Amigos do Fingidor

sábado, 31 de janeiro de 2009

De John Donne a Caetano Veloso

Retrato de John Donne. Autor desconhecido.

De John Donne a Caetano Veloso o poema Elegia: indo para o leito, que O Fingidor (http://ofingidor2008.blogspot.com/) publica hoje, percorreu um longo caminho. Jogue trechos da "letra" (deixa que a minha mão errante adentre, atrás, na frente, em cima, em baixo, entre) num site de pesquisa e virão milhares de ocorrências com a reprodução da letra e da música "de Caetano Veloso". Mas a Internet não é uma moça confiável. Serei breve.

John Donne, escritor inglês, que viveu entre os séculos XVI e XVII, contemporâneo de Shakespeare, escreveu, entre outras coisas, poemas eróticos, na juventude, e carolas, depois de sua "conversão" – "entre o dom e a danação", como bem observou Augusto de Campos, tradutor de Elegia: indo para o leito, que teve fragmentos musicados por Péricles Cavalcanti.

Como vêem, o Caetano Veloso não entrou na história. Ele gravou? Sim, "Cinema Transcental", 1979. Mas ele também gravou Peninha, Odair José, Roberto Carlos, Orlando Silva, Vicente Celestino e outros monstros da falida MPB... Nem por isso as obras destes lhes são atribuídas. Não entrou, não.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Blues e samba no Chá do Armando

Mello Junior e Rossini Lima.

O Chá do Armando deveria ser o Chá da Academia Amazonense de Letras, mas é apenas o Chá do Armando, em homenagem ao memoralista Armando de Menezes, o grande incentivador da reunião que tomou o seu nome, que acontece todas as sextas-feiras, há seis anos, reunindo artistas de todas as áreas, entre as 16 e as 22h. Mais ou menos. Uma extended happy hour, como diriam os boçais.

Atualmente, a reunião acontece na colorida sala da casa-ateliê do pintor e artemultinstrumentista Anisio Mello.

A foto acima foi feita na sexta-feira passada, 23/01, mas a cena pode se repetir hoje, novamente: Mello Junior, no baixo, e Rossini Lima, no violão, sem qualquer ensaio prévio, desfilaram uma série de clássicos da mpb, além de canções de autoria dos próprios – do samba ao blues.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Testemunho sobre Aparição do clown
(Jorge Tufic)
Capa da 1a. edição de Aparição do Clown (1959).
Concepção absolutamente inovadora do artista plástico Óscar Ramos.
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Esse ponto longínquo de nossa vida, o janeiro de 1959, se constitui num dos mais altos da literatura amazonense, em particular do movimento Madrugada. L. Ruas, tal como assinava os seus livros, artigos e crônicas, surpreende a todos com este seu longo poema, ao mesmo tempo estranho e revolucionário, mas no fundo mesmo uma projeção corajosa da personalidade do autor.
O clown de Ruas é o ator ou o dançarino do universo que ele consegue libertar das amarras sociais e dos preconceitos irremovíveis, um corpo astral de silêncios e coisas que se transformam, ao menor toque de um bastão luminoso. Basta dizer que até hoje ninguém soube interpretá-lo, seja como texto, seja como fosse a partitura volátil de uma confissão transbordante, plena de movimentos em busca de uma unidade de sons e palavras, afinal conquistada.

Terá sido difícil a esse religioso evitar uma prática antiga daqueles que, embora poetas, se devotam a Deus ou a Krishna, e acabam por esquecer que à poesia não cabe o papel de servir, mas de ser servida.

Pois eu considero o Aparição do clown uma batalha entre a cruz, como dever a Deus, e a liberdade, como dever à Deus e à poesia. Uma forma terrena e divina de conciliação dos extremos, mas onde, graças à Poesia, os extremos também desaparecem, enquanto libertam.

Meu testemunho sobre L. Ruas abrange esse largo período de nossa existência, que vai da fundação do Clube da Madrugada, em novembro de 1954; atravessa os anos selvagens da ditadura militar; sangra nos tempos em que o poeta esteve longe de nosso convívio; termina com o seu falecimento e a minha transferência domiciliar de Manaus para Fortaleza.

Foram memoráveis os nossos encontros de final de semana!

