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sexta-feira, 22 de abril de 2022

As pedras doentes da rua do Fio – análise em podcast

 


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no Portal Entretextos.

sexta-feira, 18 de março de 2022

O Mal de Alzheimer como metáfora da devastação


Zemaria Pinto

 

How does it feel

To be on your own

With no direction home

Like a complete unknown

Like a rolling stone?[1]

(Bob Dylan)

 

As pedras doentes da rua do Fio[2] é o primeiro romance de João Pinto, reconhecido contista piauiense, radicado em Manaus há mais de 40 anos, autor de Luzes esvaídas (1991), O ditador da terra do sol (2002) e Contos de uma aula no vermelho (2011). O romance tem por tema central o Mal de Alzheimer, assunto que tem atraído muitos autores, desafiados pelas dificuldades impostas pela doença.

Ficção sobre doenças, aliás, não é nenhuma novidade. O título deste artigo toma emprestada uma ideia de Susan Sontag, que escreveu o ensaio A doença como metáfora[3] (Illness as metaphor, 1978), onde examina a literatura que tematiza a tuberculose e o câncer. O Mal de Alzheimer – também chamado doença de Alzheimer ou, simplesmente, Alzheimer – tem sido bastante explorado pela literatura.

No plano internacional, o termômetro é o cinema: quatro filmes de muita repercussão nos últimos 20 anos foram originados da literatura de ficção, tendo o Alzheimer por protagonista – Iris (2001), Diário de uma paixão (2004), Para sempre Alice (2014) e Meu pai (2020). Os dois últimos proporcionaram a seus intérpretes, Juliane Moore e Antony Hopkins, inúmeros prêmios de melhor atriz/ator, inclusive o Oscar. Mas, entre outros, não posso deixar de mencionar Amor (2012), um roteiro original. E quem disse que roteiros de cinema não são literatura?  

        Antes, uma palavra incômoda. Seria muito conveniente me omitir sobre o assunto, mas não seria honesto. A edição da Caravana Grupo Editorial é muito ruim. Desde a revisão até a organização dos capítulos. A apontada falta de nexo entre a primeira e a segunda parte, não é um problema autoral, mas editorial. A revisão é péssima, com erros crassos que nem o professor narrador e nem o professor autor cometeriam em sã consciência. Edição amadora. Publicar não é só imprimir.

 

Um narrador problemático

O romance, narrado em primeira pessoa, manifesta o terror pela doença porque o narrador, por herança genética, considera-se predestinado a ela: sua mãe e duas tias são as “pedras doentes” do título. Mas o que ele – identificado como João Pintoroco, João Vinvim e João Ester – não sabe é que sua narrativa já está sob o efeito da doença, sendo conduzido por ela. Isso o torna um narrador indigno da confiança do leitor, problemático, sob todos os aspectos, deixando-se levar por um fluxo de consciência que mistura memórias muito antigas e lembranças recentes, num diálogo com a personagem identificada apenas como Menina, sobre a qual não temos nenhuma certeza de sua existência real ou se é invenção do narrador, um artifício para fazer fluir a narrativa.

Os limites entre memória e invenção desaparecem, mas, aos poucos, vamos entendendo quem é aquele João narrador.

Professor em Manaus e Manicoré, cidades que, muitas vezes, generaliza como Amazônia, ele vai costurando retalhos de sua vida para Menina, prostituta que conhecera em Luzilândia, no Piauí, região do rio Parnaíba, sua terra natal, onde agora os dois se encontram, ele já aposentado e ocupado em explodir as saúvas que infestam seu quintal, num claro paralelo com suas alunas amazônicas. A doença, aliás, desperta a libido de Vinvim, bem como sua insaciável sede alcoólica. E as lembranças, na memória devastada, acumulam-se em um mosaico que vai de um terno lirismo à sórdidas cenas de zoofilia.

