Amigos do Fingidor

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Trinta fábulas cruéis: Os que andam com os mortos

 

Ricardo Kaate Lima*

 

A literatura amazônica nunca esteve em tão bom momento. Há uma variedade de autores e autoras praticando poesia, contos e romances a partir de perspectivas amplas e seguindo variadas tradições: o realismo social, a literatura marginal, a fantasia especulativa e tantas outras. Temos uma literatura que existe e resiste a despeito de ser ignorada pelos grandes centros, pelas grandes editoras ou pelos grandes prêmios.

O livro Os que andam com os mortos: fábulas cruéis e outras estórias más (Editora Valer, 2024), de autoria do escritor e crítico literário amazonense Zemaria Pinto, é um belo exemplar de boa literatura produzida no Norte. Também pudera, temos um autor já consagrado no Amazonas, autor de mais de vinte livros entre poesia, crítica literária, teatro e contos.

É uma coletânea de histórias curtas que mostra um autor maduro, dono de um estilo limpo e seguro. Não há frase ou palavra fora do lugar. Tudo se encaixa num todo coeso. Zemaria nos apresenta trinta histórias que narram facetas perversas da humanidade ou momentos dramáticos da existência humana. Minhas favoritas são: “Do circo como espaço de tragédias” narra a história trágica de um anão que trabalha em um circo; “Entrevista com um patriota” apresenta as palavras de um ex-militar e torturador da ditadura salazarista que justifica seus atos odiosos contra opositores do regime. “A paixão de Antônio Mocinha”, dedicado ao saudoso Arthur Engrácio, é uma bela fábula amazônica de triste final; já em “Foi Boto, sinhá”, Zemaria revisita a lenda do Boto.

Caso o leitor esteja à procura de fábulas, histórias sombrias e relatos perversos que fogem do lugar-comum do que é publicado nas grandes editoras ou do que é enviado em forma de enlatados pela indústria cultural para o Brasil, Os que andam com os mortos é uma boa opção.

Então, leitor amigo, aperte as mãos desses monstros oferecidos por Zemaria Pinto e deixe-se levar pelos meandros da escuridão da alma humana.

 

*Doutor em Ciências Sociais (UNESP), autor de O Fim de Todas as Coisas (2021) e de A Lança de Anhangá (CACHALOTE, 2024).

 

 

quinta-feira, 10 de julho de 2025

A poesia é necessária?

 

Repetir-se

Régis Bonvicino (1955-2025)

 

repetir-se

em putrefatas que nada

nem um ser oco e aparente

 

repetir-se

em ausência, não em nada,

de carnes suaves em lábios

 

coxas, cabelos que se

emaranham em desejo

não

 

como a noite

bocejo diante do ereto

um narciso escombro cego

 

repete-se:

branco sob pontos negros.

 


terça-feira, 8 de julho de 2025

Sim ou não como defesa

Pedro Lucas Lindoso

 

Minha esposa reclama quando, às vezes, respondo de forma ambígua. Digo não quando quero concordar com algo.

No português, parece que preferimos o não ao sim. Não é uma questão de negatividade, mas de uma forma de expressão que carrega nuances de resistência, de cuidado ou de simples preferência. Quando alguém nos pergunta se queremos algo, muitas vezes, a resposta é quase automática: “Não, obrigado”, “Não quero”, “Não posso”.  Quando é algo que queremos muito, dizemos logo: claro, com certeza. Quero!

Será que o uso frequente do “não” revela alguma resistência?  Não sei. Parece-me uma característica do falante do português no mundo todo.    o “sim” pode soar como uma afirmação rápida, uma abertura sem muitas explicações.  O “não” é uma escolha mais pensada, mais consciente. É uma forma de proteger o espaço, de estabelecer limites, de mostrar que há algo que não se deseja ou não se pode. Será isso uma característica machista que incomoda minha mulher?

Respondemos com o verbo, é verdade, mas também com o sentimento que o acompanha. Não é só uma palavra, é uma posição. Por exemplo: – Quer casar comigo? A maioria responde: – Quero! Raramente se responde com um insosso sim.

E aí, surge a questão: será que essa preferência pelo "não" reflete uma cultura de resistência, de reserva, de cautela? Ou será que, na essência, é uma maneira de dizer “quero pensar”, “preciso de mais tempo”, “não estou pronto”?

