Amigos do Fingidor

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A paixão segundo Arrabal


Zemaria Pinto
 

O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles.

(Rousseau, na introdução de Do Contrato Social)



Para ser considerado “clássico”, um texto deve passar por um longo processo de depuração e amadurecimento. Somente o distanciamento proporcionado pelo tempo poderá dizer se determinada obra ficará ou não. Fatores subsidiários relacionados aos modismos de cada época também podem influenciar. Mas quem pode imaginar que um dia, Shakespeare, por exemplo, deixará de ser editado, lido e encenado? Embora ainda seja muito cedo para afirmar, após quase 30 anos desde a primeira apresentação, em 1967, na França, a peça O Arquiteto e o Imperador da Assíria, do espanhol Fernando Arrabal, traz todos os conflitos e contornos de um clássico: em um reduzido cenário, dois atores põem a nu a condição humana, promovendo um desfile dos arquétipos mais caros à civilização ocidental.

O argumento é simples. O sobrevivente de um acidente aéreo encontra-se, em uma ilha deserta, com um nativo que nada sabe de civilização. O inglês Daniel Defoe, há 280 anos, num livro que não é um clássico da grande Literatura mas é bom entretenimento, já relatara as agruras de um marinheiro, Robson Crusoe, na mesma situação. Mas se Defoe escreveu seu romance pregando o retorno a uma natureza “pura”, não deturpada, dentro de uma estrutura civilizada, divulgando o conceito de educação natural, que viria a ser sistematizado anos depois por Rousseau, Arrabal parece unicamente disposto a demonstrar a tese de Hobbes: homo homini lupus. Pois é a partir dessa lógica que se constrói a peça e as personagens crescem, ganhando dimensões trágicas.

No relacionamento delirante, orquestrado pelo civilizado, este se torna o “imperador”, enquanto o selvagem, que com o passar dos anos vai absorvendo valores culturais do outro, passa a ser  o “arquiteto” de uma sonhada “Assíria”. Mas a relação entre ambos não é hierárquica, uma vez que a solidão empurra-os a jogos permanentes de faz-de-conta, onde as máscaras podem ser trocadas sem atavios. Mesmo na “vida real”, no cotidiano da ilha, os papéis se invertem, pois o selvagem é uma espécie de bruxo, com poderes sobrenaturais e centenas de anos de existência. Isso explica a inveja que o Imperador sente dele. Fascinado, por sua vez, com tudo o que o Imperador lhe conta, fantasia ou não, o Arquiteto tem-lhe ciúmes. O que os move, entretanto, não é apenas a mesquinharia recíproca, mas, principalmente, amor e ódio, sentimentos extremados que se tocam e se completam e que os tornam lobos de si mesmos.

 Complexa, a personagem do Imperador transmite ao primitivo Arquiteto toda a angústia da civilização, nos relacionamentos mãe-filho, noivo-noiva, vítima-carrasco, juiz-criminoso. Quando não estão se digladiando na pele de suas subpersonagens, eles se ameaçam mutuamente com o abandono. Ambos se torturam com a possibilidade da solidão: uma situação-limite contínua, que Arrabal costura com muito humor e ironia. Ao final, o Imperador induz o Arquiteto a ser juiz e carrasco, manipulando e fundindo valores antes individualizados. E, como num jogo de espelhos de possibilidades infinitas, os papéis mais uma vez se invertem. E o jogo continua, no mesmo movimento circular amor-ódio-amor.

Numa época em que se dava muita importância aos rótulos vanguardistas, Arrabal identificou-se com a tendência do “teatro-pânico” (filho dileto do “teatro da crueldade”, de Artaud), que tinha por fundamento “a exaltação da moral múltipla” e consistia em representar “um grande cerimonial presidido por confusão, humor, terror, acaso e euforia”. Sem dúvida, toda essa lista é encontrada na peça de Arrabal, que em nenhum momento é monótona ou ininteligível, como costuma ser praxe em certa avant-garde tupiniquim.