Vozes que ele ouve – de pessoas mortas – e mortos que se materializam, não tornam o romance filiado à literatura fantástica. Os mortos de João Pinto não têm nenhuma relação com os mortos de Rulfo ou de Veríssimo, mortos que, pela via do fantástico, materializam um paradoxal realismo. Os mortos da rua do Fio só existem na mente devastada de João Vinvim.    

 

Uma narrativa problemática

As pedras doentes da rua do Fio tem duas partes e dois narradores claramente definidos, embora sejam um só. A primeira parte, a referida conversa com Menina, é estruturada como um puzzle das memórias, verdadeiras ou fantasiadas, do narrador. A narrativa se fecha quando Magda, amante de Vinvim, o deixa para fazer a vida em Teresina. Solitário, Vinvim recolhe-se ao seu porão fantástico, onde ele assassinara Menina, mas, graças à intervenção da padroeira Luzia, ela volta à vida, costurada, como uma boneca de pano.

Se tivesse terminado neste ponto, teríamos uma boa ideia do efeito da doença sobre a mente de um professor e, mais que isso, de um escritor – pois estamos lendo sua narrativa, como fica claro na segunda parte. Mas esta é uma narrativa problemática – e aqui uso a palavra no stricto sensu – pois, entre outros problemas, a passagem abrupta da primeira para a segunda parte desnorteia o leitor.

Hitchcock divertia-se com os enigmas que criava a partir de algo absolutamente sem importância, que ele chamava de MacGuffin, termo anterior, popularizado pelo diretor inglês. MacGuffin, especialmente nos filmes de suspense, é algo que se procura, mas que não tem importância nenhuma para a trama – aliás, muitas vezes nem é encontrado. Um MacGuffin clássico, fora do universo hitchcockiano, é o Rosebud de Cidadão Kane. O MacGuffin de João Pinto é um baú fantástico, que muda de tamanho de acordo com as necessidades da narrativa.

Ambientada em Manaus, Manicoré e finalizando em Luzilândia, esta segunda parte começa no tempo em que Vinvim, que assinava “poesias” com o nome de João Ester, ainda era professor na “Amazônia”. Às vésperas de voltar para o Piauí, ele tem o seu baú fantástico roubado, iniciando uma perseguição inusitada a si próprio – ou a seu duplo – e relembrando situações do passado.

Trata-se de uma estratégia para, pela via da devastação provocada pela doença na mente do narrador, unir o passado e o presente, pois ele é menos que uma sombra, sem nenhuma densidade física, rarefeito, invisível, transparente – mas, absolutamente onisciente. O que é um paradoxo, pois um narrador protagonista não pode ser onisciente – ou estamos falando de um demiurgo?

 Mariana, sua aluna de Manicoré, faz o contraponto feminino nesta parte e, mesmo depois de abandoná-lo e ir para Porto Velho, quando ele toma o caminho para Luzilândia, ela se materializa para ele, como um arrimo permanente.

Uma questão básica sobre a doença, que não é levada em conta, é que o Mal de Alzheimer é, sobretudo, um processo de perda. Assim, a segunda parte, que é um acúmulo de lembranças, fica desconectada da narrativa descarnada da primeira parte. E ainda integrando o processo de perda, a memória e a linguagem são as primeiras características do doente a serem afetadas, mas o narrador não acusa o golpe, pelo contrário: ainda que misture memória e fantasia, sua linguagem mantém a tensão poética, literária.

 

A metáfora da devastação

Em síntese, temos um narrador muito interessante, na primeira parte; um narrador confuso, na segunda parte – e uma narrativa que é um reflexo desses narradores: ora brilhante ora confusa ora apenas funcional. Pergunto-me se não é essa perplexidade que o narrador quer causar no leitor, provocando-o, como a dizer, do alto de sua inverossímil onisciência, decifra-me ou te devoro.

O mais importante é que João Pinto construiu um João narrador que nos faz pensar em nossa frágil temporalidade. Muito além da literatura, temos, em As pedras doentes da rua do Fio, um documento palpável da finitude e da provisoriedade da vida – devastável, a qualquer instante –, o que me faz pensar que, num contraponto às pedras doentes, pedras que rolam não criam limo. Está aí o poeta Bob Dylan que não me deixa mentir. 



