Amigos do Fingidor

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Fantasy Art - Galeria

Birth Of Venus.
Jason Chan.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Curso de Arte Poética

Jorge Tufic
 
II.3.3 - A RIMA


                   As rimas podem ser classificadas em vários tipos:  

·        leonina; ela ocorre quando tônica, que marca a cesura mais forte, dividindo o verso em dois segmentos ou hemistíquios, coincide por identidade tonal com a tônica da palavra final do verso: “por não nos maguarmos ou mudarmos” (idem);  

·        grave; também chamadas FEMININAS ou PAROXÍTONAS. São rimas com palavras acentuadas na penúltima sílaba, como no seguinte exemplo que nos dá Geir Campos:
 

O que me espanta na vida,

a que nunca foi vivida,

não é sabê-la perdida.

         É ver que tudo vem dela:

         vive nela.

                              (Emílio Moura)      


·        pobre; rima com palavras da mesma categoria gramatical, substantivo com substantivo, advérbio de modo com advérbio de modo, verbo com verbo na mesma pessoa e tempo, e daí por diante (idem). Ex: “silêncio agora mais fundo/dorme num sono profundo”;  

·        rima rica é a rima com palavras de categoria gramatical diferente, de substantivo com adjetivo, verbo ou advérbio: “Azul celeste à parede/Sobre o papel que a reveste... E é toda a câmara, vede,/Azul celeste”;  

·        rima toante; é a rima que apresenta semelhanças apenas de vogais; chama-se toante, assoante, imperfeita ou parcial: “Ai, flores, ai flores do verde pino/se sabedes novas do meu amigo?”;  

·        rimas consoantes; soantes, perfeitas ou totais; rima com identidade de tom na sílaba tônica e na articulação consonantal da sílaba seguinte, sem no entanto ser idêntica a sílaba de apoio da tônica: “Nasceu pelos calores de janeiro/Às três da madrugada.../E foi ele o primeiro” (Mário Pederneiras, ct.por Raul Xavier)  

·        rimas perfeitas; rimas de palavras com identidade fonética na sílaba tônica e na estrutura consonantal das sílabas subsequentes: “Deixava a pátria e verdade/Ia morrer de saudade” (ib);  

·        rimas imperfeitas; é o caso ao inverso, como se lê em Arthur Azevedo: “É caso decidido os doutro sexo:/Não têm, não podem ter na casa ingresso”;  

·        rima anagramática; rima com palavras cuja sílaba tônica é idêntica, sendo, no entanto, diversa a estrutura silábica: lava, alva; dona, onda; 

·        rimas intercaladas; são as rimas que intercalam uma unidade rítmica em outra, segundo a estrutura abba   bccb   cddc, etc. Ex: agas/endo/endo/agas;  

·        rimas internas; são as rimas feitas entre palavras dentro dos versos, como neste exemplo do “Livro de Sonetos” de Jorge de Lima: “Olhos, olhos de boi  pendidos vertem/prantos por quem se foi. Ouvidos ouvem,/calam. Crepes enlutam as janelas./Fundas ouças escutam seus gemidos”;  

·        rimas cruzadas; as que se distribuem de forma alternada, uma a uma, conforme a estrutura abab (NNC, obra cit.); 

·        rima peregrina; rima com palavras raras ou de uso invulgar, como marulhos com tortulhos ou pântanos com espanta-nos, etc;  

·        rima equívoca; é a rima com palavras homônimas, homógrafas, homófonas, que variam de categoria gramatical, por metassemia ou mudança de significação: “Chegada a frota ao rico senhorio/Um português mandado logo parte/A fazer sabedor o rei gentio/Da vinda sua a tão remota parte” (Camões), (RX, obra cit.); 

·        rimas exóticas; são rimas com palavras de idioma estrangeiro;  

·        rima erudita; rima com termo do vocabulário científico, filosófico ou de língua morta (idem). Augusto dos Anjos pode servir como exemplo. 

