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Lourenço dos Santos Pereira Braga, advogado, primeiro Reitor da UEA, ocupou inúmeros cargos públicos. Foi eleito para a Cadeira 5, antes ocupada pelo poeta e prosador Almir Diniz. |
segunda-feira, 12 de maio de 2025
Academia Amazonense de Letras elege dois novos membros
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
A poesia é necessária?
Paisagem
aquática
Almir
Diniz (1929-2021)
Imaginei-me
poeta
quando me vi
remar sonhos
na igarité
das ideias
singrando o
líquido dorso
dos lagos de
minha infância:
– o do Rei e
o Marajá –
bordados de
canarana
e lendas de
cobra-grande
e ilhas de
matupá
de bubuia
contra o vento
nas asas do
meu momento.
De passagem,
as oiranas
povoadas de
ciganas
compunham a
valsa da vida
no dolente
baticum
dos remos
tangendo notas
nas falcas
do casco leve
feito de
louro-gamela,
fendendo o
doce mistério
da ternura
adolescente,
na corrente
e nos sonidos
dos paranás
dos meus idos.
No remanso e
no rebojo
o meu remo
garimpava
salpicos de
melodia
vertendo
brilhos difusos
que iam
tingir de prata
os fornos
esmeraldinos
da deusa
vitória-régia
repletos de
jaçanãs,
falenas,
socós, intãs,
de aruás e
de magia
a semear
poesia.
A viagem dos
cardumes,
demandando
corredeiras,
em fúria
reprodutiva
desabrochava
em minha alma
uns pendões
de melodia
permeando de
perfumes
as flores da
inspiração
nos domínios
da ilusão,
nos teclados
da estesia.
Dos frisos
das piracemas
nasciam
belos poemas.
Imaginei-me
um esteta,
pintor
nativo, um aedo,
quando vinha
a primavera,
ouvindo do
passaredo
suaves
canções nativas
de japiins,
sabiás,
canários e
curiós,
rouxinóis,
uirapurus
saudando
manhãs de luz,
a alma de
sons vestida,
os olhos
tecendo a vida.
O sol vindo
desatava
clarões de
rara beleza
tingindo de
luz nenúfares,
sensitiva,
mururés,
e os curvos
pendões dourados
de
arroz-brabo e canarana
atraindo a
passarada
ao repasto
matinal.
Então o
vento lançava
chuva de
grãos saciando
a piracema
passando.
sexta-feira, 17 de novembro de 2023
Lira da Madrugada – Almir Diniz 5/15
Zemaria
Pinto
Ficha biobibliográfica
Autor: Almir Diniz
Nome
completo: Almir Diniz de Carvalho
Naturalidade:
Cambixe, município de Careiro da Várzea – AM
Nascimento:
6 de novembro de 1929
Falecimento:
28 de maio de 2021
Obra
poética:
· Encontros com
a natureza (1996)
· Caminhos da
alma (1996)
·
Corpo de mulher (1996)
· Andanças
poéticas (1997)
· Os deuses (1998)
· O elogio do
caboclo (1998)
· Floradas da
alma (2000)
· Plumas
humanas (2000)
· Algemas de
ternura (2001)
· Floradas do
corpo (2001)
· Corações em
chamas (2002)
· Magia e
sedução (2010)
· Melodia pagã (2011)
· Minha roça de
urtigas (2011)
· Mulheres (2011)
· Pétalas e
penas (2012)
· O jardim da
minha mãe (2014)
TRISTEZA
Cavalgo, triste, meu
corcel alado
pelas pistas sem fim do
pensamento,
de rédea solta, solto meu
lamento,
meu protesto, de lágrimas
molhado.
Galopando sem rumo, e
magoado,
carpindo no selim meu sofrimento,
chego a pensar que todo
este tormento
é mero sonho, e sonho
malfadado...
Mas, se passo trotando
contra o vento
e ouço um tropel alegre
pelo prado,
aperto o arreio... sei...
eis-me acordado!