[1] Fragmento de “Like a rolling stone”, de Bob Dylan, do álbum Highway 61 Revisited (1965). Em tradução livre: Como você se sente / Estando por sua conta / Sem direção para casa / Como uma completa desconhecida / Como uma pedra rolando?

[2] PINTO, João. As pedras doentes da rua do Fio. Belo Horizonte: Caravana, 2019.

[3] SONTAG, Susan. A doença como metáfora. Tradução: Márcio Ramalho. Rio de Janeiro: Graal, 1984.


sábado, 15 de setembro de 2012

Ao poeta Bacellar

João Pinto



Amor, eu já sabia que ao subir aqueles degraus na Joaquim Nabuco, teria na minha presença um defunto cheio de novidades. Um top criativo das metáforas.

E há essa coisa de todo mundo atrás de morto: a gente diminui os passos e olha os viventes ao lado no velório. É outro contexto sentimental. Ninguém acredita na morte daquele defunto que, antes, a gente copulava na conversa. Num papo de alegria. Ou que um dia se tenha almoçado juntos no Samaúma.

Com o vivo que, agora, se passava para regime de estático. E que antes o contexto dos nossos olhos era ver a vida como o grande espetáculo: o som das coisas, a neblina do sol e todo dia o amanhã amanhecer. E ouvir nas manchetes dos jornais o desvario que os homens maus deixam como legado.

Pois bem, o salão estava completo de pessoas e muitas coroas ao lado dele. De repente ao chegar perto do caixão, eu deveria fazer um gesto de carinho nele. Coisa que nunca havia feito senão bater no ombro dele e apertar as suas mãos.

E fiquei com medo de fazer tal carinho. Se fosse beijá-lo na testa, o gesto talvez chamasse atenção. Sofria pra burro.

E, num instante, eu tinha que aproveitar o momento, pois estava sozinho diante do caixão. E levei a mão direita por cima das duas mãos geladas dele. E disse a ele: Estou aqui para te ver. E acarinhava com as mãos as duas mãozinhas pequenas dele.

O rosto dele estava encolhido e sua urna parecia uma concha de brinquedo. E parecia mais um brinquedo lúdico no meio da poeira dos homens. E por que se morre? Para a gente despejar a nossa poeira de peles numa cova.

Seus olhos estavam apagados. Alguém havia fechado os queixos, os homens da funerária sabiam dar um molde de beleza à morte para disfarçar o óbvio.

Depois sentei num banco e espiei tudo no salão. O ar refrigerado tocava o caixão dele. Mas sua face cor de cadáver mesmo se mantinha inalterada. E ele queria sua paz junto àquelas flores. Junto aos amigos.

Depois desci as escadas. E pensei que aquele poeta descendente de maranhense tinha vivido além do seu hipotálamo. Gostava de livros e música. Fumava para ver na fumaça que saía do cigarro para sentir as rimas mais criativas dos produtos das feiras da sua cidade. E, quando chegasse ao paraíso dos outros poetas sumidos dos copos de bebida, do colete do paletó tocaria na sua flauta de barro.
 
Luiz Bacellar, em dezembro de 2008, num de seus pontos favoritos: o Pina Lanchonete.
Foto: Áureo Lúcio Souza.

 

 

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Contos de uma aula no vermelho

Contos de uma aula no vermelho será lançado
nesta quarta-feira, 09/11, às 19h,
na Saraiva MegaStore.

Só escreve com efeito fulminante quem tem conhecimento de causa. Assim é o contista João Pinto, autor dos livros de contos Luzes esvaídas (Teresina, 1991) e O ditador na Terra do Sol (Manaus, 2002). O leitor não sai da leitura da mesma forma. Inovador é pouco. Um experimentador de novas formas. Não o contista experimental. Maduro na arte. Contos de uma aula no vermelho arrastam o leitor para novas possibilidades expressivas: a marcação da vírgula, quando assim o escritor quer. O leitor sente o estranhamento e a advertência.

