Amigos do Fingidor

terça-feira, 19 de março de 2024

Belém, Belém, nunca mais fico de bem!

Pedro Lucas Lindoso

 

Não sei como a meninada se comporta nos dias de hoje. As amizades infantis da minha infância tinham um código lúdico bem peculiar. Alguém ficava magoado e chateado. Era preciso saber se a amizade ainda persistiria ao entrevero. Juntava-se os dois dedos indicadores e perguntava-se: corta aqui? Se o outro cortasse era porque a amizade havia acabado!

Então dizia-se que fulano havia ficado “de mal” com o outro. Essa técnica também era válida entre irmãos.  Minha mãe, quando ouvia dizer que alguém estava “de mal” com outro, era taxativa:

– Podem parar com essa estória de ficar “de mal”. Tratem logo de fazer as pazes.

Outra técnica consistia em mostrar ao outro os dedos mínimo e indicador. Dedos esses conhecidos também como mindinho e fura bolo. Mandava-se escolher: Esse é o mal e esse é o bem. Se o mindinho fosse apontado, estavam “de bem”. O pedido de desculpas estava implícito e estava tudo certo.

Mas, se a escolha fosse pelo indicador, estavam “de mal”. E poderia ainda se ouvir: Belém, Belém, nunca mais fico de bem!

Recebo a visita de meu amigo Dr. Chaguinhas. Estava preocupado com sua filha. A garota, de dezesseis anos, namorou um rapaz por quase um ano. De repente, sem mais nem menos, o rapaz sumiu.

Estranhamente deixou de responder às mensagens de WhatsApp. Saiu dos grupos em que a garota e ele participavam. Não atendia mais às ligações da namorada. Saiu do Instagram e do Facebook.

Chaguinhas perguntou pelo rapaz e a filha caiu no choro! Preocupados, os pais foram conversar com a menina. Ela relatou que não havia feito nada de mais com o rapaz. Não estavam se relacionando sexualmente. Estava tudo bem no namoro. Mas simplesmente o rapaz sumiu de seus contatos no celular.

Chaguinhas e a esposa tentaram entrar em contato com os pais do rapaz. Tudo bem que o namoro terminasse. Mas de forma civilizada. Sem sucesso. Os poucos amigos em comum do casalzinho não sabiam dele. Aliás, eram amigos da garota. E todos achavam tudo muito estranho. Uma coleguinha disse ter visto o rapaz no shopping. E que ele fingiu não a conhecer. A garota, muito tristinha e abalada, foi levada ao psicólogo. O diagnóstico foi de que a menina tinha sido vítima de “ghosting”. O termo “ghosting”, vem da palavra ghost (fantasma, em inglês). Se popularizou por definir o desaparecimento em relacionamentos, principalmente nas redes sociais.

Ora, o afastamento sempre deve ser comunicado. Essa comunicação deve ser direta, fluida e assertiva, como a meninada da minha infância: Belém, Belém, nunca mais fico de bem!


 

domingo, 17 de março de 2024

Manaus, amor e memória DCLXII


Mercado Adolpho Lisboa, à noite.

 

quinta-feira, 14 de março de 2024

A poesia é necessária?

 

O mundo necessita de poesia


Gilka Machado (1893-1980)

 


O mundo necessita de poesia,

cantemos, poetas, para a humanidade;

que nossa voz suba aos arranha-céus

e desça aos subterrâneos,

acompanhando ricos e pobres

nos atropelos

das carreiras

de ambição

e na luta pelo pão.

 

Lavemo-nos das máscaras histriônicas;

tenhamos a coragem

de propalar a existência eterna

do sentimento;

ponhamos termo

a esses malabarismos

de palhaços

falsos

da modernidade,

permanecendo diferentes,

diante da multidão

insensibilizada,

enferma.

 

A humanidade quer rir de tudo,

porém é alvar sua gargalhada.

Foge das tristezas,

mas paira ausente

em meio aos prazeres,

desligada em toda parte,

perdida em si mesma.

O homem anda esquecido do caminho da fé

que a poesia sempre lhe ensinou.

O homem está inquieto

porque lhe falta a posse das distâncias

que só a poesia proporciona.

O homem se sente miserável

porque a poesia não lhe enche a alma

daquele ouro inesgotável

do sonho.

 

O mundo necessita de poesia,

(não importem assuadas)

cantemos alto, poetas, cantemos!