Memoráveis os seus discursos ao pé do mulateiro, na Praça da Polícia Militar!

Memoráveis as missas que celebrava!

E os porres, também, com muita dignidade!

1975, lançamento de Faturação do ócio, de Jorge Tufic. L. Ruas discursa ao pé do mulateiro, árvore-símbolo do Clube da Madrugada. Atrás dele, de paletó, Luiz Cabral e Tufic. Ao seu lado, de perfil, Aluísio Sampaio.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Os 50 anos de Aparição do Clown
No próximo sábado, 31 de janeiro, é o aniversário de 50 anos de publicação do livro Aparição do Clown, de L. Ruas. Para comemorar essa data, a Livraria Valer realizará a partir das 10h da manhã um encontro com estudiosos e pessoas interessadas na obra do escritor.

Ao longo de cinco anos, o historiador Roberto Mendonça pesquisou sobre a vida e a obra de L. Ruas; durante o evento, ele apresentará o resultado de seu estudo. Em seguida, a palavra será aberta aos presentes. O evento comemorativo contará ainda com exposição de livros e fotos do homenageado, leitura de poemas feitas por integrantes do Clam – Clube Literário do Amazonas, e apresentação do músico Mauri Marques, que musicou alguns poemas de L. Ruas.

Na ocasião, a segunda edição do livro Aparição do Clown estará a venda com 50% de desconto.

Considerada uma das mais importantes obras da literatura amazonense, Aparição do Clown é um longo poema, ocupando as 105 páginas do livro, reeditado pela Valer, dentro da Coleção Resgate.

Aparição do Clown é um poema místico e filosófico. Na apreciação do Professor Tenório Telles, o livro reproduz simbolicamente a trajetória de Cristo na terra, a promessa de redenção do mundo, a busca do homem, um palhaço no palco da vida a procura da sua verdadeira face, em sua tentativa de reencontro com o divino.

Sacerdote da arquidiocese de Manaus, Luiz Augusto de Lima Ruas nasceu em Manaus em 1931, tendo exercido seu ministério sacerdotal nas paróquias de Educandos, Colônia Oliveira Machado, dos Remédios e Sagrado Coração de Jesus, onde se despediu da atividade religiosa. Ao tempo de sua ordenação, em 1954, passou a lecionar algumas disciplinas em colégios, como o Colégio Estadual (Francês), o Instituto de Educação do Amazonas (Psicologia) e no então Instituto Christus, que teve sempre sua colaboração. Também foi professor de Psicologia, na Faculdade de Filosofia, quando esta foi criada. Iniciou sua atividade jornalística no Universal, jornal da Igreja Católica, que circulava aos domingos, de 1953 a 1958.

Adotando o nome literário de L. Ruas, passou, em 1956, a colaborar com o jornal A Crítica. Dispunha de uma coluna diária, "Ronda dos Fatos", onde cuidava com propriedade de problemas da vida humana. Deixou esse jornal em 1960. Em 1955, a convite de Jorge Tufic e encaminhado por Bosco Araújo, juntou-se ao movimento literário Clube da Madrugada, do qual foi presidente no biênio de 1957-58. Colaborou fartamente no Suplemento, editado pelo Clube, enquanto este circulou encartado em O Jornal, no período de 1962-72.

L. Ruas também esteve envolvido no movimento cinematográfico da cidade, escrevendo para a revista Cinéfilo, que circulou em quatro edições. Todavia, o movimento militar de 1964 fez o padre Ruas amargar dias de prisão, junto com outros companheiros intelectuais e políticos. Faleceu em 1º de abril de 2000, estando sepultado no cemitério de São João Batista.

Obras publicadas:

· 1959 – Aparição do Clown, poesia.
· 1970 – Linha d´Água, crônicas reunidas.
· 1979 – Os Graus do Poético, ensaios.
· 1985 – Poemeu, poesia. Prêmio de Poesia Governo do Estado do Amazonas em 1970.

