Amigos do Fingidor

terça-feira, 30 de julho de 2013

Fantasy Art - Galeria


Alan Gutierrez.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Resultado do I Concurso Livro de Graça na Praça Manaus



 
Contos vencedores do I Concurso Livro de Graça na Praça Manaus:

 

. “Manaus, 20 de janeiro”, de Antonio Felipe

. “BR-319”, de Edweine Loureiro

. “Mana Manaus”, de Maria Elisa Souto Bessa

 
Os contos serão publicados, ao lado dos trabalhos de 17 escritores convidados, na obra Manaus 20 autores, a ser distribuída gratuitamente em praça pública de Manaus, no dia 29 de setembro.



Os autores convidados são os seguintes:

. Adrino Aragão

. Aldisio Filgueiras

. Allison Leão

. Almir Diniz

. Astrid Cabral

. Elson Farias

. Francisco Vasconcelos

. Inácio Oliveira

. João Pinto

. Márcio Souza

. Neuton Correa

. Pedro Lucas Lindoso

. Priscila Lira

. Tenório Telles

. Thiago de Mello

. Vera do Val

. Zemaria Pinto

 

domingo, 28 de julho de 2013

Manaus, amor e memória CXVIII

Penitenciária Desembargador Raimundo Vidal Pessoa.
Daqui jamais fugiram tantos. E os que ousaram, voltaram. Ou não?

sábado, 27 de julho de 2013

Fantasy Art - Galeria


Luis Royo.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Desapresentação ou tá todo mundo loco?


Zemaria Pinto*
 


A ficção sempre andou à frente da história. Testemunha viva do seu tempo, a ficção é um inventário de atos e fatos que a história, sempre escrita depois, esqueceria, se não se valesse do registro ficcional. Por outro lado, a crônica é um gênero essencialmente marginal: misto de ficção e história, não tem com esta o compromisso da verdade, nem com aquela as sutilezas da linguagem. Mas é preciso que haja verossimilhança – isto é: pode até não ter acontecido assim ou assado, mas, do jeito como é contado, até que poderia ser verdadeiro... 

E o que uma outra tem a ver com a coisa? Elementar, meu caro Sancho: o leitor tem nas mãos um livro de crônicas – que registram acontecimentos com personagens reais, muitos ainda vivos (aliás, muito vivos!), passados num tempo recente –, mas que pode ser lido como pura ficção, salientando-se o estilo soberbo do autor, sem nenhum exagero, radicalizando entre a rudeza de um Plínio Marcos e a alegre amargura de um Nelson Rodrigues – que, antes de serem grandes dramaturgos, eram putas cronistas. Numa palavra: ironia, escárnio, deboche – escolha. Mas não é só isso: Sanatório Geral é um belo livro de história, embora alguns historiadores barés torçam seu nariz de cera a ele e prefiram ignorar os “causos” que humanizariam as personagens que eles insistem em endeusar. 

Projetado para ser lançado em seis volumes, Folclore Político foi apenas até o terceiro, paralisado pelo olho gordo e pelos despachos (em todos os sentidos) dos desafetos, “ofendidos” com as historinhas capazes de deixar nu em pelo qualquer candidato a rei. E como tem rei nu nesta imensidão amazônica! Daí que Simão Pessoa, por dúvida das vias, depois de muitos processos e ameaças de morte, foi procurar inspiração em reis de outras freguesias, o que só aumentou a abrangência deste Sanatório, que deixa de ser meramente paroquial para ser supranacional.   

Mesclando casos clássicos da história política brasileira com inimagináveis, sórdidas, engraçadíssimas e tristes picuinhas regionais, que cairiam no esquecimento se não fosse pela verve de Simão, Sanatório Geral é um autêntico tratado sobre essa arte tão abandalhada da política. Anarquista, Simão não livra a cara da direita nem da esquerda, muito menos dos muristas (não confundir com muralistas) – onde se classifica a supremacia dos políticos do Amazonas, mais preocupados em inflar suas gordas contas bancárias e massagear seus egos de baiacu que em melhorar minimamente as condições de vida do povo. 

E para quem ainda não entendeu o título, esclareça-se: “dormia a nossa pátria-mãe tão distraída / sem perceber que era subtraída / em tenebrosas transações... / palmas pra ala dos barões famintos / o bloco dos napoleões retintos / e os pigmeus do boulevard... / o estandarte do Sanatório Geral vai passar!” Trata-se de um falso samba-enredo do inexorável e inoxidável Chico Buarque; mas essa metáfora do sanatório me parece que é bem mais antiga: Machado de Assis? Lima Barreto? Oswald de Andrade? Seja de quem for, agora é do Simão, porque concretiza o intertexto perfeito entre continente e conteúdo: a política brasileira é mesmo isso – um imenso hospício, onde os loucos mais safados se fazem de doidos incuráveis para ser tomados pelos mais doidões como menos loucos, capazes, portanto, de guiá-los no escuro labirinto de sua crônica insanidade. Entendeu?  

 

(*) Zemaria Pinto, escritor e blogueiro, é doido manso.
 
Obs: desapresentação do livro Sanatório Geral, de Simão Pessoa, lançado por estes dias.
 
