Amigos do Fingidor

sexta-feira, 31 de julho de 2009

seguindo o romance


o homem encheu os bolsos da calça de pedrinhas e entrou nas águas do rio, decidido a acabar com a solidão. mas, sem que percebesse, as pedrinhas foram se libertando da possível cumplicidade, pelo furos nos bolsos.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Um mal bíblico: a certeza da exclusão social
João Bosco Botelho
Jesus cura um leproso.
Autor desconhecido.

Na história da humanidade, poucas doenças causaram tanta certeza antecipada do sofrimento e da exclusão social quanto a lepra. A palavra zaraath, oriunda da tradição oral do hebreu, apareceu no Antigo Testamento, entre os anos 587 e 538 a.C. As passagens descritas no Levítico, onde é encontrada, foram traduzidas equivocadamente para o grego, na Bíblia dos Setenta, destinada aos judeus da Dispersão, como sendo sinônimo de lepra. Posteriormente, a versão latina, a Vulgata, manteve a compreensão equivocada.

Mesmo com as dúvidas que persistem do real significado de zaraath, a expressão incorporou a marca do castigo de Deus.

Os leprosos identificados como agentes de ameaça coletiva à vida e rejeitados por todos, perambulavam sem destino em busca da sobrevivência. Por onde passavam, chacoalhavam as matracas, para alertar a infame condição.

Sob a terrível marca de uma doença ligada ao castigo divino, em poucos séculos, a lepra alcançou o Sudeste da Ásia, a Indonésia e o Leste do Japão. Transportada pelos exércitos de Dario e Alexandre, alcançou o Oeste e o Oriente. Os comerciantes fenícios contribuíram na difusão mediterrânea e as legiões romanas se encarregaram de propagá-la na Europa e no Oriente médio.

A lepra como a doença mais temida estava assentada, na Europa, no século XI. Naquele contexto, de miséria e fome, as fontes históricas são generosas para reafirmar os parâmetros da representação coletiva do medo dos leprosos.

Esse aspecto médico-social, na Europa medieval, envolveu pelo menos dois aspectos: o primeiro, pelo aumento assustador da prevalência, inclusive nas parcelas abastadas da população; o segundo, pela deformidade, em especial, nas partes visíveis do corpo, na face e nas mãos, impondo o pressuposto do castigo divino.

É notável o estreito elo entre a severa exclusão social e o controle sexual dos leprosos. Era corrente a aceitação da absoluta necessidade de controlar os impulsos da presumida sexualidade exacerbada dos doentes, impedindo o contato com o cônjuge ou eventuais parceiros.

Até a alta Idade Média, a busca dos culpados da lepra alcançou os judeus. Acusados das mais variadas conjuras, envenenamentos e feitiçarias, capazes de provocar a doença, milhares de famílias judias foram massacradas.

No medievo europeu cristianizado, permeando o pavor coletivo da lepra, a transcendente imagem de Jesus Cristo curando os leprosos instrumentalizou um dos mais consistentes símbolos da Nova Aliança, em torno de um Deus misericordioso, tolerante e bondoso. A reprodução da bondade de Jesus Cristo com os excluídos do convívio social, descrita pelos apóstolos, fincaram as bases da caridade cristã voltada à assistência aos sofredores, com os leprosos constituindo a maioria.

Como manifestação da caridade, os hospitais cristianizados foram incorporados às abadias, constituindo parte essencial do convívio religioso. Um dos exemplos marcantes é o monastério de São Gal, do século IX, na França, com o infirmarium, para abrigar os religiosos doentes; o leprosário e o hospitale pauperum, dos pobres e peregrinos.

A Igreja, sempre atenta às tensões sociais, no Terceiro Concílio de Latrão (1179), sob o pontificado de Alexandre III (1159 -1181), escolheu os leprosos para receberem tratamento especial. Na mesma ocasião, foi criada a Ordem de São Lázaro, para dar cumprimento às ordens conciliares.

Bastava a denúncia de vizinho ou parente para que fosse iniciado o rápido processo de julgamento, em tribunais especiais, constituídos por laicos e religiosos. Se a pessoa fosse considerada culpada de ser leprosa, seguia-se o imediato isolamento em um dos muitos Xenodochium disponíveis, administrados pelos religiosos das Ordens de São Lázaro, São João, dos Antoninos e do Espírito Santo.

No século XIII, na Europa, existiam mais de 19.000 Xenodochium pauperum, debilium et infirmorum, sendo a maior parte como leprosários, edificados com donativos de pessoas que associavam a prática da caridade à salvação pessoal.

Desse modo, na Europa medieval, os leprosos passaram da exclusão errante à exclusão fechada patrocinada pela caridade.
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quarta-feira, 29 de julho de 2009

Para Narciso Lobo (in memoriam)
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Querido Narciso:
contigo não parta o amigo
nem aquele sorriso.
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(Jorge Tufic)
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drops de pimenta 21


─ Pra que tudo isso? É só uma semana.
─ Ora, nunca se sabe...
─ É peso demais; se deixar a metade aposto como a gente nem vai sentir falta.
─ Tudo bem. Tira o que você quiser, menos o sonrisal.

(Zemaria Pinto)

terça-feira, 28 de julho de 2009

A rodovia


A rodovia estava repleta de buracos. Mas, mesmo assim, o Ministro sorria acreditando estar fazendo uma boa administração. E quando o carro em que trafegava caiu em um enorme buraco, ele saiu de lá dizendo que deveriam ter pelo menos sinalizado, já que sabiam que a comitiva governamental iria passar bem ali.

(Marco Adolfs)

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Caminhar
Tenório Telles


A vida não é um caminho fácil. É uma travessia repleta de desafios, em que somos chamados, a todo instante, a reafirmar convicções, valores e os sonhos que nos sustentam. Não sabemos de onde viemos, nem para onde vamos, mas, ainda assim, seguimos viagem, enfrentando tempestades, o furor das vagas e o desconhecido. Buscamos. Estamos sempre em busca de algo que dê sentido às nossas vidas, que nos proporcione alegria e contentamento, ainda que sejam tantas as dúvidas, os medos e as incertezas.

O fato é que somos impelidos a seguir. A vida, como um rio, segue sempre, embora seja difícil decifrarmos os mistérios de seu caminhar, as surpresas que nos esperam, as perdas e os naufrágios. Não há viagem sem percalços, enganos e desencontros. Dessas vivências, marcantes e dolorosas, nascem o aprendizado das coisas, a maturidade e o entendimento. Não há como crescer sem pagar o tributo necessário à vida. Por isso, trazemos no corpo e no ser as marcas dos embates que travamos nesse percurso pelas veredas do mundo.

Esse caminhar pela enigmática geografia da existência é um campo de provas. Nossa força e valores são testados; nossa fé e resistência são desafiadas cotidianamente. Essas experiências fazem parte do processo de depuração e fortalecimento de nossa têmpera, como o aço que adquire solidez pelo fogo. É verdade que nem todos suportam o desespero das provações. Não são poucos os que sucumbem, que buscam os atalhos ou se acomodam à sombra da covardia ou sob a proteção dos tiramos e poderosos. Ao invés de assumir o comando de suas vidas, contentam-se em ser coadjuvantes. Traem o milagre e a promessa que lhes estava destinada.

Gente assim é como árvore estéril, não dá frutos. Vive o amargor da irrealização, a vergonha de estar sempre a serviço das ambições alheias, a angústia de não ter tido coragem para enfrentar o destino e experimentar a maior de todas as conquistas: SER. Como é triste a existência desses seres obscuros que cumprem suas histórias sem ousadia, sem paixão e sem esperança. Como árvores estéreis, não florescem. Que triste viver sem florir, sem encantar os olhos dos passantes com a beleza e o brilho de suas folhas e frutos! Ou sem a alegria dos passarinhos atraídos pelo perfume de suas flores!

A vida, entretanto, não é uma metáfora da derrota e da covardia. A vida é uma metáfora da bravura, da generosidade e do amor. Os seres humanos que perseveram no cultivo do bem, do compromisso com o próximo e na esperança de construção de um mundo mais justo, construído sob o signo da justiça e da dignidade, justificam o grande milagre, que é a própria vida e seus encantos, e honram as conquistas e os valores mais nobres da civilização. Fazem parte de uma linhagem de seres que trazem no peito a luz e o sentimento do mundo. Por isso sofrem, por isso sonham, por isso choram. Por isso se perguntam e, às vezes, se desesperam, insurgem-se e se lançam no abismo da incerteza, de onde ressurgem alados, pássaros brancos a serviço da liberdade e da promessa de redenção do mundo. Por isso, seguem acreditando, apesar da brutalidade, da opressão e da mesquinhez – essa ferrugem que esteriliza os corações e obscurece os sentimentos.