                   É bastante extensa, porém, a nomenclatura da Rima, com seus desdobramentos e novidades. Sua “história”, inclusive, desperta o maior interesse quando ficamos sabendo que os poetas gregos e latinos demonstravam ser a rima dispensável ao poema e poemeto, em sua condição de obra de arte feita com palavras. “A rima – esclarece Raul Xavier – teve sua origem em um complexo processo linguístico, que se processou desde o primário processo de emissão oral dos fonemas, até os da sensibilidade estética e intelecção com objetivos sócio-culturais” (...) “A intenção de exprimir, salientar prosodicamente um motivo, não estaria divorciada das vozes fonossimbólicas. No latim, observa ainda Marouzeau, “a pouca variedade de desinências nominais e verbais implicava em algo de monotonia”. O mesmo latinista assinala que a ocorrência do homeoteleuten no final dos membros simétricos toma o aspecto de rima, sendo esta um dos elementos do carmen, acrescentando: “Como o hometeoteleuton, muitas vezes combinada com ele, a rima redobrada confere ao enunciado tal valor que ela se encontra, particularmente nos poetas e sobretudo em composições que tenham de produzir certos efeitos.”

                   Tal como as espécies literárias do gênero Poesia, o elenco da Rima, por sua vez, mobiliza um número considerável de denominações relativas aos seus diversos manejos: Alguns exemplos apenas: ACATALÉTICA - com palavras paroxítonas; AGUDA - com vocábulos oxítonos ou monossilábicos; ALEIJADA, ALITERADA, ALOFÔNICA, AMPLIFICADA, ANTITÉTICA, ARCAICA, ARTIFICIAL, ASSOANTE, BARÍTONA, BISESDRÚXULA, CAUDADA, COMPLETA, CONSOANTE, CONSONÂNTICA, CONTINUADA, COROADA, CRUZADA, DATÍLICA, DERIVADA, DISSILÁBICA, DISTANTE, ECOANTE, EM ECO, EMPARELHADA, ENCADEADA, ENTRELAÇADA, EQUÍVOCA, ERUDITA, EXÓTICA, EXPLETIVA, EXTERNA, FALHA, FECHADA, FEMININA, FIGURADA, FONÊMICA, GEMINADA, GRAVE, IÂMBICA, ÍMPAR, ISOSSILÁBICA, LEONINA, etc. etc. etc.

                   Os “Dicionários de Rimas”, a exemplo do que citamos alhures, costumam esmerar-se pela riqueza de informação e excelente metodologia, para o bom desempenho da consulta. Começam, portanto, com substantivos monossilábicos: À, chá, fá, K, lá, pá, pá, Sá, xá; e vão, num crescendo: dissílabos, trissílabos, quadrissílabos e daí para os verbos, substantivos, adjetivos, etc. Vale a pena ter um, para os momentos de maior dificuldade. A sugestão é válida, pois somente assim é possível verificar a fertilidade de vocábulos, por exemplo, terminados em ia, im, osa, or, entre muitos outros.

domingo, 28 de outubro de 2012

Manaus, amor e memória LXXX

Cachoeira do Tarumã, há uns 50 anos...

sábado, 27 de outubro de 2012

Fantasy Art - Galeria

Ivy Florae.
Heather M. Chernik.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

“Rasos d’água”, pélago profundo 1/2

 

Zemaria Pinto
 
Na apresentação da poesia reunida de Astrid Cabral – De déu em déu (1979-1994) –, Antônio Paulo Graça observou na obra duas linhas de força: “uma que investe na interioridade (pessoal e geográfica), outra que busca decifrar o enigma do exterior, sejam os países, sejam as ameaças da existência”. Graça analisava os cinco primeiros livros de poemas de Astrid. Dois livros se seguiram àquela coletânea: Intramuros, de 1998, e este Rasos d’água, cuja primeira edição é de 2003. Intramuros divide-se em três partes: o próprio título, “Jaula” e “Extramuros”. A primeira e a terceira confirmam, literalmente, a observação do crítico; a segunda parte não a nega.
A poesia de Astrid Cabral é mesmo toda feita dessa matéria que se forma na memória, sedimentada pelo tempo: pequenos acontecimentos cotidianos, domésticos; Rio de Janeiro, Recife, Manaus; Cairo, Beirute, Chicago; viagens, viandas, vertigens. A memória buscando o quando e o onde, e encontrando o talvez, amalgamado com os fatos da manhã chuvosa que não finda nunca. Confirmamos isso na leitura de Rasos d’água. Dividido em duas partes, “Copo de mar” e “Barquinhos de papel”, o livro é uma viagem épica pela memória líquida, das lágrimas à neve, banhando-se de chuva, perscrutando o mar, os rios inúmeros, em permanente tensão com o pathos da morte, que ora se aproxima e sangra, ora se afasta e observa a velhice inevitável, ora apenas lembra/relembra a dor para sempre represada.
Proponho ao leitor um passeio sequenciado pelos poemas de Rasos d’água. Será, assim, mais simples estabelecer as conexões com o mote que tomamos emprestado ao saudoso Paulo Graça. “Copo de Mar” abre com uma declaração que prepara o leitor para a viagem que se inicia:
 
(...) não peço a Deus balsas
barcaças nem praias.
Só um coração couraçado.
 
