Amigos do Fingidor

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Medicina e Igreja na Idade Média



         João Bosco Botelho

 

Com a divisão do Império Romano, iniciada pelo Imperador Constantino e consolidada por Teodósio, em fins do século IV, o Império Romano do Ocidente teve a sua capital em Milão, na Itália, e o Império Romano do Oriente, em Constantinopla, atual Istambul, capital da Turquia.

O Império Romano do Ocidente sofreu profunda transformação sócio-política nos anos seguintes em consequência da invasão dos visigodos, da cristianização e da gradativa mudança do sistema mercantil-escravista para o feudal e, como não poderia deixar de ser, a prática médica foi envolvida e modificada pelas mudanças em curso.

Com a cristianização do Império Romano do Ocidente, a influência exercida pela Igreja Católica na Medicina foi se fazendo de forma gradativa e irreversível. A origem da interferência remonta aos tempos pré-cristãos, quando o pensamento judaico associava o aparecimento das doenças aos pecados. Progressivamente a doença passou a ser pecado e o único tratamento possível para o sofrimento era o perdão de Deus.

A relação social com o binômio saúde-doença evoluiu sem alteração e se consolidou definitivamente no Ocidente com a ação evangélica de Jesus Cristo, que incluía a capacidade de curar milagrosamente inúmeras doenças, cujos relatos foram passados através das gerações pelos apóstolos no Novo Testamento.

Por razões não perfeitamente esclarecidas, os médicos laicos simplesmente desapareceram a partir do século V. O atendimento médico e o combate às principais doenças passaram a ser feitas nos mosteiros dos padres das diferentes ordens religiosas.

Entre os mosteiros que se destacaram no exercício da atividade médica está o de Monte Cassino, na Itália, construído sobre antigo templo de Apolo. Ao mesmo tempo, multiplicava-se também o uso de relíquias e talismãs para a proteção das doenças. Exemplos marcantes de como a superstição era o fundamento da Medicina dessa época podem ser sentidos nas palavras de Santo Agostinho: O perfume de azeviche afugenta os demônios e seu uso desata e desfaz o quebranto, ligaduras e encantamentos e todos os fantasmas tristes e melancólicos.

Com o passar dos anos, os padres passaram a exercer a Medicina fora dos muros dos mosteiros. Em consequência dos atritos criados pelos danos causados aos doentes, como a sangria, os religiosos foram proibidos de exercer a atividade médica fora dos mosteiros por determinação dos Concílios de Remis (1131) e de Roma (1139).

Esta situação evoluiu para a formação de escolas leigas de Medicina, que foram, pouco a pouco, se formando junto aos mosteiros. A Escola de Salerno, no sul da Itália, fundada ao lado de um convento beneditino, foi o primeiro de orientação puramente leiga. Essa Escola foi responsável perante a História pela famosa frase: Primo, nou nuocere (Em primeiro, não façam mal).

Pouco tempo depois surgiu a Escola de Montpelier, na França, com as mesmas características da Escola de Salerno, isto é, a fundamentação do ensino médico era baseada nas obras de Hipócrates e Galeno.

Os estudos da anatomia humana foram retomados pelas mãos de Mondino de Luzzi (1270-1326), professor da Universidade de Bolonha, que realizou a sua primeira dissecção humana, na Europa, em 1315.

A Cátedra universitária remonta a este período. O professor, sentado numa grande cadeira, daí o nome de cátedra, ditava a aula aos alunos calados e atentos, ávidos de conhecimentos, sem questionar as exposições do catedrático.