Afinal, caminhar é uma escolha. Para os que ficam no porto, restam a segurança, a rotina sufocante e a morte. Aos que seguem, que enfrentam as incertezas e os temores do grande mar da vida, as belezas do desconhecido, as riquezas da aprendizagem e a descoberta de tesouros só reservados aos que ousaram ser senhores de suas histórias e verdades. E depois de tudo, seguir caminhando. Afinal, é quando chegamos à outra margem que começa verdadeiramente a viagem.

domingo, 26 de julho de 2009

pedra mística 3


deus chama os seus. um ano e oito meses... morreu entalado com um agnus dei.

(Allison Leão)

sábado, 25 de julho de 2009

Fantasy Art - Galeria

The Letter.
Dorian Cleavenger.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Narciso Lobo (07/10/1949-23/07/2009)
Narciso Lobo – professor, poeta, jornalista, ensaísta, membro da Academia Amazonense de Letras.
Marcos Figueira (03/10/1960-23/07/2009)
Radialista, jornalista, ativista cultural, Marcos Figueira, que amava Van Gogh, foi, sobretudo, um amigo dos artistas.
o velho da mata


todas as noites ele tinha o mesmo sonho, ou pesadelo, mas desta vez era real: o velho baixo, forte, peludo, orelhas agudas, dentes verdes e os calcanhares para frente, estava ali diante dele no quarto, com o mesmo olhar da cor de sangue e assustador, de quando zé paca caçava só naquela sexta-feira, apesar dos apelos da mulher.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

A cirurgia como arte
João Bosco Botelho
Antiochus et Stratonice (1774), de Jacques-Louis David (1748-1825). Erasístrato está sentado, de vermelho, ao lado da cama de Antiochus, denunciando a causa das palpitações do doente: sua bela madrasta Stratonice.
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A cirurgia, no passar dos milênios, continua mantendo a mesma característica básica – a arte trabalhada no próprio homem –, onde a luta contra a dor e a morte é o pilar sustentador da construção.

Essa estranha arte, que reconstitui o corpo para minimizar a dor e a morte, confunde-se com a história do Homem e tem acompanhado de perto os movimentos de transformação social.

O primeiro registro inquestionável de uma cirurgia, como ação intencional do Homem sobre o homem, foi a amputação de um braço, realiza em torno de 25.000 anos atrás, por alguém que percebeu que o membro deveria ser cortado para manter a vida, marcada no esqueleto pré-histórico, achado no Monte Zagros, no Iraque.

Nos últimos quarenta anos, em resposta aos anseios coletivos, a cirurgia adicionou à prática a frenética busca da perfeição do corpo, seja reconstruindo a forma ou recuperando a função, tornando-o mais belo, possivelmente, atada ao arquétipo divino antropomórfico perfeito.

Sem dificuldade, é possível comparar a cirurgia com a pintura ou qualquer outra expressão da arte humana. Quando o cirurgião consegue retirar o câncer da tireóide ou o da laringe ulcerada que ameaçam a vida, desenvolve um conjunto de gestos que são indissolúveis da arte. A sensação da obra terminada em uma cirurgia não deve ser diferente da sentida pelo pintor ao terminar o quadro ou a do compositor ao ouvir a criação.

Nos últimos dois séculos, não se pode admitir a cirurgia fora da Medicina. Porém, nem sempre foi assim. Somente no século 17 a cirurgia começou a ser incorporada à prática médica.

Foram os gregos que reconheceram a importância da cirurgia para as práticas médicas. Os livros escritos, na Escola de Cós, na Grécia antiga, em torno do quarto século a.C., contêm volumosa referência a cirurgias realizadas pelos médicos gregos.

Com o avanço conquistador dos romanos e a organização militar daquele povo guerreiro, apareceram os hospitais militares, nas principais cidades do Império, para receber e tratar os soldados feridos em combate. Nessa fase, a cirurgia alcançou grande desenvolvimento, principalmente, na solução das feridas traumáticas da guerra. São dessa época os estudos dos grandes anatomistas Herófilo (340-? d.C.) e Erasístrato (330-? d.C.) que identificaram a tireóide, a próstata, o estômago, o duodeno, o sistema nervoso, além de diferenciar o tendão do nervo.

A partir da ascensão do cristianismo, no século IV, gradualmente, as práticas médicas absorveram o sentido da caridade e perderam grande parte das conquistas greco-romanas em torno da técnica. A Medicina passou a ser compreendida como sacerdócio, em comparação ao ministério de Jesus Cristo, que operava milagres na cura dos cegos, paralíticos e leprosos.

Com o abandono da técnica e sob a ordem caritativa, o Ocidente cristianizado fechou as escolas de Medicina e construiu os hospitais para abrigar os indigentes — nosocomium — em nada parecidos com os hospitais gregos e romanos voltados à intervenção para recuperar a saúde.

O nosocômio abrigava os doentes de todos os tipos, que esperavam a morte, assistidos pelos membros das ordens religiosas voltadas à caridade.

Nesse período, na baixa Idade Média, em consequência das restrições eclesiásticas impostas pelo poder da Igreja, o corpo humano não pode mais ser estudado e as guardas sigilosas, nas abadias, dos livros da cultura greco-romana, contribuíram decisivamente para que a cirurgia se tornasse uma atividade impossível de ser exercida.

Nessa condição restritiva, a cirurgia atravessou dez séculos, sendo exercida, neste período, pelos cirurgiões-barbeiros.

Os cerceamentos eclesiásticos não atentaram às necessidades sociais. Os cirurgiões-barbeiros preencheram os espaços deixados pela ausência da Medicina greco-romana. Esses homens admiráveis, com risco da própria vida, enfrentaram a proibição da Bula do Concílio de Tours (1163) Ecclesia Abohorret a Sanguine (A Igreja abomina o sangue), para amputar pernas e braços dilacerados nas guerras e nos acidentes de caça, extrair dentes, drenar abscessos, e ainda, cortar os cabelos e as barbas.

A primeira resistência coletiva a essa situação começou na Faculdade de Medicina de Montpellier, na França, em 1220. Um grupo de cirurgiões-barbeiros, influenciados pelos novos ares acadêmicos e liderados por Jean Pitard (1238-1315) fundou a Confraria de Cirurgiões, sob a proteção de São Cosme e São Damião, e se separaram dos barbeiros.

A cirurgia foi incorporada, definitivamente, como especialidade médica a partir de 1436, quando os cirurgiões-barbeiros foram aceitos como alunos na Faculdade de Medicina de Paris.

Com a utilização da anestesia, a partir de 1846, e da antissepsia, em 1867, o cirurgião pôde debruçar-se por mais tempo no objeto da sua arte — o homem e a mulher — e reunir esforços para empurrar os limites da dor e da vida.

O autor em conferência na Universidade de Berna, Suiça,
no último 02 de julho.

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quarta-feira, 22 de julho de 2009

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drops de pimenta 20


─ Uma borboleta, no seu ombro... Não se mexa, vou pegar a máquina.
─ ...
─ Ué, voou?
─ E você achava que ela ia ficar aí pra sempre?

(Zemaria Pinto)

terça-feira, 21 de julho de 2009

Naturalmente nus
Objetivos Gerais

1. Aumentar a visibilidade da filosofia Naturista no Amazonas através de divulgação mensal de sua ética, história e objetivos, em jornais de grande circulação;

2. Manter os sócios atuais e suscitar demanda em 20% até 2011, através de atividades culturais (palestras, cinema) e esportivas com divulgação boca a boca, panfletagem em Universidades e eventos culturais;

3. Estabelecer taxa mínima (simbólica) para os sócios que se encontram sem vínculo empregatício;

4. Confeccionar carnê de pagamento mensal para organização de finanças;

5. Respeitar e colocar em prática o Estatuto Graunense de 2007 e as normas regidas pela Federação Brasileira de Naturismo.