Ai, sim, sofro a dor que
me vai dentro,
essa dor, que mais dói,
sem ferimento,
que as feridas de todo
meu passado!
É espantosa a
concentração de títulos de Almir Diniz, no gênero poético: dezessete, em
dezesseis anos. O autor nos explica que essa poesia veio sendo construída,
lentamente, desde a juventude, na segunda metade dos anos 1940, até os dias de
hoje. É uma poesia em que à simplicidade se alia uma grande precisão técnica,
calcada na reflexão sobre o homem amazônico e a exuberante natureza que o
cerca, externando o sentimento que lhe vai n’alma, porque “ninguém doma um
coração de poeta”, como cantou o grande Augusto, dos anjos e dos demônios.
A rigor, mesmo
pertencendo, do ponto de vista cronológico, à geração Madrugada, Almir Diniz
não militou no Clube. E seus livros começaram a vir à luz quando o Clube já não
mais existia. Antes disso, apenas publicações esparsas, em jornais e revistas.
Mas isso são detalhes que não o excluem de uma apreciação rigorosa da poesia da
época.
O poema “Tristeza”, do
livro Caminhos da alma, representa
uma síntese da poesia de Almir Diniz: entre o telúrico e o urbano, o lúdico e o
sentimental, o poeta constrói, sem invencionices, uma poesia que a um só tempo
comunica e comove – no sentido mais primitivo desta palavra: promover
deslocamento, agitar com força. A poesia de Almir Diniz nos coloca no centro da
vida cabocla – seja do caboclo lavrador, campônio e campeiro, seja do caboclo
intelectual, afeito às lides da política, do direito e do jornalismo. Almir
Diniz, advogado, ex-prefeito, jornalista premiado, fazendeiro – de plantar e de
criar –, traz na pele acobreada as marcas dessa vivência múltipla.
No poema em tela, o
corcel alado que o eu lírico cavalga é uma metáfora para um permanente estado
de poesia. O eu lírico está possuído pela poesia. Mas, ao contrário do uso que
se faz nas religiões afro-brasileiras, onde o cavalo é a pessoa que recebe o espírito,
Almir Diniz coloca o poeta a cavalgar o cavalo-poesia, “pelas pistas sem fim do
pensamento”, abrindo todas as possibilidades para esse encontro com o
cavaleiro-poeta.
A “rédea solta” em plena
cavalgada, uma situação de risco, é uma metáfora para o estado de desespero em
que o eu lírico de encontra, pontuado pelos substantivos que se lhe seguem –
lamento, protesto, lágrimas –, de alguma forma relacionados com a decisão
intempestiva de manter a rédea solta, com todos os riscos advindos dessa
decisão. Basta-nos esta primeira quadra, para ilustrar o que dissemos da
composição como síntese: a metáfora do corcel a cavalgar é telúrica; se o
corcel é alado, acrescentamos o elemento lúdico; pistas, substituindo estradas
ou mesmo caminhos, ambas de caráter rural, é o elemento urbano que se
acrescenta ao poema; por fim, o toque sentimental é dado pela expressão física
daquele momento – o lamento-protesto “de lágrimas molhado”.
Na segunda estrofe, a
confusão mental do eu lírico, em função do desespero em que se encontra –
“galopando sem rumo” –, o faz pensar que ele vive um pesadelo, um “sonho
malfadado”. No terceto que se segue, o eu lírico esclarece a si mesmo – e ao
leitor – que seu estado é de plena vigília, contrapondo as imagens de si mesmo
“trotando contra o vento” com o sentido atento para um “tropel alegre pelo
prado”. Essa superposição do lúdico com o real, do metafórico com o banal
cotidiano garante o tensionamento da nota poética: se não houvesse o lúdico, o
metafórico, estaríamos diante de um texto prosaico. Não é o caso,
absolutamente.