No nosso dia a dia, o “não” é uma palavra poderosa. Pode fechar portas, mas também pode abrir espaço para o que realmente importa. Porque, no fundo, dizer “não” também é uma forma de dizer “sim” — sim àquilo que realmente desejamos, às nossas prioridades, ao que acreditamos ser melhor para nós.

No português, aprendemos a dizer “não” com frequência, como uma expressão de cuidado, resistência ou preferência. No inglês, a coisa é um pouco diferente. Aqui, muitas vezes, evita-se o “yes” — que pode parecer uma afirmação rápida demais — e usa-se o auxiliar “I do” para reforçar uma resposta, uma afirmação com mais ênfase ou precisão.

Por exemplo, ao responder a uma pergunta negativa, em inglês, podemos dizer “I do not” ou “I do” para afirmar ou negar com mais firmeza. Essa prática mostra uma preferência por respostas claras, com um suporte gramatical que reforça a intenção.

E, assim como no português, o “não” é uma resposta carregada de significados. No inglês, o “I do” ou a sua ausência também carregam uma nuance. Evitar o “yes” muitas vezes é uma estratégia para não parecer demasiado afirmativo, para manter uma certa delicadeza ou até mesmo para não se comprometer de forma precipitada.

Em qualquer língua – Português, Inglês, Francês, Espanhol ou Mandarim –, os idiomas mostram que a forma de responder revela quem somos, como pensamos e como nos posicionamos.  No fim das contas, a comunicação é uma ponte que construímos com cuidado e intenção.

E assim seguimos. Falando a “última flor do Lácio, inculta e bela”, como disse Olavo Bilac.  Respondemos com o verbo, com o coração, muitas vezes com o não. Porque, no português, o não é uma forma de negar, claro. Pode também afirmar ou uma maneira de resistir, de refletir ou se defender. Ora pois, pois.

 

domingo, 6 de julho de 2025

quinta-feira, 3 de julho de 2025

A poesia é necessária?

 

01

Jamerson Eduardo Reis

 

 

essa penumbra está em si mesma

escurimesmada

antesmontada

de pé no espaço entre os morros

entre o rio

 

essa penumbra está em si mesma

vestida em elmo-equino

suja de vento

de pé no espaço entre os morros

entre o rio

 

essa penumbra está em si mesma

esperando a si mesma

está antes das tempestades

de pé no espaço entre os morros

entre o rio



terça-feira, 1 de julho de 2025

A fé que fluiu no Encontro das Águas

 Pedro Lucas Lindoso


Em junho de 1980, há 45 anos, Manaus se preparava para um dos momentos mais emblemáticos de sua história: a visita do Papa João Paulo II. O clima na cidade era de expectativa e reverência. A procissão de São Pedro, anualmente celebrada no dia 29 de junho, foi adiada para julho.  O governador do Amazonas, José Lindoso, católico fervoroso, e o prefeito de Manaus, José Fernandes, evangélico, uniram-se em um gesto de respeito e acolhimento. Ambos prepararam a cidade, com a significativa colaboração do Vice-governador, Dr. Paulo Nery, para a chegada do Papa a Manaus.

Na procissão, a baía do Rio Negro se transformou em um mar de barcos, todos com um único destino: o Encontro das Águas, onde as correntes de dois rios se entrelaçam em um abraço simbólico. O Papa, em uma das três fragatas da Marinha, navegava lentamente pelo Rio Negro, cercado por autoridades e fiéis. As pessoas acenavam dos barcos com fervor e alegria. No barco em que me encontrava, com familiares, incluindo minha querida irmã Liliana, então noviça salesiana; naquele dia pude testemunhar a sua fé junto com outras companheiras dedicadas à missão preconizada por Dom Bosco.  A cena era de uma beleza indescritível: a silhueta do Papa contra o céu amazônico, as águas refletindo a luz do sol, e as vozes em uníssono entoando cânticos de louvor.

É preciso que se destaque um gesto de respeito e ética. O prefeito José Fernandes, ao receber um terço de presente do Papa, decidiu que aquele símbolo de fé deveria ser oferecido a quem realmente mereceria. Com um coração generoso, ele entregou o terço a uma senhora católica, pobre e anônima, que representava a simplicidade e a devoção do povo. Esse ato, reforça a ideia de que a fé não se mede por títulos ou posições, mas pela capacidade de respeitar e entender a fé do outro.

