Amigos do Fingidor

Mostrando postagens com marcador Bolero's Bar. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Bolero's Bar. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 19 de março de 2021

Bolero's Bar 30

Ronda 

Zemaria Pinto


Aqui é só uma estação da minha via sacra noturna. De bar em bar, de dancing em dancing, e o nível baixando... Já me conhecem. Riem de mim. A misericórdia me aconselha a desistir. É inútil. Parece que adivinhas meus passos. Covarde, foges. Quando não há mais ninguém nas ruas, os lugares já fecharam, volto para casa. E sonho – acordada, porque não consigo dormir. Mas é apenas sonho. A realidade será o dia em que te encontrar. Estarás com alguém? Bebendo, jogando, dançando? De uma coisa eu tenho certeza: a manchete escandalosa do matutino – CENA DE SANGUE NO BAR!!!

 

Ronda (1953), de Paulo Vanzolini (São Paulo, 1924-2013). Samba-canção.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

sexta-feira, 12 de março de 2021

Bolero's Bar 29

Vereda tropical 

Zemaria Pinto


Foi há muito tempo, nossas primeiras férias. Ela era pouco mais que uma adolescente. O hotel à beira-mar era um convite à contemplação: a brisa úmida queimava o sal em nossos lábios e sons de longes canções se mesclavam à suave música das ondas. Maré baixa, a extensão da praia era um jardim de caminhos entrelaçados – até hoje sinto o seu hálito quente e ouço suas palavras sem nexo, suas gargalhadas sem motivo. Mas tudo são lembranças, apenas. Já não há mais praia, não mais mar, não mais brisa, não mais canção. E não há nossos desejos explorando, cegos, aqueles caminhos tortuosos.     

 

Vereda tropical (1938), de Gonzalo Curiel (México, 1904-1958). Bolero.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar (em construção).

sexta-feira, 5 de março de 2021

Bolero's Bar 28

 Lama 

Zemaria Pinto


Liberdade. Essa é a palavra. Liberdade de fazer o que quero, quando quero e com quem. É verdade que nem sempre vou poder fazer onde quero, mas... É por isso que calúnia e fofoca não colam em mim. Ainda mais, de quem já comeu na minha mão. É ignorar, simplesmente. Minha avó tinha um ditado: quem com porcos anda chafurda com eles. Para uns, a lama é um estágio; para outros, permanência e destino. O melhor é fazer de conta que o paspalho morreu. Foi atropelado pela manduquinha, pronto! Morto não fala, não difama, não mente. A morte do opressor é a libertação do oprimido.      

 

Lama (1952), de Ailce Chaves (?) e Paulo Marques (?). Samba-canção.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Bolero's Bar 27

Noche de ronda 

Zemaria Pinto


É mais uma história de amor que termina. Aliás, as histórias de amor não terminam: elas implodem. E nós implodimos juntos e nos despedaçamos, num antirritual demoníaco. Não, essa não sou eu falando d’Ela. Não chegamos ao estágio do ódio. No fundo, bem lá no fundo, eu espero que ela volte. Nos meus devaneios mais loucos, nas madrugadas da minha varanda, eu vejo a lua passando e sei que em algum lugar ela está olhando a lua e pensando em nossas madrugadas na varanda. Hoje, a lua contempla apenas o negrume da minha solidão, a sombra do desespero que dá esse sentido provisório à minha vida.  

 

Noche de Ronda (1937), Maria Teresa Lara (México, 1904-1984). Bolero.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

                                                                           

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Bolero's Bar 26

Fracasso 

Zemaria Pinto


Eu sei que só morreu o que esteve vivo. Do que houve entre nós restam apenas as cinzas frias. Eu a amei demais? Qual é a medida certa de amar? Eu a sufocava? Com a minha atenção, meu carinho ou minha presença? Ciúmes? Quem não teria ciúmes, no meu lugar? Aconteceu como um tumor, que vai crescendo sem controle. Em pouco tempo, eu já não era mais eu. Eu era ela. Eu era nós. Para se libertar dessa relação embrutecida, ela tomou o único caminho possível. E me deixou reduzido a mim mesmo, à ridícula história de um fracasso. Nem saudades eu sinto. Apenas a sensação crônica e dolorosa de um soco no estômago.   