Capa de Sanatório Geral (histórias políticas do arco da velha).
À venda no Alienista (Praça da Polícia, em frente ao Palacete provincial) e no Sebão da Praça do Congresso (no lado oposto ao tacacá).
 

Tenório lança livro e faz palestra

Jornal do Comércio, 24/07/2013.

Medicinas de Galeno e Sorano

          

João Bosco Botelho

 

Após a terceira guerra púnica, os romanos consolidaram o vasto império no Mediterrâneo. O espírito legislador romano não deixou de abordar as atividades médicas. Com a regulamentação romana, os médicos passaram a constituir uma categoria profissional definida, tanto entre os homens livres como entre os escravos. As obrigações do médico eram estipuladas pelo Estado, que pagava os seus serviços profissionais. Sob o império de Adriano, no século II a.C., os médicos eram dispensados do serviço militar e quase todas as cidades romanas dispunham de médico oficial.

Em torno do século IV, a profissão médica foi severamente fiscalizada e foi instituído rigoroso exame para todos que quisessem exercer a profissão. O império romano subvencionava os estudantes de medicina, mas, em troca, eram obrigados a prestar assistência aos pobres. Os médicos foram proibidos de praticar o aborto e negar o atendimento a qualquer doente, sob risco de castigo corporal e multa. Nessa mesma época, sob o império de Diocleciano, no ano de 300, um édito do Imperador impunha como condição para entrar na escola de Medicina a apresentação de certificado de boa conduta, fornecido pelo comando militar da cidade de origem.

A diferenciação entre médicos e cirurgiões foi reforçada e Cícero falava dos médicos verdadeiros, o que corresponderia aos clínicos gerais de hoje. Em seus versos, o poeta romano registrou a especialidade médica: Cascelio extirpa ou cura os doentes; tu Igino, queimas os cílios que irritam os olhos, Eros elimina as tristes cicatrizes dos servos e Hermes goza de fama de ser o Podalírio das hérnias...

Entre os médicos romanos, um dos quais mais se destacou foi Galeno, considerado como o sucessor de Hipócrates e influenciaria de modo marcante a Medicina medieval.

Cláudio Galeno nasceu em Pérgamo, na Ásia Menor, no ano de 130. Foi sem dúvida o mais famoso médico do seu tempo. As suas obras, a maioria perdida, abordavam a anatomia, a fisiologia, a patologia, a sintomatologia e a terapêutica. Estas obras foram compiladas e publicadas em Veneza no ano 1538 e constituiu o principal livro de consulta dos médicos medievais.

O outro médico romano que ficou na História foi Sorano, nascido em Éfeso. Os escritos de Sorano que foram recuperados são de extrema lucidez e bom senso. Ele descreveu a existência dos obstetras, uma mistura de práticos e artesãos especializados, e os aborteiros, que eram punidos pela lei romana quando descobertos.

Entre as obras de Sorano, destaca-se o Manual de Ginecologia, que serviu de orientação aos médicos durante quase quinze séculos, praticamente, sem qualquer contestação. Nessa obra genial, descreveu com absoluta precisão as posições anormais dos fetos no útero grávido.

Esses médicos extraordinários viveram no Império Romano, na época em que foi instalado um competente sistema público de atenção à saúde

A preocupação com a saúde pública era inquestionável. A Lei das Doze Tábuas que remonta aos primórdios da República, estabelecia normas para o sepultamento e queima dos cadáveres fora dos muros da cidade, além da construção dos esgotos. As autoridades públicas fiscalizavam o cumprimento das normas que regulamentavam a higiene pública. Os grandes arquitetos romanos, como Vitrúvio, recomendavam a escolha de lugares ensolarados para a construção das casas.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Fantasy Art - Galeria


Michael Parkes.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Tenório Telles lança novo livro e faz palestra

 

O escritor Tenório Telles lança o livro Renovação e faz a palestra
“Literatura e sociedade – a palavra em ação”.
Dia 25 de julho, às 19h, no SESC.

 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Aparições de Lola – 5/5



Inácio Oliveira

VII

         Hoje estou casado e tenho uma filha com essa mulher. Rute é uma boa esposa e Clarice é uma criança incrível. Abandonei a escrita e me dediquei à pintura, tenho uma exposição permanente na capital e meus quadros já foram expostos em vários lugares ao redor do mundo, há sempre encomendas para compor galerias e museus no exterior. Os críticos apontam a mulher recorrente na minha obra como a imagem idealizada da mãe, eu acho engraçado. Temos um sítio onde vamos passar os fins de semanas. Há o canto dos pássaros, o cheiro do mato e o rumor dos ventos, e há também um lago onde se pode pescar; na frente da casa há uma pequena piscina que se deixarmos Clarice passa a vida toda lá dentro; um pouco acima há um jardim que Rute trata com dedicação; na varanda existe uma rede onde nos deitamos e pensamos que somos felizes. Mas sempre há uma hora do entardecer em que eu fico pensando em como que homem que foi agraciado com tudo que o mundo pode oferecer de melhor mesmo assim ainda sente que lhe falta algo.