A missa campal na Bola da Suframa, testemunhava um amazónico céu azul. O povo, num respeitoso e contrito silêncio, se unia em oração. As palavras do Papa reverberavam nas almas, e a conexão entre os presentes se tornava palpável. A fé, como as águas do rio Negro, fluía livre e poderosa, unindo todos em um só espírito. Aquela manhã mágica não era apenas uma celebração religiosa; era um testemunho da força da comunidade, da esperança e da beleza que reside na diversidade, na alegria do povo amazonense.

Assim, o Encontro das Águas não era apenas um fenômeno natural, mas um símbolo da união de diferentes crenças e culturas, refletindo a riqueza da Amazônia e a profundidade da fé que habita em cada coração. E enquanto a fragata do Papa se afastava, a cidade de Manaus sabia que aquele dia ficaria gravado para sempre na memória coletiva, como um momento em que a fé e a beleza se entrelaçaram nas águas do Rio Negro.

As novas gerações precisam saber da fé que fluiu naquele dia. A bênção papal, dada no meio do nosso Encontro das Águas, reverbera até hoje nessa cidade que um dia se chamou Lugar da Barra de São José do Rio Negro.

 

domingo, 29 de junho de 2025

sexta-feira, 27 de junho de 2025

A estreia oficial de "Garrote"


A plateia lotou poucos minutos antes de começar.
 

Abertura: música-tema original - "Eterno talvez" -, com a compositora
Mirian Simões ao violão, e a felina Jaguar cantando.


Após a exibição, debate com parte da equipe e participação do
pesquisador Jesem Orellana (camisa verde), da Fiocruz. 


A professora Gleice Oliveira questiona os debatedores.


A plateia participa ativamente do debate.



Obs: outras sessões serão agendadas, antes do filme ir para o YouTube. Fiquem atentos.

Outros endereços: @ciadeartesbacaba; @pantojabr; @mairadessana; @zemariapinto70 


quinta-feira, 26 de junho de 2025

A poesia é necessária?


Da espera

Alcides Werk (1934-2003)

 

Direi aos pássaros que esperem,

enquanto perdurar a ronda dos morcegos.

 

Mas, quando se avizinhar a madrugada,

exigirei

que todas as canções tecidas no silêncio

deixem o verde tímido dos bosques

e povoem de sons as avenidas

para que os homens se alegrem

e conheçam que o mundo é bom.

  

terça-feira, 24 de junho de 2025

Língua de boi, não

 Pedro Lucas Lindoso

 

Dia de São João. As festas juninas são lembranças gostosas da minha infância. Literalmente gostosas, como são as comidas dessa época.

As festas, as fogueiras e o boi. Não havia para nós, meninos daqui de Manaus, o Festival de Parintins. Mas havia boi-bumbá. Diferente das apresentações de hoje. Mais parecido com as tradições do boi do Maranhão, eu presumo. Havia o Corre Campo, o Tira Prosa e o Caprichoso da Praça 14.

As famílias costumavam “contratar” um boi para se apresentar na frente das residências. Era São João e meu pai contratou o Corre Campo. Eu passei o dia ansioso para ver a apresentação. Foi na rua mesmo. Em frente à nossa casa. Nem precisou interromper o trânsito. Não havia trânsito na Henrique Martins do início dos anos de 1960.

Quando o pessoal do boi chegou, meu coração batia forte.  As bandeirinhas de sempre, feitas com capricho, eram coloridas e de papel de seda. Enfeitavam o pátio da casa e ainda cruzavam a rua, amarradas nos postes de luz. Foi-nos autorizado a fazer uma pequena fogueira no pátio externo da casa. Uma exceção. As fogueiras só eram permitidas no enorme quintal da casa de nossa avó.