Que seja nossa voz

um sino de cristal,

um sino-guia de perdidos rumos,

vibrando no nevoeiro de inconsciência

do momento angustioso!

 

Nosso destino, poetas, é o destino

das cigarras e dos pássaros:

– cantar diante da vida,

cantar

para animar

o labor do Universo;

cantar para acordar

ideias e emoções;

porque no nosso canto

há um trigo louro,

um pão estranho que impulsiona

o braço humano,

e os cérebros orienta,

uma hóstia

em que os espíritos encontram,

na comunhão da beleza,

a sublimação da existência.

O mundo necessita de poesia,

cantemos alto, poetas, cantemos!



quarta-feira, 13 de março de 2024

terça-feira, 12 de março de 2024

Doces palavras – Dia da Mulher

  Pedro Lucas Lindoso


Há alguns dias escrevi crônica cujo título foi “Palavras, palavras, palavras”. E confessei que sou um apaixonado por palavras. Há os que são apaixonados por números. Assim como há poetas e escritores, há numerólogos e conhecedores da Cabala.

Os números me impressionam, mas gosto mesmo das palavras, dos versos e dos textos. Há palavras pequeninas como oi. Há outras bem grandes como inconstitucionalissimamente! Nessa primeira semana de março, que culmina com o Dia da Mulher, milhares de homens, principalmente poetas, escritores e cronistas procuram incessantemente por palavras bonitas. É preciso celebrar as mulheres!

Nós, falantes do português, somos privilegiados. Há substantivos femininos que em outras línguas são neutros. Como exemplo vamos começar por professora. Em Inglês, “teacher” é professor ou professora! Fico imaginando como se poderia traduzir para o Inglês a famosa música “Meus tempos de criança”, também conhecida como “A professorinha”. Vejamos estes versos: Que saudade da professorinha/ Que me ensinou o beabá / Onde andará Mariazinha / Meu primeiro amor, onde andará? Ora, “little  teacher” pode ser professorinha ou professorzinho. Afora as rimas, também seria impossível de se fazer uma versão plausível.

Tenho mais primas do que primos. Tanto do lado materno quanto do lado paterno. E primas são como irmãs. Não podemos casar com elas. Mas podemos nos apaixonar pelas primas. E em Inglês, uma palavra tão doce como prima é neutra. “Cousin” serve para prima ou primo. Uma lástima!

As palavras que se referem às mulheres são sempre belas, poéticas, doces. Vejamos: mãe, avó, menina, garota. Existe palavra mais gostosa e bonita do que “garota”?

Houve um tempo em que nós homens podíamos celebrar as moças e as mulheres sem correr o risco de ser inconvenientes ou machistas. Mas naqueles tempos não havia um dia especial para mulheres. Todos os dias eram delas. Mas isso até hoje é assim! Apesar da comemoração especial do dia das mulheres, todos os dias são mesmo delas e para elas.

Aproveito a comemoração do dia das mulheres para homenagear as mulheres da minha vida. Minha saudosa mãe Amine Daou Lindoso, minha esposa Vera Lindoso, minha filha Marina Lindoso de Castro. Minhas irmãs e tias. Um carinho especial para minhas amadas netinhas Maria Luísa, Maria Helena, Catarina e Isadora. E claro, às inúmeras professoras que tive, do primário à pós-graduação. E por fim, às minhas primas. Queridíssimas primas.

 

domingo, 10 de março de 2024

sexta-feira, 8 de março de 2024

Os que andam com os mortos



 

Os que andam com os mortos, primeiro livro “oficial” de contos adultos de Zemaria Pinto, é uma provocação. A começar pelo subtítulo, que pulveriza os substantivos “fábulas” e “estórias” – este, uma provocação, em si mesmo – amalgamando-os com os adjetivos “cruéis” e “más”, e resultando uma poeira que, nos olhos do leitor, desafia os limites quadradinhos do gênero.

Invocando Mário de Andrade – “é conto tudo aquilo que o autor chamar de conto” – e Machado de Assis – “sobre o gênero, não sei o que diga que não seja inútil” –, Zemaria Pinto constrói em Os que andam com os mortos trinta narrativas entre a intertextualidade, a metalinguagem e a criação mais original: “desconforto é a palavra-chave para definir o sentimento que se quer incutir no leitor”, diz o autor na apresentação que, não à toa, tem por título um dissimulado “Apenas um livro de contos”.