Equipe postulante - biênio 2010-2011
GRACE CORDEIRO - Presidente
NALVA VERAS - Secretária
JORGE BANDEIRA - Diretoria de Divulgação
MAURO MARQUES - Diretoria Cultural
JOEL SILVA – Tesouraria
MÁRIO ORESTES – Conselheiro de Ética


Visite nosso site: http://geocities.yahoo.com.br/graunaam
Filiado à Federação Brasileira de Naturismo desde 2004.
Fundado em 25 de Julho de 2003.
Contato eletrônico: vicaflag@hotmail.com (Jorge Bandeira)
A sombra


Havia um carinho imenso entre os dois. Aonde ele ia, ela o seguia. Uma sombra é como uma nuvem no céu, só que com personalidade, pensou. Como desfazer os nós que os atavam? Ele então resolveu postar-se embaixo de um poste e esperar dar meio-dia. Talvez assim, ela saísse para almoçar. Quando o tempo acabou, a sombra escapuliu sorrindo.

(Marco Adolfs)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Carta a um amigo imaginário
Tenório Telles

Bom Companheiro,

Os dias andam tão incertos e a vida tão diminuída pelo desamor e a indiferença. Pensei em ti e uma saudade súbita assaltou-me o coração. Nos momentos escuros da caminhada, restam-nos os amigos como consolo. Mesmo distantes, estão sempre receptivos aos nossos anseios e compreensivos com as nossas tristezas e fragilidades. O bom da amizade é a certeza de que teremos sempre o aconchego e a mão amiga nos momentos em que fraquejamos. O sábio Aristóteles considerava que um amigo é “uma alma solitária que vive em dois corpos”.

Lembro de ti e ouço tuas palavras tão vivas e cheias de entendimento. Tens razão, o mundo anda esvaziado de bondade e nobreza. Os interesses e mesquinharias contaminaram o convívio entre os homens. A amizade é uma flor rara nesse deserto em que se transformou a vida. Ter um amigo é um presente de Deus. Por isso, saber que estás vivo, que respiras, me enche de contentamento e me fortalece porque sei que não estou sozinho. Quem tem um amigo nunca está só.

Amizade é como uma planta – precisa ser cuidada. É preciso regar, adubar, proteger. Ninguém está livre das intempéries e maldades do mundo. Sem falar nas circunstâncias que determinam nossas vidas e que também falhamos com quem nos quer bem. É assim que tudo se constrói, inclusive a amizade. Hoje sei que gente como você ajuda a existência a ser melhor, torna a vida mais bonita. Quando a descrença se insinua no meu ser, lembro-me de ti e a minha esperança se reacende.

Sinto-me responsável pela nossa amizade. Embora tudo esteja tão banalizado e o ceticismo corroendo o humano coração, mantenho-me esperançoso, certo de que a vida vale a pena e que as coisas não estão perdidas. Enquanto existir na Terra, mesmo com as guerras, com a violência e a mentira, alguém capaz de amar e ser amigo, a promessa de redenção e recomeço se renovará. Tê-lo como companheiro de travessia me redime e justifica a minha existência neste planeta que insiste em negar ao ser humano o direito de ser – feliz, pleno, belo e amigo.

Receba, bom amigo, neste dia em que se celebra a amizade o meu coração, o que de melhor há em mim – terra e água que ajudarão a florescer a rosa da nossa amizade.

domingo, 19 de julho de 2009

A partida do velho amigo
Ulysses Bittencourt*


Na intimidade quieta da mata, causa susto e tristeza ver de repente o raio abater a árvore secular. A mesma sensação acometeu-me ante o desaparecimento, dia 26 de fevereiro, do sábio Nunes Pereira. Por sua morte a floresta amazônica ficou sem um dos seus mais altos e valiosos exemplares, um exemplar insubstituível. A metáfora pode ser antiga, mas é exata para expressar o doloroso fato.

Nascido no Maranhão, cedo ele viajou para o Amazonas e ao nosso Estado passou a dedicar quase todo o resto de sua produtiva e longa vida de intelectual, antropólogo, etnólogo e biólogo, partindo da Veterinária. Com seu jeitão boêmio, bom bebedor que foi até findar-se aos 92 anos, Manoel Nunes Pereira, na realidade, era um estudioso metódico, um pesquisador obstinado e pertinaz.

Tendo abandonado o curso de Direito, a partir daí tornou-se autodidata. Além do português, do tupi-guarani, nheengatu, dominava o inglês, o francês, o alemão e o italiano. Mantinha intercâmbio verbal ou por correspondência com os mais importantes nomes da cultura brasileira e estrangeira. Foi a síntese perfeita do homem brasileiro: branco, preto e índio. Ele mesmo dizia ter “os cabelos do português, as feições do índio e o tom de pele mulato herdado de minha mãe”. Daí ser recebido em todos os ambientes com alegria. Para exemplificar: esteve em várias tribos afastadas da “sifilização” (como ele chamava), sendo logo acolhido como sábio pajé e chamado pelos naturais de “saracura branca”. Conviveu por longos períodos com os silvícolas, alimentando-se e procedendo como um deles, o que lhe valeu um enorme repertório engraçadíssimo de episódios e de anotações de raro valor científico, aproveitadas em seus trabalhos.

De vez em quando, Nunes Pereira era tema de extensas reportagens em jornais, revistas e entrevistas na televisão. Guardo três dessas reportagens de O Globo, uma de 1974 e duas outras de 1975 e 1977. Em artigo do Jornal do Brasil, disse dele Carlos Drummond de Andrade: ”Homem de ciência agudamente provido de sensibilidade e visão humanística, eis o que é o caboclo maranhense Nunes Pereira. Daí seu livro soar um som claro, alegre, sadio, jamais instalando tédio pela informação indigesta”. Membro fundador da Academia Amazonense de Letras, Nunes pertencia ainda a inúmeras outras instituições culturais e científicas. Todo esse prestígio, porém, não o afetava. Residindo em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, por muitos anos, fazia suas viagens com módicas ajudas de custo pelo Ministério da Agricultura – do qual foi funcionário, recebendo daí sua modesta aposentadoria – ou comissionado pelo Governo do Amazonas, pouco mais auferindo com a venda de seus livros.

Um sábio que era, morreu pobre, despojado e simples como sempre viveu, respeitado pela grandeza de sua obra e pelas cintilações de sua presença em qualquer meio. Honrou-me frequentando minha casa, como frequentou a casa de meu avô [1], a de meu pai [2], a de meus irmãos, depois também a de meu filho Flávio, com cujo filho Eduardo brincou várias vezes, somando assim uma amizade que se estendeu ao longo do tempo por cinco gerações [3].

Artigo publicado na coletânea póstuma “Patiguá”, Rio de Janeiro: Copy & Arte, 1993, pp. 114–115; apresentação de Mário Ypiranga Monteiro; desenho reproduzido na capa: Appe (Amilde Pedrosa).

Notas:

"[1] Antônio Bittencourt, ex-governador do Amazonas, autor de Memória do Município de Parintins, 2ª ed. (Manaus: Governo do Estado do Amazonas, 2001 [1924]);

[2] Agnello Bittencourt, geógrafo, ex-prefeito de Manaus, foi um dos fundadores, em 1917, do IGHA – Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, autor de Corographia do Estado do Amazonas, 2ª ed. Manaus: ACA (Associação Comercial do Amazonas - Fundo Editorial, 1985 [1925]);

[3] “Por instância do acadêmico Bernardo Cabral, proferi a oração de adeus em nome da Academia Amazonense de Letras e do Governo do Estado do Amazonas, depositando simbolicamente no túmulo de Nunes Pereira uma coroa de louros e um ramo de acácia (planta símbolo da Maçonaria), tão sua conhecida" (nota acrescentada por U.B. para a coletânea Patiguá;)

(Artigo publicado originalmente no jornal A Crítica, de Manaus, em 7 de março de 1985).

Ullysses Bittencourt (1916-1993) ocupou a cadeira 3 da Academia Amazonense de Letras. Foi também membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Além de Patiguá, deixou publicado o livro de crônicas Raiz (1985).
Enfim, o boto atravessou o rio...
Gilberto Mestrinho (23/02/1928 - 19/07/2009).
Foto: A Crítica, Julho de 1957.
Colaboração: Roberto Mendonça.
pedra mística 2


– no dia seguinte a uma chacina, não leio jornal nem vejo TV, pra não sentir culpa, o senhor sabe.

– mas e se alguém vem lhe falar sobre o assunto?

– aí eu mato.

(Allison Leão)

sábado, 18 de julho de 2009

Fantasy Art - Galeria

Wet.
Julie Bell.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

mórbido temor


com o sumiço do fiel galo, o pobre velho deu agora de responder ao canto sucessivo de outros galos, nas solitárias madrugadas: teme ele que, em represália, também o sol decida não voltar.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Medicina e Astrologia
João Bosco Botelho
Mapa astrológico.

