lavras tua gula,

comedor de terra e espuma,

trazes os teus peixes todos,

sol ardente sobre lâmina.

 

Manhã clara consumada,

hereditária da chuva,

água tranquila na cuia

do verão que te saúda.

 

Noite nova sobre as árvores,

sombras nos ombros da lua,

os duendes antigos vivos,

mulher deitada na grama.

 

Não és um rio caduco,

mas uma fera atiçada.

Contra a fome te concentras

como o fixo olhar da garça.   

  

quinta-feira, 27 de junho de 2024

A poesia é necessária?

 

Romance do Banho

Elson Farias

 

Era morena tostada,

forte, esbelta como um cão,

os cabelos eram claros

de saboroso castanho;

longas tiras escorriam

na costa vincada em curvas

– eram cobras encravadas

no dorso de uma raiz;

o calcanhar era firme,

seu andar arroliçado,

as ilhargas mal roçavam

nas pregas da saia fina.

 

                *

Fendeu-se o cerrado verde

de patativas e anus,

filhos de caba, sol quente,

ventos gerais, água e mel;

ela vinha – balde, cuia,

dentes expostos, carnudos

os lábios, flor de papoula

a cantar e a se despir.

 

                 *

Ela vinha, mas menino

balador de passarinhos,

não sabia descobri-la;

pressentia apenas vagos

sons das patas elegantes

dos poldros do meu instinto,

rachando cones de pedra

no meu raciocínio mole.

 

                  *

Ela esfalfou-se nas águas,

misturou-se com os peixes,

camarões a beliscaram,

escamas, pés, gumes virgens;

o relampejo das palmas

como línguas de uma faca;

a sombra escura no fundo,

as coxas alvas e turvas;

peixes, menina de banho,

anáguas brancas ao sol.


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Lira da Madrugada – Elson Farias 13/15


Zemaria Pinto

 

 

 

Ficha biobibliográfica

 

Autor: Elson Farias

Nome completo: Elson Bentes Farias

Naturalidade: Itacoatiara – AM

Nascimento: 11 de junho de 1936

 

Obra poética:

·       Barro verde (1961)

·       Estações da várzea (1963)

·       Três episódios do rio (1965)

·       Ciclo das águas (1966)

·       Dez canções primitivas (1969)

·       Um romanceiro da criação (1969)

·       Do amor e da fábula (1970)

·       Imagem (1976)

·       Roteiro lírico de Manaus em 1900 (1977)

·       Made in Amazonas (1978)

·       Palavra natural (1980)

·       Romanceiro (1985)

·       Balada de Mira-anhanga e outras aparições (1995)

·       A destruição adiada (2002)

·       Semibreves & exercícios de harmonia (2006)


ROMANCE DO BANHO

                             

 

Era morena tostada,

forte, esbelta como um cão,

os cabelos eram claros

de saboroso castanho;

longas tiras escorriam

na costa vincada em curvas

– eram cobras encravadas

no dorso de uma raiz;

o calcanhar era firme,

seu andar arroliçado,

as ilhargas mal roçavam

nas pregas da saia fina.

 

                *

Fendeu-se o cerrado verde

de patativas e anus,

filhos de caba, sol quente,

ventos gerais, água e mel;

ela vinha   – balde, cuia,

dentes expostos, carnudos

os lábios, flor de papoula

a cantar e a se despir.

 

                 *

Ela vinha, mas menino

balador de passarinhos,

não sabia descobri-la;

pressentia apenas vagos

sons das patas elegantes

dos poldros do meu instinto,

rachando cones de pedra

no meu raciocínio mole.

 

                  *

Ela esfalfou-se nas águas,

misturou-se com os peixes,

camarões a beliscaram,

escamas, pés, gumes virgens;

o relampejo das palmas

como línguas de uma faca;

a sombra escura no fundo,

as coxas alvas e turvas;

peixes, menina de banho,

anáguas brancas ao sol.

 

Elson Farias tem boa parte de sua obra alicerçada sobre o modo de viver interiorano, reflexo de sua trajetória e experiência. Seus poemas são espontâneos, especialmente na série dos “romances”, falando da vida do homem da Amazônia e – acrescentaria o próprio autor, na epígrafe de um de seus livros – da sua fantasia.

“Romance do banho” estava no primeiro livro de Elson Farias, Barro verde, de 1961. Posteriormente, em 1985, o autor publicou Romanceiro, onde reuniu as suas composições com características de romances: poemas narrativos, vazados, quase sempre, em redondilhas maiores, sem rimas, tratando de “casos” típicos da vida ribeirinha. Neste, o poema de que vamos nos ocupar está reunido a outros dois sob o título “Três romances da infância”.

