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terça-feira, 17 de junho de 2025

Bloomsday em Manaus

 Pedro Lucas Lindoso

 

Os sudestinos subestimam Manaus. No “boom” da borracha nós tivemos o maior PIB nacional. Onde há dinheiro a cultura floresce. Foi assim no Renascimento. Acontece em todo lugar. E aqui corre dinheiro. E mais: a cidade já deu gente como Claudio Santoro, Thiago de Mello, Márcio Souza, Milton Hatoum, Elson Farias.  A lista é enorme. E um caboclo formidável que organiza o Bloomsday aqui. O Nelson Castro. Sim. Temos movimento cultural. Temos gente que gosta e conhece Literatura. Temos Bloomsday.

James Joyce é, sem dúvida, uma das figuras mais influentes da literatura do século XX. Seu impacto vai muito além do seu tempo, pois sua obra desafiou as convenções narrativas tradicionais e abriu caminhos para a modernidade na literatura. Entre suas criações mais célebres, destaca-se Ulisses, uma obra monumental que retrata um dia na vida de Leopold Bloom, na cidade de Dublin, em 16 de junho de 1904.

Joyce não foi apenas um romancista; foi um inovador do idioma, um mestre na técnica do fluxo de consciência, que busca retratar os pensamentos mais íntimos e complexos de seus personagens. Ulisses é considerado um verdadeiro épico urbano, uma celebração da cidade de Dublin, suas pessoas, suas histórias e suas emoções. Sua importância reside na sua capacidade de transformar o cotidiano em uma obra de arte, elevando o trivial ao sublime, e desafiando o leitor a uma leitura atenta e sensorial.

O Bloomsday é uma celebração anual que acontece justamente no dia 16 de junho, data em que se passa toda a narrativa de Ulisses. Essa data foi escolhida porque representa o dia em que Leopold Bloom vive suas aventuras na história. Desde a sua criação, na década de 1950, o Bloomsday virou uma espécie de homenagem a Joyce e a sua obra, reunindo leitores, estudiosos e admiradores em Dublin e em várias partes do mundo. Durante as celebrações, é comum que as pessoas revisitem os locais descritos no livro, leiam trechos da obra, assistam a peças teatrais, participem de leituras públicas e até mesmo revivam as experiências do personagem principal.

O Bloomsday é mais do que uma comemoração literária; é um símbolo de como a literatura pode criar laços entre as pessoas, transformar uma cidade, e eternizar uma obra através do tempo. Joyce, com sua genialidade, mostrou que a narrativa pode ser uma janela para a alma de uma cidade e de seus habitantes. E, ao celebrar esse dia, mantemos viva a chama da inovação, da criatividade e do amor pela leitura.

Assim, James Joyce permanece como um gigante na história da literatura, e o Bloomsday como uma celebração vibrante de sua visão única do mundo — uma homenagem eterna a um dia, uma cidade, um homem, e a toda a magia que a literatura pode proporcionar. E claro, aqui em Manaus, como em toda cidade onde se lê e produz Literatura, comemora-se o Bloomsday. Por que não?


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Livraria é templo

Marco Adolfs

O cronista, em frente à Shakespeare and Company.

Preciso escrever alguma coisa sobre as livrarias, esses lugares inventados para vender livros. Sempre penso, quando entro em uma, que na livraria estão todos os santos consagrados pela sabedoria humana.

Se para o escritor argentino Jorge Luiz Borges uma livraria era como se fosse uma espécie de paraíso, para mim qualquer livraria é sempre um campo repleto de árvores, frutos e flores.

Sou um rato de livrarias. Desses que fuçam os livros sabendo que ali existe sempre um odor característico que nos faz desejar comê-los. Mas se não posso comê-los – pelo menos literalmente falando –, levo-os para casa. Lá, os degusto como devem ser degustados. Pelo menos alguns desses.

Se livrarias são templos consagrados, existem algumas catedrais espalhadas pelas capitais do mundo. Recentemente estive em uma dessas catedrais, a Shakespeare and Company, localizada em Paris. Mas aqui vale uma observação: essas “catedrais” não são catedrais por causa do seu espaço físico, mas sim pelas suas especificidades. Não passam de portinhas atulhadas de livros espalhados quase que de forma caótica. São livrarias para você fuçar e não se perder.

A história da Shakespeare and Company é de se visitar em rápidas pinceladas. Tirei um dia, no intervalo desta escrita, só para respirá-la. Ela é uma dessas livrarias que viraram ponto de romaria.

A Shakespeare and Company começou a existir naquela Paris dos anos 20 do século passado. Por ali passaram Gide, Valéry, Picasso, Pound, Joyce e Hemingway, entre outros. Sua história daria um romance ou um filme. Para se ter idéia de seu peso, foi nessa livraria que o Ulysses, o livro famoso de James Joyce, foi editado pela primeira vez.

Na verdade existiram três Shakespeare and Company. As duas primeiras, criadas pela americana Sylvia Beach. Uma, a primeira, aberta na rue Dupuytren em 1919, e que durou apenas vinte meses, e a segunda, localizada na rue l`Odeon, 12, e que durou até 1941. A terceira e definitiva é uma imitação, usando a franquia do nome, criada em 1951 por George Whitmam, e que até os nossos dias continua na Rive Gauche, no número 37 da rue de la Bucherie. Ainda hoje, uma livraria especializada em literatura de língua inglesa.

Dois fatos notáveis sobre essa livraria merecem ser relatados rapidamente aqui. Um deles foi a edição dramática e dificultosa, pela própria livraria, como já disse, do romance Ulysses, de James Joyce, entre 1921 e 1922. E o outro caso se deu em 1941, quando um oficial alemão fez pressão para que Sylvia Beach lhe vendesse a cópia do Finnegans Wake e ela se recusou. O oficial, revoltado, ameaçou-lhe confiscar todos os bens. Sylvia imediatamente chamou seus amigos e transferiu todo o estoque da loja para um outro lugar, ludibriando o oficial nazista. Mas esse fato selou o fechamento da sua livraria.

Quanto à edição de Ulysses, além de Sylvia resolver editá-lo sem experiência alguma, houve uma verdadeira guerra de bastidores no que diz respeito a censuras prévias vindas de setores conservadores da sociedade e quanto ao serviço de datilografia e revisão exaustivos, já que Joyce mudava constantemente o texto e sua caligrafia era de difícil entendimento.

Um verdadeiro périplo, repleto de situações negativas, permeou toda a pré-edição da obra: com manuscritos de partes do livro jogados ao fogo por um ciumento marido de uma das datilógrafas, pressões de assinantes impacientes em prol da obra que haviam pago antecipadamente, e o problema crônico em um dos olhos de Joyce, que teve que ser operado às pressas, ainda com o livro sendo revisado.

Mas, com pressões de todo o tipo, o livro finalmente foi lançado em fevereiro de 1922. Já a sua comercialização posterior nos países de língua inglesa foi mais uma aventura à parte, com intervenções até de contrabandistas voluntários, que passavam a obra por guardas de fronteira, escondida entre suas roupas. Imaginem então, milhares de livros grossos, passando um por um e todos os dias, na travessia de uma inocente balsa.

Essa é uma apenas uma parte, que resolvi contar, desse nosso mundo de textos, livros e livrarias. O que devemos notar sempre é o serviço que essas livrarias – sejam elas quais forem –, prestam à iluminação, quase que de fundo religioso, à humanidade. São templos onde a intolerância e a barbárie – como diz o nosso amigo Tenório Telles, coordenador editorial da nossa livraria Valer – não podem entrar.