Amigos do Fingidor

terça-feira, 30 de maio de 2023

Gosto não se discute


Pedro Lucas Lindoso

 

O que seria do azul se todos gostassem do amarelo. Os mineiros dizem que toda unanimidade é burra. Mas ninguém precisa se odiar por não ter os mesmos gostos.

Incrível, mas tem gente que precisa que você goste das mesmas coisas que elas. Um colega de trabalho se separou da esposa porque ela se tornou vegana. Nesse caso específico acho mesmo que a convivência pode ter se tornado insuportável. Mesmo porque ele é carnívoro e frequentador assíduo de churrascaria. Tem como prato favorito a tartarugada. Adora uma feijoada daquelas bem completas e tradicionais.

Por falar em feijoada, o grande inventor da feijoada society, com as carnes separadas e etc e tal, foi o eterno “rei da noite” carioca, Ricardo Amaral. Que confessou que não gosta de feijoada! A Feijoada do Amaral é um dos eventos mais disputados da capital carioca. Há mais de 40 anos, a festa anima famosos e influenciadores do Rio de Janeiro.

Dizem que religião, política e futebol não se discute. Mas se discute sim. E muito. E há brigas. Em tempos de grupos familiares de whatsapp então, a coisa pode ficar feia.

Conheço uma família em São Paulo que são descendentes de italianos. Todos torcem para o Palmeiras. Imagine a confusão quando uma das moças levou em casa um namorado corintiano. Quase o rapaz apanha e quase desistiu do namoro.  Precisou casar para entrar no grupo de whatsapp da família.

Tenho um cunhado que não gosta de festa junina. Em Brasília essas festas são muito populares.  A tradição surgiu com a inauguração da cidade. A Festa dos Estados em junho é um evento tradicional de Brasília. Há várias na cidade. Em escolas, clubes, casas particulares e buffets.

Na culinária as divergências podem criar constrangimentos. Tia Idalina convidou para sua cozinha a namorada de um sobrinho. A moça perguntou se ela iria por aquele “matinho” na comida. Tratava-se de coentro, cheiro verde e cebolinha. Idalina aconselhou o sobrinho a não casar com a moça! Achou que a garota sulista era preconceituosa com a culinária amazonense.

Conheci uma senhora de Parintins que não gosta de boi. Não é Caprichoso nem Garantido. Por motivos religiosos. Tudo bem. Devemos respeito a todos.

Tia Idalina é irascível. Brigou com uma sobrinha porque a garota confessou que não gosta de brócolis. Para Tia Idalina, gosto se discute.


domingo, 28 de maio de 2023

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Representações da Amazônia na relação de Carvajal: devaneio e mistificação 5/8

 Zemaria Pinto

 

Devaneios, relembranças. Os devaneios de Carvajal eram compartilhados com o Capitão. Tomemos o exemplo de uma conversa, no segundo contato pacífico, com líderes indígenas que queriam saber detalhes da origem dos expedicionários:

 

Respondeu-lhe o Capitão, repetindo as suas palavras, e lhe disse mais que éramos filhos do Sol e que íamos àquele rio, como já contara. Disto muito se admiraram os índios e mostraram muita alegria, tendo-nos por santos ou pessoas celestiais, porque eles adoram e têm por seu deus o Sol, que chamam Chise. (p.31)

 

Seria aquela mentira mera recordação de histórias ouvidas no Peru?

Mais adiante, ao saquearem uma aldeia “pequena e tão bem situada, que se diria um recreio de algum senhor de terra adentro”, em busca de “provisão de boca”, encontram uma estranha construção:

 

Havia nessa povoação uma casa de diversões, dentro da qual encontramos muita louça dos mais variados feitios: havia talhas e cântaros enormes, de mais de vinte e cinco arrobas, e outras vasilhas pequenas, como pratos, escudelas e candeeiros, tudo da melhor louça que se viu no mundo, porque a ela nem a de Málaga se iguala. É toda vidrada e esmaltada de todas as cores, tão vivas que espantam, apresentando, além disso, desenhos e figuras tão compassadas, que naturalmente eles trabalham e desenham como o romano.

Disseram-nos ali os índios que tudo o que havia naquela casa, feito de barro, se encontrava terra adentro feito de ouro e de prata, e que eles nos levariam lá, pois era perto. Encontramos nessa casa dois ídolos, tecidos de palha, de diversos modos: eram de estatura de gigantes e tinham metidas no moledo dos braços umas rodas, a modo de braceletes e outras nas panturrilhas, perto dos joelhos; as orelhas eram perfuradas e muito grandes, parecendo as dos índios de Cuzco, porém maiores. (p. 47)

 

Como se observa, Carvajal não economiza nas comparações: a louça “vidrada e esmaltada” é melhor que a de Málaga; os desenhos são tão bons quanto os dos romanos e os ídolos lembravam os que ele vira em Cuzco. Além disso, havia sempre a promessa de ouro e prata[1].