         Nesses anos todos Lola tem sido apenas uma lembrança distante, quase um afago na memória. Penso nela como se a visse de relance. Há um frágil equilibro que se formou entre Rute, Clarice e eu, e é neste circulo que eu me sinto seguro, mas nunca posso estar distraído que alguma coisa acontece. Estávamos à mesa e Rute disse algo assim “você viu que exumaram o corpo do poeta Pablo Neruda?” Quando Rute disse isso eu fui traspassado por uma lembrança assim como um vitral é traspassado por uma luz. Eu não disse nada, apenas pousei a xícara na mesa e fiquei olhando os desenhos na toalha, meu olhar vagueou pela cozinha como se eu estivesse num lugar estranho e Rute fosse uma mulher desconhecida e aquela casa, aquela vida não fosse a minha. Vi Lola tomar forma na minha frente e escrever novamente num guardanapo de papel aqueles versos Nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera, mas nunca o teu riso; porque então morreria. Aquele equilíbrio que há muito eu mantinha de repente se rompeu. Por um momento, Rute fingiu não notar a minha distração, mas por fim perguntou “em que você esta pensando?” “Em nada”, respondi. “Impossível, ninguém fica assim olhando para o vazio sem pensar em nada”. “Pois eu fico, desde criança posso ficar horas e horas sem pensar absolutamente nada, eu e os monges tibetanos”. Ela riu, sabia que estava mentindo, só não sabia que eu estava pensando em Lola.

VIII

         Naqueles dias eu recebi uma mensagem de Lola. Estou hospedada no hotel Brasil. Preciso muito ver você. Reli aquelas palavras observando cada letra como se cada uma guardasse um conteúdo cifrado, como se aquelas palavras dissessem muito mais do que estava escrito. Encontrei Lola sozinha numa das mesas do restaurante do hotel, senti uma leve satisfação em ver aquela mulher que me abandonara, ali tão indefesa, tão vulnerável. Fiz questão de sorrir para mostrar que estava bem e feliz. Lola parecia ter envelhecido muito, seu rosto havia adquirido a expressão dos que muito sofreram. Seu olhar, que parecia já ter visto tanta coisa, me atravessou como se eu fosse de vidro. “Eu vim de muito longe para ver você, não está feliz em me ver?”. “Não posso mais ver você”. “Aconteceram tantas coisas, preciso muito da sua ajuda”. “Não me procure mais, Lola. Agora eu tenho uma esposa, uma filha, uma família”. “Eu só tenho você”. Um minuto a mais ali naquela mesa e eu seria tragado pela força que Lola exercia sobre mim, então me levantei e fui embora. Depois eu fiquei pensando num universo alternativo, onde a gente diz sim ao invés de não, no mundo de possibilidades de uma vida com Lola, mas é sempre um mundo que não se completa, que não se sustenta como verdade. Eu nunca saberia quem era realmente aquela mulher.

IX

         Hoje recebi uma pequena embalagem, o mensageiro do hotel a trouxe até a minha casa. Soube que a mulher que pediu que esta embalagem fosse entregue no meu endereço amanheceu morta no seu quarto. Suspeitam de assassinato, suicídio, overdose, mas ninguém sabe direito o que aconteceu. Ao abrir a embalagem vi o broche, estava perfeito como no dia em que eu o roubei da caixa de joias da minha mãe, junto do broche estava um papel com os versos do Neruda, Nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera, mas nunca o teu riso; porque então morreria. Escondi esse broche como muito cuidado para que ninguém nunca o encontrasse, mas agora mesmo Clarice aparece com ele preso aos cabelos aqui na sala. Senta-se no meu colo para brincar com os botões da minha camisa, como costuma fazer. Eu faço um carinho no seu rosto afastando seus cabelos para trás da orelha, mas alguma coisa desfaz o meu gesto, pois há nele a forma como eu acariciava o rosto de Lola há tanto tempo.

domingo, 21 de julho de 2013

Manaus, amor e memória CXVII


Manaus, em 1896.

sábado, 20 de julho de 2013

Fantasy Art - Galeria


Yuehui Tang.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Dabacuri – amazônica 13/13


Zemaria Pinto
 
 
 
por trás da cidade,

o sol, imensa laranja,

se põe mansamente

 

finda a luz da tarde,

a flor da vitória-régia

abre-se às estrelas

 

estrada de barro –

o clarão da lua cheia

antecipa a festa

 

buscando o minguante,

o luzeiro da cidade

fica para trás

 

trocadilho tolo:

a lua Jaci levanta

cheia, no horizonte

 

lago Espelho da Lua,

conversa em volta do fogo

– plenilúnio

quinta-feira, 18 de julho de 2013

serrote # 14 é lançada em São Paulo

 
A serrote é uma revista de ensaios, artes visuiais, ideias e literatura.

Medicina e Igreja na Idade Média



         João Bosco Botelho

 

Com a divisão do Império Romano, iniciada pelo Imperador Constantino e consolidada por Teodósio, em fins do século IV, o Império Romano do Ocidente teve a sua capital em Milão, na Itália, e o Império Romano do Oriente, em Constantinopla, atual Istambul, capital da Turquia.

O Império Romano do Ocidente sofreu profunda transformação sócio-política nos anos seguintes em consequência da invasão dos visigodos, da cristianização e da gradativa mudança do sistema mercantil-escravista para o feudal e, como não poderia deixar de ser, a prática médica foi envolvida e modificada pelas mudanças em curso.