 

Fracasso (1946), de Mário Lago (Rio de Janeiro, 1911-2002). Samba-canção.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Bolero's Bar 25

Siempre en mi corazón 

Zemaria Pinto


A distância, o tempo, a solidão não servem para medir a ausência. Eu sei que vocês vão rir, mas, acreditem, ele está presente o tempo todo, não sei se no meu coração ou na minha mente. Ou na minha vontade. No meu desejo que arde. Nas memórias doces e amargas, uma infinidade de véus que vão revelando lembranças apagadas. É como se ele tivesse ido para a guerra, para a linha de frente, para a certeza da morte. Mas eu devo esperá-lo. Enquanto ele estiver vivo, enquanto o inimigo não o fuzilar, eu devo esperá-lo.

 

Siempre en mi corazón (1941), de Ernesto Lecuona (Cuba, 1895-1963). Bolero.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

  

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Bolero's Bar 24

Alguém me disse 

Zemaria Pinto


É engraçado o quanto o sofrimento atrai amigos; não apenas os velhos amigos, mas novos, que aparecem como insetos depois da chuva. Pouco me importa! Pouco me importa que estejas com outro ou com outros. Se estás feliz, muito bem! Ótimo! A vida segue. O quer que eu diga agora parecerá mágoa. E é mágoa! Mentiste, me enganaste, me traíste! E acham que me consolam vindo me dizer que te viram, com quem te viram, onde te viram. Merda! É mais um trouxa que vai cair na tua lábia de juras de amor eterno, um novo começo, agora é sério etc. etc. etc. Não demora muito e o idiota vai estar aqui ou em outro bar, querendo morrer afogado em um copo. Centenas, milhares, milhões de copos, não aplacarão a dor de ser descartado.

 

Alguém me disse (1960), de Evaldo Gouveia (Iguatu-CE, 1928-2020) e Jair Amorim (Santa Leopoldina-ES, 1915-1993). Bolero.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.


sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Bolero's Bar 23

El reloj 

Zemaria Pinto


As horas passam como cavalos enlouquecidos, sob as sombras da noite. Eu conto cada segundo marcado, avançando ao encontro da manhã, quando ela irá embora, construir um novo futuro, um outro destino. Se eu pudesse parar o tempo, não o tempo dos relógios, mas o tempo das vidas, a manhã não chegaria jamais e a noite seria para sempre. Bobagem. O tempo é uma ilusão. O relógio é uma ilusão. Eu estou aqui, despedaçado, e ela está lá, dormindo sem remorsos. Mas o sol é concreto. Quando a manhã chegar, terei a solidão por companhia e essa indescritível dor me dilacerando a vontade.


El reloj (1957), de Roberto Cantoral (México, 1935-2010). Bolero.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Bolero's Bar 22

Castigo 

Zemaria Pinto


Aí um dia você explode. Joga todo o peso das costas pelos ares. E fica leve como o pó que flutua na réstia de luz. Porque, quando você se dá conta da bobagem que fez, você é apenas isso: poeira, sordidez, porcaria, lixo. E tudo começa com uma briguinha. Aliás, com um acúmulo de briguinhas. Na verdade, o fim começa quando você cansa do monturo de briguinhas acumuladas por anos. Voltar é um verbo que eu não conjugo. Orgulho e castigo. Parece título de romance antigo. Ah, se a gente já nascesse sabendo. Quanta lágrima seria evitada.   

 Castigo (1958), de Dolores Duran (Rio de Janeiro, 1930-1959). Samba-canção.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Bolero's Bar 21

Dos almas 

Zemaria Pinto


O que Deus uniu só o ser humano pode separar. Foi o que se deu conosco. O edifício de felicidade que construímos com tanto empenho e dedicação ruiu por terra, num repente, quando a sombra do ódio nos envolveu. Daquele ponto em diante, ficou impossível continuar: a desconfiança minou nossas almas, de um lado e de outro, como uma doença que, progressivamente, corroesse nossos corpos até secá-lo, aos ossos. Ela morreu para mim. Mas ficaram as boas lembranças, de antes da doença, em que a alegria não conhecia a inveja e o ciúme. Se nosso amor fora abençoado, por que, quando mais precisamos d’Ele, Deus nos abandonou?

 

Dos almas (1945), de Dom Fabián (Argentina, 1915-2001). Bolero.