Em outra aldeia saqueada, “de medíocre tamanho”, logo depois da passagem pela foz do rio Negro, há uma nova referência à adoração do sol, mas o que chama a atenção é o quadro, “pintado e esculpido em relevo”, no meio de uma praça, representando elementos desconhecidos dos nativos, como “cidade murada”, “altíssimas torres” e, principalmente, “ferocíssimos leões”:

 

Havia lá uma praça muito grande e no meio da praça um grande pranchão de dez pés em quadro, pintado e esculpido em relevo, figurando uma cidade murada, com sua cerca e uma porta. Nessa porta havia duas altíssimas torres com as suas janelas, as torres com portas que se defrontavam, cada porta com duas colunas. Toda essa obra era sustentada sobre dois ferocíssimos leões que olhavam para trás, como acautelados um do outro, e a sustinham nos braços e nas garras. Havia no meio dessa praça um buraco por onde deitavam, como oferenda ao sol, a chicha, que é o vinho que eles bebem, sendo o Sol que eles adoram e têm como seu Deus. (p. 51)

 

Numa “povoação onde os índios não se defenderam”, repete-se o encontro de elementos estranhos à região:

 

Havia nessa aldeia um adoratório, dentro do qual estavam penduradas muitas divisas de armas de guerra e, por cima de todas, duas mitras muito bem feitas, como a dos bispos: eram tecidas não sabemos de que, pois não eram de lã e tinham muitas cores. (p. 58)

 

“Divisas de armas de guerra”, além de “duas mitras” afiguram-se como devaneio do bom frade, que parece nostálgico de um mundo que ficara para trás, e do qual ele se distancia cada vez mais. Essa falta parece levar Carvajal a identificar nos nativos, senão a si próprio, o mundo – ou parte dele – que lhe era caro. Por outro lado, pensando na consolidação da ideia que abraçara, essa identificação valoriza aquele mundo perdido, tornando o que era naturalmente desigual em igualdade, mesmo que forçada. Aproximando os dois mundos, ainda que em um nível mitológico – o que, talvez, para Carvajal, não fizesse diferença –, o eu se reinventa no outro:

 

Podem-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu. (TODOROV, 2010, p. 3)

 

Esse questionamento deverá ficar mais claro, embora não inteiramente respondido, no encontro de Carvajal com as amazonas, um arquétipo que tem povoado o imaginário de diversos povos há mais de três mil anos.  

 



[1] A propósito destes minérios, não há notícia da existência de jazidas deles em toda a região do Amazonas, embora o Pará as tenha em abundância.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

A poesia é necessária?

 

Gênese

Sebastião Alba (1940-2000)

 

Foi assim

Todo o mar que eu via

se precipitou logo no meu coração

Que é de sal

 

E os peixes cristalizaram

com os olhos mortos

para as suas manhãs refractadas

 

Escutando bem

ouve-se como ao pé das estátuas

música de uma fanada melancolia.



terça-feira, 23 de maio de 2023

Educação Salesiana

 Pedro Lucas Lindoso

 

O dia 24 de maio é consagrado à Nossa Senhora Auxiliadora. A data é significativa para a Ordem dos Salesianos. A educação de crianças e jovens foi sempre uma prioridade e uma missão desafiadora para Dom Bosco.

No Brasil, os colégios Dom Bosco se especializaram na educação de rapazes enquanto os colégios Maria Auxiliadora das meninas. Hoje está tudo mudado e há uma integração entre eles. As escolas todas se tornaram mistas.

Entretanto, na qualidade de filho, irmão, sobrinho e afilhado de moças que foram educadas pelas freiras salesianas, digo que as ex-alunas do Colégio Auxiliadora são privilegiadas e diferenciadas.

Podemos identifica-las até pela caligrafia. Elas raramente têm letra “feia”. São moças dinâmicas, boas administradoras e excelentes profissionais. Qualquer atividade em que se dedicam o fazem com maestria e dignidade.

Se decidirem por ser esposas e mães podem facilmente conciliar com qualquer atividade profissional. Destacam-se em qualquer carreira, tanto na área pública quanto na iniciativa privada. Podem ser profissionais autônomas na medicina, direito ou engenharia. O sucesso é garantido. São também habilidosas em música e artes em geral.

Meu filho Fernando nasceu no dia consagrado à Nossa Senhora Auxiliadora e, coincidentemente, sua esposa Bruna também. Minhas netinhas com nomes de Maria Luísa e Maria Helena homenageiam Maria, nossa Mãe e Mãe de Deus.