L. Ruas colaborou também como cronista na Rádio Rio Mar.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O traço e o verso

Depois de ler a notícia sobre os originais de Moacir Andrade, ainda menino, em vias de se perderem (veja postagem de 15.01), Jorge Tufic enviou-me cópia reprográfica do seu livro O traço e o verso (Manaus: SEMEC, 1985), onde o poeta "ilustra" os desenhos de Moacir. Tufic relembra, na introdução:

A caminho de casa, esses breves rascunhos que serviram de embrião para uma arte consagrada hoje no mundo inteiro foram crescendo aos meus olhos, tocando-me as cordas interiores. Quando cheguei em meu quarto, sentei-me; e foi de uma sentada, não me lembro de quantas horas, que saíram estes pequenos momentos de referência poética, às vezes num tom circunstancial, aos desenhos de Moacir. No todo, 22.

Como exemplo da poesia (reproduzir a imagem comprometeria sua qualidade), aí vai o poema que Jorge Tufic escreveu para um desenho que mostra um homem carregando um cesto cheio de pães, datado de 1939:

Ali vai o padeiro entregador,
o padeiro de cestos nos ombros.

Ali vai o ano de 1939
passando pela rua deserta.

E do cesto de pão nos vem esse cheiro
que ensina o amor sem fronteiras
pela cartilha da fome.
Lançamento

Lançamento, neste sábado, 24 de janeiro, às 10h, na livraria Valer (Rua Ramos Ferreira, 1195 – Centro), do livro Enquanto os sinos plangem, de Rosa Lia Dinelli.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Clique sobre a figura para ampliá-la.

domingo, 18 de janeiro de 2009

O outro Charles Chaplin
Charles Chaplin, o pintor.
Charles Joshua Chaplin (1825-1891) era um pintor francês, realista e acadêmico. Não sei de qualquer parentesco com Carlitos, que era inglês, a mesma nacionalidade do pai do pintor.
Aliás, que delícia de nome para um palhaço: Carlitos, derivado do francês Charlot. Se ele aparecesse hoje, o chamaríamos de Charlie, como os de língua inglesa. Tão americanos somos!
Voltando ao pintor Charles Chaplin, veja, hoje, nO Fingidor (http://ofingidor2008.blogspot.com/) seu belo quadro Moça com um ninho.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Moacir Andrade: conversa à boca da noite
Moacir Andrade.

Hoje, mal a noite começava, eu e o compositor Mauri Marques fomos tomar um tacacá no ateliê de Moacir Andrade, que nos recebeu com a alegria que sempre o caracterizou.

Aos 82 anos, a completar em março, Moacir tem saúde e disposição para trabalhar diariamente nos seus quadros e escritos. Contou-nos muitas histórias, fez-nos várias confidências (algumas bem cabeludas) e mostrou-nos um acervo de livros e fotografias raras, além de desenhos seus, elaborados entre os 6 e os 12 anos.

Esses desenhos já deixavam antever o pintor que encantaria o mundo com suas paisagens e suas interpretações dos mitos amazônicos: são pequenos flagrantes do cotidiano, que, reunidos, compõem um ensaio visual-antropológico sobre os costumes urbanos da Manaus de 1935 a 1941.

Pena que, nesta cidade desprovida de memória, se não se tomar providências urgentes, todo esse material vai se perder. Atenção senhores donos da cultura, muita atenção!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Rosario Andrade: o mito revisitado

Auto-retrato.

Rosario Andrade é uma jovem artista plástica portuguesa, com obras em escultura e em pintura. Seu trabalho de revisão de cenas mitológicas é primoroso, promovendo um encontro inusitado entre a tradição intemporal e a contemporaneidade mais conseqüente. Confira na edição de hoje dO Fingidor (http://ofingidor2008.blogspot.com/) o quadro Perseu e Andromeda.

Mais trabalhos de Rosario Andrade, inclusive suas belas paisagens do Porto e de Coimbra, podem ser admirados na galeria virtual da artista: http://rosarioandrade.blogspot.com./

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Produção de texto poético (uma introdução) – X (final)

Zemaria Pinto

50 – Clichê – um mal desnecessário. O clichê poético é o maior inimigo de qualquer poeta. Trata-se, quase sempre de uma metáfora ou outra figura de linguagem; porém é uma figura desgastada. Exemplos: a estrada serpenteia pela planície; o mar beija a praia; aurora da vida; flor dos anos; mais uma página do livro da vida; luar de prata; silêncio sepulcral.