Assassinatos, manifestações de loucura mansa até o mais agudo desvario, delírios, pesadelos, metamorfoses – físicas e mentais –, ais de amor, uivos de dor e outras mágoas supuradas: no universo do demiurgo não sobra espaço para a vidinha banal, a tal da áurea mediocridade de que falavam os antigos. Pulsa nessas trinta narrativas o mundo como vontade e representação, num encontro clandestino entre a poesia e a filosofia.   

Como já se insinuou, os textos emulam gêneros diversos que vão do conto convencional ao roteiro de cinema; da fábula à Esopo ao ensaio acadêmico; do texto teatral à entrevista; de falsas crônicas a memórias falsas. Conto com nota de rodapé? Relaxa, leitor/a: faz parte da tática narrativa. Do caldeirão resultante sobressai-se um humor ácido, que, se inibe a gargalhada, deixa um travo amargo na boca. Os quatro últimos textos, entretanto, enformam uma memória da pandemia – e podem causar um indesejável nó na garganta.

Acostumado aos embates das análises críticas, o professor Zemaria Pinto fica muito à vontade no papel de contista, enfeixando em um volume de desafiadora e prazerosa leitura textos que poderiam ilustrar suas aulas de Teoria da Literatura ou seus livros de ensaios. Evoé!

 

Clara Nihil, poeta e matemática, 

na “orelha” do livro.   


quinta-feira, 7 de março de 2024

A poesia é necessária?

 

Samurai

Sidney Aguiar

 

O samurai tocou a

katana

Observou o firmamento

Uma gota de água

explodiu em sua tez

Respirou

profundamente

e abriu o guarda-chuva.



terça-feira, 5 de março de 2024

Respeito ao sagrado

 Pedro Lucas Lindoso


Aprendi que todas as religiões levam a um só Deus, o Grande Criador do Universo. Mas os ritos e o sagrado variam. E todos devem e precisam respeitar aquilo que é sagrado para o outro.

No último Carnaval de Salvador houve uma lamentável polêmica envolvendo as cantoras Ivete Sangalo e Baby. Ambas provocaram constrangimentos. Carnaval é festa profana. Trio elétrico não é local para manifestação religiosa. Estamos nos aproximando da Páscoa. A “malhação de judas” é uma prática lamentável e deve ser evitada. É ofensiva.

Aprendi com meu velho pai que o respeito ao sagrado nas mais diversas religiões e credos é um dever de todos. Os caminhos da fé se destacam ante a universalidade do necessário respeito ao sagrado, mesmo diante da diversidade religiosa.

Ao amanhecer, o sol nascente beija primeiro os minaretes das mesquitas, onde o chamado para a oração reverbera, convidando os fiéis ao recolhimento e à entrega. Não muito longe, os sinos das igrejas anunciam o início de uma nova manhã, convocando a comunidade cristã para celebrar a esperança e a renovação da fé. Enquanto isso, os círculos de pedra sagrada recebem os primeiros raios de luz, preenchendo os corações dos praticantes do paganismo com a energia da terra, do ar, do fogo e da água.

Cada prática, cada canto, cada prece elevada, seja em um templo, uma igreja, uma mesquita ou nas tribos dos povos da Amazônia, é um testemunho do respeito ao sagrado. É um sentimento profundamente enraizado no coração humano, uma reverência compartilhada que nos une apesar de nossas diferenças.

Aqui na nossa Amazônia, as práticas espirituais dos povos indígenas, profundamente enraizadas na terra e em suas tradições ancestrais, nos ensinam o respeito pela sabedoria da natureza e pelos ciclos da vida, uma conexão sagrada que sustenta a vida. Não é à toa que nas mãos dos povos indígenas estão as nossas esperanças da preservação dos rios e das matas. A salvação do planeta!

Todas essas manifestações de fé refletem a riqueza da experiência humana com o divino. Apesar das diferenças, há um fio comum que nos conecta: a busca por significado, propósito e conexão com algo maior que nós mesmos.

Neste tempo de Quaresma para os católicos, ouso convidar meus poucos leitores a reconhecer e respeitar o sagrado em todas as suas formas. O exercício da fé é como uma tapeçaria tecida com fios de múltiplas cores, cada uma representando uma tradição, uma história, uma forma de entender e viver o sagrado. Faço também um convite à tolerância, ao diálogo e, acima de tudo, ao respeito mútuo que deve prevalecer entre todas as formas de expressão da espiritualidade humana.

