João Bosco Botelho
Com
a divisão do Império Romano, iniciada pelo Imperador Constantino e consolidada
por Teodósio, em fins do século IV, o Império Romano do Ocidente teve a sua
capital em Milão, na Itália, e o Império Romano do Oriente, em Constantinopla,
atual Istambul, capital da Turquia.
O
Império Romano do Ocidente sofreu profunda transformação sócio-política nos
anos seguintes em consequência da invasão dos visigodos, da cristianização e da
gradativa mudança do sistema mercantil-escravista para o feudal e, como não
poderia deixar de ser, a prática médica foi envolvida e modificada pelas
mudanças em curso.
Com
a cristianização do Império Romano do Ocidente, a influência exercida pela
Igreja Católica na Medicina foi se fazendo de forma gradativa e irreversível. A
origem da interferência remonta aos tempos pré-cristãos, quando o pensamento
judaico associava o aparecimento das doenças aos pecados. Progressivamente a
doença passou a ser pecado e o único tratamento possível para o sofrimento era
o perdão de Deus.
A
relação social com o binômio saúde-doença evoluiu sem alteração e se consolidou
definitivamente no Ocidente com a ação evangélica de Jesus Cristo, que incluía
a capacidade de curar milagrosamente inúmeras doenças, cujos relatos foram
passados através das gerações pelos apóstolos no Novo Testamento.
Por
razões não perfeitamente esclarecidas, os médicos laicos simplesmente desapareceram
a partir do século V. O atendimento médico e o combate às principais doenças
passaram a ser feitas nos mosteiros dos padres das diferentes ordens religiosas.
Entre
os mosteiros que se destacaram no exercício da atividade médica está o de Monte
Cassino, na Itália, construído sobre antigo templo de Apolo. Ao mesmo tempo,
multiplicava-se também o uso de relíquias e talismãs para a proteção das
doenças. Exemplos marcantes de como a superstição era o fundamento da Medicina
dessa época podem ser sentidos nas palavras de Santo Agostinho: O perfume de azeviche afugenta os demônios e
seu uso desata e desfaz o quebranto, ligaduras e encantamentos e todos os
fantasmas tristes e melancólicos.
Com
o passar dos anos, os padres passaram a exercer a Medicina fora dos muros dos
mosteiros. Em consequência dos atritos criados pelos danos causados aos doentes,
como a sangria, os religiosos foram proibidos de exercer a atividade médica
fora dos mosteiros por determinação dos Concílios de Remis (1131) e de Roma
(1139).
Esta
situação evoluiu para a formação de escolas leigas de Medicina, que foram,
pouco a pouco, se formando junto aos mosteiros. A Escola de Salerno, no sul da
Itália, fundada ao lado de um convento beneditino, foi o primeiro de orientação
puramente leiga. Essa Escola foi responsável perante a História pela famosa
frase: Primo, nou nuocere (Em primeiro, não façam mal).
Pouco
tempo depois surgiu a Escola de Montpelier, na França, com as mesmas
características da Escola de Salerno, isto é, a fundamentação do ensino médico
era baseada nas obras de Hipócrates e Galeno.
Os
estudos da anatomia humana foram retomados pelas mãos de Mondino de Luzzi (1270-1326),
professor da Universidade de Bolonha, que realizou a sua primeira dissecção humana,
na Europa, em 1315.
A
Cátedra universitária remonta a este período. O professor, sentado numa grande
cadeira, daí o nome de cátedra, ditava a aula aos alunos calados e atentos,
ávidos de conhecimentos, sem questionar as exposições do catedrático.