Com a cristianização do Império Romano do Ocidente, a influência exercida pela Igreja Católica na Medicina foi se fazendo de forma gradativa e irreversível. A origem da interferência remonta aos tempos pré-cristãos, quando o pensamento judaico associava o aparecimento das doenças aos pecados. Progressivamente a doença passou a ser pecado e o único tratamento possível para o sofrimento era o perdão de Deus.

A relação social com o binômio saúde-doença evoluiu sem alteração e se consolidou definitivamente no Ocidente com a ação evangélica de Jesus Cristo, que incluía a capacidade de curar milagrosamente inúmeras doenças, cujos relatos foram passados através das gerações pelos apóstolos no Novo Testamento.

Por razões não perfeitamente esclarecidas, os médicos laicos simplesmente desapareceram a partir do século V. O atendimento médico e o combate às principais doenças passaram a ser feitas nos mosteiros dos padres das diferentes ordens religiosas.

Entre os mosteiros que se destacaram no exercício da atividade médica está o de Monte Cassino, na Itália, construído sobre antigo templo de Apolo. Ao mesmo tempo, multiplicava-se também o uso de relíquias e talismãs para a proteção das doenças. Exemplos marcantes de como a superstição era o fundamento da Medicina dessa época podem ser sentidos nas palavras de Santo Agostinho: O perfume de azeviche afugenta os demônios e seu uso desata e desfaz o quebranto, ligaduras e encantamentos e todos os fantasmas tristes e melancólicos.

Com o passar dos anos, os padres passaram a exercer a Medicina fora dos muros dos mosteiros. Em consequência dos atritos criados pelos danos causados aos doentes, como a sangria, os religiosos foram proibidos de exercer a atividade médica fora dos mosteiros por determinação dos Concílios de Remis (1131) e de Roma (1139).

Esta situação evoluiu para a formação de escolas leigas de Medicina, que foram, pouco a pouco, se formando junto aos mosteiros. A Escola de Salerno, no sul da Itália, fundada ao lado de um convento beneditino, foi o primeiro de orientação puramente leiga. Essa Escola foi responsável perante a História pela famosa frase: Primo, nou nuocere (Em primeiro, não façam mal).

Pouco tempo depois surgiu a Escola de Montpelier, na França, com as mesmas características da Escola de Salerno, isto é, a fundamentação do ensino médico era baseada nas obras de Hipócrates e Galeno.

Os estudos da anatomia humana foram retomados pelas mãos de Mondino de Luzzi (1270-1326), professor da Universidade de Bolonha, que realizou a sua primeira dissecção humana, na Europa, em 1315.

A Cátedra universitária remonta a este período. O professor, sentado numa grande cadeira, daí o nome de cátedra, ditava a aula aos alunos calados e atentos, ávidos de conhecimentos, sem questionar as exposições do catedrático.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Fantasy Art - Galeria


Serious Moonlight.
Todd F. Jerde.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Aparições de Lola – 4/5



Inácio Oliveira

VI

         Depois de tudo jurei esquecer Lola de uma vez por todas, nunca mais permitir que nossos caminhos se cruzassem outra vez. Minha vida estava errada, eu estava fora dos meus propósitos, tudo em função de uma história sempre interrompida, fadada a nunca dar certo. Retornei à pintura e à escrita, atividades que pensei um dia me justificariam. No entanto tudo que eu pintava ou escrevia tomava a forma de Lola; nos quadros estava o seu olhar, a forma como ela via as coisas; no que eu escrevia havia palavras suas, um pensamento seu. Lola existia na minha arte.

         Em uma viagem, vi Lola ao longe caminhando na estação; pela sua maneira displicente de andar devia estar chegando de um lugar muito distante. Ela não me via no meio da multidão, mas se continuasse andando na mesma direção e eu continuasse ali ela passaria por mim. De repente todas as coisas ficaram imóveis: as pessoas, os ônibus e as nuvens no céu e apenas Lola continuava caminhando na minha direção, cansada, distraída, sem me pressentir tão perto. Quando me visse ela sorriria o mesmo sorriso da primeira vez, só que agora esse sorriso significaria outra coisa, remorso, arrependimento, talvez. Mas ela jamais diria “me perdoe”, porque não precisava, havia sempre o perdão do meu abraço, do meu carinho e da minha presença. Eu veria em seus olhos o medo e a tristeza ocultos e por um momento, como alguém que realiza uma pequena vingança, desejaria vê-la sofrer um pouco mais, mas a minha necessidade de protegê-la seria maior que isso. Então eu a abraçaria como quem diz “Não tema, pois estou contigo” e sentiria seu corpo pequeno, embora um pouco magro dessa vez, mas que ainda era a mulher que eu amava. E assim eu esqueceria o lugar para onde estava indo e os compromissos que tinha por lá e ficaria naquela cidade com Lola, alugaríamos um quarto numa pensão e então seríamos felizes, tão felizes como antes nunca ninguém foi, mas isso era apenas uma ilusão a ser desfeita no dia em que Lola sumisse mais uma vez, porque é certo que ela sumiria e me restaria apenas juntar os pedaços e ficava cada vez mais difícil juntar os pedaços. Quando as nuvens voltaram a se mover no pálido céu da estação eu vi Lola muito perto de mim e ela continuava sem me ver; naquele momento senti-me como em perigo, então andei na direção contrária ao meu destino, esgueirando-me por entre as pessoas como um fugitivo. Entrei no primeiro ônibus que partia, o reflexo no vidro da janela devolveu alguém patético e covarde, um homem que fugia do que desejava.