O encantamento pela astrologia como prática divinatória consolidou-se nos primeiros núcleos urbanos, em torno de cinco mil anos.

As práticas divinatórias astrológicas, mesmo após os complexos processos de adaptações aos movimentos sociais, continuam mantendo relações próximas com as antigas crenças e ideias religiosas estruturadas na Mesopotâmia.

Os vestígios dessa estranha dependência, entre homem, mulher e os astros reconhecíveis no firmamento, podem ser rastreados em alguns registros da escrita cuneiforme. O sinal gráfico correspondente ao divino – elemento incomensurável e todo-poderoso do passado e do futuro – é o mesmo que designa a palavra estrela. Os deuses babilônicos – Schamasch, Sin e Ischtar – eram os guardiões do céu sob a forma do Sol, da Lua e do planeta Vênus, os três astros mais destacados do firmamento.

Assim, a força da astrologia, na modernidade, não deveria causar tanta admiração. A fé no poder dos astros, determinando o destino das pessoas e do mundo, é tão antiga quanto as primeiras aglomerações urbanas.

Algumas palavras atuais estão repletas de significado astrológico. O prefixo latino menstruus, que originou menstruação, está ligado ao processo repetitivo de vinte e oito dias do mês lunar.

Para estarem mais próximos dos astros – representação física dos deuses – os homens idealizaram os elementos mais sagrados fixados nos topos das montanhas mais altas: os chineses, no Himalaia; os japoneses, no Fuji; os gregos, no Olimpo e os hebreus, no Sinai.

Onde não existia montanha os povos construíram montes artificiais. Um dos mais antigos, o Zigurate, na Mesopotâmia, com o topo dedicado à morada e culto dos deuses. A mesma ideia alcançou os povos do planalto mesoamericano, motivadora das monumentais edificações piramidais, plenas de significados religiosos com os elementos celestes, especialmente o Sol e a Lua.

Apesar das adaptações adquiridas também com os novos saberes sobre os elementos visíveis no firmamento, a astrologia divinatória conservou a primitiva estrutura de sedução: utiliza a adivinhação dedutiva, a partir da interpretação do movimento astral.

Sob esse enfoque, pode ser considerada uma história de longa duração, inserida nas muitas heranças físicas das divindades, oriundas nas primeiras cidades, moldada pela inteligência humana, burlando o futuro desconhecido, tornando-o domável.

Os saberes acumulados dos ciclos da Lua, dos planetas e das estrelas, em especial, o Sol, como a principal fonte da vida, foram repassados às gerações. Os elos desse poder transcendente metamorfoseado receberam nomes diferentes, nas linguagens superficiais, em muitas culturas. No Império de Augusto, adotaram a semana planetária de sete dias, sendo cinco deles dedicados aos cinco planetas conhecidos, um ao Sol e outro à Lua.

Com a cristianização em curso, a partir de Constantino, os primeiros teóricos cristãos iniciaram forte resistência ao culto do Sol, identificado com o deus egípcio Mitra. Parece lógico supor que o intento era desfazer a possível associação alegórica entre o Sol e Jesus Cristo. Esse relevo teogônico se posta ainda mais claro no Evangelho de São Paulo, na repreensão dos Gálatas, que insistiam em adorar as divindades do politeísmo, para identificar os dias e os meses (Gl 4,8-10).

Os médicos medievais, entre os séculos VII e XI, criaram situações bizarras ao utilizarem a concepção neoplatônica de similitude entre o macrocosmo e o microcosmo, construindo extremados prognósticos astrológicos.

Nesse período, predominava a certeza de que a saúde, a doença, a boa sorte, o azar, a sexualidade e a procriação estavam sob a decisiva influência dos astros.

Existia, por exemplo, contraindicação absoluta para realizar uma cirurgia na perna se a Lua estivesse no mesmo signo zodiacal do doente. As inevitáveis e fatais complicações seriam consequência da umidade do planeta sobre a cicatriz operatória.

O mestre João, mistura de astrólogo e médico, vindo na esquadra de Cabral, ao desembarcar no litoral brasileiro, não se interessou pelos nativos. Na sua carta ao monarca português, descreveu a constelação, em forma de cruz, visível no hemisfério sul, origem do nome da nova terra.

O Renascimento chegou e reafirmou o prestígio da astrologia. Reis e papas só seriam coroados se a data fosse de presságio auspicioso. A expressão artística renascentista ressaltou a alegoria dos corpos celestes. As ricas residências, capelas, igrejas, abadias ficaram repletas de afrescos, ampliando a glória do poder astral. Os doze apóstolos, lembrando os doze signos do zodíaco, e os deuses do Olimpo eram louvados nas obras poéticas dos pintores e escultores.

Em pleno século XVII, a certeza coletiva de que os planetas determinavam o rumo da vida e da morte era de tamanha solidez que a estatística de mortalidade da cidade de Londres, no ano de 1632, registrou treze mortes por planet, ou seja, pela influência do planeta.

O céu continua causando fascínio e admiração. É possível vê-lo, todas as noites, pleno de luzes, de grandeza incomensurável, impossível de ser compreendido e tocado.

Poucas coisas enchem mais de medo do que o futuro imprevisível. A medicina astrológica, como no passado, continua sendo utilizada pelos adivinhos, atuando como curadores, para diminuir a insegurança em relação ao futuro desconhecido e à morte temida.
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quarta-feira, 15 de julho de 2009

O poeta da Uiara
Alexandre dos Santos*

Um dos membros fundadores da Academia Ama­zonense de Letras, o poeta Octavio Sarmento é um dos grandes escritores que estão no esquecimento da Histó­ria da Literatura, não por falta de talento literário, mas pelo fato de os estudiosos – até há pouco tempo – o deixa­rem nesse limbo.

Seus versos, em vida, não foram reunidos em uma obra, foram depois organizados e publicados sob o titulo de A Uiara & outros poemas pelo escritor Zemaria Pinto, decorrente de uma série de estudos promovidos em 2007 pela Academia Amazonense de Letras, em for­ma de palestras. Sarmento é daqueles poetas que sa­bem manusear as técnicas literárias existentes e trans­mite ao leitor a sua subjetividade como poucos, quer seja pela denotação de seu estro poético, sensibilidade, acabamento, quer seja pelo ritmo e forma.

A Uiara & outros poemas retrata uma lenda amazônica, é um poema épico-narrativo de forte apelo regional, dividido em capítulos que contam a saga de um cearense em busca de melhores condições de vida em outra terra. É o espelho de um vasto painel da vida amazônica no início do século XX. Publicado no dia 7 setembro de 1922, é todo composto de versos decassíla­bos, com imagens fortes da seca no nordeste (Tudo é morto em redor, ou na agonia/ Da dor se estorce: há lábios ressequidos,/ Peitos arfando num suplicio horrendo...) e de paisagens amazônicas (A mata rompe em urros, e os barrancos!.../ Ante o olhar deslumbrado do viajante/ Que pasma, ao ver-lhe a perenal beleza...).

O protagonista do poema — Militão —, segundo o ensaísta Zemaria Pinto, pode ser considerado, “um transgressor, como o Juca Mulato”, fazendo referência ao poema de Menotti Del Picchia, pelo fato de os heróis em questão contribuírem para uma identidade de temá­tica regional, pois em Juca Mulato vemos a presença do caipira paulista, enquanto em Militão percebemos o mi­grante nordestino que muito contribuiu para o cresci­mento da região amazônica. Nas palavras do também poeta, o paralelo se deve à “saga de um nordestino pobre, que vivencia a experiência da morte cara-a-cara e depois enlouquece de paixão e desejo...”.

Apesar de o poema possuir uma estrutura épica, pode ser considerado como um romance pelo seu caráter narrativo, por possuir técnicas narrativas, o poema pode ser enquadrado no género épico. 0 poeta sabe descrever o lado psicológico de Militão, por exemplo, quando há a saudade da família, lembrando das cenas terríveis que ali os seus estão ainda vivendo e o objetivo que o fez partir: E a cacimba se mostra, alegre e aberta,/ Da água fresca a fazer doce oferta... Percebe-se o desejo implícito — ainda não manifestado — de suicídio do personagem para logo depois das mazelas que ali vive essa vontade aumentar e se sentir perdido: Como um imenso e desolado mar/ Perdido no Saara do sertão!... A água evolui de uma cacimba para um mar, desolado, em meio ao nada, senão o deserto: o “sertão”.