E então o boi chegou.  Na apresentação conta-se a história de Pai Francisco e Catirina.  Quando grávida, Catirina deseja comer a língua de um boi. Pai Francisco, buscando satisfazer o desejo da esposa, mata o boi mais bonito da fazenda. Ao saber, o fazendeiro manda prender Francisco. Ato contínuo, busca a ajuda de um pajé para ressuscitá-lo. A festa do Bumba Meu Boi celebra a ressurreição do boi, com música, dança e tudo mais. O festival de hoje enfatiza a festa. Mas aquela história da mulher grávida desejar comer língua de boi, impressionou por demais aquele menino de calças curtas que hoje vos escreve.

Eu gosto muito de tambaqui, pirarucu, pescada e sardinha, especialmente bem ticada e bem frita. Mas não gosto de pacu.

No jantar daquela noite havia duas opções. Caldeirada de pacu e uma carne estranha, ao molho madeira. Perguntei logo:

– O que é isso? No que Darinha, nossa babá e cozinheira, respondeu:

– É língua.

– De boi? Perguntei eu. Entre espantado e curioso. Sim. Aquilo era língua de boi! Nesse dia comi pacu sem reclamar. Só me lembrava da Catirina atormentando Pai Francisco com desejo de comer língua. Não gosto de língua até hoje. Nem de pacu. Mas preferi comer pacu.  Viva Santo Antônio, São Pedro e São João. Viva o Boi-bumbá! Língua de boi, não!


segunda-feira, 23 de junho de 2025

Garrote – trailer e comentário


Garrote estreia nesta quarta-feira, 25 de junho, 

no Teatro Gebes Medeiros, térreo do Ideal Clube, às 19h. 


Trailer do filme Garrote.


Comentário de Zemaria Pinto.

domingo, 22 de junho de 2025

quinta-feira, 19 de junho de 2025

A poesia é necessária?

 

Bilhete Em Papel Rosa

Adélia Prado

A meu amado secreto, Castro Alves.

 

Quantas loucuras fiz por teu amor, Antônio.

Vê estas olheiras dramáticas,

este poema roubado:

“o cinamomo floresce

em frente do teu postigo.

Cada flor murcha que desce,

morro de sonhar contigo”.

Ó bardo, eu estou tão fraca

e teu cabelo é tão negro,

eu vivo tão perturbada,

pensando com tanta força

meu pensamento de amor,

que já nem sinto mais fome,

o sono fugiu de mim. Me dão mingaus,

caldos quentes, me dão prudentes conselhos,

eu quero é a ponta sedosa do teu bigode atrevido,

a tua boca de brasa, Antônio, as nossas vidas ligadas

Antônio lindo, meu bem,

ó meu amor adorado,

Antônio, Antônio.

Para sempre tua.

 

terça-feira, 17 de junho de 2025

Bloomsday em Manaus

 Pedro Lucas Lindoso

 

Os sudestinos subestimam Manaus. No “boom” da borracha nós tivemos o maior PIB nacional. Onde há dinheiro a cultura floresce. Foi assim no Renascimento. Acontece em todo lugar. E aqui corre dinheiro. E mais: a cidade já deu gente como Claudio Santoro, Thiago de Mello, Márcio Souza, Milton Hatoum, Elson Farias.  A lista é enorme. E um caboclo formidável que organiza o Bloomsday aqui. O Nelson Castro. Sim. Temos movimento cultural. Temos gente que gosta e conhece Literatura. Temos Bloomsday.

James Joyce é, sem dúvida, uma das figuras mais influentes da literatura do século XX. Seu impacto vai muito além do seu tempo, pois sua obra desafiou as convenções narrativas tradicionais e abriu caminhos para a modernidade na literatura. Entre suas criações mais célebres, destaca-se Ulisses, uma obra monumental que retrata um dia na vida de Leopold Bloom, na cidade de Dublin, em 16 de junho de 1904.

Joyce não foi apenas um romancista; foi um inovador do idioma, um mestre na técnica do fluxo de consciência, que busca retratar os pensamentos mais íntimos e complexos de seus personagens. Ulisses é considerado um verdadeiro épico urbano, uma celebração da cidade de Dublin, suas pessoas, suas histórias e suas emoções. Sua importância reside na sua capacidade de transformar o cotidiano em uma obra de arte, elevando o trivial ao sublime, e desafiando o leitor a uma leitura atenta e sensorial.