O anacoluto e a fragmentação são as recorrências amiúdes que não deixam o leitor no sossego. “Fico ao lado do caixão para ver a anatomia de um professor morto”. A anatomia do conto, olhar vesgo e amargo do trabalho de carpintaria, do remador, do oleiro no desempenho e desempeno da feitura do objeto. 

“Uma caneta contra a minha escola”. A sentença remete o leitor ao dilema existencial do professor. O apontador deambula no quadro de todos os contos de uma aula no vermelho. Os contos espelham a sensação da incompletude e do desespero do escrevinhador, devolve-os como quem migra. A metáfora de cada conto, uma obra em construção, que se completa no ato finito que é a linguagem. 

O professor e o contista se reconhecem – duas vozes em uníssono – o social e o estético se entrecruzam surpreendentemente, tecendo a teia do fabulador no permanente flerte-flashe da vida. O conto do João – o vinho no balanço da taça encorpando o gosto no contato leve com o vidro e os lábios. O contista, qual o padeiro entre o forno e a fôrma; ou o ferrageiro entre a forja e a bigorna. Trabalha até obter o fascínio do objeto. Um deleite e um desafio para o leitor: 19 contos-aula, que nocauteado pelas lições de vida, resumidos numa mesma personagem. 

(Luiz Romero de Lima, na apresentação do livro)



Sobre o autor


João Pinto é contista do Piauí, nasceu em 1951, em Luzilândia, vive no Amazonas desde 1979, e sempre foi professor na Rede Estadual de Ensino, dando aula de Língua Portuguesa e Literatura, formou-se em Letras pela Universidade da Paraíba. É em João Pessoa, na década de 70, que se lança como contista no suplemento literário Correio das Artes. Em trinta anos com a arte de fazer contos, já lançou três livros Luzes Esvaídas (pelo projeto Petrônio Portela, Teresina, PI), O ditador da terra do sol (Editora Valer, Projeto Valores da Terra) e Contos de uma aula no vermelho (livraria Valer, com pré-lançamento na Escola Senador João Bosco, Cidade Nova, em 2010). Na década de 90, venceu o concurso de contos do Curso de Letras e Língua Portuguesa da Universidade do Amazonas. 

O livro em questão, Contos de uma aula no vermelho, apresenta-se com 19 contos num universo de 124 páginas. O tema principal da obra retrata a sala de aula, questionando as mazelas do ensino brasileiro com uma linguagem bem elaborada e criativa, que sempre foi o estilo do autor, não só neste novo livro mas também em toda a sua obra contista, que até já escreveu. O comentário a seguir, de Hildeberto Barbosa Filho, crítico e poeta paraibano, define bem a obra: 

Ando lendo seus Contos de uma Aula no Vermelho. Vejo que o velho artífice no manejo da linguagem continua o mesmo, desde aquele livrinho de estreia. Só que agora inteiramente maturado pelo tempo e pela experiência. Você trata o idioma como se polisse a textura de um cristal, como se buscasse, nessa estranha empreitada, novos encaixes para as palavras, novas possibilidades de deslocamentos e condensações para que elas sugiram. Como na poesia e à Mallarmé, significações surpreendentes e inesperadas. As aspirais que você modula em torno do tempo, a fragmentação da frase, os cortes abruptos de perspectiva, enfim, o jogo incandescente das metáforas e, sobretudo, o impacto dos anacolutos, faz de sua prosa não somente uma modelar vivência da forma, mas pura formatividade, para me valer de uma expressão de Luigi Pareyzon. Também aprecio o apelo social da temática, na sua unidade de substância e na sua singularidade pragmática. A consciência do professor não elide a consciência do esteta. Sem mais, por enquanto. Meu grande abraço.
(Hildeberto Barbosa Filho)


domingo, 17 de julho de 2011

Editora Valer no Prêmio Jabuti 2011

A Editora Valer participa do Prêmio Jabuti 2011. A Editora concorre ao prêmio com três livros: “Formosa – a sementinha voadora”, de Wilson Nogueira; “A cidade perdida dos meninos-peixes”, de Zemaria Pinto; e “Contos de uma aula no vermelho”, de João Pinto.