A palavra “couraçado” deve ser lida com o duplo sentido que ela encerra: o metafórico, de navio de guerra, preparado para o combate mais violento; o literal, de armadura impenetrável, que deriva no entendimento de insensível, sem emoção. É isso o que pede o eu lírico: distanciamento para cantar os fatos que a memória guarda como ondas, ora de violentas tempestades marinhas, ora de pedrinha atirada formando círculos no lago sereno.
Os poemas que se seguem têm como motivos a perda e a sobrevivência, sempre na presença do elemento líquido:
 
Afinal, as coisas não mudaram nada
e ninguém suspeita
do naufrágio seguido de milagre.
Meus olhos, porém, mudaram o cosmos.
Puseram esta lágrima boiando
no rosto do mundo.
(Sobrevivência)
 
Por que esta ânsia de sobreviver
assim se amoita no âmago de mim (...)?
 
Por que morrer me assusta e paralisa
se o que temo perder, de longe sei
nada tem de eldorado ou paraíso?
(Crepúsculo)
 
O que me espanta
não é a morte
mas a vida, diga-se
a subvida da sobrevida.
(De coração partido)
 
O confronto Eros versus Tânatos parece não apontar vencedor. Mas a voz do eu lírico vai serenando, o soluço desatado transformando-se em doce lamento, até o equilíbrio resignado da convivência com a dor:
 
Mas esta dor não é algo
que se veste ou despe.
É coisa que respira comigo
algo por dentro da pele.
(A companheira)
 
A sequência de reflexões sobre a velhice é pontuada de autoironia e um leve amargor, mas sempre acompanhados de imagens de forte apelo poético:
 
Éramos potros selvagens
farejando precipícios
pelas pastagens do mundo.
No curral ainda nos sobra
a noção do tesouro perdido
e essa ração de memória
é a esmola que nos cabe.
(Metamorfose)
 
Não falta nem mesmo um toque (involuntário?) de humor ao reclamar da “falha divina”, recriando a velha anedota criacionista:
 
Por favor não falem de
maturidade e sabedoria.
Pois de que valeriam
atrasadas, sem serventia,
na instância de sufoco
do corpo em atrofia?
(Terceira idade)
 
A reflexão sobre o tempo deságua naturalmente no exercício da memória. Mas não são apenas registros de lembranças. Antes, intertextos com o presente:
 
Era a glória da inocência.
Ainda éramos meninas!
A dor só lambera a pele
não cravara ainda os dentes.
(Na glória)


Memória e testemunho de Moacir Andrade


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Fantasy Art - Galeria

Renso Castañeda.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Prolibido, de Marcileudo Barros


Candinho e Inês, entre rimas e canções




 
 
 
 
Os artistas Candinho e Inês estarão no dia 26/10, a partir das 21h, na Associação dos Servidores do Inpa – ASSINPA, com o Show “Entre Rimas e Canções”. O show faz parte da Programação Comemorativa aos 30 anos de história da dupla na cena musical de Manaus. Nesta noite, em especial, Candinho estará lançando seu primeiro livro de poemas, com o título Flores pra enfeitar o chão da manhã, vencedor do Prêmio Violeta Branca Menescal, na Categoria Nacional, promovido pelo Conselho Municipal de Cultura.

O evento contará com as participações especiais do cantor e compositor Antônio Pereira e do Poeta paranaense Altair de Oliveira.

Parte da arrecadação será destinada ao Projeto Cultura pela Vida que desenvolve ações de assistência social.

Os ingressos já estão à venda no valor de R$ 10,00. (Pelos telefones e na banca de revista do Largo São Sebastião)

A ASSINPA fica na Rua da Lua, s/n – Conj. Morada do Sol.

Outras informações pelos telefones 9112-3481 ou 9125-5409.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Curso de Arte Poética


Jorge Tufic
 
II.3.2 - O RITMO

 

                   Regular, uniforme ou complexo, o ritmo do verso é geralmente marcado pela intensidade (ritmo acentual), pela duração (ritmo quantitativo) ou pelo timbre (ritmo qualitativo), ou seja, pelo apoio nos elementos fortes da fonação, pelo tempo de prolação de um fonema ou grupo de fonemas, ou pela tonalidade, “se for referente à ocorrência de alguns sons” (“Vocabulário de Poesia”, Raul Xavier, Ed. Imago/Mec, RJ, 1978). O ritmo tem sido apontado como um dos fatores que distingue a prosa da poesia, ou a prosa comum da prosa poética. No verso, contudo, quer seja livre ou metrificado, o ritmo “pulsa” ou transmite a linguagem poética. 