No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Bolero's Bar 20

A volta do boêmio 

Zemaria Pinto


– Amigas e amigos leais, amores da minha vida plena de amor, o bar é um templo sagrado, apropriado a orações em sussurros, não a discursos. Mas preciso dizer da minha alegria em revê-los, abraçá-los, tocar para vocês, cantar com vocês. Não faz muito tempo, saí por aquela porta, crente que uma nova etapa da minha vida começava. E era verdade. Uma vida maravilhosa, com a mulher que escolhi para envelhecer, amorosa flor, mãe dos meus filhinhos. Agora, de volta, apenas reato o fio da etapa anterior, com esta que segue sendo a minha felicidade: os meus amigos e a minha família. Porque eu não posso separá-los: eu sou vocês e sou eles. Sem eles eu não sou nada e não sou nada sem vocês. Dó maior, maestro! 

 

A volta do boêmio (1957), de Adelino Moreira (Portugal, 1918-2002). Samba-canção.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Bolero's Bar 19

Historia de un amor 

Zemaria Pinto


Estar aqui, no meio de tanta gente alegre ou triste e me sentir sozinho como nunca estive, não existem palavras para expressar. É uma dor vazia. Uma sensação de queda. As mãos inúteis não seguram, sequer tocam. É um pesadelo em que me vejo correndo na escuridão, sem saber para onde vou nem do que fujo, e, de repente, a queda, o vazio, o nada... Dizem que a rotina corrompe o amor. Para nós, ao contrário, o amor era uma suave liturgia: desde o acordar até o adormecer, e todos os pequenos gestos, as mais corriqueiras ações, os atos mais banais, tudo era parte do sagrado ritual cotidiano, onde o bem e o mal se encontravam na mais perfeita harmonia. A luz que dela emanava e iluminava o nosso caminho apagou-se e me jogou nas trevas dessa existência sem sentido.

 

Historia de um amor (1955), de Carlos Eleta Almarán (Panamá, 1918-2013). Bolero.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Bolero's Bar 18

Nossos momentos 

Zemaria Pinto


A solidão é um vácuo, um instante antes do nada. A solidão é um vômito, uma golfada perene. A solidão é um vício, uma viagem sem volta. Para preenchê-la, restam-me as lembranças dos momentos tatuados na pele do tempo e das palavras fundidas em magma de pensamento enquanto estivemos juntos; palavras que escrevi na areia; areia que a onda lavou. A onda da tua inconstância, que volta sempre com muita força, mas se dilui em espumas, de volta à areia, até desaparecer, como as ilusões mais verdadeiras.

  

  Nossos momentos (1961), de Haroldo Barbosa (Rio de Janeiro, 1915-1979) e Luiz Reis (São Luís, 1926-1980). Samba-canção.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.


sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Bolero's Bar 17

Nuestro juramento

Zemaria Pinto


Tristeza não combina com a gente. É o uísque que te entristece. A dúvida é para os filósofos, não para os amantes. A angústia, idem. Nós nos amamos e somos felizes, mas se isso te faz sofrer, vamos fazer um trato. O cenário é o pior possível: se um de nós morre, o que o outro vai fazer, para sobreviver a esse amor? Tudo que te peço é que chores sobre o meu corpo o que puderes chorar, para que eu leve no ataúde as tuas lágrimas por companhia. Mas se eu ficar sozinha, te prometo escrever nossa história. Assim, todos ficarão sabendo do quanto nos amamos e o quanto é possível amar. As letras serão vermelhas sobre a página branca, simbolizando o meu sofrimento. Tinta-sangue, brotada do coração.

 

Nuestro juramento (1956), de Benito de Jesús (Porto Rico, 1912-2010). Bolero.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Bolero's Bar 16

Folha morta

Zemaria Pinto


Terra caída, levada rio abaixo, metáfora do fim. Eu, menos visível: apenas uma folha à deriva num igarapé raso. Um palhaço em fim de festa, depois de ter sido o anfitrião. Ouço o murmurar da zombaria de todos como a uma invasão de cigarras histéricas. Insisto, pago antes, bebo em pé. Até quem já me bajulou do modo mais servil sente-se no dever de me humilhar – gestos e olhares de desprezo e reprovação. Fecho os olhos, a aguardente queimando o estômago vazio, e me entretenho com minhas lembranças, boas e alegres lembranças que, aos poucos, de jardins luminosos, vão tomando por veredas sombrias até chegar de volta neste maldito bar, onde, afinal, não sou a única matéria em decomposição.