É importante ressaltar a tradição do romance, de raízes medievais, narrativas de episódios aventureiros, galantes e amorosos, guardando parentesco distante com o poema épico, reservado às narrativas de maior fôlego, a celebrar as grandes conquistas nacionais. O passar do tempo transformou a narrativa poética em prosa, dando origem ao romance como o conhecemos hoje, mas a tradição na poesia permanece até nossos dias. Não é leviano supor que Federico García Lorca (1898-1936), poeta espanhol dos mais influentes do século 20, teve, com o seu Romanceiro Gitano, papel fundamental na formação do então jovem poeta Elson Farias.

“Romance do banho” conta a aventura vivida por um menino, talvez em seu primeiro “alumbramento”, para usarmos a palavra cara a Manuel Bandeira, quando viu, o coração aos saltos, “uma moça nuinha no banho”. O poema de Elson Farias registra o fato, em primeira pessoa, ressaltando, com o recato possível, toda a sensualidade do episódio.

Dividido em quatro estrofes, separadas por um sinal que funciona como um separador temporal, o poema tem quatro momentos distintos:

Momento 1. O poeta descreve a moça, dando ênfase ao modo como ela anda. Essa escolha é bastante feliz, pois nos coloca numa posição de voyeurs, observando a moça do mesmo ângulo do menino. As imagens procuram ressaltar as formas da moça: morena tostada / forte / cabelos claros / castanhos / de longas tiras / costa vincada em curvas / calcanhar firme / andar arroliçado. Duas imagens ligadas a animais reforçam o retrato da moça: esbelta como um cão, referindo-se ao seu andar imponente; – eram cobras encravadas / no dorso de uma raiz, alusão aos seus cabelos. Em poesia, a comparação do ser humano com animais se dá para realçar sua beleza, fortaleza ou sensualidade. A primeira visão da moça já “tocou” o menino em seus instintos mais primitivos, ainda, provavelmente, desconhecidos.

Momento 2. A moça, sem pressentir que é observada, começa a cantar e a se despir. O poeta metaforiza a inocência da moça comparando-a a uma flor de papoula. Não custa lembrar, entretanto, que essa flor contém substâncias entorpecentes, base para a fabricação de drogas pesadas, como a morfina e a heroína. Esse duplo sentido incita a dúvida no leitor mais experiente: a moça estaria agindo de caso pensado? Nesse momento, o mundo entra em ebulição, para o menino, que mistura as imagens percebidas, sem nenhuma ordem aparente, como se estivesse tonto: patativas e anus; marimbondos, sol e vento; água e mel. A moça, um sorriso nos dentes por trás dos lábios carnudos, começa a tirar a roupa.

Momento 3. Aqui temos nova metáfora animalizadora – as imagens de poldros, potros, cavalos, têm nítida conotação sexual –, ressaltando aquilo que já percebíamos no momento anterior: a volúpia sentida pelo menino, que não sabia exatamente como agir diante da visão inusitada, e a consciência tênue de que os “poldros” do seu instinto, rachando cones de pedra, manifestavam-se duramente no seu “raciocínio mole”. Uma forma poética de dizer que a visão o perturbava a tal ponto, que ele sentia-se fraco mentalmente, temendo cometer, num impulso incontrolável, ações das quais depois poderia arrepender-se.

Momento 4. Neste ponto, já algum tempo é passado desde que a moça entrou n’água. Sabemos disso pelo tempo do verbo: “esfalfou-se”. Sabiamente, o menino não saiu de seu lugar, observando-a, tentando adivinhar o que acontecia. Ele imagina o corpo da moça na água, entre os peixes, os camarões; imagina seus pés roçados pelos “gumes virgens” das escamas; o movimento das palmeiras como línguas; as coxas da moça, e a “sombra escura” no fundo... Toda a sensualidade esboçada na mente do personagem é transformada em linguagem pelo poeta. Por derradeira, a imagem das anáguas brancas ao sol é o ápice da claridade vislumbrada: prazer e revelação. O menino pode, enfim, relaxar.

Então, aos 25 anos, Elson Farias trabalha com as sutilezas da linguagem, como um velho mestre, senhor do seu ofício: a primeira leitura é apenas a superfície vislumbrada, a água cristalina, soprada pela brisa matinal. Para saber o que há dentro da água espessa do poema, é preciso cultivar a paciência necessária, e mergulhar no perau.

Romance do banho 
(Mauri Mrq - Elson Farias)


 


quarta-feira, 5 de julho de 2023

AAL lança livro póstumo de Anisio Mello





Sobre Anisio Mello, por ocasião do lançamento de Estrela Viva

Zemaria Pinto

 

Como não poderia deixar de ser, começo agradecendo a oportunidade de homenagear o amigo Anisio Mello, no 13° ano de seu desenlace, fortalecendo a ideia de que a imortalidade acadêmica é a permanente relembrança.