O contexto do poema se passa na época do ciclo da borracha, o período áureo do Amazonas, onde várias pessoas oriundas de outros estados vieram para cá em busca de fazer fortuna através da árvore de “ouro”, principalmente os nordestinos. Octavio Sarmento, em poema publicado pelos jornais de seu tempo, escreveu um dedicado à seringueira, fraco no teor literário, por ser de cunho mais didático, mas onde é possível estabe­lecer um elo de crença pagã das pessoas à árvore-essência da borracha:

Adoremos, pois, a arvore do ouro,
Que, na mata, se vê sobranceira;
E de joelhos, saudemos, em coro,
Nossa altiva e vivaz seringueira...

Em resumo, nos sete “capítulos” da obra, o poe­ta revela o motivo desse estado de perturbação: seriam os encantos da Uiara, a sereia, conforme a mitologia, a ninfa que ele ouvira cantar pela primeira vez ao iniciar a viagem para o Amazonas: A irresistível voz de uma sereia/ A chamá-lo, a chamá-lo meigamente... Como se vê, não é apenas a Uiara, ser do imaginário amazônico, quem dá título ao poema. É, possivelmente, uma outra sereia, que se caracteriza como a quimera de um ciclo econó­mico inesgotável e perene.

A partir de outros poemas que foram publicados nos jornais manauenses, podemos perceber as influên­cias simbolistas e parnasianas que influenciaram Sar­mento, e isto é justificável pelo fato de vivermos numa “periferia cultural”, onde os movimentos, ideias e pen­samentos chegavam depois. Na época de Octavio Sar­mento, a literatura no Amazonas era praticada nos moldes das escolas mencionadas acima.

Quanto aos “capítulos” que fazem a estrutura do livro, frente ao conteúdo, o primeiro deles se refere à “seca”. Desse modo, Militão ainda está no nordeste e, desejando melhores condições de vida, parte em busca de sua Uiara particular: Compreende que é che­gado o duro instante/ De se furtar à dor que a alma lhe invade/ Do adeus dizer a esse infeliz lugar... O se­gundo capítulo narra a viagem e a sensação de saudade da família, além do primeiro contato com a Uiara (já descrito neste estudo). No terceiro capítulo, o narrador concentra os seus versos em descrever a paisagem amazônica para logo depois contar a lenda da Uiara através de um ex-seringueiro que Militão conhece a bordo:

No rio existe, além da imensa cobra
Que os barcos prende e para o fundo ar­rasta,
Presos aos fortes anéis que, além, desdo­bra,
A linda Uiara, lúbrica e nefasta!...
Desta se diz que, quando a noite desce,
E o luar se distende albente e mago...

A partir deste trecho do poema, o poeta prepara Militão para o encontro com a sereia, onde, no sexto capitulo, existe um sertanejo cansado pelo trabalho e a sua frustração por não ter conseguido ficar rico e fazer fortuna.

O protagonista não foi bem sucedido na Amazó­nia através da borracha por o ciclo estar no seu período de decadência, com o cultivo da seringueira na Ásia barateando o preço de mercado. Sendo assim, vive o Amazonas uma crise econômica.

Em meio a esse desespero, Militão, num impulso, pega o barco e vai ao encontro da Uíara:

Aí, sobre uma pedra, esplende a Uiara:
Bate o luar os seus lindos traços;
...............................................................
Desnudos... Ela, ereta, altiva, ardente
Se mostra nua, da cabeça aos pés...

Desse modo, o herói encontra a morte nos bra­ços da sereia das águas amazônicas. Confirmando a len­da de que quem, uma única vez, ouve o seu chamado, ignora, devido aos encantos e devaneios causados pela ninfa, a vida como antes conhecida.

*Do livro Trilhas da Literatura Amazonense (2008), coletânea de textos críticos e analíticos de alunos de Letras da UEA, organizada pelo professor Marcos Frederico.
drops de pimenta 19


─ Você não gosta mais de mim.
─ Deixa de bobagem.
─ Não me manda flores, não traz mais bombons...
─ Tá bom, vou te fazer um poema!

(Zemaria Pinto)

terça-feira, 14 de julho de 2009

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O inseto

Naquela manhã, quando acordou, Gregório sentiu-se diferente. O gosto amargo da cerveja misturada com a sua solidão acordada o fez ter vontade de não existir. Quando bateram à porta e ele tentou levantar-se, viu-se carregando um enorme peso nas costas. Baratas circulavam por todos os seus poros.

(Marco Adolfs)

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Ulysses Bittencourt e os poetas amazonenses
Rogel Samuel*


Ulysses Bittencourt é um intelectual muito importante, membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Ele é autor de muitos trabalhos sobre o Amazonas, citados por Samuel Benchimol e Mário Ypiranga.

Publicou Raiz (Rio de Janeiro: Copy e Arte, 1985), Povoamento da Bacia Amazônica (Porto Alegre, PUC, 1988 - conferência proferida na PUC-RS) e Patiguá (Rio de Janeiro: Copy e Arte, 1993).

Escreveu nos anos 1980 no jornal A Crítica”, de Manaus.

Mário Ypiranga Monteiro disse na apresentação de Patiguá que "por muitos anos constituirá o testemunho valioso dos quadros históricos amazonenses não tratados anteriormente (...)" (p. 19).

Raiz e Patiguá são citados por Samuel Benchimol em Manáos do Amazonas - memória empresarial, vol. 1 (Manaus: ACA (Associação Comercial do Amazonas) - Fundo Editorial / Governo do Estado do Amazonas, 1994).

Há uma rua em Manaus com seu nome. São informações colhidas na Internet.

O verbete na Wikipedia afirma que Ulysses Bittencourt "foi um dos autores que logrou delinear alguns dos tipos humanos da região, especialmente o do coronel de barranco".

O coronel de Barranco era "o assim chamado 'barão da borracha', da época do boom amazônico da hévea - que não pertencia ao Exército Brasileiro -, geralmente adquiria uma patente da extinta Guarda Nacional".

Outras figuras regionais estudadas por Ulysses foram o trabalhador ribeirinho; o ex-escravo afrodescendente; e o poeta amazonense - que, muitas vezes, vivia em dificuldades financeiras - da Manaus da primeira metade do século XX.

O poeta era um tipo social.

*Publicado originalmente no blog de Rogel Samuel.
Meu Pai
Inácio Oliveira


Pela encosta vi descer um homem que parecia ser o meu pai. Deu vontade de acreditar que era ele, mas eu bem sei que ele não vai mais voltar. No início a gente sente falta, mas depois acostuma, eu pensei. A gente se acostuma a muitas coisas, a gente se acostuma a tudo, posso dizer. Mas acostumar-se à ausência de meu pai foi algo que eu achei que jamais fosse conseguir.

Eu ainda lembro mais ou menos dele: seus ombros largos, seu andar levemente inclinado para frente, seu jeito de quem está sempre voltando de algum lugar muito distante; mas o rosto de meu pai está se desfazendo na minha memória. Lembro de quando ele voltava da cidade: eu desço da carroça e saio correndo para abraçá-lo, ele me pega no colo, então quando eu vou olhar para ele, há uma nuvem em seu rosto e eu mal posso adivinhar suas feições. Às vezes sinto-me culpado por não lembrar direito do rosto dele.

Não sei ao certo por que ele se foi, talvez nunca saiba. Naquele dia quando eu acordei, minha mãe parecia estar muito ocupada e com muita pressa. Decidiu fingir que meu pai nunca existira, e quando eu perguntei por ele ela se irritou. Eu saí para o campo, o dia, tímido, amanhecia. Achei que meu pai talvez tivesse ido caçar. Lembro que meu pai caçava. Fiquei na porteira esperando por ele, pensei que fosse só demora aquela espera.

Já à tardezinha, quando voltei para casa, as lágrimas inundavam-me os olhos. Eu exigia o meu pai. Reclamava por uma resposta. Queria saber onde ele estava. Ah! Como eu queria o meu pai! Minha mãe disse que estava ficando louco, que eu nunca tivera um pai.

Como, eu nunca tivera um pai? Tentei convencê-la de todas as formas que ainda ontem ele estivera ali conosco. Voltou do curral todo enlameado, cheirando a boi, tomou banho no igarapé, jantou ao nosso lado e deitou-se com ela. Minha mãe fez a cara de quem estava ouvindo a coisa mais estúpida do mundo. Lembra, mãe! Lembra do dia em que ele capou os porcos? Do dia em que ele consertou o telhado? Hein?! Mãe! A senhora precisa lembrar. Por favor, lembra, mãe!... Minha mãe disse que eu me calasse, que eu estava doente e olhou para mim de uma forma que eu nunca havia sentido antes, de uma forma que me deu medo e tristeza.