 

domingo, 3 de março de 2024

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

A poesia é necessária?

 

Do corpo, da memória

Ernesto Penafort (1936-1992)

 

eis que surges, noite morta.

nem te adivinhava antes,

já vagava em outras terras,

outros mares me banhavam.

entretanto, estás

presente, suor do corpo.

rastro de quem anda,

amor de quem partiu.

 

eis que surges, noite morta.

mesmo adivinhar-te

era um absurdo, noite morta.

principalmente agora

que vejo luz e longe,

estás presente, suor do corpo,

memória e tatuagem,

novamente suor do corpo,

estás presente,

memória de quem anda,

suor de quem partiu.

 


terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

“Até 2025!” Idalina adorou o carnaval amazônico

Pedro Lucas Lindoso

 

Minha querida tia Idalina se considera uma amazonense autoexilada em Copacabana. Dizia que só retornaria a Manaus se fosse pelas asas da VARIG. Relutou durante anos. Mas finalmente cedeu. Veio passar o Carnaval em Manaus. Depois de muito tempo sem visitar-nos. Veio prestigiar Mazé Mourão, que foi a Rainha da Bica de 2024, como todos sabem.

Idalina compareceu também à Banda do Boulevard e deu uma passadinha no Caldeira. Adorou a folia. Encontrou amigos das antigas.

A grande novidade foi o Carnaval Amazônico no Studio Cinco. Idalina achou o máximo. Na terça-feira titia conseguiu ir para o Carnaboi de Parintins. Não se sabe como conseguiu a passagem. Parece que foi um antigo amor, agora viúvo, que patrocinou a farra.

Ainda teve tempo e fôlego para assistir ao desfile das escolas de samba do Rio. Achou a transmissão da Globo sofrível este ano. Poderiam ter contratado um cast melhor de apresentadores.

Quando viu uma Carmem Miranda aparecer nas arquibancadas, no Desfile da Mocidade, foi logo dizendo:  

– Estão imitando o boi de Parintins. E as luzinhas nas arquibancadas também. Fico feliz. Amazonenses exportando “know how” para o Rio de Janeiro. Quem diria.

Além das folias momescas, Idalina enfrentou uma verdadeira epopeia na gastronomia amazonense. Duas grandes amigas ofereceram tartarugadas. De procedência legalizada, claro. Foi ainda convidada para uma caldeirada de tambaqui. Recusou duas feijoadas. Afinal isso é prato típico de carioca. Sentiu falta de doce de cupuaçu. Não fazem mais?

Uma amiga que mora na Cachoeirinha soube e fez três quilos de doce. E ainda mandou uns salames de cupuaçu. Idalina levou tudo para o Rio de Janeiro.

Um enorme isopor continha, além dos doces de cupuaçu, três quilos de picadinho de tambaqui congelado, quatro pacotes de farinha do Uarini, cinco quilos de costelas de tambaqui congeladas. Sardinhas, pacu e jaraqui. Uma manta de pirarucu seco. Duas garrafas de tucupi. Dois quilos de goma. Uma generosa quantidade de jambu, já cozido e pronto para o tacacá. E camarão seco. No isopor tinha ainda pupunha, tucumã, maracujá do mato e banana pacova.

Na véspera da viagem tia Idalina fez um passeio até o Encontro das Águas. Tudo muito divertido. Foi na lancha do antigo namorado. O simpático senhor arrumou a lancha nos conformes e convidou as pessoas certas. Pirarucu de casaca e moqueca de tambaqui, uma novidade para Idalina, era o carro chefe do almoço na big lancha. Muita cerveja, whiskey e drinks diversos. Idalina adorou a surpresa.

Quando chegamos no aeroporto, com aquele enorme isopor, senti um frio na espinha. Deu cinquenta quilos de excesso. Só mesmo a simpatia de Idalina para conseguir despachar todo aquele material. Ela volta no ano que vem. Até 2025. Adorei o carnaval amazônico, disse ela.

 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

A poesia é necessária?

 

O bicho

Manuel Bandeira (1886-1868)

 

Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

 

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

 

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

 

O bicho, meu Deus, era um homem.


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Palavras, palavras, palavras

 Pedro Lucas Lindoso

 

Há pessoas que são apaixonados por números. Para esses recomendo o livro O homem que calculava. De Malba Tahan. Eu até gosto dos números. Mas a minha paixão são mesmo as palavras. Gosto de analisá-las. Tanto na etimologia como na morfologia. E, claro, palavras formam frases. Ou versos, que formam poemas. E por fim, os livros, uma das minhas grandes alegrias nessa vida.