51 – Muitas vezes, nem é figura, apenas uma combinação desgastada de um substantivo com um adjetivo: doce esperança; amarga decepção; ilustre professor; poeta inspirado; pai extremoso. Mas existem também os clichês de situação: o final feliz, a madrasta má etc. E os clichês de roteiro: as histórias policiais, as histórias de terror – de estrutura repetitiva.

52 – Exercícios de liberação da linguagem e do pensamento. Para descobrir a fala/escritura de cada um é preciso que a linguagem e o pensamento se liberem dos condicionamentos que tendem a torná-los padronizados e mecânicos

53 – Existem vários tipos de exercícios com essa finalidade. Vejamos alguns deles:

• exercício nº 1
+ relaxamento: exercícios respiratórios; alongamento
+ escreva livremente sobre o que lhe vier à cabeça;
+ não se preocupe com o nexo
+ não releia, não raciocine; não analise; deixe que sua mão/corpo conduza sua mente; não tenha medo; procure escrever o mais rapidamente possível; qualquer censura deve ser registrada;
+ esse exercício, também chamado de escrita automática, era muito usado pelos surrealistas, que pretendia “flagrar” manifestações do próprio subconsciente.

• exercício nº 2
+ livre associação – dadas três palavras, escolha uma delas e associe livremente com outras palavras – associar é estabelecer correspondência (ainda que livremente)
+ não releia, não raciocine; não analise; deixe que sua mão/corpo conduza sua mente; procure escrever o mais rapidamente possível;
+ Palavras sugeridas: espelho – punhal – tigre (temas de Borges)

• exercício nº 3
+ a partir de um determinado poema, construa um novo poema, a sua “versão”

54 – Escrever é exercitar. O exercício nº 3 pode ter inúmeras variantes. Emvezes de basear-se em outro texto, escreva sobre um quadro, por exemplo; ou sobre uma situação que você vivenciou; uma notícia de jornal; uma história que ouviu há muito tempo. Enfim, as possibilidades são ilimitadas.


55 – Lá no início nos referimos à necessidade de reunir conhecimento, habilidade e talento. Vimos vários conceitos, falamos um pouco sobre a técnica que há por trás do poema e falamos da necessidade de desenvolver uma linguagem criadora. O tempo todo estávamos falando de conhecimento (que pode ser adquirido) e habilidade (que pode ser desenvolvida). Talento – a linguagem de cada um – deve ser cultivado.

Construindo o texto poético, com conhecimento, habilidade e talento.
O cerne da criação está na interseção entre conhecimento, habilidade e talento.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Subsídios para uma história da Academia Amazonense de Letras

Zemaria Pinto


Num ensaio sobre Octavio Sarmento (em A Uiara & outros poemas), chamei a atenção para o desencontro de informações quanto à data de fundação da Academia Amazonense de Letras. Três datas aparecem de diferentes fontes, todas elas nomeadas naquele trabalho: os dias 1º, 07 e 17 de janeiro de 1918[1]. Tendo como fonte as edições de 06, 09, 10 e 11 daquele ano do jornal diário A Capital, podemos afirmar que a instalação solene da Sociedade Amazonense de Homens de Letras, nome original da AAL, deu-se a 09 de janeiro de 1918, uma quarta-feira.

Pela importância do acontecimento e por se tratar de uma fonte primária sobre a qual não pairam dúvidas – nem quanto à veracidade nem quanto à possibilidade de erros de interpretação – transcrevo a seguir a notícia principal, integralmente, veiculada na edição de 11 de janeiro. As demais edições têm o seguinte conteúdo, lembrando que todos os registros foram feitos na primeira página do citado diário:

06/01/1918 – registra o recebimento do convite para a instalação da Sociedade Amazonense de Homens de Letras, às 20 horas do dia 09 de janeiro, no salão da Assembléia Legislativa;
09/01/1918 – noticia a fundação da SAHL, a ocorrer naquela noite, e dá alguns detalhes da programação a ser desenvolvida;
10/11/1918 – em nota breve, informa sobre a solenidade, prometendo para a edição seguinte todos os detalhes do acontecimento. Com o título Sociedade Amazonense de Homens de Letras – sua brilhante inauguração, foi assim noticiado o fato:
Foi inaugurada, em Manaus, uma Sociedade de Homens de Letras. É oportuno registrar que a realização dessa tentativa é devida ao esforço e principalmente à energia moral de intelectuais de prestígio, vencendo à resistência do meio, notadamente hostil, senão às belezas da Arte e das Letras, ao menos às organizações semelhantes a que se inaugurou auspiciosamente na noite de anteontem, no principal salão da Assembléia Legislativa do Estado.