Daquele dia em diante nunca mais falamos de meu pai, mas para sempre em mim ficou a sensação de que algo estava faltando. Por exemplo, à hora da mesa, era meio-dia e minha mãe estava calada, eu olhava para o lado e sabia que ali devia estar o meu pai. Quando o sol se punha eu sentia uma espécie de saudade de vê-lo ao longe voltando, a sombra de um homem a cavalo. Hoje apenas seu cavalo volta, sozinho.

Um dia pensei dizer em voz alta o nome de meu pai para que, talvez, minha mãe lembrasse dele, mas percebi que eu já não sabia mais qual era o nome de meu pai. Meu deus! Qual era mesmo o nome de meu pai? Como eu poderia haver esquecido o nome de meu pai?

Durante muito tempo procurei pela casa vestígios que denunciassem que meu pai um dia existira ali, mas nada... Não encontrei nada. Nenhuma roupa usada, nenhum sapato velho, sequer uma escova de dentes, nem ao menos uma fotografia. Isso me perturbava, meu pai estava deixando de existir, pois eu lembrava cada vez menos de seus modos. Morrer então devia ser isso, quando o último esquece.

Minha mãe nunca pareceu notar a ausência de meu pai. Quem sabe ela esteja mesmo certa. Talvez meu pai seja apenas um sonho mesmo que eu sonhei naquela noite, e pela manhã quando eu acordei, pelo resto da vida, hei de sentir-me roubado por haver deixado de sonhar com ele. Eu já tentei, mas nunca consigo sonhar com ele.

domingo, 12 de julho de 2009

sequência da pedra mística*

pedra mística 1



sincero anúncio. “lulu. morenaça. lindos olhos verdes. pernas grossas. boca carnuda. ardente. 80% um mulherão. 20cm de alternativas.”

(Allison Leão)


* Não é incrível? a pedra – a coisa mais prosaica que existe – também pode ser mística.

sábado, 11 de julho de 2009

Fantasy Art - Galeria

Luis Royo.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

sonhos

a lâmina da faca, como um chicote de fogo, decepou-lhe a cabeça, banhada de sonhos.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Dia do médico: 18 de outubro
João Bosco Botelho
Asclépio ou Esculápio.
Escultura em mármore, de autor desconhecido.
Atente para o bastão, com a serpente enrolada, símbolo do renascimento.

Antes do processo de humanização, os ancestrais pré-históricos mais próximos, os neandertais, conviveram com a certeza da doença e da morte. Inconformados, foram os primeiros a realizar o sepultamento ritual. Em alguns sítios pré-históricos, com datação confirmada pelo C14 em torno de vinte mil anos, os corpos foram, deliberadamente, enterrados com a cabeça voltada ao nascente, acompanhados de fartos pedaços de carne e instrumentos de caça. Esse fato pode supor a existência de pensamento abstrato em torno da possibilidade do renascimento.

Com o Homem sapiens, portadores de estrutura neo-cortical (parte do sistema nervoso central relacionada também com a construção do pensamento abstrato) muito mais aperfeiçoada em comparação aos neandertais, nas poucas dezenas de anos que os homens e mulheres conseguem viver, gastam a maior parte do tempo na procura incessante do conforto, aqui compreendido no conjunto de situações, de lugares e coisas que dão prazer, saciam a fome e a sede, protegem do frio e prolongam a vida. Tudo construído para evitar a morte.

A inteligência humana, percebendo ser impossível vencer a morte inevitável, conseguiu elaborar no espaço sagrado ideias para justificar a agonia do frio, da fome, da doença e da morte. Certamente, muito mais que os neandertais, os humanos construíram o ambicionado prolongamento da vida depois da morte.

É possível que essa epopeia edificada na busca da imortalidade tenha sido um dos principais fatores para o aparecimento dos agentes da cura, da benzedeira ao médico, e a materialização da Medicina como especialidade social.

Mesmo com a certeza presumida de que as agruras impostas pela sobrevivência, notadamente a morte, dependeriam da boa-vontade das divindades, a organização social impôs o desvendar do corpo, para vencer as causas da morte.

Os registros da arqueologia mostram a existência de práticas de curas em comunidades ágrafas de caçadores‑coletores. As craniotomias e os vários ossos dos ancestrais pré-humanos apresentando fraturas consolidadas, que seriam impossíveis de ocorrer sem que outro membro do grupo fizesse a imobilização, com mais de 10.000 anos, são inequívocas comprovações da atávica luta contra a morte. Sem dúvida, representam a ação do Homem sobre o Homem, burlando o imperativo da vontade divina, para evitar a morte.

Curar é uma palavra mágica porque interliga o sagrado ao profano. O ato de curar traz na sua essência o poder ou a sensação de vencer o maior de todos os obstáculos da vida: a morte.

Este é o ponto básico e fascinante da principal resistência humana: vencer a morte inevitável!

O fato está ainda mais claro na mitologia grega. A data atual de comemoração do dia do médico — 18 de outubro — corresponde, à época em que era celebrada a festa do filho de Apolo com a mortal Coronis, Asclépio, o deus da Medicina grega.

A representação mítico-social de Asclépio, no panteão grego, por si só, identifica um ponto comum na relação entre os mundos sagrado e profano: a insubordinação à ordem divina em relação à morte.

Asclépio conquistou fama inimaginável. Preparado pelos deuses do Olimpo para ser médico, recebeu do centauro Quíron a mais primorosa educação. Asclépio adquiriu a delicadeza do tocador de harpa e a fina habilidade agressiva do cirurgião. Todos os doentes que não obtinham a cura em outros oráculos procuravam os serviços do deus da Medicina. Mais cirurgião do que médico, Asclépio criou as tiras, as ligaduras e as tentas para drenar as feridas. Em determinado tempo, ressuscitou os mortos e por essa razão foi fulminado por Zeus com os raios dos Ciclopes. Zeus matou o filho de Apolo porque temia que a ordem natural do mundo fosse subvertida pelos mortos ressuscitados.

O deus da Medicina grega deixou duas filhas — Hígia e Panaceia — e dois filhos — Machaon e Podalírio. As duas mulheres tornaram-se famosas pelos conhecimentos médicos ligados à higiene e às plantas medicinais. Os dois homens, reconhecidos como médicos guerreiros, praticando a cirurgia na guerra de Tróia, receberam especial citação de Homero (Ilíada, século VIII a.C.).

Muitas esculturas e afrescos retratando Asclépio, produzidos entre os anos 400 e 100 a.C., contêm a serpente enrolada em um bastão, como símbolo do renascimento.

Na Roma antiga, Asclépio recebeu o nome de Esculápio. Após a cristianização, a partir de Constantino, no século 4, a nova estrutura de poder, sem conseguir apagar da memória coletiva as festividades do deus da Medicina, adotou a mesma data aos novos valores em ascensão: o dia 18 de outubro passou a ser o registro festivo do nascimento de Lucas, o evangelista médico.

A serpente de Asclépio enrolou-se na cruz cristã e formou um dos mais belos sincretismos da história da Medicina. A serpente, símbolo da imortalidade acima e embaixo da terra, e a cruz, como representação do inatingível acima da terra. A serpente e a cruz fecham o ciclo mítico entre o desconhecido situado acima da cabeça e abaixo dos pés do homem.

As relações sociais, na atualidade, apontam para a metamorfose simbólica. Quando o medo da morte nos alcança e os recursos da Medicina dos homens não asseguram a cura impondo o medo da morte, como na Grécia antiga, em que os doentes suplicavam pelo milagre de Asclépio, e em Roma, o de Esculápio, no Ocidente cristianizado, o doente volta-se à bondosa imagem de Jesus Cristo, capaz de curar muito além dos conhecimentos humanos.

Não é sem razão, nem simples coincidência, que os médicos comemoram, muitos sem saber porque, o dia 18 de outubro, como marco da resistência à morte inevitável.
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Apolo, o centauro Quíron e Asclépio.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

As últimas fotos da enchente

Esquina da Guilherme Moreira com Marquês de Santa Cruz.
Ao fundo o alagado prédio da Alfândega.
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Guilherme Moreira vista da Marquês de Santa Cruz.