 

Folha morta (1956), de Ary Barroso (Ubá-MG, 1903-1964). Samba-canção.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Bolero's Bar 15

Encadenados 

Zemaria Pinto


É mais forte que a nossa vontade, não tem sentido, não tem controle. Se tu vais, retornas. Se eu vou, me encontras. É uma maldição: acorrentados um ao outro por toda a vida. O amor como martírio, o desejo como castigo. E esse eterno regressar é como um estúpido relógio: cumprido o ciclo, ele começa tudo de novo até que o mecanismo emperre, desgastado pelo tempo. Esse é o nosso futuro – amar com a força do ódio, sem prazo para acabar. Por isso, nada de despedidas. Foi-se o tempo em que eu ficava chorando pelos cantos, descabelada, pensando em suicídio. Em vez disso, mergulho na serenidade da tua ausência, até que a tua volta produza uma nova chaga, que, como as outras, nunca cicatrizará.

 

Encadenados (1956), de Carlos Arturo Briz (México, 1917-1973). Bolero.


No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Bolero's Bar 14

Bom dia 

Zemaria Pinto


Só faltava o banheiro. Torci a maçaneta devagar, esperando encontrar resistência da porta, trancada por dentro. Abriu como se fosse brisa. Sobre a pia, a imagem nojenta da toalha largada de qualquer jeito, e na toalha o toque diabólico de algum saci brincalhão: bom dia! Era tudo o que eu precisava. Cheguei até a pensar que era mais uma das brincadeiras dele, de gosto sempre duvidoso. Aquele era o único vestígio de sua passagem pela casa, após tanto tempo. Voltei para a cama vazia, o travesseiro como se fora novo, em vão. É isso o amor, me diga?! Uma palavra retumba desde então na minha cabeça, como os tam-tans do terreiro de Mãe Zulmira: ridículo... ridículo... ridículo... 

 

Bom dia (1942), de Herivelto Martins (Rio de Janeiro, 1912-1992) e Aldo Cabral (Rio de Janeiro, 1912-1994). Samba-canção.


No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Bolero's Bar 13

 Perfume de gardenia 

Zemaria Pinto


Te ter como amiga é mais que um privilégio: é uma dádiva divina. Repara como todos nos olham: entre a inveja e a admiração sobra espaço para muito pensamento vil. Mas só eu, olhando bem de perto, percebo a música dos teus cabelos, o mar revolto em teus olhos, as notas cintilantes da tua voz e o poema que se enforma em teu sorriso. Visto de qualquer ângulo, teu corpo tem a perfeição de uma escultura antiga. Olha estas mãos, estes braços. E as coxas, fala pra mim?... Ruborizas... É um reflexo de tua alma, sussurrando: cuidado com ela... Não me temas: se alguém corre perigo sou eu. Mas é consciente. Olha, daqui já percebo teu hálito morno, embriagante. Chega mais perto. Que cheiro é esse, mulher? Gardênia?

 

Perfume de gardenia (1936), de Rafael Hernández (Porto Rico, 1892-1965). Bolero.


No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Bolero's Bar 12

Por causa de você 

Zemaria Pinto


Era preciso passar por tudo o que passamos, para termos a certeza de que somos o que queremos ser, deixando para trás aquele estupor indigno – agora, somos de novo o sonho de amor e de vida que sonhamos. Enquanto você esteve fora, foi só desalento. Desde as mínimas coisas da casa até a minha inabalável estrutura mental – tudo desmoronou. Mas, numa madrugada de setembro, eis que você volta: a tempestade chicoteava as vidraças, e relâmpagos e trovões tornavam tudo mais lúgubre quando a tua sombra assomou à moldura da janela da sala. Foram poucas as palavras. Palavras banais, de amigos que não se veem há tempos. Agora, estamos cá, juntos novamente – e, contrariando o padrão, felizes. É o que importa.

 

Por causa de você (1957), de Tom Jobim (Rio de Janeiro, 1927-1994) e

Dolores Duran (Rio de Janeiro, 1930-1959). Samba-canção.


No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.


sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Bolero's Bar 11

 Sabor a mi 

Zemaria Pinto


Depois de tanto tempo é difícil acreditar que acabou. Mas acabou. Não me iludo e nem tenho a vaidade de impedir que ela se vá. Minha pobreza me basta a mim mesmo: ela estará melhor longe de mim. O meu triunfo é trazer na boca o gosto de seus fluidos, uma mistura de odores e sabores que se definem com a posição do sol, as fases da lua, o alinhamento das estrelas. E saber que, para sempre, ela sentirá na boca o meu sabor – do meu café, do meu tabaco, do meu uísque e do meu suor. Sabor de mim.

 

Sabor a mi (1959), de Álvaro Carrillo (México, 1921-1969). Bolero.


No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.