         Naquela viagem, indo para um destino que não era o meu, se alguém me olhasse veria um homem sem rumo e isso seria engraçado, porque era exatamente isso que eu era: um homem sem rumo. Foi naquele ônibus olhando a paisagem que mudava pela janela que eu senti pela primeira vez na vida o desejo de ser aquilo que as pessoas chamam de um homem de família. Quando desci na pequena estação da cidade a primeira coisa que observei foi um pé de roseira selvagem que crescia entre as pedras, resistindo ao sol e à chuva. Quando os antigos que colonizaram aquela terra encontravam um pé de roseira selvagem eles faziam ali suas casas, pois eles sabiam que assim como a roseira selvagem eles também cresceriam entre as pedras, resistindo ao sol e à chuva. Uma mulher muito bonita que devia ser a enfermeira passou por trás do pé de roseira selvagem, olhou-me como se me conhecesse, sorriu para mim e entrou no posto médico. “Vou me casar com essa mulher e construir minha casa aqui”, foi o que eu pensei.

(continua na próxima segunda-feira)

domingo, 14 de julho de 2013

sábado, 13 de julho de 2013

Fantasy Art - Galeria

Juan Medina.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Dabacuri – amazônica 12/13


Zemaria Pinto
 
 
garça branca pousada

sobre a vitória-régia

– o lago em silêncio

 

nuvens entre as árvores,

paisagem estranha e bela

– prenúncio de frio?

 

as nuvens vermelhas,

o sol sumindo no rio

– silêncio noturno

 

hora de voltar –

a noite chega nas luzes

refletidas n’água

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Dom de curar


 

João Bosco Botelho

 

             A sedução exercida pelos taumaturgos e adivinhos, hábeis articuladores na dualidade sagrada e profana, marcou as mentalidades. Esses homens e mulheres, reconhecidos como portadores de dotes especiais super-humanos, como no passado remoto, aqui e acolá, continuam curando e adivinhando. 

            O dom ou o carisma, como dádiva divina, está ajustado para unir a posse da terra à guarda do corpo. Na realidade, representa a analogia do mecanismo binário de prêmio-castigo, nos espaços sagrado e profano.  A ordem sublime emprega-o, para abrigar a imagem do corpo (espírito, alma etc.) no espaço transcendente (céu, éden, paraíso etc.).  A secular, para garantir o corpo submisso  no  território (casa, bairro, cidade, município, país e a área por onde se dá  o fluxo de mercadorias no mercado interno e externo). 

            Aquele que tem o dom de curar  pessoas ou  sociedades  (líder,  messias, benzedor, pajé, padre, médico etc.) deve ser obedecido e reverenciado (Eclo 38, 1-2). 

             A cultura judaica admite o sinal da deidade – o milagre.  Assumiu lugar de magna importância, porque é a prova da materialização do  dom, isto é, a fuga do conhecido, do natural, do esperado. Esse é o motivo da aclamação e do júbilo. 

             Os primeiros padres da cristandade fizeram uma fantástica reelaboração  teórica  dos sinais do AT.  Os milagres  de  Cristo, em particular  as  curas, descritos  pelos  quatro evangelistas, assumiram  grande  importância na apologética da nova religião.     

            O tomismo entendeu a importância do milagre, na fé, como fato extraordinário produzido por Deus. Os anjos bons e os santos poderiam ser agentes na promoção dos acontecimentos situados à margem das leis naturais.  Por outro lado, distinguiu o milagre do prodígio.  Este último, simples simulacro, não era fruto do poder divino.   

            A abordagem tomista foi duramente criticada por diversos filósofos.  Voltaire, no Dicionário Filosófico, tomou a argumentação dos físicos para contestar.  Afirmava ser falso pensar no milagre como  transgressão  das leis  matemáticas, criadas pela divindade, porque são coerentes e imutáveis. Espinoza também recusou a veracidade do  milagre, apoiado na premissa de que era impossível a intervenção extraordinária para mudar o curso da criação transcendente, reafirmou o engano da prática milagrosa. 

            O golpe mais forte recebido pela teorização cristã do sinal foi sustentado pelo  agnosticismo kantiano, firmado contra o determinismo absoluto. Seria incognoscível porque é muito difícil distinguir as formas variáveis e extraordinárias de agir da natureza. De acordo com Kant, não existem leis fixas e constantes, porque a estável provém, exclusivamente, do nosso aspecto subjetivo para conhecê-las.  A religião não seria nada mais que o conjunto das obrigações vistas como determinismo  para facilitar a ordem de um poder transcendente. 

            Com o intuito de reforçar o conjunto do debate, cabe lembrar a imutabilidade  das leis matemáticas, regendo a  essência  da  coisa visível, expressando o modo de ser.  Assim, em nenhuma hipótese, nem por milagre, o triângulo poderá deixar de ter os três ângulos internos.   