                   São os apoios rítmicos ou cesuras que respondem pela sequência de sílabas fortes e fracas que formam os versos e as estrofes de um poema, como antes ficou demonstrado (O METRO). Segmentos rítmicos se denominam, portanto, “unidades de sons” ou sílabas métricas, delimitadas sempre, pelo ritmo. Como neste exemplo “bolado” aqui mesmo, nesta sala de aula:

Morre o homem/fica a roupa,

Cai o muro/passa a nuvem,

Passa a nuvem/brota o sonho

domingo, 21 de outubro de 2012

Manaus, amor e memória LXXIX

A praça da Matriz, com o rio Negro ao fundo.
Parece impossível, mas já foi verdade...

sábado, 20 de outubro de 2012

Fantasy Art - Galeria

Jiansong Chen.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 4/4


Zemaria Pinto

Capa da plaqueta, publicada em 1993.
Simão Pessoa – Num dia qualquer de não sei quando – não botou data na dedicatória –, procurei o stand da Livraria Cabocla. Feira do Li­vro, Praça São Sebastião: "você compra o livro aqui, o autógrafo é ali no Armando", me diz o Ruy. Era o Brinca Comeu Brinco, reunião de cinco livros anteriores, obra completa antes dos 30 anos. O pou­co que conhecia dos jornais escancarava-se naquele livrinho raro: o lirismo perverso, do tipo que antagoniza o leitor, avisava logo no primeiro poema de Old Fashioned:

sei que escrevo pra mim mesmo

E não havia sequer vestígios do remorso elementar com que é tratada a cultura aldeã. Dessacralizar a pasmaceira geral era a pa­lavra de ordem daquele exército individual:

caldeirada de bodó
moqueca de jaraqui
filé de tucunaré
costela de tambaqui
suco de jenipapo
batida de buriti
creme de graviola
sorvete de açaí
e no final do embate
a diarreia à la carte

Nem o guaraná velho de guerra era poupado:

no mercado central
turista quer guaraná
coitado pensa que é fácil
fazer pica levantar

Em Ócio dos Ofídios predomina um lirismo comprometido com um 1978 que parecia não ter fim. À maneira de Bacellar, poemas dedicados às frutas amazônicas, terenas, andirás e o belo "Distrito
Industrial". Ecológico antes da moda, jamais chato. Os poemas de Ca­rajo retomam a lírica escrachada, em sintonia com a manhã anunciada:

estava tão excitado
que nem tirou a chuteira
mordeu os seios com força
quase arrancou os mamilos
meteu o dedo na xana
arrebentou o clitóris
ainda se não bastasse
a ejaculação foi precoce
agora quer o divórcio
a mulher do torturador

Há registros de uma insuspeita alegria, denunciada pelas refe­rências infantis que pedem uma algazarra ao fundo:

Ivo ganhou uma ave
a ave de Ivo voa
baleei a ave do Ivo
Ivo ficou puto
Ivo me dedou pro velho
Ivo é um viado

Ou:

O cravo transou a rosa
debaixo de uma sacada
o cravo saiu sorrindo
a rosa descabaçada

Essa alegria não disfarçada tem seu contraponto natural na pla­cidez onírica de um poema que tem tudo para passar desapercebido em sua singeleza, se não despertasse o leitor com o vigor das palavras escolhidas:

era dia de S. Cosme
com crianças e cirandas
vestias uma camisola
recendendo a lavanda
foi sonho ou foi delírio
a trepada na varanda?

Em Miss Heartbreak a persona lírica é feminina e o poema desenvolve-se de maneira uniforme e sequenciada: da primeira denti­ção ao primeiro aborto, passando pelas experiências sensoriais mais elementares – a masturbação ao som de Eric Clapton, o primeiro porre, as paixões adolescentes, overdose, ácido, sodomia, cursinho, feminismo – até o fim:

e partiu assim de repente
deixando um vago na gente

O poema "Loba das Estepes" sintetiza o pensamento de Miss Heartbreak:

os homens me temem pelo que represento
subvertendo o jogo secular do jugo
(...)
para que da triste memória
do passado tão recente
se dê à luz uma nova mística feminina
e que eles de repente
percebam
que trinta paus não valem uma vagina

Fecha o volume o maiúsculo Trastes & Contraste, ultrassonografia poética desta cidade maluca:

são tantas cidades em uma só
que só conheço a menor
que só conheço a pior

Ah, querida leitora, prezado leitor. Se tiveste paciência para até aqui acompanhar-me, dir-te-ei o que me moveu a escrever estas parcas laudas: vinte palavras, leitora, vinte palavrinhas, leitor, que me calaram fundo na magrugada em que as li:

Esperamos que Simão Pessoa, porém, evolua sua linguagem poética, para que seu casamento com o sarcasmo não acabe em divórcio.