Temos ainda a alegria de ter uma irmã de sangue freira salesiana. Ir. Liliana Maria Daou Lindoso vestiu o hábito salesiano e se dedicou a cuidar prioritariamente de moças em situação de risco pessoal e social. Junto à outras irmãs, fundou e tem administrado a Casa Mamãe Margarida. O nome da instituição é uma homenagem a mãe de Dom Bosco. Localiza-se no Bairro São José, aqui em Manaus.

Infelizmente, muitos homens se deixam dominar por instintos animalescos e abusam das mulheres. Quando as vítimas são crianças e adolescentes torna-se mais chocante e deplorável.

O trabalho da Casa Mamãe Margarida é dar orientação, estudo, profissionalização e principalmente suporte emocional para essas moças. O interessante é que, apesar de tudo o que passaram, elas dançam, cantam e sorriem.

Neste mês de maio quero homenagear a Ir. Liliana e todos que trabalham na Casa Mamãe Margarida e nas instituições salesianas. Que Maria, Nossa Senhora Auxiliadora, nos abençoe hoje e sempre.

 

domingo, 21 de maio de 2023

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Representações da Amazônia na relação de Carvajal: devaneio e mistificação 4/8

Zemaria Pinto

 

Hiperbólico, maravilhoso. Para atingir o âmago do maravilhoso, o maravilhoso puro – aliás, negado por Le Goff (p. 25) –, Tzvetan Todorov identifica vários tipos de narrativas onde o maravilhoso se sobressai.[1] A narrativa de Carvajal encaixa-se a perfeição naquilo que o teórico chama de “maravilhoso hiperbólico”, onde “os fenômenos não são sobrenaturais, a não ser por suas dimensões, superiores a que nos são familiares” (TODOROV, 1992, p. 60). Por outro lado, a decisão de inflar a realidade pode ser apenas um reflexo linguístico do espanto, inconsciente, ou uma decisão consciente, que podemos atribuir a uma categoria de criação literária: o devaneio, a fantasia produzida em estado de vigília.

 

O devaneio é uma atividade onírica na qual subsiste uma clareza de consciência. O sonhador de devaneio está presente no seu devaneio. Mesmo quando o devaneio dá a impressão de uma fuga para fora do real, para fora do tempo e do lugar, o sonhador do devaneio sabe que é ele que se ausenta – é ele, em carne e osso, que se torna um “espírito”, um fantasma do passado ou da viagem. (BACHELARD, p. 144)

 

 Não se trata de matéria de ficção, pois, mas sim de uma manipulação consciente da realidade; em nosso caso, histórica.

O maravilhoso hiperbólico aliado ao devaneio ocorre no texto inúmeras vezes, de sorte que vamos nos ater a um ponto que tem sido motivo de polêmica desde sempre: o superpovoamento de algumas áreas do rio Amazonas, apontado por Carvajal, mas jamais comprovado, embora alguns autores considerem que a presença do europeu na região foi o estopim de um autêntico genocídio. Comparada com a baixíssima densidade populacional que conhecemos hoje, as margens do Amazonas vistas por Carvajal parecem resultantes de um devaneio do autor. O surgimento dessa área de grande população associa-se às maiores dificuldades bélicas encontradas pela expedição, numa equação simples, mas perfeita: mais gente, maior resistência.

Antes, vejamos uma hipérbole carregada de conteúdo ideológico, na construção do heroísmo de Orellana, cometida logo no segundo encontro com os nativos pacíficos:

 

Mas era Nosso Senhor servido que se fizesse tão grande descobrimento e que o mesmo viesse ao conhecimento da Cesárea Majestade. Por outra via nem força ou poderio humano seria possível este descobrimento, que com tanta dificuldade se realizava, sem nele por Deus a sua mão ou sem que se passassem muitos séculos. (p. 29)

 

Por vias transversas, Carvajal atribui o sucesso da expedição a um milagre, sem o qual “muitos séculos” se passariam para que o Marañon, ou o Amazonas, fosse navegado até a sua foz. O exagero vai por conta do conhecimento de Carvajal das lendas em torno do El Dorado, o que tornava apenas uma questão de tempo o “descobrimento”.

Nas “províncias” governadas por Machiparo, onde aportam a 12 de maio, e onde começam verdadeiramente os conflitos com os nativos, Carvajal dá conta de grandes populações:

 

Este Machiparo está assentado em uma lomba sobre o mesmo rio e possui muitas e grandíssimas povoações, que reúnem cinquenta mil homens, entre os trinta e os setenta anos, porque os mais jovens não vão a guerra. (...) A umas duas léguas desse povo vimos estar alvejando as aldeias, e não tínhamos andado muito quando vimos vir rio acima enorme quantidade de canoas, todas aprestadas para a guerra, airosas e com seus paveses, que são de carapaças de lagartos e de couros de manatis[2] e antas, da altura de um homem, pois os cobrem inteiramente. (...) Nossos companheiros mostravam tanta coragem que lhes parecia que não bastavam para cada qual mil índios. (p. 37-38)

 

Chama a atenção, além da grande quantidade de nativos, a maneira como se organizam para a guerra com escudos que cobrem o corpo inteiro. As “carapaças de lagartos” seriam uma referência ao nosso jacaré? Carvajal desconhecia o crocodilo? Na descrição da batalha, mesmo usando armas tecnicamente mais avançadas, a superioridade numérica, um para mil, é, claramente, força de expressão, um exagero linguístico.