A última estrofe coloca o
eu lírico de volta à realidade da qual ele escapara pelas artes da poesia: não
mais corcel alado, não mais rédeas soltas, não mais galope sem rumo. Apenas a
consciência da dor que dói “sem ferimento”. Essa dor presente que sentimos
todos, sempre que pensamos sobre o nosso estar-no-mundo. Como refletiu com
sublimidade o filósofo Schopenhauer,
Reproduzem-se na poesia lírica do genuíno poeta o íntimo da humanidade
inteira e tudo o que milhões de homens passados, presentes e futuros sentiram e
sentirão nas mesmas situações, visto que retornam continuamente, e ali
encontram a sua expressão apropriada. [...] O poeta é o espelho da humanidade,
e traz à consciência dela o que ela sente e pratica.[1]
Esta é apenas uma amostra
colhida no universo da poesia de Almir Diniz. Poesia cheia de verdade, mas
também vibrante na sua tensão lúdica, pois é disso que se faz o poema – da vida
reinventada, amalgamada nos quatro elementos: o fogo fundindo a mistura de
barro e de água, resultados do sopro do vento.
[1] SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. 1.º tomo. Tradução: Jair
Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 328-329.
quinta-feira, 13 de outubro de 2022
A poesia é necessária?
Tristeza
Almir
Diniz (1929-2021)
Cavalgo,
triste, meu corcel alado
Pelas pistas
sem fim do pensamento,
De rédea
solta, solto meu lamento,
Meu protesto
de lágrimas molhado.
Galopando
sem rumo, e magoado,
Carpindo no
selim meu sofrimento,
Chego a
pensar que todo este tormento
É mero
sonho, e sonho malfadado...
Mas, se
passo trotando contra o vento
E ouço um
tropel alegre pelo prado,
Aperto o
arreio... sem... eis-me acordado!
Aí, sim,
sofro a dor que me vai dentro,
Essa dor que
mais dói, sem ferimento,
Que as
feridas de todo o meu passado!
sexta-feira, 4 de junho de 2021
Almir Diniz, pintor da natureza amazônica
Zemaria
Pinto
Aos 89 anos e após 16 livros de poesia em apenas 16 anos, Almir Diniz continua a nos surpreender. Neste novo livro, O jardim da minha mãe, temos poemas que vão desde a adolescência, datados que são da década de 1940, até poemas da plena maturidade, como aqueles produzidos nos dois ou três últimos anos. A datação, aliás, nos permite acompanhar a trajetória de Almir Diniz – essencialmente lírica, tendo por substância o homem, a água e a terra amazônicos –, observando o seu modus operandi: poesia construída sobre imagens, plena de cores, fazendo justiça à exuberância natural de onde ela emana – a floresta amazônica.
Vitrais – aquáticos, terrenos, mágicos – são
a metáfora perfeita para designar essa poesia que se consubstancia na paisagem amazônica,
sem perder a literariedade, pois Almir Diniz é também um artífice da palavra,
buscando sempre o encanto das organizações simétricas na construção das
estrofes, onde a melodia flui nas assonâncias e aliterações, sempre amparadas
por rimas, internas e externas, que fazem vibrar as notas de cada canção, em
serenos metros decassílabos ou em vivas redondilhas, como neste Paisagem aquática, poema da maturidade,
onde o fazer poético tangencia o banal cotidiano do caboclo em sinestesias
raras:
Imaginei-me poeta
quando me vi remar sonhos
na igarité das ideias
singrando o líquido dorso
dos lagos de minha infância:
– o do Rei e o Marajá –
bordados de canarana
e lendas de cobra-grande
e ilhas de matupá
de bubuia contra o vento
nas asas do meu momento.
(...)
Imaginei-me um esteta,
pintor nativo, um aedo,
quando vinha a primavera,
ouvindo do passaredo
suaves canções nativas
de japiins, sabiás,
canários e curiós,
rouxinóis, uirapurus
saudando manhãs de luz,
a alma de sons vestida,
os olhos tecendo a vida.
