Amigos do Fingidor

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Medicina e Astrologia
João Bosco Botelho
Mapa astrológico.

O encantamento pela astrologia como prática divinatória consolidou-se nos primeiros núcleos urbanos, em torno de cinco mil anos.

As práticas divinatórias astrológicas, mesmo após os complexos processos de adaptações aos movimentos sociais, continuam mantendo relações próximas com as antigas crenças e ideias religiosas estruturadas na Mesopotâmia.

Os vestígios dessa estranha dependência, entre homem, mulher e os astros reconhecíveis no firmamento, podem ser rastreados em alguns registros da escrita cuneiforme. O sinal gráfico correspondente ao divino – elemento incomensurável e todo-poderoso do passado e do futuro – é o mesmo que designa a palavra estrela. Os deuses babilônicos – Schamasch, Sin e Ischtar – eram os guardiões do céu sob a forma do Sol, da Lua e do planeta Vênus, os três astros mais destacados do firmamento.

Assim, a força da astrologia, na modernidade, não deveria causar tanta admiração. A fé no poder dos astros, determinando o destino das pessoas e do mundo, é tão antiga quanto as primeiras aglomerações urbanas.

Algumas palavras atuais estão repletas de significado astrológico. O prefixo latino menstruus, que originou menstruação, está ligado ao processo repetitivo de vinte e oito dias do mês lunar.

Para estarem mais próximos dos astros – representação física dos deuses – os homens idealizaram os elementos mais sagrados fixados nos topos das montanhas mais altas: os chineses, no Himalaia; os japoneses, no Fuji; os gregos, no Olimpo e os hebreus, no Sinai.

Onde não existia montanha os povos construíram montes artificiais. Um dos mais antigos, o Zigurate, na Mesopotâmia, com o topo dedicado à morada e culto dos deuses. A mesma ideia alcançou os povos do planalto mesoamericano, motivadora das monumentais edificações piramidais, plenas de significados religiosos com os elementos celestes, especialmente o Sol e a Lua.

Apesar das adaptações adquiridas também com os novos saberes sobre os elementos visíveis no firmamento, a astrologia divinatória conservou a primitiva estrutura de sedução: utiliza a adivinhação dedutiva, a partir da interpretação do movimento astral.

Sob esse enfoque, pode ser considerada uma história de longa duração, inserida nas muitas heranças físicas das divindades, oriundas nas primeiras cidades, moldada pela inteligência humana, burlando o futuro desconhecido, tornando-o domável.

Os saberes acumulados dos ciclos da Lua, dos planetas e das estrelas, em especial, o Sol, como a principal fonte da vida, foram repassados às gerações. Os elos desse poder transcendente metamorfoseado receberam nomes diferentes, nas linguagens superficiais, em muitas culturas. No Império de Augusto, adotaram a semana planetária de sete dias, sendo cinco deles dedicados aos cinco planetas conhecidos, um ao Sol e outro à Lua.

Com a cristianização em curso, a partir de Constantino, os primeiros teóricos cristãos iniciaram forte resistência ao culto do Sol, identificado com o deus egípcio Mitra. Parece lógico supor que o intento era desfazer a possível associação alegórica entre o Sol e Jesus Cristo. Esse relevo teogônico se posta ainda mais claro no Evangelho de São Paulo, na repreensão dos Gálatas, que insistiam em adorar as divindades do politeísmo, para identificar os dias e os meses (Gl 4,8-10).

Os médicos medievais, entre os séculos VII e XI, criaram situações bizarras ao utilizarem a concepção neoplatônica de similitude entre o macrocosmo e o microcosmo, construindo extremados prognósticos astrológicos.

Nesse período, predominava a certeza de que a saúde, a doença, a boa sorte, o azar, a sexualidade e a procriação estavam sob a decisiva influência dos astros.

Existia, por exemplo, contraindicação absoluta para realizar uma cirurgia na perna se a Lua estivesse no mesmo signo zodiacal do doente. As inevitáveis e fatais complicações seriam consequência da umidade do planeta sobre a cicatriz operatória.

O mestre João, mistura de astrólogo e médico, vindo na esquadra de Cabral, ao desembarcar no litoral brasileiro, não se interessou pelos nativos. Na sua carta ao monarca português, descreveu a constelação, em forma de cruz, visível no hemisfério sul, origem do nome da nova terra.

O Renascimento chegou e reafirmou o prestígio da astrologia. Reis e papas só seriam coroados se a data fosse de presságio auspicioso. A expressão artística renascentista ressaltou a alegoria dos corpos celestes. As ricas residências, capelas, igrejas, abadias ficaram repletas de afrescos, ampliando a glória do poder astral. Os doze apóstolos, lembrando os doze signos do zodíaco, e os deuses do Olimpo eram louvados nas obras poéticas dos pintores e escultores.

Em pleno século XVII, a certeza coletiva de que os planetas determinavam o rumo da vida e da morte era de tamanha solidez que a estatística de mortalidade da cidade de Londres, no ano de 1632, registrou treze mortes por planet, ou seja, pela influência do planeta.

O céu continua causando fascínio e admiração. É possível vê-lo, todas as noites, pleno de luzes, de grandeza incomensurável, impossível de ser compreendido e tocado.

Poucas coisas enchem mais de medo do que o futuro imprevisível. A medicina astrológica, como no passado, continua sendo utilizada pelos adivinhos, atuando como curadores, para diminuir a insegurança em relação ao futuro desconhecido e à morte temida.