As palavras pertencem a uma língua. Tenho o privilégio da falar e conhecer algumas, além do português. No português elas são mais doces. Idioma materno em que ouvi as cantigas de ninar da boca de minha mãe, de minhas avós, tias e babás.

A língua italiana, que aprendi ainda adolescente, é muito sonora. O francês também é um idioma lindo. As canções em francês são especiais nas vozes de Aznavour e Edith Piaf.

A vida me fez estudar o inglês com mais afinco. Eu gosto de me comunicar na língua de Shakespeare, Poe e Walt Whitman. Depois do português é a língua que mais conheço. E como é difícil ter proficiência e competência em qualquer idioma!

Observo as mudanças. As línguas mudam no tempo e no espaço. O inglês falado em Ohio, nos Estados Unidos, nos anos setenta, quando eu fiz intercâmbio, é diferente do falado nos filmes e “lives” da internet de nossos dias.

E o nosso português também sofre mudanças. Algumas questionáveis, que não passam, no meu sentir, de modismos sem qualquer propósito. Como a tal linguagem neutra. Acredito que não vai “pegar”. Simplesmente porque não nasceu da boca do povão. É o que penso.

Outro dia, fui instado a falar sobre literatura para um simpático grupo de estudantes. Havia mais moças que rapazes. Comecei cumprimentando-os. Bom dia a todos! Fiz uma pequena pausa. E ouvi, bem baixinho: todos e todas!

Era o que eu precisava para começar minha fala. Aprendi com dona Osmarina, minha professora de português em Brasília, que todos nesse caso se referia a todos, independentemente de sexo ou orientação sexual. E que todos e todas seriam um pleonasmo. E essa coisa de linguagem neutra, como disse e repito, vai passar. No Português há palavras neutras como criança por exemplo. Ninguém diz o criança para meninos e a criança para meninas. Podemos citar muitos outros exemplos. Essa discussão é infinita e não cabe numa simples crônica. Reconheço, entretanto, que usar o português corretamente é mais difícil para as mulheres. Agradecer, por exemplo. Homens devem dizer obrigado. Mulheres, obrigada. Há mulheres que agradecem errado. Não foram alunas de dona Osmarina. Como disse Shakespeare em Hamlet: “words, words, words”. Palavras, palavras, palavras.

 

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Manaus, amor e memória DCLVIII

 

O homenageado é João Baptista, filho do poeta Bento de Figueiredo.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

A poesia é necessária?

 

Transforma-se o amador em terrorista


Rogel Samuel (1943-2023)

 

Transforma-se o amador em terrorista

e sua Inês fálica pela origem

em seus braços onde levará?

Interdita por preservativos

sua Beatriz de amar armada

quando ama mata o amado.

Voltando a seu devotamento

estranha ter acontecido

com os cavalos dos seus bandidos

com ao cabelos dos seus amigos

que cavaram os covis da espécie.

Que cantam poeticamente

com malícia e com amor

a sua viagem posto que mentida

segue a espessura do caminho

pela estrela que persegue abrigo

nos cines pornôs e hotéis baratos.

As suas crianças nas suas carências

habitam nuas e perigosas

na noite soltas transadas pelas ruas.

São seres mágicos e indiciados

pela polícia e pelo giro

de cata-ventos de espelho

pelo desejo de preço e pela dor

erotizada dos primeiros medos.

Sextante exato das horas

das estórias das glórias clandestinas

medicalizadas neste monte de lixo

onde dos restos de hospitais a flor da morte

(dia virá em que os amantes

serão caçados a bala).



terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Pular o carnaval

 Pedro Lucas Lindoso

 

Algumas pessoas gostam de pular o carnaval. Outras aproveitam o feriadão para descansar ou passear. Ou até para retiros espirituais. Outras gostam de pular o carnaval, mas estão impossibilitadas pelo simples fato de estarem temporariamente doentes.

Meu saudoso tio Padre Moisés Lindoso nos ensinava que Jesus não nos quer enfermos. Jesus também não nos culpa de nossas doenças. Não somos culpados e nem tampouco nossos pais.

A explicação para nossas enfermidades, de acordo com a Igreja, parece-me que está no Genesis. “Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás”.