 

Foi o alferes e correu meia légua pela aldeia adentro (...) Visto pelo alferes o tamanho da aldeia e a população (...) Disse-lhe tudo o que acontecera e como havia grande quantidade de comida, tanto tartarugas nos currais e tanques, como muita carne, peixe e biscoitos, tudo em tal abundância que daria para sustentar um batalhão de mil homens durante um ano. (...) Tratou Cristobal Maldonado de recolher a comida e tendo já apanhado mais de mil tartarugas (...) porque os índios eram mais de dois mil e os companheiros de Maldonado não eram mais que dez, tendo muito que lutar para se defenderem. (p. 39)

 

Novamente, pilhamos nosso narrador cometendo o pecado da hipérbole: como poderia Maldonado, sozinho, ter “apanhado mais de mil tartarugas”? Toda a comida ali saqueada, aliás, se coubesse nos bergantins, poderia sustentá-los até o final da viagem; mas ainda passariam muita fome. “Meia légua aldeia adentro” significa que, da margem do rio para dentro a aldeia tem mais de três quilômetros e meio de extensão, maior que a maioria das cidades da região, atualmente. Em novo confronto, a relação de um para duzentos (dez para dois mil) ainda é grande, mas é mais realista.

 

Fizeram-se ao largo no rio e não estaríamos a um tiro de pedra quando vêm mais de dez mil índios por água e por terra (...) (p. 42)

 

Seguimos assim até o amanhecer, quando nos vimos no meio de muitas e grandes povoações, donde sempre saíam índios de fresco e ficavam os que iam cansados. (...) Começamos a navegar, sem que os índios nos deixassem de seguir e dar combate, porque destas aldeias se tinham reunido mais de 130 canoas, nas quais havia mais de 8.000 índios e por terra era incontável a gente que aparecia. (p. 43)

 

Nem é preciso fazer muita conta: oito mil índios em cento e trinta canoas dá mais de sessenta índios por canoa. Imagine-se o tamanho da mesma. Para efeito de comparação, pensemos que a expedição, descontando os mortos de fome e em combate, contava, àquela altura, com cerca de quarenta homens, divididos nos dois bergantins – barcos maiores que as maiores canoas.

 

Mas ainda nos seguiram durante dois dias e duas noites, sem nos deixarem repousar, que tanto durou para sairmos das terras desse grande senhor Machiparo, e que, no parecer de todos, teria mais de oitenta léguas, todas povoadas, que não havia de povoado a povoado um tiro de balhesta, e as mais distantes, não se afastavam mais de meia légua, e houve aldeias que se estendiam por mais de cinco léguas sem separação de uma casa para outra, o que era coisa maravilhosa de ver. Como íamos de passagem e fugindo, não tivemos oportunidade de saber o que havia terra adentro. Mas segundo a sua disposição e aspecto, deve ser a mais povoada que já se viu. (p. 44)

 

“Aldeias que se estendiam por mais de cinco léguas sem separação de uma casa para outra” era para maravilhar mesmo o dominicano, porque nem em toda a Europa ele veria tal: uma cidade com mais de trinta e cinco quilômetros de frente.

A tomar ao pé da letra o texto de Carvajal – “mais de oitenta léguas, todas povoadas” –, o rio Amazonas era, à época, um rio metropolitano...

As terras superpovoadas continuam a aparecer aos olhos de Carvajal ao longo do trajeto, sendo seus povos muito belicosos. Um último flagrante de hipérbole no texto de Carvajal, com função certamente literária, isto é, de melhorar ainda mais a paisagem que ele via, ocorre na passagem pela foz do rio Negro:

 

No sábado, véspera da Santíssima Trindade[3], mandou o Capitão fundear em uma povoação onde os índios se puseram em defesa. Apesar disso os expulsamos de casa e nos provimos de comida, achando ainda algumas galinhas. Nesse mesmo dia, saindo dali, prosseguindo a nossa viagem, vimos uma boca de outro grande rio, à mão esquerda, que entrava no que navegávamos, e de água negra como tinta, e por isso lhe pusemos o nome de rio Negro. Corria ele tanto e com tal ferocidade que em mais de vinte léguas fazia uma faixa na outra água, sem misturar-se com a mesma. (p. 50)

 

Não deixa de ser sintomático que a chegada do homem branco nestas plagas rionegrinas tenha como representantes meros... ladrões de galinhas.  Para compensar, Carvajal aumenta o espetacular Encontro das Águas em pelo menos 20 vezes, o que não deixa de ser uma licença poética.

