Folha morta
Zemaria Pinto
Terra
caída, levada rio abaixo, metáfora do fim. Eu, menos visível: apenas uma folha
à deriva num igarapé raso. Um palhaço em fim de festa, depois de ter sido o anfitrião.
Ouço o murmurar da zombaria de todos como a uma invasão de cigarras histéricas.
Insisto, pago antes, bebo em pé. Até quem já me bajulou do modo mais servil
sente-se no dever de me humilhar – gestos e olhares de desprezo e reprovação. Fecho
os olhos, a aguardente queimando o estômago vazio, e me entretenho com minhas
lembranças, boas e alegres lembranças que, aos poucos, de jardins luminosos,
vão tomando por veredas sombrias até chegar de volta neste maldito bar, onde,
afinal, não sou a única matéria em decomposição.
Folha
morta (1956), de Ary
Barroso (Ubá-MG, 1903-1964). Samba-canção.
No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.