Com o objetivo de promover a literatura que se produz no Amazonas e os autores da terra, a Editora Valer concorre ao PRÊMIO JABUTI 2011. A participação amazonense será em três categorias, com participação dos escritores Zemaria Pinto, Wilson Nogueira e João Pinto.

A participação da Valer no Prêmio contribuirá para por em destaque a produção literária regional, pondo em evidência e ajudando na divulgação das obras e autores amazonenses. A Valer inscreveu no PRÊMIO as seguintes obras e autores:

1. Categoria: Melhor Livro Infantil:
– “Formosa – a sementinha voadora” – do jornalista e escritor Wilson Nogueira

Formosa – A sementinha voadora é o segundo livro infantil do jornalista Wilson Nogueira. Trata-se de uma narrativa delicada sobre as experiências de uma pequenina semente de samaumeira que, ao se desprender do fruto, é levada pelo vento e inicia uma viagem por paisagens desconhecidas e lugares distantes. Publicado pela Editora Valer, Formosa é um livro especial, escrito numa linguagem simples e cheio de lições de vida, em que o autor fala de temas como solidariedade, amizade, cuidado com a natureza, coragem e aprendizagem.
A história de Formosa é uma metáfora da própria existência, manifesta na trajetória do ser humano, que vive muitos desafios do seu nascimento até amadurecer e adquirir segurança, como a sementinha voadora, que, após rodear “o mundo”, será plantada e se transformará numa bela samaumeira, e “dará muitas frutas e sementes!”. As duas palavras que melhor expressam essa história e definem este livro são: poesia e humanidade. Formosa é uma obra que encanta e comove pela sua delicadeza e conteúdo humano.
Nascido na beira do rio Amazonas, em Parintins, Wilson Nogueira conviveu em criança com os bichos, as plantas, os pássaros e as histórias de encantados. Foi o aprendizado da leitura, entretanto, que mudou o curso da sua vida. Experiência que tornou possível o acesso ao conhecimento, à educação escolar e, hoje, aos estudos acadêmicos.
O autor
Wilson Nogueira é jornalista, sociólogo, escritor, Especialista Design, Propaganda e Marketing e Mestre em Sociedade e Cultura, pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). É autor dos livros Órfãos das Águas, O andaluz (2005), Festas Amazônicas – boi-bumbá, ciranda e sairé (2009) e Formosa, a sementinha voadora (2010), todos publicados pela Editora Valer.