O Bloomsday é uma celebração anual que acontece justamente no dia 16 de junho, data em que se passa toda a narrativa de Ulisses. Essa data foi escolhida porque representa o dia em que Leopold Bloom vive suas aventuras na história. Desde a sua criação, na década de 1950, o Bloomsday virou uma espécie de homenagem a Joyce e a sua obra, reunindo leitores, estudiosos e admiradores em Dublin e em várias partes do mundo. Durante as celebrações, é comum que as pessoas revisitem os locais descritos no livro, leiam trechos da obra, assistam a peças teatrais, participem de leituras públicas e até mesmo revivam as experiências do personagem principal.

O Bloomsday é mais do que uma comemoração literária; é um símbolo de como a literatura pode criar laços entre as pessoas, transformar uma cidade, e eternizar uma obra através do tempo. Joyce, com sua genialidade, mostrou que a narrativa pode ser uma janela para a alma de uma cidade e de seus habitantes. E, ao celebrar esse dia, mantemos viva a chama da inovação, da criatividade e do amor pela leitura.

Assim, James Joyce permanece como um gigante na história da literatura, e o Bloomsday como uma celebração vibrante de sua visão única do mundo — uma homenagem eterna a um dia, uma cidade, um homem, e a toda a magia que a literatura pode proporcionar. E claro, aqui em Manaus, como em toda cidade onde se lê e produz Literatura, comemora-se o Bloomsday. Por que não?


Valor da amizade

Pedro Lucas Lindoso

 

Viúvo aos trinta anos, Manuel volta a morar com sua mãe. Desde que perdeu sua mulher, dedica-se a cuidar de pessoas em situação de rua. Também faz visitas constantes a creches e asilos.  Montou uma equipe de voluntários. Nesse grupo se destaca seu grande amigo de infância, o João.

Há cerca de três meses, Manuel enfrenta um diagnóstico terrível e inesperado. Agora, na quietude de um quarto silencioso, sob a luz tênue de uma manhã que parecia não chegar, Manuel sabia que seus dias estavam contados. Sua pele pálida, os olhos fundos, mas o coração aquecido pela presença de quem mais amava — sua mãe Maria e seu amigo João. Ali, na beira de sua cama, uma última esperança se acendia: a de deixar uma mensagem de amor, de gratidão e de amizade verdadeira.

Manuel, com os olhos marejados, segurou a mão de João, seu amigo de longa data, e com voz fraca, mas cheia de significado, pediu algo que carregaria no coração para sempre: que João cuidasse de sua mãe, que amparasse Maria, aquela mulher que lhe dera a vida e o ensinara a amar. E João, com lágrimas silenciosas, prometeu — não só cuidar de Maria, mas honrar a amizade que os unia, aquela amizade que resistiu às tempestades da vida e que agora se mostrava ainda mais preciosa.

A amizade entre João e Manuel era uma história de afeto, de companheirismo e de respeito mútuo. Desde os tempos de infância, compartilhando sonhos, dificuldades e alegrias, eles aprenderam que o verdadeiro valor de uma amizade é medido nos momentos difíceis. Quando a doença veio silenciosa, Manuel soube que podia confiar em João, assim como confiava no amor de sua mãe. E foi nesse momento de despedida que a amizade se revelou mais forte — uma ponte de solidariedade e esperança.

A despedida de Manuel nos ensina uma lição fundamental: valorizar nossos amigos. Pessoas que nos acompanham na jornada da vida, que oferecem seu apoio sem esperar nada em troca, são nossos maiores tesouros. E amar a nossa mãe, demonstrar gratidão, é uma dívida que carregaremos para sempre. Não há maior ato de coragem e de amor do que cuidar de quem nos deu a vida, mesmo quando ela já não está mais conosco.

Que a história de Manuel, João e Maria inspire cada um de nós a cultivar amizades sinceras e a valorizar o amor de nossas mães. Pois, no final, são esses laços que nos dão sentido, que nos mantêm de pé, mesmo diante das adversidades mais incontornáveis. E que, na despedida, possamos deixar para o mundo a mensagem de que o verdadeiro valor da vida está no amor, na amizade e na gratidão que carregamos em nossos corações.

Não conheço essas pessoas. Essa história me foi contada por uma amiga de Brasília. Lembrou-me que Jesus, sendo crucificado, pediu a João, que estava com Maria e Madalena ao pé da cruz, que tomasse conta de sua mãe. A história reflete o valor de uma amizade. Uma linda amizade.