 



[1] Apesar dessa divergência, juntá-los, a Le Goff e a Todorov, não é uma contradição, uma vez que ambos trabalham com estratos diversos do maravilhoso.

[2] Peixe-boi.

[3] 3 de junho de 1542 (NEVES, p. 100).

 

quinta-feira, 18 de maio de 2023

A poesia é necessária?

 

Lira quebrada

Alberto de Oliveira (1857-1937)

 

Tomando-a onde a deixei dependurada ao vento,

Sinto não ser mais esta a lira de outros dias,

Em que, somente a amor votado o pensamento,

Livre e acaso feliz, a descansar me ouvias.

 

Quebrada vem. Rouqueja apenas um lamento;

As rosas com que, ó Musa, inda há pouco a vestias,

Fanam-se nos festões, soltam-se em desalento,

Vão-se. Ironia ou dor crispa-lhe as cordas frias.

 

Mas inda assim lhe escuto um resquício de notas

Perpassar a gemer, corre-lhe as fibras rotas

O fantasma do som que a alma um dia lhe encheu:

 

Como de um velho sino o bronze espedaçado

Guarda em cada fragmento o fragmento de um brado,

O eco de um hino, a voz de um canto que morreu...

 

domingo, 14 de maio de 2023

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Representações da Amazônia na relação de Carvajal: devaneio e mistificação 3/8

 

Zemaria Pinto

 

Sob o estandarte do Divino. Ao longo de toda a relação, Carvajal não economiza referências à fé cristã – ora para testemunhar a intervenção divina em algum sucesso, ora para agradecer o “apoio” externo. Outro ponto que chama a atenção é o uso de datas do calendário católico para marcar o tempo da viagem, “funcionando como uma espécie de pedagogia catequética, uma vez que o leitor é obrigado a pesquisar a data aludida no calendário cristão católico” (NEVES, p. 92).

O calendário das festas litúrgicas tem datas fixas e datas móveis. Para calcular estas últimas, Carvajal deixa uma pista:

 

Na quarta-feira, véspera de Corpus Christi, sete de junho[1], mandou o capitão aportar em uma pequena povoação que estava sobre o rio e foi tomada sem resistência. (p. 53)  

 

Antes, para a construção do segundo bergantim, no território de Aparia, ele anotara:

 

Nesse lugar nos demoramos toda a Quaresma, quando se confessaram todos os companheiros com os religiosos que ali estávamos[2] e eu preguei todos os domingos e Festas do Mandato, a Paixão e Ressurreição, o melhor que Nosso Redentor me quis dar a entender com sua graça, e procurei ajudar e esforçar o que pude pela perseverança no bem a todos aqueles irmãos e companheiros, lembrando-lhes que eram cristãos e que serviriam muito a Deus e ao Imperador em prosseguir naquela empresa e suportar com paciência todos os trabalhos presentes, até sair com este novo descobrimento, além de ser isto o que tocava às suas vidas e honras. Também preguei no domingo de Quasímodo, e posso testemunhar com verdade que, tanto o Capitão como todos os outros companheiros, tinham tanta clemência e espírito de santidade de devoção em Jesus Cristo e sua sagrada fé, que bem mostrou Nosso Senhor que era sua vontade o socorrer-nos. (p. 33-34)

 

Neste fragmento, além das referências às datas católicas, podemos observar o trabalho ideológico de Carvajal, como pregador, ao exortar os companheiros a seguir adiante. Mas, Carvajal comete um pequeno deslize ao falar aos companheiros de viagem, de forma anacrônica, sobre “novo descobrimento”, uma vez que, em verdade, o grupo não estava descobrindo nada; antes, estava perdido...

Há referências ao “dia de S. Marcos”, ao “domingo depois da Ascensão de Nosso Senhor”, à “segunda-feira da Páscoa do Espírito Santo”, à “véspera da Santíssima Trindade”, à “festa do bem-aventurado São João Batista” – quando se dá o encontro com as amazonas –, ao dia da “Transfiguração de Nosso Redentor Jesus Cristo” e ao “dia da degolação de São João Batista”. A chegada ao mar é registrada com emoção:

 

Saímos aos vinte e seis dias do mês de agosto, dia de São Luiz, e tivemos tão bom tempo, que nunca, nem pelo rio nem pelo mar, tivemos aguaceiros, o que não foi pequeno milagre que Nosso Senhor obrou conosco. (p. 78)

 