Foi pelo menos isso que deixou transparecer em seu belíssimo discurso de abertura da sessão, o ilustre presidente da Sociedade, Adriano Jorge, um dos espíritos mais cultos dos nossos círculos intelectuais.

À sessão compareceu o que Manaus possui de mais seleto em todos os ramos da atividade pública e o mundo oficial, pela representação dos seus mais notáveis elementos. À mesa da direção, por exemplo, tomaram lugar, ladeando Adriano Jorge, os drs. Alfredo da Matta, presidente da Assembléia Legislativa; Hamilton Mourão, secretário geral do Estado, representando o sr. dr. governador do Estado; Ayres de Almeida, superintendente municipal; padre dr. José Thomaz, secretário do bispo diocesano, d. João Irineu Joffely.

Na bancada destinada aos membros da Sociedade, viam-se os srs. Jorge de Moraes, Benjamin Lima, Alcides Bahia, Thaumaturgo Vaz, Araújo Filho, Dorval Porto, Araújo Lima, Benjamin de Sousa, João Leda, Generino Maciel, Raymundo Monteiro, Virgílio Barbosa, Odilon Lima, Carlos Chauvin, José Chevalier, Álvaro Maia, Aurélio Pinheiro e Paulo Eleuthério, ocupando o conferencista do dia, Péricles Moraes, um lugar de destaque à frente do auditório, onde se destacavam também, exmas. senhoras e senhorinhas de nossa alta sociedade. Ali vimos: Madames Agapito Pereira, Raymundo Monteiro, Britto Pereira, Agnello Bittencourt, Carlos Chauvin e senhorinhas Maria Luiza Saboya e Zulmira Cruz.

Às 20 horas e poucos minutos, após a execução de várias peças pela banda de música da Força Policial do Estado, foi aberta a sessão, proferindo o presidente o seu magnífico discurso inaugural, a que antes nos referimos.

Teve a palavra, em seguida, o sr. Péricles Moraes, que ocupa a cadeira patrocinada por Gonzaga Duque, iniciando a sua brilhante peça literária sobre O Tolstoismo e a verdadeira concepção da beleza, ocupando a atenção de todos numa dissertação que mereceu os mais justos e calorosos aplausos.

Antes, Péricles Moraes fizera a apologia do seu patrono, o admirável escritor dos Graves e frívolos. Fez, ainda, o estudo crítico da obra de Gonzaga Duque e salientou a característica de sua arte.

No desenvolvimento da tese que constituiu a parte mais importante de sua conferência, o orador foi imaginoso e fecundo, fazendo a longa e torturada psicologia artística de Tolstoi, o incomparável solitário de Yosnaia Poliana, misto de demagogo e de artista, cujo nome atravessou as fronteiras da Rússia e causou a admiração do mundo, como o filósofo mais singular do seu tempo.

A sessão terminou perto das 22 horas, retirando-se toda a assistência muito bem impressionada pela Sociedade de Homens de Letras.

Além dos intelectuais que citamos acima, são ainda membros da Sociedade, constituindo um total de 30, os srs. Raul de Azevedo, Coriolano Durand, Jonas da Silva, Octávio Sarmento, Nunes Pereira, Heliodoro Balbi, Genésio Cavalcante, Huascar de Figueiredo, Gaspar Guimarães e Mendonça Lima.

São patronos das trinta cadeiras: Machado de Assis, Aluisio de Azevedo, Raymundo Corrêa, Oswaldo Cruz, Francisco de Castro, Cruz e Sousa, Martins Junior, Affonso Arinos, Sylvio Romero, Gonzaga Duque, Joaquim Nabuco, Rio Branco, Annibal Theophilo, Euclydes da Cunha, Escragnolle Thaunay, Eduardo prado, Thomaz Lopes, Adolpho Caminha, Raul Pompéia Tito Lívio de Castro, Torquato Tapajós, B. Lopes, José Veríssimo, José do Patrocínio, Sousa Bandeira, França Júnior, Lafayette, Farias Britto e Maranhão Sobrinho.
[2]
Nota-se que foram enumerados apenas 29 patronos. Faltou o nome de Tenreiro Aranha. Acrescente-se ainda que, contrariando versão amplamente divulgada, de que na noite da instalação todos os acadêmicos estiveram presentes, apenas vinte deles compareceram, sendo nomeados claramente os ausentes.