A desobediência de Adão e Eva os levou a condição de humanos e ao trabalho. Penso também que Deus jamais quis que nós humanos ficássemos doentes. Muito menos seu Filho, que habitou entre nós. Jesus curava as pessoas. Curou muitos e dizia que a Fé os curava.

Não é bom ficar doente. Ninguém gosta. Exceto os hipocondríacos. Aqueles que chegam nas farmácias e perguntam pelas novidades. Principalmente na época do carnaval, a doença é muito inconveniente. Há os que esperam o ano inteiro pelo reinado do Momo.

Já tive que explicar para um falante de Inglês o significado de “pular” o Carnaval. Em português pular significa saltar, andar depressa e aos pulos. Além do significado de transpor. E como parte de várias expressões idiomáticas. O fato é que dançamos o carnaval. Há até os que literalmente pulam. Mas o samba é dançado, o axé também. Talvez no frevo haja mais pulos. Mas dizemos que dançamos frevo, jamais pulamos frevo!

Agora, vai explicar isso para os gringos! Pular em Inglês é “jump”. E o vocábulo restringe-se a saltar. Já para os brasileiros “jump” é uma atividade aeróbica muito em voga nas academias de ginástica. Então, definitivamente, não dá para traduzir literalmente, pular o carnaval, para “jump the carnival”. Costumo traduzir como “celebrate the carnival”

Coincidentemente, a Igreja Católica reservou esse domingo para celebrar o dia mundial do enfermo. Não acho muito apropriada a palavra “celebrar” para enfermos. A Igreja promove uma jornada anual pelos doentes.

Com certeza o Papa Francisco, que é um Papa pop, vai rezar para que os enfermos deste ano, impossibilitados de pular o carnaval, possam fazê-lo, com plena saúde, em 2025!

 

domingo, 11 de fevereiro de 2024

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

A poesia é necessária?

 

Sabiá com trevas

Manoel de Barros (1916-2014)

 

IX

 

O poema é antes de tudo um inutensílio.

 

Hora de iniciar algum

convém se vestir roupa de trapo.

 

Há quem se jogue debaixo de carro

nos primeiros instantes.

 

Faz bem uma janela aberta.

Uma veia aberta.

 

Pra mim é uma coisa que serve de nada o poema

Enquanto vida houver

 

Ninguém é pai de um poema sem morrer



terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Não faltam confete e serpentina

Pedro Lucas Lindoso

 

Domingo passado, alguns moradores de Copacabana, no Rio de Janeiro ficaram 12 horas sem luz elétrica. Mais especificamente, no quarteirão onde mora Tia Idalina. Ela me conta, via WhatsApp, que foi um caos.

Disse à titia que em Manaus continuamos a ter problemas de abastecimento. Não só de luz, mas de muitas outras coisas. É comum faltar energia em algumas áreas da cidade. Muitos prédios possuem gerador próprio. Titia não permite que se fale mal de Manaus. Aliás, só admite reclamações de amazonenses.

A verdade é que sempre sofremos por falta de abastecimento regular de algumas coisas de vital importância. Ninguém esquece o drama vivido pela cidade durante a pandemia. Faltou oxigênio e o Brasil acompanhou a dramática situação vivida por nós aqui na cidade. De repente o consumo de oxigênio ficou quinze vezes mais alto em menos de dez dias!

Nos anos sessenta do século passado, antes da Zona Franca, sempre “faltava” algum gênero de primeira necessidade. As comadres logo ficavam sabendo que poderia faltar arroz. Então todos corriam para as mercearias e mercados atrás do produto. As vezes o estoque estava até dentro da normalidade. Mas, com o boato, as pessoas estocavam. E sempre faltava para os outros desavisados.

  Na nossa casa, na Henrique Martins, tinha uma dispensa para guardar produtos não perecíveis. Numa família de sete filhos não pode faltar leite, por exemplo. Podia-se comprar leite in natura, vindo das fazendas do Careiro. Mas era muito irregular. Usava-se muito leite em pó. Era muito frequente o uso do leite condensado. Darinha, nossa empregada de toda a vida, chamava-o de leite condenado. Hoje há variedades de leite em pó com especificidades diversas. Alguns bebês precisam de determinado tipo de leite. Uns bastante caros, por sinal.

  Essa última seca foi dramática. O abastecimento na cidade ficou prejudicado. Desde a fim da pandemia começamos a sentir falta de alguns produtos. Mas, recentemente, a coisa ficou mais complicada com a logística afetada pelos rios.  A estiagem não é uma novidade por aqui.