Cláudio Feldman, ao comentar os Hard Kais no novo livro de Si­mão, Matou Bashô E Foi Ao Cinema, foi o responsável pela minha insô­nia. Ó Simão, além do Bashô, manda o Brinca também pro Cláudio. Eu empresto o meu exemplar. Pra copiar.

A referência cinematográfica do título não é gratuita: underground e escrachado, Simão mata o pai Bashô e, se não reinventa, re­dimensiona o haicai e o poema-escracho, escrachando aquele e sobre­carregando de finíssimo lirismo este, como no metalinguístico "Súbito Aguaceiro":

Libertam-se libélulas
crisálidas de cristal
sob sol insólito

e eu meio bundão
cansado de fazer
tanta aliteração

Observe-se que há dois poemas, imbricados, o segundo comentando o primeiro, subvertendo o rigor métrico ortodoxo, porém conservando uma musicalidade expressiva, como neste "Flores de Cerejeira", onde o caráter oriental da forma é atropelado pela realidade telúrica que cerca a criação poética:

Olho para as flores
Olho e as flores caem
Olho e as flores riem

Brincadeira:
nessa porra de cidade
nem existe cerejeira!

Filiado à milenar tradição do escracho, Bashô traz como apêndice Karalhokê, 40 haicais de fazer corar os catecismos do velho Zéfiro: das manjadissimas Papai e Mamãe e Barba, Cabelo e Bigode até as pós-modernas Nintendo e Realidade Virtual, Simão inventaria as posi­ções do jogo amoroso, com um humor corrosivo, próximo à dor. Um hu­mor que não poupa nem ao poeta nem ao leitor: lírica escrachada. Um conceito que supera, porque contempla, as definições de poesia satí­rica, poesia burlesca, poesia erótica e cognatos, reunindo sob seu manto uma poesia com todas as qualidades técnicas intrínsecas, mas com um motivo patente, desmascarado, que não deixa margem a segundas leituras: escracho. Uma redução do caráter múltiplo da poesia a uma condição linear, prosaica? Absolutamente. A permanência e a univer­salidade do poema-escracho residem exatamente na coragem do poeta de lançar mão, com arte superior, do momentâneo ou do ridículo para eternizar-se.

Sophia: poema de mil faces transbordantes


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Fantasy Art - Galeria

Song of the Hummingbird Muses.
Jonathon Earl Bowser.



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

“Nós, Medeia” no 9° Festival de Teatro da Amazônia



Será logo mais, às 20h00, no Teatro Amazonas, a apresentação de “Nós, Medeia”, de Zemaria Pinto, com direção de Gerson Albano e produção de Ednelza Sahdo, dentro da mostra competitiva do 9° Festival de Teatro da Amazônia.


Ingressos na bilheteria do Teatro, a R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia).

Curso de Arte Poética

Jorge Tufic

II.3.1 - O METRO


                   Metro é palavra de origem grega. Medida provém do latim. Embora ambas remetam para o fenômeno prosódico e fonético, há uma diferença: é que metro, na poemática grega, refere-se a pé, segmento de verso formado por sílabas longas e breves, tomadas em seu valor prosódico tonal. Nos idiomas neo-românicos, medida refere-se à sílaba, tomada como unidade fonética no encadeamento silábico do verso. Não havendo, praticamente, nas línguas românicas, uma distinção entre as sílabas breves e longas, na estruturação dos versos em português, predomina a medida. 

                   Metro, portanto, é a medida das sílabas que formam a linha do verso. A contagem das sílabas métricas - que diferem das sílabas gramaticais ou da escrita prosaica - chama-se escansão. As regras da escansão, segundo o número de sílabas, abrange doze espécies de versos, que são: monossílabos, dissílabos, trissílabos, tetrassílabos, pentassílabos, hexassílabos, heptassílabos, octossílabos, eneassílabos, decassílabos, hendecassílabos e dodecassílabos.
 