A Capital. Detalhe da primeira página. Manaus, 11 de janeiro de 1918. Arquivo do IGHA.
***
[1] Mário Ypiranga Monteiro, em conferência proferida a 03.01.1968, publicada no Nº 12 da Revista da Academia Amazonense de Letras, datada de julho de 1968, informa que a instalação da SAHL se deu a 07.01.1918. Genesino Braga, no livro Nascença e Vivência da Biblioteca do Amazonas, noticia o mesmo fato como tendo ocorrido no dia 17 de janeiro de 1918. Péricles Moraes, em artigo publicado na Revista da Academia de setembro de 1955, escreve, referindo-se ao que aconteceu após a decisão de fundar a SAHL, que a tradição consagrou como 01/01/1918: “semanas depois, a arrancada da inteligência congregava em sessão ordinária os trinta membros convocados, que a ela compareceram sem exceção de um só.”As informações aqui divulgadas repõem a verdade dos fatos.[2] A CAPITAL. Manaus: 11 de janeiro de 1918. Arquivo do IGHA.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Desfazendo um equívoco – aliás, quatro
Zemaria Pinto

Instantes não é de Jorge Luis Borges, como Marionete não é de Gabriel Garcia Márquez. Tampouco aquele “poema” idiota, que se lê de cima para baixo e vice-versa, não é da Clarice Lispector. Mas antes, muito antes da Internet, um autor brasileiro virou celebridade, permanecendo anônimo. Ele escreveu este poema:

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

O poema correu mundo, atribuído a ninguém menos que Vladimir Maiakóvski. No máximo, diziam que Eduardo Alves da Costa o traduzira para o português. Brecht também é apontado, eventualmente, como autor do poema. O mais curioso é que agora circula pela Internet uma apresentação que mostra a seguinte cadeia: Maiakóvski é o autor original, que inspirou Brecht, num poema parecido, que inspirou um certo Martin Niemöller, que inspirou um tal de Cláudio Humberto – o assecla do Collor?

O certo: assim como Instantes não é de Borges, Marionete não é de Garcia Márquez e aquela "coisa" não é de Clarice, o poema No caminho, com Maiakovski é do cidadão brasileiro, nascido em Niterói, em 1936, chamado Eduardo Alves da Costa. O poema que correu mundo atribuído a outros é, na verdade, um fragmento de um poema mais extenso (publicado hoje nO Fingidor - confira: http://ofingidor2008.blogspot.com/2009/01/no-caminho-com-maiakvski.html), lá dos anos 70, anos de chumbo.


Eduardo Alves da Costa.

A história: Martin Niemöller (1892-1984), pastor luterano alemão, nas suas prédicas antinazistas, fazia variações em torno de um mesmo tema:

Quando os nazistas levaram os comunistas, eu me calei; eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu me calei; eu não era social-democrata.
Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei; eu não era sindicalista.
Quando eles levaram os judeus, eu não protestei; eu não era judeu.
Quando eles me levaram, não havia mais ninguém que protestasse.

Às vezes, ele usava negros em vez de comunistas, ou palestinos em vez de judeus. Dependia da platéia. O pastor jamais pretendeu escrever um “poema”. Se Eduardo Alves da Costa não lera Niemöller, então foi mera coincidência a possível semelhança que se observa. Se lera, trata-se de um singelo caso de intertextualidade.

Não tenho aqui o “poema” de duas cabeças que imputam a Clarice Lispector, mas, só para relembrar, Instantes, atribuído a Borges, é aquela bobagem que começa assim:

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas pessoas levaria a sério.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria em mais montanhas, nadaria em mais rios.