Outros “milagres” são referidos, ao longo da narrativa. Em uma das batalhas, Carvajal diz que os inimigos, que os atacavam por água e por terra, repentinamente interromperam o ataque:

 

Não permitiu Nosso Senhor que nos atacassem, pois se tal fizessem não ficaria ninguém. Assim temos por certo que Nosso Senhor os cegou, para que não nos vissem. (p. 71)

 

A literatura medieval – e, por consequência, a literatura dos viajantes, no século XVI – é toda impregnada de um “maravilhoso cristão”, entendendo-se o maravilhoso como “o que escapa ao curso ordinário das coisas e do humano” (CHIAMPI, p. 48). Vejamos como Le Goff, estudioso do medievo, aproxima o milagre do maravilhoso:

 

O sobrenatural propriamente cristão, aquilo a que justamente poderia chamar-se o maravilhoso cristão, é o que procede do miraculosus; mas o milagre, o miraculum, parece-me ser apenas um elemento bastante restrito, do vasto âmbito do maravilhoso. (LE GOFF, p. 22)

 

No texto de Carvajal, graças à ação heroica do Capitão e à misericórdia divina, o miraculosus se dá num espectro muito mais amplo que o dos milagres anotados por Carvajal: apesar de passarem por um verdadeiro inferno, a proteção divina é um estandarte permanente, à frente da expedição. 

Por ocasião da última batalha que enfrentam, novo “milagre” se dá, após um acidente que quase põe a pique um dos bergantins:

 

Aqui se conheceu muito particularmente que usou Deus de sua misericórdia, pois sem que ninguém compreendesse como fez a mercê divina e com sua imensa bondade e providência se remediou e socorreu, de modo que se calafetou e se pôs uma tábua no bergantim. Ao mesmo tempo se manteve a gente de guerra, não deixando de pelejar durante as três horas gastas na obra da nau. (p. 74-75)

 

Deixando de lado a objetividade, o narrador deixa-se dominar pela emoção:

 

Ó imenso e soberano Deus, quantas vezes nos vimos em transes de agonia, tão perto da morte que, sem a tua misericórdia, era impossível alcançar forças nem conselhos dos vivos para ficar com as vidas! (p. 75)

 

Assim como iniciara a narrativa invocando o nome sagrado, Carvajal não descuida do fecho: “Seja Deus louvado. Amém” (p. 79).



[1] Grifos meus.

[2] Além de Carvajal, ia no grupo um outro religioso, cujo nome ele não cita, que é ignorado também pelos comentaristas do dominicano.


quinta-feira, 11 de maio de 2023

A poesia é necessária?


Narciso entediado

Affonso Ávila (1928-2012)

 

A flor da vida

é não ser só

é ter-se o sonho

de dois num só.

 

O mel da vida

é numa voz

o eco ouvir-se

De uma outra voz.

 

O mal da vida

– o mal que é meu –

filtrar o tédio

de eu ser só meu.

  

terça-feira, 9 de maio de 2023

Viva a República!

Pedro Lucas Lindoso

 

Sábado, 6 de maio de 2023. O mundo assiste pela televisão e pelas mídias diversas a coroação do Rei Charles III, da Inglaterra. A sua ascensão se deu no mesmo dia da morte da Rainha Elizabeth II. Todavia, a cerimônia de coroação, geralmente acontece meses depois do falecimento do rei ou rainha que antecede.

A Rainha Elizabeth II reinou por mais de setenta anos. Bateu todos os recordes de longevidade. Tornou-se uma das Chefes de Estado mais admiradas e respeitadas do planeta.

O Reino Unido é uma Monarquia Constitucional Parlamentarista. O governo é tocado pelo primeiro ministro. Os partidos ingleses majoritários são os Trabalhistas e os Conservadores. Quem faz a maioria monta o governo.

Grande parte dos países do mundo são republicanos. Há muitas ditaduras também. O interessante é que as monarquias, principalmente as ocidentais, tem espeque em constituições bastante democráticas.

Na Inglaterra, os monarquistas dão o seu suporte à família real explicando que a Monarquia é garantidora da democracia, pois a perenidade dos chefes de estado resulta em estabilidade política e social. Além de fomentar a fantástica indústria do turismo.

A Rainha Elizabeth II cumpriu muito bem esse papel. Inclusive, evitando um golpe de estado maquinado por Lord Louis Mountbatten e banqueiros conservadores. O plano seria afastar o Primeiro Ministro Harold Wilson, do Partido Trabalhista, que acabou governando a Inglaterra por dois períodos. Nos anos de 1960 e 1970.

A Rainha Elizabeth II sempre foi de total discrição em assuntos de governos e política pública, como determina a constituição Inglesa. Quero crer que o novo Rei não será tão discreto. Charles III foi um dos primeiros homens públicos a se manifestar em termos de Ecologia e Proteção Ambiental. Tendo sido criticado injustamente por conversar com plantas.

