Amigos do Fingidor

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Doenças, saúde e organização social


 

João Bosco Botelho

 

             Há muito tempo, sabe-se da estreita relação entre saúde e doença e o modo como as sociedades se organizaram. Hoje, basta comparar o tipo de doença, no mesmo período, nos países industrializados e nos subdesenvolvidos, para se ter certeza da importância da saúde como indicador social.            Após as publicações dos trabalhos do pesquisador Susumi Tonegawa, o ganhador do Nobel da Medicina de 1987, esclarecendo algumas dúvidas de como ocorre a variação dos aminoácidos dos anticorpos produzidos pelos linfócitos B, Tonegawa demonstrou que quando o linfócito B se desenvolve, segmentos do seu material genético são selecionados e misturados para formar novos genes, dando origem a muitas outras sequências de aminoácidos, capazes de efetuar com mais competência a defesa do corpo humano contra as agressões micro e macroscópicas oriundas de dentro e fora dos corpos.

            Como consequência imediata dessas pesquisas, é possível afirmar que ao menos parte da estrutura genética do homem é plástica, capaz de desenvolver durante a vida infinidade de combinações gênicas adaptativas. Para que esse mecanismo biológico ocorra na plenitude, é indispensável que o corpo disponha da mais importante fonte de energia – o alimento. Assim, sob a luz da ciência, se dissolveram os sombrios pressupostos racistas retroalimentados nos interesses dos diferentes matizes ideológicos.

Isso também significa que as crianças subnutridas, de qualquer sociedade, ricas ou pobres, não poderão competir, em igualdades de condições, com outras onde a oferta de alimentos, indispensável para a maturação do genoma, é feita em níveis calóricos adequados.

Essa evidência pode ser aclarada, entre outros níveis de desempenho físico e escolar, na leitura do quadro de medalhas das olimpíadas, onde os atletas dos países que não oferecem alimentos adequados às crianças, não conseguem obter mais de 5% dos melhores índices.

 É indiscutível que, por meio dos desvendares da genética, a Medicina se afasta rápido do exclusivamente classificatório, representante do conhecimento cartesiano contido no espaço hermético, para outro muito mais abrangente, entendendo a doença no contexto complexo das relações sociais, econômicas e políticas.

Os conceitos positivos da imobilidade da saúde e da doença estão sendo substituídos pela convicção da existência do equilíbrio dinâmico entre ambas, onde ter a doença não significa, necessariamente, estar doente. Essa tendência, iniciada na segunda metade do século 19, quando o médico abandonou o conceito restritivo da saúde e adotou o da normalidade, motivado pela melhor compreensão da fisiologia experimental, em plena efervescência, nos trabalhos de Claude Bernard.

Esse primeiro momento ficou impregnado da necessidade de explicar o funcionamento das muitas partes do corpo. Como as teorias mecanicistas dominavam os meios acadêmicos, a máquina se tornou o modelo ideal. O corpo humano passou a ser comparado ao relógio, onde as doenças seriam apenas desajustes na engrenagem.

As clarezas introduzidas pela genética reforçaram a histórica certeza da importância do sociocultural produzindo doença no homem, presente nos livros sagrados, escritos desde o segundo milênio a.C. Naquelas épocas, os legisladores utilizando os poderes disponíveis, ancorados nas crenças e ideias religiosas, interferiram nos hábitos coletivos identificados como causadores de doenças. Assim, conseguiram determinar, ao longo dos séculos seguintes, importantes modificações na cadeia epidemiológica de várias doenças.

            Um dos exemplos, de extraordinário valor histórico, de fácil comprovação, é o câncer do colo uterino entre as judias, sem dúvida, de baixíssima prevalência, salvo nas que mantêm relação sexual com homens cristãos.

A explicação é dada pela cirurgia da fimose como obrigação religiosa, realizada nos homens judeus no sétimo dia após o nascimento. Com isto, o prepúcio do pênis fica livre, em consequência, facilitando a higiene e impedindo que o vírus Epstein‑Baar, relacionado com a etiologia do câncer do colo uterino, se aloje na secreção malcheirosa, o esmegma, presente na glande peniana não higienizada.

O câncer da mucosa que recobre a glande, de tipo semelhante ao do colo uterino, é o outro lado da mesma questão. Esse tumor maligno, muito mais frequente entre homens cristãos, portadores de fimose, situação que dificulta a higienização para a retirada do esmegma, em lugares onde o abastecimento de água potável é irregular ou inexistente. Tanto no Norte quanto no Nordeste brasileiro, como em outras regiões, no mundo subdesenvolvido, o câncer da glande apresenta grande prevalência.