 

domingo, 15 de junho de 2025

sábado, 14 de junho de 2025

quinta-feira, 12 de junho de 2025

A poesia é necessária?

 

Mar e Lua

Chico Buarque

 

Amaram o amor urgente

As bocas salgadas pela maresia

As costas lanhadas pela tempestade

Naquela cidade

Distante do mar

 

Amaram o amor serenado

Das noturnas praias

Levantavam as saias

E se enluaravam de felicidade

Naquela cidade

Que não tem luar

 

Amavam o amor proibido

Pois hoje é sabido

Todo mundo conta

Que uma andava tonta

Grávida de lua

E outra andava nua

Ávida de mar

 

E foram ficando marcadas

Ouvindo risadas, sentindo arrepios

Olhando pro rio tão cheio de lua

E que continua

Correndo pro mar

 

E foram correnteza abaixo

Rolando no leito

Engolindo água

Boiando com as algas

Arrastando folhas

Carregando flores

E a se desmanchar

 

E foram virando peixes

Virando conchas

Virando seixos

Virando areia

Prateada areia

Com lua cheia

E à beira-mar

 

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Apresentação de Fragmentos de Silêncio

 Simão Pessoa[*] 


Quando a gente lê esses Fragmentos de Silêncio, do Zemaria Pinto, a sensação que se tem – a mais imediata – é de intensa alegria. Não que o poeta seja um cândido otimista incurável e que passe o tempo todo afirmando que esse é o melhor dos mundos possíveis. Não se trata disso. Refiro-me a uma alegria que está nas frases, nas palavras, independente às vezes até do que ele está dizendo. Uma alegria de dizer as coisas, de misturar sensações e pensamentos, fatos de agora e de ontem – um exercício pleno de liberdade.

Zemaria Pinto tem uma curiosa maneira de encarar a realidade marrom glacê e a partir daí construir seus poemas. Melhor ainda: de escrevê-los, porque a palavra construir não expressa com propriedade esse desenrolar tão solto da linguagem, que é a maneira que ele tem de dizer as coisas. É uma maneira simples, entendam bem, que não é, rigorosamente, simples. Sua naturalidade consiste em manter a linguagem no nível coloquial, valendo-se não apenas de formas comuns de falar, mas também da matéria cotidiana, vulgar às vezes, parte da experiência de todo mundo. Não é fácil, porém, o processo de organização dessa matéria. E daí que a espontaneidade do discurso esconde uma complexidade de elaboração e uma maestria sublimes: um domínio que não é habilidade em lidar com palavras, ou não é apenas isso, porque as palavras, em seus poemas, não são objeto de manipulação, ou raramente o são. Zemaria domina a linguagem na medida em que se identifica de tal modo com ela que, quando escreve, a linguagem é seu jeito de ser, de fazer-se e refazer-se, de inventar-se, recuperar-se. Pois é assim, acredito, que sempre se dá o milagre da poesia, de um modo pessoal e intransferível, próprio de cada poeta.

Os poemas de Zemaria Pinto, apesar de rigorosamente artesanais, estão isentos daquele formalismo borocoxô e meio senil que faz a glória das academias de letras e dos grêmios literários parnasianos. Não refletem, ou melhor, não demonstram qualquer preocupação com a coerência e a concisão. Nem com a originalidade pós-retrô que, quando obsessiva, conduz ao empobrecimento e ao hermetismo – doença de alguns maus poetas que concebem a poesia como algo distante da realidade comum e, portanto, distante das pessoas. E isso, exatamente, é o que não acontece com Zemaria Pinto: ele se sabe vivendo a mesma vida de todos e é dessa vida comum que ele desentranha o poema, na base do fórceps ou da porrada.

Vou mais longe: a exemplo dos poetas da Geração Beat, ele não quer desligar os poemas desse mundo banal, antes evita que isto aconteça, misturando sua linguagem de poeta com a linguagem do dia-a-dia, citando frases de conversas que, no conjunto do poema, revelam sua universalidade. Nesse contexto, ele também mistura a experiência excepcional, impactante, à experiência banal – o contexto cotidiano onde a poesia fulge de repente, como fulge de repente no contexto banal da linguagem. Não há uma coisa sem a outra: a poesia nasce do prosaico, a originalidade, do vulgar.