A par do elemento sensual – a cabocla
canoeira “quando rema faz afago” –, tão presente em outros livros de Almir
Diniz, prevalece, neste, o elemento mítico, quando a sabedoria ancestral paira
sobre qualquer conhecimento científico. Como um velho pajé, Diniz pontifica,
pessoanamente: “É preciso ler no mito / o que ele tem de infinito”. Se o mito é
“o nada que é tudo”, há de o ser!
O
jardim da minha mãe, terra de delicadezas e ressonâncias
míticas, é obra de poeta maduro, que conhece os caminhos e seus percalços, mas
sabe como chegar ao destino, com segurança. Sonora e cromática, a poesia de
Almir Diniz se assemelha ao movimento da piracema, quando os peixes nadam no
sentido inverso da corrente, buscando a reprodução e a desova, como se não
existissem a não ser para retornar. O brilho deles contra a luz do sol lembra
efeitos arquitetônicos que se esvaem no ar, mas o poeta os percebe na
fugacidade do instante:
Os frisos da piracema
de tão belos se assemelham
a ondas de luz de um poema.
A poesia de Almir Diniz é assim: está
sempre voltando a si mesma, como os peixes na piracema – para se multiplicar,
até o infinito.
(Apresentação do livro O jardim da minha mãe, de Almir Diniz – Manaus: Reggo/AAL, 2018)
quinta-feira, 3 de junho de 2021
A poesia é necessária?
O
jardim da minha mãe
Almir
Diniz (1929-2021)
Hoje,
voltei ao jardim,
ao
que restou do jardim
que
fora teu santuário.
Olha:
foram dolorosas
as
recordações das rosas,
que
as tinhas sempre formosas
em
tão belo relicário.
Mãe:
senti no coração
tanta
dor, tal comoção
e
tão imenso desgosto
que,
cheio de pasmo e espanto,
refugiei-me
num canto
pensando
esconder o pranto
que
escorria do meu rosto.
Nem
um só cravo ou begônia,
um
simples cróton – vergonha! –,
angélica,
ou bem-me-quer,
nem
uma simples verbena,
mesmo
uma rosa pequena,
um
lírio ou uma açucena,
nem
uma dália sequer.
E
os crisântemos doirados,
os
bogaris perfumados,
girassol
e margarida,
as
papoilas, laranjinha,
os
jasmins que tantos tinha,
nove-horas,
a flor rainha...
morreram,
por ti, querida.
A
bela-da-noite, a zina,
cana-da-índia,
a cravina,
igualmente
– que maldade! –
Sabe,
Lídia, eu tenho medo,
vou
revelar-te um segredo:
cuidar
dele? – sou um aedo,
só
sei cuidar de saudade...
Refazer
o teu jardim?
Não
posso, Mãe, – ai de mim! –
Como
iria, enfim, fazê-lo?
Sem
teu olhar maternal
sem
tuas mãos sem igual,
como
fazer, afinal?
Não
posso – falta o teu zelo.
Mas,
sabe o que vou fazer?
Já
que não posso esquecer
teu
sonho que vive em mim?
Em
volta do teu solar
vou
refazer o pomar,
onde
sempre ias orar
após
saudar tem jardim.
E
quando o tempo chegar
do
cacau, caju, da ingá,
da
graviola e mamão...
em
vez de rosas, querida,
terás
a mesa sortida
de
tantas frutas, de vida:
ao
centro teu coração!
Cambixe,
AM, 11/6/2004.
sexta-feira, 28 de maio de 2021
Almir Diniz (6/11/1929 – 28/5/2021)
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Almir Diniz, solene, no traje acadêmico. |
Almir Diniz, aos 28 anos, jornalista premiado. |
Siga em frente, velho
amigo. Agora você é puro ar. Vá contar histórias para os anjos. Não lamentarei
a sua perda, porque você viveu intensamente. E continuará vivo no meu coração e
na minha mente. Até outro dia, caboco...
(ZmP)