Amigos do Fingidor

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Aparições de Lola – 4/5



Inácio Oliveira

VI

         Depois de tudo jurei esquecer Lola de uma vez por todas, nunca mais permitir que nossos caminhos se cruzassem outra vez. Minha vida estava errada, eu estava fora dos meus propósitos, tudo em função de uma história sempre interrompida, fadada a nunca dar certo. Retornei à pintura e à escrita, atividades que pensei um dia me justificariam. No entanto tudo que eu pintava ou escrevia tomava a forma de Lola; nos quadros estava o seu olhar, a forma como ela via as coisas; no que eu escrevia havia palavras suas, um pensamento seu. Lola existia na minha arte.

         Em uma viagem, vi Lola ao longe caminhando na estação; pela sua maneira displicente de andar devia estar chegando de um lugar muito distante. Ela não me via no meio da multidão, mas se continuasse andando na mesma direção e eu continuasse ali ela passaria por mim. De repente todas as coisas ficaram imóveis: as pessoas, os ônibus e as nuvens no céu e apenas Lola continuava caminhando na minha direção, cansada, distraída, sem me pressentir tão perto. Quando me visse ela sorriria o mesmo sorriso da primeira vez, só que agora esse sorriso significaria outra coisa, remorso, arrependimento, talvez. Mas ela jamais diria “me perdoe”, porque não precisava, havia sempre o perdão do meu abraço, do meu carinho e da minha presença. Eu veria em seus olhos o medo e a tristeza ocultos e por um momento, como alguém que realiza uma pequena vingança, desejaria vê-la sofrer um pouco mais, mas a minha necessidade de protegê-la seria maior que isso. Então eu a abraçaria como quem diz “Não tema, pois estou contigo” e sentiria seu corpo pequeno, embora um pouco magro dessa vez, mas que ainda era a mulher que eu amava. E assim eu esqueceria o lugar para onde estava indo e os compromissos que tinha por lá e ficaria naquela cidade com Lola, alugaríamos um quarto numa pensão e então seríamos felizes, tão felizes como antes nunca ninguém foi, mas isso era apenas uma ilusão a ser desfeita no dia em que Lola sumisse mais uma vez, porque é certo que ela sumiria e me restaria apenas juntar os pedaços e ficava cada vez mais difícil juntar os pedaços. Quando as nuvens voltaram a se mover no pálido céu da estação eu vi Lola muito perto de mim e ela continuava sem me ver; naquele momento senti-me como em perigo, então andei na direção contrária ao meu destino, esgueirando-me por entre as pessoas como um fugitivo. Entrei no primeiro ônibus que partia, o reflexo no vidro da janela devolveu alguém patético e covarde, um homem que fugia do que desejava.

         Naquela viagem, indo para um destino que não era o meu, se alguém me olhasse veria um homem sem rumo e isso seria engraçado, porque era exatamente isso que eu era: um homem sem rumo. Foi naquele ônibus olhando a paisagem que mudava pela janela que eu senti pela primeira vez na vida o desejo de ser aquilo que as pessoas chamam de um homem de família. Quando desci na pequena estação da cidade a primeira coisa que observei foi um pé de roseira selvagem que crescia entre as pedras, resistindo ao sol e à chuva. Quando os antigos que colonizaram aquela terra encontravam um pé de roseira selvagem eles faziam ali suas casas, pois eles sabiam que assim como a roseira selvagem eles também cresceriam entre as pedras, resistindo ao sol e à chuva. Uma mulher muito bonita que devia ser a enfermeira passou por trás do pé de roseira selvagem, olhou-me como se me conhecesse, sorriu para mim e entrou no posto médico. “Vou me casar com essa mulher e construir minha casa aqui”, foi o que eu pensei.

(continua na próxima segunda-feira)