O ridículo "camelódromo" da Quintino Bocaiúva visto da Eduardo Ribeiro.
O prédio é a antiga Central de Correios.

Fotos: Mestre Pinheiro, que é bambambã nessa área também.
Um símbolo submerso

O maltratado relógio municipal, na avenida Eduardo Ribeiro.
drops de pimenta 18


─ Barulho!
─ Passarinhos...
─ Mas são 5 da manhã!
─ Por isso mesmo...

(Zemaria Pinto)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Ser Mandela X ser Sarney
Tenório Telles

Observando os últimos acontecimentos da crônica política brasileira, pus-me a pensar no jogo em que se transformou o fazer político no país. Nesse teatro é difícil discernir o que é do que não é. O honesto do desonesto. Tudo é cena: os bons políticos vivem o drama da generalização, são comparados aos demais. Os espertos pouco se importam com a opinião ou com escrúpulos. Vivem da dissimulação e de fingir que são decentes. Alegam sempre a vida pública, que supostamente teriam dedicado à pátria.

A verdade é que a política no Brasil virou um caso de polícia. Os homens públicos, que deveriam zelar pela compostura e pelas formalidades que envolvem o ato de governar, conseguiram um feito: desmoralizar a política, a honestidade e o bem comum. O jogo político transformou-se num salve-se-quem-puder, em que os que conseguem se destacar são os que se apropriam dos partidos, dos governos e dos parlamentos, usando os expedientes mais indignos: comprando, distribuindo cargos e cooptando adversários. Para alcançar seus propósitos pessoais fazem uso do dinheiro público e do poder da caneta. Ocorre que o patrimônio público é da sociedade e o poder de que fazem uso é do povo. Estar prefeito, governador ou presidente é algo provisório. O mesmo vale para a atividade parlamentar.

Essas facilidades que o processo político propicia explicam o fato de tantas pessoas despreparadas e interesseiras buscarem na política o caminho para a satisfação de seus propósitos pessoais. Embora usem o nome do povo e se digam democratas, na verdade o que querem é se locupletar, auferir vantagens, fazer negócios. Enriquecer. A sociedade, a verdadeira Política e a Democracia – para essa gente essas coisas são detalhes. E nesse jogo de cena existem os que são de verdade e os que se escondem atrás de uma imagem. Os primeiros se afirmam pelas suas qualidades subjetivas; os últimos, pelo poder e dinheiro de que dispõem. Fora da cena política não são nada, desaparecem.

Tenho refletido sobre a possibilidade de construirmos uma nação diferente. Esse sonho é impossível com líderes como os que temos hoje. Que país poderemos ter com governantes como Sarney? Por contraposição comecei a pensar em Abraham Lincoln, Nelson Mandela, exemplos de governantes comprometidos com uma causa e com a construção de uma pátria de verdade para seus concidadãos. Pus-me, então, a comparar duas histórias: a de Nelson Mandela e a de Sarney. O primeiro lutou para que a África do Sul fosse de todos os sul-africanos. Pagou um preço altíssimo: foi preso, humilhado, privado do convívio com a família. Como tinha um sonho, sobreviveu e fez de seu país uma nação democrática. Por isso, virou símbolo de resistência, superação e compromisso com a liberdade. Não enriqueceu e não quis se perpetuar no poder. Cumpriu a sua missão.

José Sarney é o simulacro: imaginava-se um estadista, um político sofisticado e de conduta ilibada, e um intelectual humanista. Conseguiu, durante certo tempo, manter essa imagem, escondendo o que era verdadeiramente. Como dizia Lincoln, entretanto: “Um governante consegue enganar um povo durante muito tempo. Mas um governante não consegue enganar um povo a vida inteira”. O caso Sarney se enquadra nesse aforismo do presidente americano. O presidente Lula se equivoca ao afirmar que o Brasil deve muito a Sarney. É o contrário, Sarney é que deve tudo o que é e o que tem ao povo brasileiro. Na política, ganhou projeção e importância. Tornou-se poderoso e enriqueceu, muito acima do que permitiriam seus vencimentos como senador e presidente. Apossou-se do Maranhão e imaginava que poderia se apropriar impunemente do país. Está há tanto tempo no poder que não consegue mais separar o público do privado. Por isso, age em relação à coisa pública como se fosse um bem particular. Perdeu, portanto, toda a noção do que é uma República. Sarney não é um estadista e não é político que mereça ser tomado como exemplo. É um oligarca que não percebeu que o seu tempo passou e acreditou poder enganar a história e chantagear a nação.

A política nos coloca diante de duas possibilidades: Ser Mandela ou ser Sarney. Mandela fez o que precisava fazer pela sua pátria – e não cobra qualquer tipo de compensação ou reconhecimento por isso. Sarney usou o Maranhão, o Amapá e o Brasil para alicerçar sua questionável carreira política, voltada para si mesmo e para os interesses de sua família. Não correu riscos, não foi preso, não sonhou e nem agiu para mudar verdadeiramente o país. Diferente de Mandela, esteve ao lado da opressão, foi cúmplice das prisões e mortes dos que lutaram pela liberdade nos anos difíceis da ditadura. Nunca teve um projeto para o Brasil. Sua ação política foi sempre pessoal. Nunca teve um lado, mas sempre esteve ao lado de quem estava no poder. Fica claro, portanto, que é fácil ser Sarney, ainda mais num país como Brasil. O pior de tudo é que os homens públicos que poderiam personificar, neste momento, o exemplo de Mandela estão do lado errado e muitos até mudaram de posição.

A ponte


Depois de cortar a fita, os governantes e demais convidados perceberam que ela trazia a verdade das duas beiras; assim como o lastro e o estame que a radicava ao fundo do rio. A ponte surgiu de um inexplicável salto no ar. Flutuando no horizonte e fincada na lama, era apenas um sonho.

(Marco Adolfs)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

UEA abre inscrições: Literatura Brasileira e Portuguesa


A Universidade do Estado do Amazonas recebe até a próxima sexta-feira inscrições para professor efetivo de Literatura Brasileira e Portuguesa, para duas unidades do interior: Tefé e Tabatinga.

Os interessados poderão enviar a documentação por sedex. O edital pede título de especialista ou mestrado ou doutorado em Letras.

Mais informações:

http://www2.uea.edu.br/legislacao.php?categoria=CON

(editais 045 e 046/2009)

Evento: Lançamento da Coletânea de Leis do CRSS 15.a Região AM/RR
Páginas: 376
Editora: Valer


Data: 7 de julho de 2009
Horário: 13h30

Local: Auditório do Parque Municipal do Idoso
Endereço: Avenida Rio Mar, 1324 – Nossa Senhora das Graças

Contatos: 3635-1324 (Editora)
Meu cavalo chegou
Rogel Samuel*
A mais recente edição de Pássaro de Cinza, onde foi publicado o poema.

Leio o belo soneto de Farias de Carvalho (1930-1997), o poeta amazonense, o poeta maior, tão bom quanto os maiores. Leio nO Fingidor o soneto. Farias meu professor de literatura no colégio. Farias, genial poeta:

Meu cavalo chegou

Farias de Carvalho (1930-1997)

Meu cavalo chegou (memória e nuvem),
a aurora derramada sobre a crina.
Meu cavalo chegou. Fome de tudo
estou também: engoliremos mundos.

Meu cavalo chegou. E, pressentidos,
os caminhos me espiam de suas rédeas.
Meu cavalo chegou. Há quanto tempo
gasto-me em pés e olhos nesta espera...

Meu cavalo chegou. Eu despertava
quando o vento falou-me de seus cascos
e a poeira garantiu-me sua presença.

Meu cavalo chegou. Cumprir-me-ei.
Tanta gente cansada nessas cruzes...
Meu cavalo chegou. Mortos, montai!...

Leio o belo soneto e mergulho na sua simbologia, na sua mitologia. Cavalo, signo quente, masculino, sexual. Memória e nuvem, desejos na aurora, sobre a crina. Desejo, fome de tudo, engoliremos mundos. Pressentimentos dos caminhos, de suas rédeas de virtude e de vício, de seus cascos, da poeira, da presença. Meu cavalo chegou para acordar os mortos, tema sempre constante em Farias d'Ouro de Carvalho, tanta gente morta, tanta gente cansada nessas cruzes. O ponto é aqui. A vida contra a morte. O cavalo contra a poeira esquecida do caminho...

(*)Publicado originalmente no blog de Rogel Samuel.

domingo, 5 de julho de 2009

skabrática 8

na planície radioativa, uma barata sai pelo olho do último crânio humano. limpa uma antena na outra. e segue.