2. Categoria: Melhor Livro Juvenil:
– “A cidade perdida dos meninos-peixes” – do poeta e prosador Zemaria Pinto.
Em seu décimo-primeiro livro, A Cidade perdida dos meninos-peixes, Zemaria Pinto expõe de forma reflexiva a narrativa da lenda do povo-água que por sua vez era possuidora da lenda do povo-terra com “atualizações” do mundo moderno. Dessa forma o autor faz uma crítica da realidade contemporânea, ao apresentar a crise do mundo em seus aspectos ambientais e sociais. Em uma passagem da obra, Zemaria apresenta o cenário em que desenrola a narrativa:
Na imensidão do mar-oceano ou nas profundezas dos grandes rios existem vestígios de antigas civilizações que não migraram para a terra, mas cumpriram ali todos os estágios da evolução. São cidades inteiras que se desenvolveram sob as águas, dando motivos para muitas histórias, que, de tão repetidas e transformadas, tornaram-se lendas. No Amazonas, por exemplo, a Iara é uma dessas lendas: uma bela moça, que em noites de luar emerge para encantar os pescadores, levando-os para seu reino, no fundo dos rios. O boto conquistador é um rapaz que freqüenta as festas no interior e, após seduzir as mocinhas ingênuas, desaparece nas águas escuras dos rios amazônicos. Essas lendas fundamentam-se em casos que são passados segundo uma tradição oral, que se renova sempre e sempre.
O autor
Ensaísta, dramaturgo e poeta, Zemaria Pinto é professor de Teoria da Literatura e de Literatura Brasileira. Além de inúmeras palestras sobre literatura, tem ministrado oficinas e cursos, com destaque para a poesia. Tem onze livros publicados: dois de poemas (Fragmentos de silêncio – 1995 e Música para surdos – 2001), dois de haicais (Corpoenigma – 1994 e Dabacuri – 2004); uma peça de teatro (Nós, Medéia – 2003), dois de ensaios para o vestibular (em 2000 e 2001, em parceria com o professor Marcos Frederico Krüger), organização de poemas de Octávio Sarmento (A Uiara & outros poemas – 2007) e um de teoria literária (O texto nu – 2009), além do recém-lançado ensaio O conto no Amazonas – 2011. Próximos lançamentos: O beija-flor e o gavião (juvenil), Viagens na casa do meu avô (infantil), O urubu albino (infantil) e Lira da madrugada (ensaio). Peças de teatro: Papai cumpriu sua missão, Diante da justiça e O beija-flor e o gavião (encenadas); Nós, Medéia, A cidade perdida dos meninos-peixes (versão para o palco), Otelo solo e Cenas da vida banal (inéditas). É membro da Academia Amazonense de Letras.

3. Categoria: Melhor Livro de Contos e Crônicas:
     – “Contos de uma aula no vermelho” – do escritor João Pinto

Em Contos de uma aula no vermelho o efeito é fulminante. Só escreve dessa maneira quem tem conhecimento de causa. Assim é o contista João Pinto, para quem deseja uma leitura de impacto. O leitor não sai da leitura da mesma forma. Inovador é pouco. Um experimentador de novas formas. Não o contista experimental. Maduro na arte. Seus contos arrastam o leitor para novas possibilidades expressivas: a marcação da vírgula, quando assim o escritor quer. O leitor sente o estranhamento e a advertência. O anacoluto e a fragmentação são as recorrências amiúdes que não deixam o leitor no sossego. “Fico ao lado do caixão para ver a anatomia de um professor morto”. A anatomia do conto, olhar vesgo e amargo do trabalho de carpintaria, do remador, do oleiro no desempenho e desempeno da feitura do objeto. “Uma caneta contra a minha escola”. A sentença remete o leitor ao dilema existencial do professor. O apontador deambula no quadro de todos os contos de uma aula no vermelho.
Os contos espelham a sensação da incompletude e do desespero do escrevinhador, devolve-os como quem migra. A metáfora de cada conto, uma obra em construção, que se completa no ato finito que é a linguagem. O professor e o contista se reconhecem – duas vozes em uníssono – o social e o estético se entrecruzam surpreendentemente, tecendo a teia do fabulador no permanente flerte-flashe da vida. O conto do João – o vinho no balanço da taça encorpando o gosto no contato leve com o vidro e os lábios. O contista, qual o padeiro entre o forno e a fôrma; ou o ferrageiro entre a forja e a bigorna. Trabalha até obter o fascínio do objeto. Um deleite e um desafio para o leitor: 19 contos-aula, que nocauteado pelas lições de vida, resumidos numa mesma personagem.
O autor
João Pinto vai se firmando como escritor de primeira linha. É vencedor do Concurso de Contos do Departamento de Letras e Língua Portuguesa da Universidade do Amazonas, com o conto “O crime da Zezé”, cuja ação se passa durante o ciclo da carnaúba no Piauí e mostra ao público amazonense o estilo pessoal e agressivo do autor. Formado em Letras pela Universidade Federal do Piauí, trabalha como professor de Língua Portuguesa e Literatura em escolas da cidade de Manaus.