Dentro desse arco-íris de cores quentes – em que se confundem o insondável e o pé no chão – Zemaria pinta e borda, bebe e trepa, ama e trabalha, destila angústias e humor ferino, para realizar uma poesia cristalina, sem concessões à babaquice ou ao regionalismo piegas. Uma poesia que, por isso mesmo, desenvolve-se à margem dos grandes dramas sociais, mas que nem por isso deixa de ser tão atual quanto amazônica.

  Mesmo que uma declaração dessas pareça pretensiosa ou que provoque choros e ranger de dentes na fogueira das vaidades barés, considero o Zemaria Pinto o poeta mais lúcido, brilhante e talentoso da minha geração, o que não é pouca porcaria.

Lendo esses Fragmentos de Silêncio vocês vão descobrir o porquê. 




[*] Publicado nas duas edições do livro: em 1995 e em 1996, pela EDUA.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Classificados de outrora

Pedro Lucas Lindoso

 

A expressão “anúncios classificados” tem sua origem na maneira como esses anúncios eram organizados e apresentados nos jornais tradicionais.  Com o crescimento da imprensa, os jornais começaram a incluir anúncios comerciais e pessoais para atender às necessidades da sociedade. Como a quantidade de anúncios aumentava, tornou-se necessário uma forma de organizar essas informações de maneira fácil para os leitores.

A palavra “classificados” veio do fato de os anúncios serem agrupados por categorias específicas, como imóveis, empregos, veículos, serviços, entre outros. Essa organização foi popularizada nos jornais de língua inglesa, especialmente nos Estados Unidos.

 Os jornais começavam a criar seções específicas para diferentes tipos de anúncios, e essas seções passaram a ser chamadas de “classified ads” (no original em inglês). No português, esse termo foi adaptado como “anúncios classificados”, referindo-se justamente a esses agrupamentos por categorias.

O Jornal do Commercio de 1 de março de 1965, há sessenta anos atrás, ainda não utilizava a expressão “classificados”. Mesmo porque a página dedicada aos anúncios dividia-se em ANÚNCIOS POPULARES de um lado e COMERCIO E NAVEGAÇÁO do outro. E era tudo junto e misturado. Oferta de empregos para empregadas, amas, copeiras e pracistas. Vendiam-se coisas que hoje muitos não conhecem: Lambretas, Simca tufão, Carros DKW e, claro, os inesquecíveis Volkswagen. Uma eletrola Franklin e a coleção completa do Tesouro da Juventude.

A Usina Rian, localizada na Av. Floriano Peixoto, 79, anunciava a venda de SAL. Assim mesmo, em “caixa alta”. Vários pequenos anúncios de BACARDI, o melhor ron do mundo. Outros minis anúncios de suco de frutos “MAGUARY”. Uma delícia para toda a família. Esses parecem que sobrevivem até os dias de hoje.

Alguém na Leonardo Malcher vendia uma máquina de costura Long-Life, em perfeito estado. Outro vendia um barbeador elétrico Remington e um rádio Semp. Ambos seminovos e em perfeito estado. Tratar na Av. Joaquim Nabuco, a qualquer hora do dia e sábados e domingos. A venda devia ser mesmo urgente.

O Dr. Oswaldo Gesta, que foi obstetra de minha saudosa mãe, anunciava sua prestigiada clínica de ginecologia e obstetrícia à Rua Barroso, 62.

Na área de navegação, A Comissaria de Despachos Reis, agentes em Manaus de Joaquim Fonseca e Companhia, listava seus navios mercantes: URÁNIA, TAUETÉ, TAUASSU e EDUARDO. Todos motorizados e aceitando carga para Porto Velho e Belém.

E, last but not least, THE BOOTH STEAMSHIP COMPANY LIMITED, a conhecida BOOTH LINE, com sede em Liverpool. O Navio DENIS chegaria no dia 20 de março, proveniente de Liverpool e dia 24 do mesmo mês partiria de volta para Rotterdam e Liverpool. Já o VERAS, procedente de New York, faria parada em Manaus com destino a Iquitos no Peru. O VAllIENTE também vindo de New York atracaria em Manaus e dois dias depois zarparia de volta para New York. Os amazonenses tinham linha direta para os Estados Unidos e Europa. Não necessitavam descer para o Rio de Janeiro ou São Paulo. Bons tempos. Hoje, os anúncios praticamente sumiram dos grandes jornais. Agora tudo é pela internet. Outros tempos.



domingo, 8 de junho de 2025

quinta-feira, 5 de junho de 2025

A poesia é necessária?