Se alguém lembrou de uma musiqueta do Nando Reis... Pois é, parece que o ex-titã também foi enganado ou, esperto, pegou carona. A autora foi identificada: chama-se Nadine Stair. Parece que tudo começou como uma brincadeira, que foi crescendo, crescendo...

Marionete, atribuído a GGM é aquele:

Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo, e me presenteasse um pedaço de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso, mas definitivamente pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo que valem, senão pelo que significam.
Dormiria pouco e sonharia mais, pois agora entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz.

Calma, leitor, controle suas entranhas. O autor desse permanece no anonimato. Espera-se que para sempre.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Em Belo Horizonte.
Dica: Paulo Freire é um dos maiores (!) violeiros em atividade no Brasil. Seu trabalho no sertão do Urucuia faria a alegria de um tal João: Grande Sertão: Veredas.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Produção de texto poético (uma introdução) – IX
Zemaria Pinto

45 – As estrofes são conjuntos de versos, variando, ordinariamente, de um a dez versos, com os seguintes nomes: monóstico, dístico ou parelha, terceto ou trístico, quarteto ou quadra, quinteto ou quintilha, sexteto ou sextilha, sétima ou septilha, oitava, nona ou novena e décima. Mas, na prática, não há limites para o número de versos de uma estrofe; portanto, não se preocupe com seus nomes.

46 – O estrato fônico caracteriza-se pela repetição de sons: refrão, rima, aliteração, assonância, anáfora, eco, onomatopéia, paronomásia, antanáclase. Destes, a rima é a mais explorada.

47 – Rima: semelhança de sons, buscando efeito rítmico e musical. Quando não há rima dizemos que o poema é composto de versos brancos. A rima ocorre no final do verso (externa) ou em seu interior (interna). Há dois tipos de rimas:
• Rima consoante ou soante – homofonia de consoantes e vogais
• Rima toante ou tonante ou assoante – semelhança apenas na vogal tônica

48 – A aliteração é outro recurso muito comum: consiste na repetição de fonemas semelhantes, no verso ou na estrofe, proporcionando um efeito musical.

49 – No nível semântico, temos:
• Figuras de similaridade – quando se fazem comparações entre dois ou mais elementos
+ Metáfora: na definição de Aristóteles,”transportar para uma coisa o nome de outra”
+ Alegoria: representação simbólica de uma idéia
+ Sinestesia: cruzamento de sensações numa mesma impressão;
• Figuras de contigüidade – acontece quando se substitui um elemento por outro;
+ Metonímia: guarda uma relação de proximidade, mas não de conteúdo; podemos dizer que é uma mudança de nome, sem comparação; a parte pela parte
+ Sinédoque: há uma relação direta de conteúdo e de proximidade; a parte pelo todo; o todo pela parte
• Figuras de oposição – contradição entre os elementos do discurso
+ oximoro: ocorre quando idéias que se excluem formam um sentido novo; lembrar o famoso “mas que seja infinito enquanto dure”, de Vinicius de Moraes.

Continuamos.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Produção de texto poético (uma introdução) – VIII

Zemaria Pinto

39 – Entramos agora nos aspectos mais tangíveis do poema, falando do verso: a unidade rítmica e melódica mais elementar do poema. Para simplificar, o verso corresponde a uma linha de texto. Mas há controvérsias. Vamos tratar aqui do que é convencional, pois as invenções são também exceções à regra. Pelo menos, enquanto não viram regras.

40 – Os versos podem regulares, se apresentam simetria ou correspondência de metros; irregulares, quando assimétricos; polimétricos, com diversidade de metros; livres, sem metrificação.

41 – O metro, por sua vez, é definido pelo número de sílabas, que, em português, são contadas até a tônica da última palavra do verso. Embora, em tese, não haja limite para o número de sílabas de um verso – mas, como unidade rítmica e melódica, ele está ligado a um tempo –, os metros convencionais, consagrados pela tradição, variam de uma a doze sílabas, isto é, do monossílabo ao dodecassílabo ou alexandrino.

42 – Os versos mais populares são as redondilhas: o pentassílabo, chamado de redondilha menor, e o heptassílabo ou redondilha maior. O decassílabo também tem nomes: o sáfico, com acentuação tônica nas sílabas 4, 8 e 10; e o heróico, na 6ª e na 10ª. O sáfico, homenagem à poeta Safo, de Lesbos, é mais fluido e mais propício aos poemas líricos, enquanto o heróico é mais usado nos poemas épicos. Mas nada disso deve ser visto como uma camisa-de-força.

