Inácio
Oliveira
VI
Depois de tudo jurei esquecer Lola de
uma vez por todas, nunca mais permitir que nossos caminhos se cruzassem outra
vez. Minha vida estava errada, eu estava fora dos meus propósitos, tudo em
função de uma história sempre interrompida, fadada a nunca dar certo. Retornei à
pintura e à escrita, atividades que pensei um dia me justificariam. No entanto
tudo que eu pintava ou escrevia tomava a forma de Lola; nos quadros estava o
seu olhar, a forma como ela via as coisas; no que eu escrevia havia palavras
suas, um pensamento seu. Lola existia na minha arte.
Em uma viagem, vi Lola ao longe
caminhando na estação; pela sua maneira displicente de andar devia estar
chegando de um lugar muito distante. Ela não me via no meio da multidão, mas se
continuasse andando na mesma direção e eu continuasse ali ela passaria por mim.
De repente todas as coisas ficaram imóveis: as pessoas, os ônibus e as nuvens
no céu e apenas Lola continuava caminhando na minha direção, cansada,
distraída, sem me pressentir tão perto. Quando me visse ela sorriria o mesmo
sorriso da primeira vez, só que agora esse sorriso significaria outra coisa,
remorso, arrependimento, talvez. Mas ela jamais diria “me perdoe”, porque não
precisava, havia sempre o perdão do meu abraço, do meu carinho e da minha
presença. Eu veria em seus olhos o medo e a tristeza ocultos e por um momento, como
alguém que realiza uma pequena vingança, desejaria vê-la sofrer um pouco mais,
mas a minha necessidade de protegê-la seria maior que isso. Então eu a
abraçaria como quem diz “Não tema, pois estou contigo” e sentiria seu corpo
pequeno, embora um pouco magro dessa vez, mas que ainda era a mulher que eu
amava. E assim eu esqueceria o lugar para onde estava indo e os compromissos
que tinha por lá e ficaria naquela cidade com Lola, alugaríamos um quarto numa
pensão e então seríamos felizes, tão felizes como antes nunca ninguém foi, mas
isso era apenas uma ilusão a ser desfeita no dia em que Lola sumisse mais uma
vez, porque é certo que ela sumiria e me restaria apenas juntar os pedaços e
ficava cada vez mais difícil juntar os pedaços. Quando as nuvens voltaram a se
mover no pálido céu da estação eu vi Lola muito perto de mim e ela continuava
sem me ver; naquele momento senti-me como em perigo, então andei na direção
contrária ao meu destino, esgueirando-me por entre as pessoas como um fugitivo.
Entrei no primeiro ônibus que partia, o reflexo no vidro da janela devolveu
alguém patético e covarde, um homem que fugia do que desejava.
Naquela viagem, indo para um destino
que não era o meu, se alguém me olhasse veria um homem sem rumo e isso seria
engraçado, porque era exatamente isso que eu era: um homem sem rumo. Foi
naquele ônibus olhando a paisagem que mudava pela janela que eu senti pela
primeira vez na vida o desejo de ser aquilo que as pessoas chamam de um homem
de família. Quando desci na pequena estação da cidade a primeira coisa que
observei foi um pé de roseira selvagem que crescia entre as pedras, resistindo
ao sol e à chuva. Quando os antigos que colonizaram aquela terra encontravam um
pé de roseira selvagem eles faziam ali suas casas, pois eles sabiam que assim
como a roseira selvagem eles também cresceriam entre as pedras, resistindo ao
sol e à chuva. Uma mulher muito bonita que devia ser a enfermeira passou por
trás do pé de roseira selvagem, olhou-me como se me conhecesse, sorriu para mim
e entrou no posto médico. “Vou me casar com essa mulher e construir minha casa
aqui”, foi o que eu pensei.
(continua
na próxima segunda-feira)