Todos os anos, no segundo semestre, há uma redução das chuvas. Daí ocorre a redução do volume de água nos rios. Isso complica a vida dos moradores e das empresas. No ano de 2023 a vazante foi recorde. A seca acabou impossibilitando parcialmente a navegação pelos nossos rios. Os produtos que sofrem mais impacto são os alimentos, como arroz, congelados e resfriados. O cimento, metais e cerâmica provocaram aumento na construção civil. Com a idade nos tornamos consumidores de alguns remédios de uso contínuo. Fiquei preocupado com a falta de um determinado remédio que me é imprescindível. Tia Idalina, que veio do Rio para o Carnaval, me trouxe cinco caixas. Um exagero.

Titia veio especialmente para prestigiar Mazé Mourão, que, como todos sabem, é a madrinha da BICA deste ano. Idalina trouxe um estoque de confete e serpentina do Rio. Também imprescindíveis para as folias. Bobagem! Jamais faltou confete e serpentina no nosso carnaval!

 


segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

O Concultura e o “voto de cabresto”

Zemaria Pinto

 

A primeira vez que associei o Conselho Municipal de Cultura ao voto de cabresto foi há muitos anos, quando o então presidente sugeriu minha candidatura a conselheiro, explicando-me detalhadamente como eu deveria montar meu “esquema” para me dar bem.

– Mas, isso é voto de cabresto!

Ensaiei encher a cabeça do meu interlocutor de sugestões éticas e técnicas para dar seriedade ao processo. Ele alegou um compromisso urgente, virou-me as costas e nunca mais se falou no assunto.

O chamado voto de cabresto é uma herança do Império. O voto era aberto e os coronéis controlavam cada um o seu “curral eleitoral”. O eleitor – homens brancos, alfabetizados, acima de 21 anos – era conduzido por um cabresto metafórico a votar nos candidatos do patrão.

Veio a libertação dos escravos, a proclamação da República e o “direito” de votar para os cargos executivos. Quase nada mudou: homens pretos alfabetizados (raridades!) somaram-se aos brancos na composição do curral.

Com a ditadura de Vargas, implantou-se, em 1932, o voto secreto universal e o voto feminino; a idade baixou para 18 anos, mas analfabetos e indígenas só puderam votar depois da Constituinte de 1988. Fim do voto de cabresto?

Não entrarei em detalhes, mas o voto de cabresto continua sob o controle de milícias, pastores (de todas as igrejas) e falsos líderes, que impõem, com o uso da violência e do poderio financeiro, a vontade de seus coronéis.

E no Concultura, como funciona? A cada eleição, faz-se um cadastro de votantes, por atividade. O cadastro feito há poucos anos foi jogado fora, assim como o fora o cadastro anterior, até o princípio dos tempos. Um retrabalho estúpido e injustificável.

E qual é o “esquema” para eleger um conselheiro? O cabresto, claro. O candidato sai em busca de eleitores e, antes de convencê-los a se tornarem eleitores, convence-os a votar em si. Na pior das hipóteses, arranca-lhes um compromisso, que será ou não cumprido. E vale inflar como uma bexiga de porco o número de falsos eleitores... Vocês devem conhecer as histórias que se contam a respeito – não preciso repeti-las.

Lanço aqui um desafio, válido para a atual direção do Conselho e para os conselheiros que serão eleitos no dia 20 de fevereiro: assumam, de público, o compromisso de mudar essa forma vergonhosa de votação, já para a próxima eleição. Definam claramente quem pode ser eleitor, nas diversas áreas da cultura – e que esse requisito seja comprovável.

É importante levar em conta que alguém pode se enquadrar em mais de uma atividade. A pessoa pode ser da Literatura, do Teatro e da Música, por exemplo (estou pensando no poeta, dramaturgo e compositor Aldisio Filgueiras). Antes da eleição, ela terá um prazo para se definir em qual atividade quer votar (e ser votada, se for o caso).  

Enfim, não podemos nos omitir. Precisamos denunciar e desafiar as más práticas e os maus praticantes. Em nome da Arte, da Cultura e da Democracia.

 

PS: não sou candidato a nada, mas meu coração não se conforma; o meu peito é do contra e por isso mete bronca neste texto-plataforma... 

       (a benção, mestre Aldir!)