                   Conta-se a sílaba do verso até a última sílaba tônica. Os versos monossílabos têm um só acento tônico ou predominante: os versos dissílabos têm o acento tônico na segunda sílaba; nos versos trissílabos o acento predominante cai na terceira sílaba, com acento secundário, às vezes, na primeira sílaba; os versos trissílabos são acentuados, frequentemente, na segunda e quarta sílabas; os versos pentassílabos variam, na acentuação tônica, segundo a cadência dos versos; nos versos hexassílabos os acentos obrigatórios recaem na sexta sílaba; os heptassílabos variam de modalidades rítmicas, com acentos na primeira, terceira, quinta e sétima sílabas; na primeira, terceira e sétima sílabas; na terceira, quinta e sétima sílabas; na terceira e sétima sílabas; na primeira, quarta e sétima sílabas; na segunda, quinta e sétima sílabas e na quarta e sétima sílabas; os versos octossílabos admitem várias combinações rítmicas com acentuação na oitava sílaba etc; os eneassílabos apresentam acentos tônicos na terceira, sexta e nona sílabas ou na quarta e nona; os decassílabos comportam duas modalidades rítmicas: sexta e décima sílabas (verso heróico) e quarta, oitava e décima sílabas (verso sáfico). Exemplos: “Estavas, linda Inês, posta em sossego, / De teus anos colhendo o doce fruto” (Camões); “Longe do esril turbilhão da rua” (Olavo Bilac); os hendecassílabos levam acentuação fixa na segunda, na quinta e na décima primeira sílabas ou na quinta e décima primeira, ou ainda, em casos raríssimos, na terceira, sétima e décima primeira sílabas. Exemplos: “Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros” (Gonçalves Dias); “Nascem as estrelas, vivas, em cardumes (idem); “As alvas talas do rio de tua alma” (Hermes Fontes). Os dodecassílabos ou alexandrinos admitem três ritmos diferentes: 1) alexandrino clássico, com os acentos principais na sexta e décima segunda sílabas. Exemplo: “paira, grassa em redor, toda a melancolia/de uma paisagem morta, igual, deserta, imensa” (Vicente de Carvalho); 2) alexandrino moderno, com duas variantes: a) ritmo quaternário (acentos na quarta, oitava e décima segunda sílabas): “É o choro surdo, entrecortado, do batuque, / no bate que enche de assombro o próprio chão” (Cassiano Ricardo); b) ritmo ternário (acentos na terceira, sexta, nona e décima segunda sílabas): “Não me deixas dormir, não me deixas sonhar (Cabral do Nascimento). O alexandrino clássico é formado por dois hemistíquios (= meio verso), ou seja, de dois versos de seis sílabas, obedientes ás seguintes regras: 

                   1ª) a última palavra do primeiro hemistíquio só pode ser oxítona ou paroxítona: “E Cipango verão, fabulosa e opulenta” (Olavo Bilac); 

                   2ª) se a última palavra do primeiro hemistíquio for paroxítona, deve terminar em vogal e embeber-se na primeira sílaba da palavra seguinte, que, para isso, começará por vogal ou h: “palpita a natureza inteira, bela e amante” (Vicente de Carvalho) (Achegas da “Nova Gramática da Língua Portuguesa”, de Domingos Paschoal Cegalla, 20ª edição). 

                   Para uma boa escansão deve-se ter bem nítida a lembrança das regras seguintes: a) contar somente até a última tônica do verso ou linha poética; b) no encontro de duas vogais entre duas palavras (vogal final + vogal inicial), de acordo com as necessidades do metro usado, podem ocorrer duas soluções: dá-se a elisão – as vogais se fundem, constituindo uma única sílaba sonora; ou dá-se o hiato – as duas vogais se repelem e permanecem independentes. Exemplo: 

Como pode o homem
sentir-se a si mesmo
quando o mundo some?    (CDA)