Seu herdeiro é seu filho mais velho William. A Família Real tem passado dissabores com Harry, o filho mais novo de Charles III. O rapaz casou-se com Meghan Markle, plebeia americana, que o tem influenciado negativamente. Desde Caim e Abel, alguns desentendimentos entre irmãos é fato bíblico. Harry fez comentários constrangedores sobre seu irmão, a madrasta e outros membros da realeza. Inclusive expondo a família negativamente em um livro e documentário da Netflix.

Desejamos vida longa ao Rei Charles III. No Século 19 fomos uma monarquia aqui no Brasil. Mas, por enquanto os brasileiros continuam gritando: viva a República!


segunda-feira, 8 de maio de 2023

domingo, 7 de maio de 2023

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Representações da Amazônia na relação de Carvajal: devaneio e mistificação 2/8

 

Zemaria Pinto

 

Marañon, o rio de Orellana. Ali se iniciava a etapa mais importante da aventura. Eram os últimos dias de 1541. Dez meses já se passavam desde que saíram de casa. Após nove dias de viagem, e apesar dos esforços do Capitão em animar a tropa, o que Carvajal observa amiúde, a situação chega a um ponto crítico:

 

Estávamos em grande perigo de morrer da grande fome que padecíamos e assim, buscando o conselho do que se devia fazer, comentando a nossa aflição e trabalhos, resolveu-se que escolhêssemos de dois males aquele que ao Capitão e a todos nós parecia o menor, e foi ir por diante, seguindo o rio: ou morrer ou ver o que nele havia, confiando em Nosso Senhor que se serviria por bem conservar as nossas vidas até ver o nosso remédio. À falta de outros mantimentos, entretanto, chegamos a tal extremo que só comíamos couros, cintas e solas de sapatos cozidos com algumas ervas, de maneira que era tal a nossa fraqueza, que não nos podíamos ter em pé. (p. 19)

 

Observe-se neste fragmento o espírito solidário do Capitão, que, sem abrir mão de sua autoridade, discute com seus comandados qual a melhor decisão para todos. Em paralelo, o discurso religioso pontua a narrativa. É importante assinalar uma recorrência do relato: a fome. Não caçavam; não pescavam; esperavam encontrar povoações que pudessem saquear. No dia 08 de janeiro ocorre o primeiro contato com os nativos, de índole pacífica. Neste ponto, tomamos conhecimento de uma habilidade de Orellana, ainda insuspeita, que será muito útil em toda a viagem: sua extraordinária capacidade de comunicar-se nas línguas nativas. A formação discursiva é repetida diversas vezes, com pouca variação. Alguns exemplos:

 

Avistando-os o Capitão, pôs-se na barranca do rio e, na sua língua, pois um pouco os entendia, começou a falar com eles e a dizer que não tivessem temor e que se chegassem, que lhes queria falar. (p. 22)

 

Agradeceu-lhes o Capitão e lhes deu aquilo que tinha, e depois de o ter dado, ficaram os índios muito contentes em ver o bom tratamento que se lhes fazia, assim como em ver que o Capitão lhes entendia a língua, que não foi pouco para que saíssemos a porto de salvamento, pois se os não entendesse teríamos por muito difícil a nossa saída. (p. 28)

 

O entender o Capitão a sua língua foi, depois de Deus, o que nos ajudou a não ficarmos no rio. (p. 29)

 

Essa virtude fora concedida aos discípulos de Cristo, conforme Marcos (16, 14-18).[1] Não podemos ignorar o possível intertexto, até porque Carvajal não perde oportunidade de aproximar o Capitão da divindade:

 

E a não ser ele tão sábio nas coisas da guerra, que parecia que Nosso Senhor lhe ensinava o que devia fazer, muitas vezes nos teriam morto. (p. 54)

 

Reunindo os treze chefes locais, o Capitão “lhes falou longamente da parte de Sua Majestade, e em seu nome tomou posse da terra” (p. 23). Duas observações: “falou longamente” e “tomou posse da terra”. Para Greenblatt, a tomada de posse é a “execução de um conjunto de atos linguísticos: declarar, testemunhar, registrar” (GREENBLATT, p. 81). Qual o nível de entendimento dos nativos? Continuariam pacíficos se entendessem o palavreado do Capitão? Com que direito Orellana, com sua mera presença, tomava posse de áreas ocupadas há centenas, quiçá milhares, de anos?  É claro que, para o narrador, aquele era sobretudo um ato simbólico, representando o estender o manto real sobre aquela terra agreste, habitada por gente bárbara, dando início ao processo civilizatório. Poderia acrescentar, como Colombo, em situação semelhante: “y no me fué contradicho” (GREENBLATT, p. 75).