43 – Os alexandrinos guardam uma novidade, sendo compostos por dois versos de seis sílabas, chamados de hemistíquios, separados por uma cesura (ou pausa). Essa regra vale para os versos longos, a partir de doze sílabas.

44 – A título de exercício, tente contar o número de sílabas deste verso de Caetano Veloso, destacado de “Sampa”:
Panaméricas de áfricas utópicas, túmulo do samba, mas possível novo quilombo de Zumbi

Continuamos.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Sobre Estatutos do Homem

No dia 9 de abril de 1964, a Junta Militar que tomara o país de assalto dez dias antes decreta o Ato Institucional Nº 1, cassando direitos políticos e enxovalhando a frágil democracia brasileira. No Chile, onde servia como adido cultural, o poeta Thiago de Mello escreve um poema-desabafo, ironicamente subintitulado Ato Institucional Permanente. Ali nascia, de modo circunstancial, fruto da indignação e da revolta, o poema mais celebrado do autor: Os Estatutos do Homem*.

A publicação do poema, dias depois, no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, custou-lhe inúmeros dissabores, entre os quais o rompimento temporário de uma velha amizade com o poeta Manuel Bandeira, simpatizante do novo regime. Mas trouxe-lhe também, com o tempo, a alegria do reconhecimento daqueles que, sem voz, usaram a palavra encantada do poeta para expressar sua esperança.

Em livro, Os Estatutos do Homem aparece pela primeira vez em Faz Escuro Mas Eu Canto, de 1966, no qual o poeta declara, no poema “A Vida Verdadeira”: “Não, não tenho caminho novo. / O que tenho de novo / é o jeito de caminhar.” Era uma nova forma de cantar: a poesia de Thiago de Mello – até então, entre introspectiva e metafísica – assumia uma postura radicalmente oposta, de forte conotação social, que ele mesmo classificaria como poesia comprometida.

Os Estatutos do Homem é uma celebração da utopia. Suas imagens são claras e traduzem claridade. Verdade, vida, manhãs de domingo, girassóis, palmeira, vento, azul do céu, são palavras colhidas logo nos primeiros Artigos, às quais outras igualmente positivas vêm se juntar, compondo um todo harmônico, que, discursivo na aparência, envereda pela poesia mais lúdica, engendrada no cerne da linguagem, como no Artigo XII, que antecipa em quatro anos o “é proibido proibir” dos jovens revolucionários do maio de 68: “Tudo será permitido, / inclusive brincar com os rinocerontes / e caminhar pelas tardes / com uma imensa begônia na lapela.”

Mas, e agora, leitor? Quase 40 anos passados, qual o sentido de Os Estatutos do Homem? As circunstâncias históricas são outras, é verdade, mas a essência do nosso cotidiano, lamentavelmente, continua o mesmo. Já não existem mais os Atos Institucionais, as prisões arbitrárias, os interrogatórios ilegais, a censura, a tortura, os assassinatos... Mas o Homem continua oprimido, vitimado pelo desemprego, pela fome, por um sistema de saúde ineficiente, por uma previdência falida; sem teto, sem terra, sem acesso a uma educação de qualidade, submisso a uma cultura industrializada e alienante; exposto à violência do crime organizado e à barbárie do aparelho policial. Numa palavra: sem liberdade.

Por isso este poema se mantém íntegro e atual: porque você, leitor/leitora, tem a sua parcela de contribuição na lenta construção de um mundo fraterno e justo. Poemas não mudam o mundo, mas podem mudar pessoas: se ter a liberdade como “algo vivo e transparente” no “reinado permanente da justiça e da claridade” é um sonho, somente compartilhando esse sonho – e aliando-o à ação concreta – poderemos torná-lo realidade.
*Assim era grafado nas primeiras edições. Depois, suprimiu-se o artigo.
(Zemaria Pinto, na orelha da terceira edição trilíngüe de Estatutos do Homem – Manaus: Valer, 2001.
Tradução do poema para o espanhol: Pablo Neruda; para o inglês: Robert Márquez e Trudy Pax.)