Amigos do Fingidor

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Desapresentação ou tá todo mundo loco?


Zemaria Pinto*
 


A ficção sempre andou à frente da história. Testemunha viva do seu tempo, a ficção é um inventário de atos e fatos que a história, sempre escrita depois, esqueceria, se não se valesse do registro ficcional. Por outro lado, a crônica é um gênero essencialmente marginal: misto de ficção e história, não tem com esta o compromisso da verdade, nem com aquela as sutilezas da linguagem. Mas é preciso que haja verossimilhança – isto é: pode até não ter acontecido assim ou assado, mas, do jeito como é contado, até que poderia ser verdadeiro... 

E o que uma outra tem a ver com a coisa? Elementar, meu caro Sancho: o leitor tem nas mãos um livro de crônicas – que registram acontecimentos com personagens reais, muitos ainda vivos (aliás, muito vivos!), passados num tempo recente –, mas que pode ser lido como pura ficção, salientando-se o estilo soberbo do autor, sem nenhum exagero, radicalizando entre a rudeza de um Plínio Marcos e a alegre amargura de um Nelson Rodrigues – que, antes de serem grandes dramaturgos, eram putas cronistas. Numa palavra: ironia, escárnio, deboche – escolha. Mas não é só isso: Sanatório Geral é um belo livro de história, embora alguns historiadores barés torçam seu nariz de cera a ele e prefiram ignorar os “causos” que humanizariam as personagens que eles insistem em endeusar. 

Projetado para ser lançado em seis volumes, Folclore Político foi apenas até o terceiro, paralisado pelo olho gordo e pelos despachos (em todos os sentidos) dos desafetos, “ofendidos” com as historinhas capazes de deixar nu em pelo qualquer candidato a rei. E como tem rei nu nesta imensidão amazônica! Daí que Simão Pessoa, por dúvida das vias, depois de muitos processos e ameaças de morte, foi procurar inspiração em reis de outras freguesias, o que só aumentou a abrangência deste Sanatório, que deixa de ser meramente paroquial para ser supranacional.   

Mesclando casos clássicos da história política brasileira com inimagináveis, sórdidas, engraçadíssimas e tristes picuinhas regionais, que cairiam no esquecimento se não fosse pela verve de Simão, Sanatório Geral é um autêntico tratado sobre essa arte tão abandalhada da política. Anarquista, Simão não livra a cara da direita nem da esquerda, muito menos dos muristas (não confundir com muralistas) – onde se classifica a supremacia dos políticos do Amazonas, mais preocupados em inflar suas gordas contas bancárias e massagear seus egos de baiacu que em melhorar minimamente as condições de vida do povo. 

E para quem ainda não entendeu o título, esclareça-se: “dormia a nossa pátria-mãe tão distraída / sem perceber que era subtraída / em tenebrosas transações... / palmas pra ala dos barões famintos / o bloco dos napoleões retintos / e os pigmeus do boulevard... / o estandarte do Sanatório Geral vai passar!” Trata-se de um falso samba-enredo do inexorável e inoxidável Chico Buarque; mas essa metáfora do sanatório me parece que é bem mais antiga: Machado de Assis? Lima Barreto? Oswald de Andrade? Seja de quem for, agora é do Simão, porque concretiza o intertexto perfeito entre continente e conteúdo: a política brasileira é mesmo isso – um imenso hospício, onde os loucos mais safados se fazem de doidos incuráveis para ser tomados pelos mais doidões como menos loucos, capazes, portanto, de guiá-los no escuro labirinto de sua crônica insanidade. Entendeu?  

 

(*) Zemaria Pinto, escritor e blogueiro, é doido manso.
 
Obs: desapresentação do livro Sanatório Geral, de Simão Pessoa, lançado por estes dias.
 
Capa de Sanatório Geral (histórias políticas do arco da velha).
À venda no Alienista (Praça da Polícia, em frente ao Palacete provincial) e no Sebão da Praça do Congresso (no lado oposto ao tacacá).