(Allison Leão)

sábado, 4 de julho de 2009

Fantasy Art – Galeria

Astarte.
Boris Vallejo.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

7 notas sobre Fantasy Art
Zemaria Pinto

1. O conceito de Fantasy Art confunde-se com o de Pop Art: está dentro dele, ultrapassando-o.

2. Marginalizada, a Fantasy Art foi engendrada nas ilustrações de livros e capas de revistas, logo passando às histórias em quadrinhos. Daí até o cinema foi um passo. Mas ela dialoga também com os melhores jogos eletrônicos.

3. A sua origem, entretanto, remonta a Hieronymus Bosch, passando por William Blake e o nunca assaz louvado Gustave Doré. Sem esquecer todo o legado renascentista, de índole pagã.

4. Mesmo que a sua melhor representação ainda opte pelos suportes tradicionais, como o óleo sobre tela, a Fantasy Art pode usar os recursos mais avançados de programas de computador.

5. A sua essência, contudo, está na fantasia, na reprodução de cenas e seres fabulosos e/ou mitológicos, histórias góticas e de horror, além de ficção científica – sempre com um forte apelo erótico.

6. A miserável realidade não cabe no infinito espaço da Fantasy Art.

7. A Fantasy Art é a sublimação pictórica da contemporaneidade: é pura arte pop.

O Palavra do Fingidor passará a publicar, a partir de amanhã, todos os sábados, reproduções de quadros com exemplares de Fantasy Art.
o encontro (des)marcado


marcamos o encontro no bar da esquina. mas só agora me dou conta: nesta cidade não há bares nem esquinas.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

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Anatomia humana: resistências ao desvendar do corpo no monoteísmo
João Bosco Botelho
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Lição de anatomia do Dr. Tulp, por Rembrandt (1606-1669).

O estudo da anatomia não encontrou proibições nas sociedades greco-romanas. Na Grécia do século 4 a.C., na ilha de Cós, Hipócrates e os seus discípulos iniciaram a ruptura da Medicina com as idéias e crenças religiosas hipocráticas, trazendo para os médicos a responsabilidade do diagnóstico e do tratamento. No período pós-hipocrático, em Alexandria, o empirismo dos geniais Erasístrato, Sorano e Herófilo valorizaram a anatomia humana e as necropsias. Em Roma, no século 2 d.C., Cláudio Galeno (129-200) afirmou que “o cirurgião deve conhecer a anatomia para evitar lesar os vasos e nervos”.

Em contrapartida, o monoteísmo judeu manteve e o catolicismo e o islamismo seguiram atados à dependência da saúde e da doença com Deus. A História mostra com fartos registros que o estudo do corpo humano, escondido pela pele, encontrou dificuldades nas estruturas de poder das religiões monoteístas.

A maior justificativa da resistência está contida no dogma fundamental de o Homem ter sido criado à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1, 26: “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra”).

Compondo parte significativa dessa construção, o sangue como um elemento essencial do corpo, foi entendido de modo semelhante pelos teóricos das três religiões monoteístas: a proibição do manuseio reforçou a restrição à anatomia humana.

JUDAÍSMO
Os teóricos do monoteísmo do povo de Israel obrigaram-se a contornar um enorme empecilho, aparentemente insolúvel, refletido na realidade sociocultural dos povos que viveram no Oriente Médio: a forte tradição politeísta anterior.

A fantástica superação desse estorvo está em grande parte contida na narrativa da criação, transformando-se no ponto culminante da epopéia teológica monoteísta.

Com o pressuposto de o indivíduo observável — o homem e a mulher — representar a cópia fiel de Deus, nada justificaria o estudo do corpo. Desse modo, o naturalmente desconhecido — o corpo humano — compunha o milagre criador.

Por essa razão, os médicos judeus, alguns também rabi­nos, só estudaram os cadáveres insepultos dos heréticos e condena­dos, sem significado para a coesão social do grupo (Talmud, Bekhoroth 45a: “Um dia os discípulos de Rabin Ismael dissecaram o corpo de uma prostituta que o governante tinha condenado à fogueira... ”).

CRISTIANISMO
Em relação à sacralidade do corpo, o cristianismo — a Nova Aliança — introduziu novos ajustes na estrutura do espaço sagrado oriundo do judaísmo. Um dos mais significativos relaciona-se às explícitas diferenças entre o corpo visível e o espírito invisível (Mt 10,28: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo”).

Com essa clareza, a teofania neo-testamentária fortaleceu o Homem sendo composto de um corpo e um espírito interligados. Após a morte, o espírito receberá o prêmio ou o castigo em dependência do conjunto de ações que o corpo fez durante a vida: (2Cor 5, 10: “Aliás, todos nós temos de comparecer às claras perante o tribunal de Cristo, para cada um receber a devida recompensa — prêmio ou castigo — do que tiver feito ao longo de sua vida corporal”).

A compreensão do sangue, compondo o corpo como parte inseparável e essencial, tanto no Antigo Testamento (AT) quanto no Novo Testamento (NT), manteve sentido semelhante (Mt 16,17: “Respondeu-lhe Simão Pedro: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Disse-lhe Jesus: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos céus”. 1Cor 15,50: “Mas digo isto, irmãos, que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus; nem a corrupção herda a incorrupção”).

Em comparação ao AT, o NT aborda de maneira muito mais marcante a importância do sangue na construção da vida ligada a Deus. Enquanto Moisés inaugurou a aliança entre Deus e o povo eleito com o sangue dos animais sacrificados, a Nova e Eterna Aliança foi selada por Jesus com o seu próprio sangue (1Cor 11,25: “Do mesmo modo, após a ceia, tomou o cálice dizendo: Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei‑o em memória de mim”).

Esse conjunto teórico de salvaguardas contra o estudo da anatomia humana culminou com a absoluta proibição do manuseio do sangue, no Concílio de Tours, em 1163, com a proclamação da bula Eclesia abhorret sanguine (A igreja abomina o sangue).

O fechamento das escolas de Medicina, o aparecimento dos cirurgiões-barbeiros que cortavam cabelos e barbas, drenavam os abscessos e amputavam os membros, destacam-se entre as consequências dessa intolerância.

ISLAMISMO
A palavra árabe correspondente a anatomia, ilm al‑tasrib, é precedida pela raiz saraha que significa literalmente trinchar, cortar, separar.

Como o islamismo entendeu a criação dependente e sequenciada (Sura 23,13‑14: “Depois, transformamos o esperma em coágulo, e o coágulo em óvulo, e o óvulo em osso, e revestimos o osso com carne. E era mais uma criatura. Louvado seja Deus, o melhor dos criadores”), a dilaceração da carne, indispensável ao estudo da anatomia, foi seguidamente impedida pela convicção de que a integridade do corpo era indispensável à ressurreição.

CORPO DESVENDADO
Com a decomposição da ordem feudal, houve a sedução coletiva para renascer a cultura grega. O desejo de conhecer o que estava encoberto sob a pele dominou a interdição, já irremediavelmente enfraquecida pela corroída ordem feudal.

As novas universidades impulsionaram os médicos, cirurgiões, artistas e pintores; começaram movimentos conjuntos para levantar o véu opaco que cobria os músculos e as vísceras. Entre os séculos 17 e 18, só na França, foram fundadas mais de vinte escolas médico‑anatômicas apoiadas por uma centena de confrarias de cirurgiões.

A harmonia dos limites interiores do corpo desvendado encantou todos e fez vibrar também a caneta dos poetas e os pincéis dos artistas. A sensibilidade de Leonardo da Vinci (1452‑1519) buscou a profundidade da forma e produziu inúmeros desenhos dos ossos, das artérias e veias com uma perfeição próxima do eterno.
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Outros artistas, contagiados pela importância do tema, conseguiram transpor para a tela o instante em que o saber é a emoção. Foi o caso de Rembrandt (1606‑1669) ao pintar a Lição de Anatomia do Dr.Tulp. O quadro que deu vida à atitude majestosa do cirurgião e aos semblantes dos alunos, inflados de fascínio, é uma prova inquestionável do quanto o desvendar renascentista do corpo encantou os homens.
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Estudo de anatomia feminina, por Leonardo da Vinci (1452-1519).

quarta-feira, 1 de julho de 2009

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drops de pimenta 17


Joca, hoje é nosso aniversário. Parabéns, você ainda consegue me dar um friozinho na barriga.


(Zemaria Pinto)