 

Três haicais de primavera

Gracinete Felinto


 

Na estação das flores,

belas manhãs de setembro.

Borboletas dançam.



Nas paredes, flores

descem enfeitando o prédio,

início da estação.

 


No vaso, uma flor

dedicada à estação.

Lá fora, perfume.



terça-feira, 3 de junho de 2025

Como se tornar amazonense

Pedro Lucas Lindoso

 

Uma jovem me pediu uma mentoria. Achei aquilo inusitado. O que seria uma mentoria? Então você quer que eu lhe dê conselhos? Ela me disse que sim. Gostaria que eu a ensinasse a ser amazonense. Estranho isso. Perguntei-lhe o motivo. Ela disse que preferia não contar. Mas que aguardava ansiosa por meus conselhos. Minha mentoria. Disse-lhe que de fato era amazonense e filho de amazonenses. Mas que havia vivido por mais de trinta anos em Brasília. Talvez estivesse um pouco descaracterizado. Ela me disse que justamente por isso eu faria uma boa mentoria. Por ter sido exposto a outras vivências.

Disse-lhe então que poderia lhe dar algumas dicas. Não seria nem mentor nem conselheiro. Teríamos um prazeroso bate-papo. E comecei dizendo que deveria gostar de tacacá, de farinha do Uarini, pimenta murupi e caldeirada de peixe. Sim, deveria saber ticar um peixe. Informou que já gosta de peixe, tacacá e pimenta.  Mas não sabia ticar peixe. Ficou de aprender com a sua cozinheira já no dia seguinte.

Pareceu-me bem determinada. Já sabia o básico. Deveria ir ao centro, merendar ovo coberto com suco de maracujá. Pedir do vendedor uma coxinha de massa de mandioca e recusar a coxinha de trigo. Não chamar bombom de bala. Bala só de cupuaçu ou castanha. Chamar cabide de cruzeta, menino de curumim e menina de cunhatã. Se você não souber o nome do porteiro ou do zelador, pode chamá-lo de “seu menino”. Se no Sul fala-se vigiar o carro, aqui é reparar. A gente repara crianças também. E repara também outras coisas. O que deve e o que não deve.

 Pode-se usar a expressão “telezo” entre amigos. Mas acusar alguém de leseira baré pode ser constrangedor. Amazonense gosta de tomar banho de chuva quando criança. Mas quando adulto, se chove muito, chama a chuva de toró, nunca tempestade. E fica em casa. Não sai nem para ser enterrado. Deixa para o dia seguinte.

Tem que torcer por um boi. Se for Garantido, evitar vestir a cor azul e nem pronunciar o nome do Caprichoso. Dizer que é o boi contrário. Gostar mais de toada de boi do que samba, gostar de praia de rio e banho de igarapé.

Ser amazonense raiz é mais do que nascer na maior floresta tropical do mundo. É mergulhar de cabeça na essência de uma cultura riquíssima. É preciso aprender a respeitar e valorizar a floresta. Não basta admirar sua beleza de longe; é preciso entender seu ritmo, sua riqueza e diversidade.

Um verdadeiro amazonense se orgulha de sua história. Conhece as lendas indígenas, as histórias dos seringais, o valor da floresta para a sobrevivência de todos. Sabe receber as pessoas com um sorriso, dividir um peixe assado na beira do rio.

Ser amazonense raiz também implica em estar conectado com a natureza de maneira consciente. Valorizar os rios, as matas, os animais. Defender a floresta e seus povos, porque ela é nossa fonte de vida e identidade.

 É preciso amar esta terra de verdade — com orgulho, com coragem, com esperança. Porque ser amazonense é muito mais do que uma origem; é uma atitude de amor. E assim, quem abraça essa essência, vive e respira a alma do caboclo, torna-se, de fato, um verdadeiro amazonense.