                   Palavras dúbias quanto à contagem silábica: “poeta” pode ter, de acordo com quem a esteja utilizando, duas sílabas fônicas (poe-ta) ou três (po-e-ta). O mesmo acontece com a palavra ciúme. Nos “casos controversos” “com o”, “com a”, “com aquelas”, são às vezes contadas como uma ou duas sílabas, o que é errado, na opinião de Eno Teodoro Wanke. Nem a propósito, é deste poeta o “conselho”: “Comece treinando metrificação sem se preocupar com a estética, ou a arte do verso. Tome trovas ou poemas que lhe agradam e, nesta fase de treinamento, faça exercício de contagem silábica, procurando imitar ou “responder” aos poemas em questão. (§) Verá como a “música” do verso começará a fluir de você, deixando de lado aquela preocupação inicial de contagem. O “modelo” se fixará em sua mente, e os versos acabarão saindo espontâneos, na medida certa. (§§) A contagem dos versos pode ser feita com os dedos de uma das mãos, batendo-se na mesa um dedo (ou dobrando-se o dedo) para cada sílaba. Muitos poetas (eu, inclusive), quando querem “conferir” o verso fazem isto, automaticamente.”

domingo, 14 de outubro de 2012

Manaus, amor e memória LXXVIII

O tempo não para... Mas, parou para o velho Relógio.

sábado, 13 de outubro de 2012

Fantasy Art - Galeria

Centaur in the landscape.
Tony Kew.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 3/4


Zemaria Pinto

Bocage – Mas não se pode falar em lírica escrachada sem citar o português – contrariando todos os prognósticos – Bocage (1765-1805), o inesquecível herói de todas as histórias de sacanagem do pessoal com mais de 30. Condenado pela Inquisição por “pregar ideias liberais em papéis sediciosos”, Bocage morreu humilhado e miserável em plena atividade criadora. Sonetista exímio, carnavalizou a pétrea forma em escracho derramado:

Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.

Bocage, como bom escrachado, mesmo na morte ri de si mesmo. Ao famoso

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

figurinha carimbada em qualquer antologia escolar, ele contrapõe, com uma piscadela ao cúmplice leitor:

Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade,
Que engrole sub venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

“Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro.”

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Fantasy Art - Galeria

Ravenstone.
Larry Elmore.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Platônica I


Tainá Vieira

Um mês sem Luiz Bacellar 
 

          Hoje, amanheci com uma saudade danada de ti, poeta. Por mais que eu não fosse lá te ver, por mais que hoje eu não te ligasse para saber notícias tuas, ainda sim, eu teria certeza da tua presença perto da gente. Com certeza à noite quando chegasse a casa, cansada da aula, eu teria notícias das tuas rabugices, saberia das exigências que tinhas feito, se tinhas um novo xingamento para algum cuidador. Ou se simplesmente (como raras vezes), tu terias tido um dia maravilhoso, terias saído para almoçar fora, comido a comida da tua preferência, tomado o vinho mais caro, como gostavas de te exibir, e até fumado um cigarro – e para completar, aquele cafezinho ao teu gosto... Ah, seu poeta sacana, porque não aguentaste só mais um pouco, porque deste a mão a ela, porque não mandaste ir para um lugar bem distante de ti, como fazias com os idiotas que te enchiam o saco. Por quê?! Não sabias que ias deixar tanta saudade?! Sabias sim, tu sabias bem, que ias deixar muita saudade, e só o que resta agora é ler os teus livros e lembrar-se da daquele teu sorriso sacana, sedutor e charmoso de solitário mandão... E o que eu mais gostava era aquele sorriso pós-barba, que te deixava com a face de Dorian Gray sem maldade. Como não lembrar tudo isso? Se tudo isso está cravado na minha memória como o amor no coração. Queria tanto te esquecer, mas não consigo, parece que ficaste impregnado em mim, como um poema de Baudelaire. Hoje, amanheci com uma saudade danada de ti, poeta.

Curso de Arte Poética


Jorge Tufic
 
II.3 – O VERSO
 

                   Originário de verto (voltar para trás), o verso pode ser definido como sendo uma linha, “frase ou trecho de frase, cujas sílabas perfaçam um determinado número formando sistema, em que os acentos métricos coincidem com os acentos prosódicos” (“Dicionário de Rimas”, Teófilo Braga, Liv. Lello & Irmão, Porto-Portugal). 

                   “A classificação dos versos, pelo número de sílabas, é feita por prefixos numerais gregos: versos dissílabos, trissílabos, tetrassílabos, pentassílabos, hexassílabos, eneassílabos, decassílabos, hendecassílabos e dodecassílabos (estes conhecidos como alexandrinos). Os italianos chamam de versos bárbaros os que ultrapassam as doze sílabas e podem ser: bi-heptassílabo, de quatorze versos, demarcado por uma pausa (hemistíquio) de sete sílabas (mesmo um alexandrino, de doze sílabas, pode ter um hemistíquio de seis sílabas); tri-hexassílabo, com dezoito sílabas e três hemistíquios de seis; tripentassílabo, com quinze sílabas e três hemistíquios de cinco. O verso, para gregos e latinos, em seu significado original, era o sulco, a linha, aberto no campo pelo boi que puxava o arado. Linhas que iam e voltavam, vendo os gregos aí um paralelo com a sua escrita, da direita para a esquerda, e voltando desta para a outra, e assim por diante” (“Vocabulário Técnico de Literatura”, Assis Brasil, Ed. de Ouro, 1979). 