Logo nesse primeiro contato com os nativos, Carvajal começa a preparar o espírito do leitor, para o que será o ponto mais alto de sua narrativa:

 

Aqui nos deram notícia das amazonas e das riquezas que há mais abaixo, e quem o fez foi um índio chamado Aparia, velho que dizia ter estado naquela terra, e também nos deu notícia de outro senhor que estava apartado do rio, metido terra adentro, e que ele dizia possuir enorme riqueza de ouro. (p. 24)

 

Amazonas à parte, a “enorme riqueza de ouro” era o argumento definitivo para que seguissem em frente, pois era um indício do El Dorado. O capitão ordena então que se dê início à construção de um novo bergantim. A propósito destes – os dois completariam a viagem –, Carvajal os nomeia apenas como bergantim pequeno e bergantim grande, mas, por outras relações, sabe-se que se chamavam San Pedro e Victoria (p. 74, em nota do tradutor).  

Após a decisão de seguir em frente, até o mar, Orellana intenta mandar um grupo dar notícias a Pizarro. Consegue apenas três voluntários, “porque todos temiam a morte que lhes parecia certa” (p. 26). Carvajal não fala mais desse empreendimento que tanto destaca a lealdade de seu Capitão. Teriam os emissários logrado êxito ou perderam-se no caminho?

Naquela primeira parada, da qual saíram somente a 02 de fevereiro (“dia de Nossa Senhora da Candelária”, segundo Carvajal), a expedição ainda estava no rio Napo. Oviedo, cuja narrativa – construída a partir do texto de Carvajal e das oitivas do próprio Orellana e de outros participantes da aventura – complementa alguns lapsos do dominicano, informa, dando voz a um narrador implícito, que a 12 de fevereiro

 

Se juntaron dos ríos con el río de nuestra navegación y eran grandes, em especial el que entro a la mano diestra, como veníamos el água abajo: el cual deshacía e señoreaba todo el outro río e parecía que le consumía en sí; porque venía tan furioso e con tan grand avenida, que era cosa de mucha grima y espanto ver tanta palicada de árboles e madera seca como traía, que pusiera grandísimo temor mirarle desde la tierra, cuanto más andando por él. (BARLETTI, p. 8)

 

Era o rio Marañon, que, na região peruana, já havia sido assim nominado. A única referência que Carvajal faz a esse nome é no antepenúltimo parágrafo de seu texto, mas não deixa nenhuma dúvida quanto a ser o mesmo rio aquele que deságua no Atlântico, que ele, a partir do título de sua relação, intenta mudar de nome para rio de Orellana.

No segundo contato com nativos ainda pacíficos, Carvajal narra uma passagem que precisa ser observada com mais detalhes, pelo que guarda de inverossímil:

 

Vendo o Capitão o bom comedimento do senhor, fez-lhe um discurso, dando-lhe a entender como éramos cristãos e adorávamos um só Deus, que era criador de todas as coisas criadas, e que não éramos como eles, que andavam errados, adorando pedras e ídolos feitos. Disse-lhes sobre este assunto muitas outras coisas e também lhes disse como éramos criados e vassalos do Imperador dos cristãos, grande rei de Espanha, chamado D. Carlos, nosso senhor, de quem era o império de todas as Índias e outros muitos senhorios e reinos que há pelo mundo e que por ordem sua íamos àquelas terras, devendo dar contas do que aí tínhamos visto. (p. 29-30)

 

O discurso de Orellana é repleto de conceitos que certamente não fazem parte do repertório linguístico-ideológico dos seus interlocutores. Pensemos no esquema clássico da comunicação, o mais simples de todos:

 

emissor => mensagem => receptor

 

A possibilidade das ideias veiculadas por Orellana se perderem ou se desvirtuarem antes de chegarem aos receptores – ainda que tivesse fluência na língua – é imensa, porque falta a estes o aparato linguístico para a compreensão de conceitos como cristãos, deus, criador, erro, ídolo, vassalos, imperador, Espanha, Índias, reino.  

A expedição segue rio abaixo, alternando momentos de paz e fartura com batalhas encarniçadas e muita fome, até chegar ao Atlântico no dia 26 de agosto de 1542, e a Nova Cádiz, na ilha de Cubágua, Venezuela, a 11 de setembro.

Como nosso propósito não é parafrasear o texto de Carvajal, mas apontar-lhe as camadas discursivas, especialmente a religiosa e a ideológica, com ênfase nesta última, redirecionemos o trabalho para essas camadas, alertando que, entretanto, o contexto histórico estará imbricado, com maior ou menor valor, nas passagens comentadas a seguir.

 



[1] (...) “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. (...) Os sinais que acompanharão os que crerem serão estes: (...) falarão línguas novas (...).” (BÍBLIA SAGRADA, p. 1.234)