            No Ocidente cristão medieval, os santuários curadores e proféticos de Compostela (Espanha) e Jerusalém viveram vários séculos de  glória, recebendo peregrinos de toda a cristandade.  Nos últimos anos, o de Fátima, em Portugal, e o de Lourdes, na França, são muito procurados.   Mais recentemente, surgiu o de Medjugorje, na Iugoslávia. 

            Milhares de curas foram anunciadas pelos fiéis que procuraram o santuário de Fátima.  Como o número excedeu os limites aceitáveis, foi  criado, em 1982, uma comissão  de  médicos e religiosos, para analisar a veracidade dos sinais, vindos da divindade, ocorridos em Lourdes. Apesar do entusiasmo dos peregrinos, a Igreja Católica anunciou, em 1990, o  65º  milagre.  Trata-se de uma jovem siciliana de 25 anos, portadora de uma forma incurável de câncer ósseo no joelho.  Em 1976, depois de ela permanecer uma semana próxima ao santuário, um ano depois, houve o completo desaparecimento da lesão.   

            A  crença  nos  poderes extraordinários, oriundos da aparição  da Virgem, em  Medjugorje, pequena  cidade  no interior da Iugoslávia, começou em 1981.  Um grupo de adolescentes, quatro moças e dois rapazes, relataram ter visto uma mulher bonita que afirmavam ser a Virgem Maria. O padre Slavko Barbarich, da Igreja local, não tem dúvida da autenticidade das mensagens. 

            No Brasil, nos estratos sociais privilegiados, de   tradição cristã,  são  mais enfocadas as procuras de Lourdes, Fátima e Medjugorje. Porém, existem outros locais de súplicas, como a basílica de Aparecida, a estátua do Padre Cícero, os centros de umbanda, as igrejas protestantes e grupos kardecistas.  Todos recebem número muito maior de crentes, virtualmente agregados aos mesmos componentes de fé e religiosidade.              

           

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Fantasy Art - Galeria


Gerald Brom.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Platônica X


Tainá Vieira

 

       Pensar em ti é algo constante comigo. Pensar, lembrar etc. Maior é a vontade de te escrever, mas é tão difícil escrever para ti, é mais difícil ainda escrever sobre ti. Não me sinto preparada, pois desvendar os mistérios dos teus escritos requer muito conhecimento e, também tem que merecer escrever sobre teus pensamentos. E eu não mereço. Bem, outro dia, lá na academia, minha professora de Literatura Amazonense, que por sinal, também é tua admiradora, não sei se propositalmente, ou se foi por que tinha que ser mesmo, num sorteio sobre poetas amazonense para trabalhá-los, ela me meu deu tu, teu poema. Fiquei deveras contente.  Mando-te, uma parte do meu trabalho. Espero que leias e que gostes.

O poeta veste-se

Com seu paletó de brumas/ e suas calças de pedra,/ vai o poeta./ E sobre a cambraia fina/ da camisa de neblina,/ o arco-íris em gravata/ vai atado em nó singelo./ (Um plátano, sobre a prata/da água tranquila do lago,/se debruça só por vê-lo)./Ele leva sobre os ombros/a cachoeira do lago/ (cachecol à moda russa) /levemente debruada/de um fino raio de sol./Vai o poeta/a caminhar pelas serras./ (pelos montes friorentos/mal se espreguiça a manhã) /com seu pullover cinzento/ (feito com lã das colinas) /com seus sapatos de musgo/ (camurça verde dos muros) /com seu chapéu de abas largas/ (grande cumulus escuro)./Mas algo ainda lhe falta/para a elegância completa:/súbito para, se curva,/num gesto sóbrio e perfeito,/um breve floco de nuvens/colhe e prende na lapela. 

        Nesse poema, é possível perceber o uso em demasia da linguagem figurada; o poeta mostra ser conhecedor não apenas das palavras, mas também da Geografia e da Botânica para compor o poema. São os conhecimentos que vão além da própria natureza.  /Com seu paletó de brumas/ e suas calças de pedras/. É o Eu lírico confessional que vai caminhar vestido com um paletó de neblina e uma calça de pedra, um arco-íris é a sua gravata, o cachecol é a cachoeira que jorra água de ilusão e que lhe adorna o pescoço, e mais, o suéter é feito com lãs da colina, prática que remonta às Canções de Amigo na época do Trovadorismo.  Os sapatos são de musgos, seu chapéu é de cúmulos escuros e, para / a elegância completa/, um floco de neve para enfeitar a lapela do paletó de brumas. Bem vestido /vai o poeta caminhar pelas serras,/ pelos montes friorentos.  O Eu lírico vale-se dos elementos da natureza para vestir-se, para adornar seu corpo. O chapéu tem uma referência de superioridade de elegância, pois o mesmo traz a referência da coroa, signo do poder. Como o poeta tem o poder das palavras, a qualidade deste chapéu de “cúmulos”, que são nuvens densas que se formam em ar instável, pois instáveis são as palavras que dão à poesia o caráter dual. Um arco-íris é a sua gravata, que nos remete a um caminho e mediação entre a terra e o céu.

