Amigos do Fingidor

quinta-feira, 18 de maio de 2023

A poesia é necessária?

 

Lira quebrada

Alberto de Oliveira (1857-1937)

 

Tomando-a onde a deixei dependurada ao vento,

Sinto não ser mais esta a lira de outros dias,

Em que, somente a amor votado o pensamento,

Livre e acaso feliz, a descansar me ouvias.

 

Quebrada vem. Rouqueja apenas um lamento;

As rosas com que, ó Musa, inda há pouco a vestias,

Fanam-se nos festões, soltam-se em desalento,

Vão-se. Ironia ou dor crispa-lhe as cordas frias.

 

Mas inda assim lhe escuto um resquício de notas

Perpassar a gemer, corre-lhe as fibras rotas

O fantasma do som que a alma um dia lhe encheu:

 

Como de um velho sino o bronze espedaçado

Guarda em cada fragmento o fragmento de um brado,

O eco de um hino, a voz de um canto que morreu...