Por isto estamos aqui, nesta ensolarada manhã de sábado (espero não errar na previsão do tempo), relembrando o artista múltiplo, o multiartista Anisio – pintor, escultor, músico, compositor, que, como escritor, destaca-se em diversas frentes: ensaio, ficção, folclore, poesia e até um precioso Vocabulário etimológico tupi do folclore amazônico, onde dá continuidade a um trabalho iniciado por seu pai, Octaviano Mello. E, pasmem, Anisio era um inventor de mão cheia...

Luiz Bacellar, que quanto mais velho mais menino ficava, dizia que Anisio, com quem vivia arengando, era a reencarnação de Leonardo da Vinci. Aí mostrava uma reprodução da “Mona Lisa” e, ecoando uma teoria da época, dizia: “vamos tirar a barba do Anisio e ver se ele é ou não o Da Vinci”. Um estudo da época dizia que Leonardo retratara a si mesmo na “Mona Lisa”. Anisio fazia cara amuada e replicava: “este fim de semana não tem café nem jornal...” Era um hábito que os amigos cultivavam no domingo: ler os jornais juntos, com um cafezinho, acompanhado de tapioca e pamonha. Tudo bancado pelo Anisio, claro.

Lembro de uma arenga dos dois que deu um trabalhão para contornar. Um cidadão francês, de passagem por Manaus, enturmou-se com os dois. Só que o Bacellar, a propósito de manter seu francês (que ele dizia “de Paris”) em dia, danou-se a conversar em francês com o novato. Como o francês do bom Anisio era “de Itacoatiara”, o tempo fechou. Os dois “trocaram de mal” e ficaram alguns fins de semana sem ler os jornais juntos...

Mas, estamos aqui para louvar a poesia de Anisio Mello, representada neste Estrela Viva, uma antologia organizada pelo próprio autor e salva dos escombros do esquecimento pelo notável trabalho do pesquisador Roberto Mendonça – que multiplicou a obra do meu querido professor L. Ruas e agora nos revela poemas de Anisio, se não inéditos, perdidos em edições esgotadas.

Chamo a atenção para a capa, que reproduz um quadro do próprio Anisio: um belíssimo exemplar de seu expressionismo abstrato – ele, que pintava desde prosaicas paisagens até quadros como este, de refinado simbolismo e múltiplas leituras.

Exímio sonetista, Anisio escrevia poemas em versos livres e rimas brancas com a mesma facilidade com que cultivava o haicai. Em outras palavras, tinha o total domínio da técnica poética, mas também tinha uma verve, um entusiasmo que passava a sua poesia, caracterizada pelo lirismo, sem pretensões a revoluções estéticas, mas construindo uma obra que encanta e encantará ainda muitas gerações, como no petrarquiano “Lembrança”, de Sexagésima Stella (página 125):     

  

Na lembrança ficaste de permeio

a momentos de amor como te vi.

Foste rosa em meu peito e com receio

a primavera augusta então vivi.

 

Nos teus lábios agora me tonteio

e na luz dos teus olhos refleti

todo um sonho feliz e agora creio

que o amor é como o beijo que senti.

 

Este amor que flutua mansamente

e incandesce a manhã tão de repente,

mais parece o delírio de um adeus.

 

Um dia partirei, quem sabe quando?

lembranças levarei sempre cantando,

com teus lábios impressos sobre os meus...

 

Este – meus amigos, minhas amigas, crianças – era Anisio Mello, um homem simples, um artista completo. Aliás, este é Anisio Mello, pois ele continuará vivo em nossas lembranças...

 

 

OBS: como não pude estar presente, o ex-presidente Elson Farias leu o texto, por ocasião do lançamento do livro, em 01/07/2023.


terça-feira, 21 de junho de 2022

Prefácio a “As Pedras do Rosário”, de Francisco Gomes da Silva

 Pedro Lucas Lindoso

 

O historiador Francisco Gomes da Silva nos brinda com esse primor de livro – As Pedras do Rosário. Depois de quase duas dezenas de livros publicados, o Autor se apresenta com uma “inspiração teologal”. Elson Farias, ilustre renomado poeta de Itacoatiara, em seu livro As náiades e a mãe-d’água, nos lembra que Max Carphentier “trabalha uma poesia de inspiração teologal”.

Essa “inspiração teologal” de que fala Elson Farias é, em nosso sentir, a mesma inspiração divinal que inspirou Francisco Gomes ao escrever As Pedras do Rosário. Inspiração teologal sublime e voltada para a exaltação de Maria, a Mãe de Deus e nossa Mãe.