       É a ponte de que se servem os deuses e os heróis, entre o Outro mundo e o nosso. Em algumas culturas o arco-íris é associado ao sol. Na Grécia, o arco-íris é Iris, a mensageira rápida dos deuses. A poesia bacellariana se afasta com uma notável liberdade de “tendências históricas” da poesia. Se fosse preciso usar um rótulo para classificá-la, talvez coubesse “metafísica”. Mas, o que caracteriza a poesia bacellariana é o apuro formal, é a interrogação sobre o destino e uma tentativa de figurar o nexo poético com a aparência do homem-poeta.

      Até onde se pode perceber na poesia bacellariana, tudo nos remete à criação poética. Pode-se crer que na sua poética está a convicção de que a poesia consiste em compor, na ordem das palavras, uma percepção que não se guardaria fora do símbolo poético É a tradução simbólica que preside a sensação de se estar a um passo de tudo o que é essencial através da palavra, por isso, a imposição de alguns símbolos que foram destacados na leitura do texto. Articulam-se na expressão de si mesma, num exercício de transposição em que o eu e seus símbolos espelham-se mutuamente. Tal operação implica tendência radical; a conversão do sujeito, ele mesmo, num símbolo, o maior de todos.

Obs: Pois bem, Luiz, não é o que tu mereces, mas foi o que consegui. Saudações!

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Aparições de Lola – 3/5


 

Inácio Oliveira

V

         Segui minha vida sem Lola. Tanto que imaginei uma vida com ela que tudo ficou na imaginação. Há certas coisas que pertencem apenas ao reino das coisas intangíveis e por força jamais acontecerão, mas de muito imaginá-las é como se houvessem acontecido. A minha tristeza é por tudo aquilo que eu não vivi com Lola. Os momentos que estive com ela se evaporam e se condensam de tanto eu pensar neles, vão crescendo no meu pensamento, se transformam em outra coisa. Vivi assim até o dia em que encontrei Lola novamente, ou melhor, ela me encontrou. Dessa vez não foi por acaso, Lola bateu na minha porta às três da manhã e disse “eu vim pra ficar com você, posso entrar?” Julguei estar sonhando, por isso não procurei entender o que acontecia. Peguei Lola no colo, levei-a até cama e fiz amor com ela. Tirei sua roupa com muito cuidado temendo acordar a qualquer momento, mas eu já não estava dormindo e aquilo não era um sonho: era um milagre. A cidade estava em silêncio, a luz da rua iluminava seu rosto e ela parecia sorrir, naquele momento eu a amei como se eu fosse todos os homens.

         O pai de Lola havia morrido um ano antes. Ela ficava triste às vezes, mas já não havia a inquietação de sempre em seus olhos. Foi o tempo mais longo que passei com Lola. Eu nunca fora tão feliz em toda a minha vida, no entanto tinha medo de acordar no meio da noite e Lola ter sumido, evaporado, como costumava fazer. Mas foi numa tarde tranquila num barzinho do subúrbio que Lola pôs a mão na minha sobre a mesa e me olhou em silêncio. Com o tempo havíamos adquirido uma linguagem secreta que prescindia das palavras e a maneira como Lola pôs a mão sobre a minha e sua forma de me olhar diziam que ia acontecer o que sempre acontecia, uma coisa com a qual eu já devia estar acostumado, porém eu jamais me acostumaria ao fato de Lola sempre me abandonar. O bar ficava no alto do morro, dava para ver a cidade lá de cima. Escurecia e as casas das pessoas foram se tornando milhares de pontos luminosos, era bonito, mas eu estava triste e odiava aquela cidade, odiava aquela gente, odiava Lola. Ela viu passar uma nuvem em meu rosto, não sei o que sentiu ao me ver tão destroçado. Rabiscou num guardanapo de papel uns versos que eu li. Nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera, mas nunca o teu riso; porque então morreria. Então eu apenas sorri, porque Neruda era meu poeta preferido e Lola ter escrito assim aqueles versos num guardanapo de papel era covardia. Tocava uma música num tom muito baixo que era quase um silêncio e de repente todas as coisas ganharam um caráter de despedida como se tudo ao redor estivesse em vias de extinguir-se: Lola e os copos sobre a mesa, a própria mesa, o bar, aquela cidade e o mundo inteiro, e apenas eu restasse sozinho no vazio. Voltei para casa sem Lola. Na saída do bar a rua estava deserta, Lola chamou um táxi, entrou e o carro partiu devagar pela rua cheia de buracos, dobrou a esquina e sumiu, eu fiquei sozinho na rua vendo-a partir. Era a primeira vez que eu testemunhava o momento exato em que Lola desaparecia. Um homem sozinho numa rua escura vendo a mulher que ama partir, essa era a metáfora perfeita da minha vida. Cheguei em casa depois de muito tempo vagando pelas ruas, abri a porta e a luz iluminou a sala, a cozinha e o quarto vazio. Naquele momento eu senti aquilo que um órfão sente e não sabe dizer.