                   “Linha escrita, de sentido completo ou fragmentário, que se caracteriza pela obediência a determinados preceitos rítmicos, fônicos, ou meramente gráficos, pelos quais diferem das linhas de PROSA. No princípio era o verso – poder-se-ia escrever, começando alguma história geral das literaturas, e para falar tão só das origens da poesia tem cabimento o testemunho de Zambadi: “Assim como a gente canta e baila caminhando, assim a poesia era cantada em seus primórdios e devia acompanhar o ritmo da música”. Tal asserção permite considerar, sem náusea, a divergência dos padrões poéticos de uma época para outra e de um lugar para outro, observando que mesmo a música dos povos árabes, hindus, chineses e japoneses, por exemplo, pouco têm de semelhante à nossa. Também cabe lembrar que a versificação portuguesa procede da greco-latina, decerto com os efeitos da influência mourisca na Península Ibérica, e se até hoje não contamos as sílabas LONGAS e BREVES, entremeando-as no verso conforme a QUANTIDADE, à maneira dos Aedos e de seus aprendizes do Lácio, é porque a própria poesia latina acabou abdicando esses cânones e adotando o esquema silábico-acentual, com outros recursos – RIMA, ALITERAÇÃO etc. – no período da chamada literatura latino-cristã. Foi esse o tipo de VERSIFICAÇÃO que ficou nas línguas romances, e foi o que herdamos. Conforme tenha a sua base morfológica na DURAÇÃO ou QUANTIDADE das sílabas que o compõem, ou no número delas, ou no esquema de ACENTOS, o VERSO é dito, respectivamente, QUANTITATIVO, SILÁBICO, ACENTUAL. Os primeiros, quando PUROS, são denominados de acordo com o número de PÉS ou METROS; quando mistos ou COMPOSTOS recebem, às vezes, apelidos dos poetas que os inventaram ou consagraram: ADÔNIO, ALCAICO, ANACREÔNTICO, ARQUILÓQUIO, ARISTIFÂNIO, ASCLEPIADEU, ELEGIAMBO, ESCAZONTE, FALÉCIO, FERECRÁCIO, GALIAMBO, GLICÔNIO, ITIFÁLICO, PAREMÍACO, PRIAPEU, SÁFICO, SOTADEU e outros. Os versos SILÁBICOS são quase sempre nomeados conforme o número de SÍLABAS, havendo também alguns de apelido especial: REDONDILHA, REDONDILHA MENOR, QUEBRADO ou HERÓICO QUEBRADO, HERÓICO, GAITA GALEGA, SÁFICO, ARTE MENOR, ALEXANDRINO, TRÍMETRO ANAPÉSTICO, TETRÂMETRO ROMÂNTICO, HEXÂMETRO IAMBICO, além dos chamados metros bárbaros que contam mais de doze sílabas. Também se costumam chamar de ARTE MENOR os VERSOS de sete SÍLABAS ou menos, e de ARTE MAIOR os outros” (“Pequeno Dicionário de Arte Poética”, Geir Campos, Ed. Conquista).  

                   Não devemos também esquecer o LINOSIGNO, criado por Cassiano Ricardo, em resposta à modificação da estrutura linear do verso tradicional pelos poetas de Vanguarda. O linosigno, de linha (lino) e “signo”, reivindica o espaço do “verso” quebrado, de linha cruzada, vertical etc. (Vide Jeremias Sem Chorar, do mesmo autor). 

 
DIDÁTICA

Esta palavra é um cinzeiro
onde pouso meu cigarro;
o cigarro joga a cinza
mas no dedo fica o sarro. 

Esta palavra é um cigarro
que se gasta enquanto fumo,
a nada mais se compara
se a fumaça não tem rumo. 

Esta palavra é uma cinza,
apenas cinza que espalha
na cor dos dias vindouros
seu gosto amargo de palha.

Esta palavra é palavra,
despojada do seu tema,
vem outra; agora são duas,
terminam juntas o poema. 

(“Poesia Reunida”, de Jorge Tufic, Ed. Puxirim, Manaus, 1987).