Maria que já se manifestou de diversas maneiras para consolar, acalmar e acalentar a humanidade. E sempre nos aconselha a rezar o terço. Se apresentou aos pastores meninos de Fátima, a Bernadete em Lourdes, em forma de adoração à sua imagem em Aparecida e em Belém do Pará.

No México, se transformou numa nativa grávida, ao aparecer em Guadalupe ao jovem mexicano Diego. E no livro de Francisco Gomes, logo no início, temos a breve narrativa da Deusa dos índios Iruri. Como a Virgem de Guadalupe, a Deusa índia também veio grávida do céu. Guadalupe se tornou padroeira de toda a América latina. A mãe dos Iruri com certeza é a mesma nossa Mãe. Mãe do Criador. Mãe de Deus. Ela se transforma, se transmuta para melhor se fazer entender, para auxiliar os homens em seus desejos e angústias.

O Rosário, a reza do terço, é a maneira mais prática, mais eficaz de se conectar com nossa Mãe. E com o Divino Pai Eterno. Como bem nos diz Francisco Gomes:

“Simbolicamente, o Rosário é a rede que pesca almas para Deus, com a intercessão da Virgem Maria”.

Francisco Gomes nos informa que a vocação de rezar o Rosário veio para Itacoatiara e região pelos jesuítas, ainda no século XVII.

A riqueza da obra de Francisco Gomes extrapola o aspecto teologal de que falamos e adentra no aspecto histórico e considerações do mundo profano. E nos lembra quão marcante e às vezes altamente dramáticas que foram as conquistas dos europeus:

“Durante os séculos XV e XVI, os europeus lançaram-se nos três oceanos com os objetivos de descobrir uma nova rota marítima para as Índias e encontrar novas terras. A expansão no exterior levou ao surgimento dos impérios de Portugal e Espanha, que lideraram as grandes descobertas estendendo seus domínios à África, à Ásia e às Américas”.

Como bem ensina Francisco Gomes, na conquista das Américas, a Igreja esteve presente inclusive endossando interesses comuns dos governos colonizadores. Obviamente, este expansionismo europeu teve por base a teologia cristã.

E aí vem, em minha opinião, o ápice da obra, que é a importância do Santo Rosário para consolidação do Cristianismo na Amazônia e em Itacoatiara. E assim nos fala:

“O Santo Rosário sempre se revelou forte no mundo inteiro, é tradicional na Amazônia e se sobressai muito no Município de Itacoatiara. É uma oração mariana muito recomendada pela Igreja Católica ao longo dos séculos”.

O Autor nos informa que a devoção do povo itacoatiarense a Nossa Senhora do Rosário vem de 1683, ano em que foi fundado no rio Madeira o núcleo originário desta cidade. Gomes, acertadamente afirma que:

“Além do Culto a Jesus, o Catolicismo incentivava o Culto à Virgem Maria e aos santos. A Igreja sempre venerou Maria como sua Mãe, e há uma razão lógica: ela é a Mãe de Jesus, Cabeça da Igreja”.

A obra de Francisco Gomes da Silva é riquíssima em informações históricas. Mas sempre há lugar para o Divino por intermédio da adoração da Santa Mãe de Deus e seus milagres. É assim ao relatar episódio ocorrido em 1791. A pequenina igreja foi devorada por um misterioso incêndio – sendo a imagem da Padroeira milagrosamente salva.

Durante toda a leitura do livro, o leitor vai tomar conhecimento dos mais importantes fatos históricos ocorridos primeiro na Província do Grão Pará e Maranhão. Posteriormente, no Grão Pará e Alto Rio Negro. Além de importantes considerações sobre o período Pombalino. Entretanto, Francisco Gomes, de maneira magistral, consegue sempre lembrar ao leitor a figura divinal de Maria, Mãe de Deus.

Por fim, tanto o autor como os leitores, percebemos que Nossa Senhora vela por todos e cada um de nós, como Mãe e com uma grande ternura, misericórdia e amor, e sempre nos incentiva a sentir seu olhar amável. Quem nos garante isso é o nosso atual Pontífice, Papa Francisco.

Parabéns ao historiador Francisco Gomes da Silva por sua obra que nos enriquece, tanto no aspecto teologal, na figura de Nossa Senhora do Rosário, como no aspecto histórico, com toda a gama de informações sobre a Amazônia.

Manaus, maio de 2022.



segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Elson Farias lança livro sobre Luiz Bacellar



O dia 9 de setembro assinala os 8 anos da morte do poeta Luiz Bacellar.