(continua na próxima segunda-feira)

domingo, 7 de julho de 2013

sábado, 6 de julho de 2013

Fantasy Art - Galeria

Maxine Gadd.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Dabacuri – amazônica 11/13


Zemaria Pinto
 
 
os botos mergulham

em sincronia perfeita

– a tarde se põe

 

lago em burburinho,

canoas em movimento

– tem boto, tem peixe!

 

ao redor do barco,

o espetáculo dos botos

– tempo de fartura

 

decifrando códigos

o barco atravessa a tarde

na pele do tempo

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Otelo Solo

 

Otelo Solo, de Zemaria Pinto, encenado por Nereide Santiago, com Arnoldo Chaves, estreia neste sábado, em Itacoatiara, no auditório da Escola Jamel Amed, às 19h.
 

Doenças, saúde e organização social


 

João Bosco Botelho

 

             Há muito tempo, sabe-se da estreita relação entre saúde e doença e o modo como as sociedades se organizaram. Hoje, basta comparar o tipo de doença, no mesmo período, nos países industrializados e nos subdesenvolvidos, para se ter certeza da importância da saúde como indicador social.            Após as publicações dos trabalhos do pesquisador Susumi Tonegawa, o ganhador do Nobel da Medicina de 1987, esclarecendo algumas dúvidas de como ocorre a variação dos aminoácidos dos anticorpos produzidos pelos linfócitos B, Tonegawa demonstrou que quando o linfócito B se desenvolve, segmentos do seu material genético são selecionados e misturados para formar novos genes, dando origem a muitas outras sequências de aminoácidos, capazes de efetuar com mais competência a defesa do corpo humano contra as agressões micro e macroscópicas oriundas de dentro e fora dos corpos.

            Como consequência imediata dessas pesquisas, é possível afirmar que ao menos parte da estrutura genética do homem é plástica, capaz de desenvolver durante a vida infinidade de combinações gênicas adaptativas. Para que esse mecanismo biológico ocorra na plenitude, é indispensável que o corpo disponha da mais importante fonte de energia – o alimento. Assim, sob a luz da ciência, se dissolveram os sombrios pressupostos racistas retroalimentados nos interesses dos diferentes matizes ideológicos.

Isso também significa que as crianças subnutridas, de qualquer sociedade, ricas ou pobres, não poderão competir, em igualdades de condições, com outras onde a oferta de alimentos, indispensável para a maturação do genoma, é feita em níveis calóricos adequados.

Essa evidência pode ser aclarada, entre outros níveis de desempenho físico e escolar, na leitura do quadro de medalhas das olimpíadas, onde os atletas dos países que não oferecem alimentos adequados às crianças, não conseguem obter mais de 5% dos melhores índices.

 É indiscutível que, por meio dos desvendares da genética, a Medicina se afasta rápido do exclusivamente classificatório, representante do conhecimento cartesiano contido no espaço hermético, para outro muito mais abrangente, entendendo a doença no contexto complexo das relações sociais, econômicas e políticas.

Os conceitos positivos da imobilidade da saúde e da doença estão sendo substituídos pela convicção da existência do equilíbrio dinâmico entre ambas, onde ter a doença não significa, necessariamente, estar doente. Essa tendência, iniciada na segunda metade do século 19, quando o médico abandonou o conceito restritivo da saúde e adotou o da normalidade, motivado pela melhor compreensão da fisiologia experimental, em plena efervescência, nos trabalhos de Claude Bernard.

Esse primeiro momento ficou impregnado da necessidade de explicar o funcionamento das muitas partes do corpo. Como as teorias mecanicistas dominavam os meios acadêmicos, a máquina se tornou o modelo ideal. O corpo humano passou a ser comparado ao relógio, onde as doenças seriam apenas desajustes na engrenagem.

As clarezas introduzidas pela genética reforçaram a histórica certeza da importância do sociocultural produzindo doença no homem, presente nos livros sagrados, escritos desde o segundo milênio a.C. Naquelas épocas, os legisladores utilizando os poderes disponíveis, ancorados nas crenças e ideias religiosas, interferiram nos hábitos coletivos identificados como causadores de doenças. Assim, conseguiram determinar, ao longo dos séculos seguintes, importantes modificações na cadeia epidemiológica de várias doenças.

            Um dos exemplos, de extraordinário valor histórico, de fácil comprovação, é o câncer do colo uterino entre as judias, sem dúvida, de baixíssima prevalência, salvo nas que mantêm relação sexual com homens cristãos.

A explicação é dada pela cirurgia da fimose como obrigação religiosa, realizada nos homens judeus no sétimo dia após o nascimento. Com isto, o prepúcio do pênis fica livre, em consequência, facilitando a higiene e impedindo que o vírus Epstein‑Baar, relacionado com a etiologia do câncer do colo uterino, se aloje na secreção malcheirosa, o esmegma, presente na glande peniana não higienizada.

O câncer da mucosa que recobre a glande, de tipo semelhante ao do colo uterino, é o outro lado da mesma questão. Esse tumor maligno, muito mais frequente entre homens cristãos, portadores de fimose, situação que dificulta a higienização para a retirada do esmegma, em lugares onde o abastecimento de água potável é irregular ou inexistente. Tanto no Norte quanto no Nordeste brasileiro, como em outras regiões, no mundo subdesenvolvido, o câncer da glande apresenta grande prevalência.