Texto publicado, no Amazonas em Tempo, em meados dos anos noventa, do século passado!, por ocasião da montagem da peça pelo grupo Elefante Efervescente.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Fantasy Art – Galeria

The Embrace.
David Delamare.

terça-feira, 29 de maio de 2012

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Curso de Arte Poética

Jorge Tufic


                   No “vasto mundo” da poesia, mutatis mutandi, o fazer não é menos rigoroso. Para um poeta de linhagem superior, um bom poema há de exigir sempre noventa e oito por cento de transpiração, e dois por cento de inspiração, ou disposição. Ezra Pound explica a diferença: “Um carpinteiro pode juntar as tábuas, mas um bom carpinteiro deve saber distinguir a madeira seca da madeira verde”. O problema da comunicação, por sua vez, não foi descurado pelos grandes poetas-ensaístas. “A primeira voz - diz Elliot – é a voz do poeta falando para si mesmo – ou sozinho. A segunda é a voz do poeta dirigindo-se a um auditório, quer seja este grande ou pequeno. A terceira é a voz do poeta quando tenta criar um personagem teatral que fala em verso; quando diz, não o que diria falando por si mesmo, mas apenas o que pode dizer dentro dos limites do personagem imaginado que se dirige a outro personagem imaginado. A distinção entre a primeira e a segunda vozes, entre o poeta que fala por si mesmo e o poeta que fala para outras pessoas, ressalta o problema da comunicação poética; a distinção entre o poeta que se dirige a outras pessoas quer na sua própria voz quer numa voz que escolheu assumir e o poeta que inventa a fala com personagens imaginados se dirigindo uns aos outros, ressalta o problema da diferença entre o verso dramático (de teatro), o quase dramático e o não-dramático” (“As Três Vozes da Poesia”, T. S. Elliot, s/i). Sobre o mesmo assunto, leiamos agora um trecho da obra de I. A. Richards: “É facilmente explicável o fato de que o artista não está, via de regra, conscientemente preocupado com a comunicação, mas em “acertar” a obra, o poema, ou a peça teatral, ou a estátua ou a pintura, ou o que quer que seja, aparentemente indiferente à sua eficácia comunicativa. Fazer com que a obra “encarne” a experiência precisa, da qual depende seu valor, se harmonize a ela e a represente, é a sua maior preocupação, em casos difíceis uma preocupação dominante, e a dissipação da atenção que estaria envolvida se ele considerasse o lado comunicativo como um resultado à parte seria fatal na obra mais séria. Ele não pode deter-se na consideração de como o público, ou mesmo setores especialmente bem qualificados do público a apreciariam ou reagiriam diante dela” (“Princípios de Crítica Literária”, I. A. Richards, Ed. Globo, 1967). 

                   Não devemos omitir, entrementes, que existe linguagem e metalinguagem, ou seja, linguagem sobre linguagem. Ainda restritos à função da primeira, há de ser útil mencionar um depoimento de José Fernandes sobre a poesia de Gilberto Mendonça Teles: “A magia poética é resultante do jogo perfeito entre as formas e o conteúdo. Jogo que adquire técnicas novas no tempo e no espaço da história da arte. As armadilhas do discurso, entretanto, nem sempre visam a comunicação, mas a criação de um mundo individual, de tal modo organizado que os jogadores-palavras, em vez de pelejarem com os outros, confrontam-se consigo mesmos. Assim concebida, a linguagem atinge tal grau de hermetismo que a compreensão é, na maioria das vezes, quase nula. A ênfase concedida às formas consagradas pela experiência do passado encontra-se, normalmente, em estágios iniciais da travessia poética. Entanto, o tempo e as incansáveis pelejas com e contra as palavras tornam o jogador autossuficiente, transformam-no em técnico.” 

                   Daí, com certeza, a ironia de Carlos Drummond de Andrade: “Se o meu poema não deu certo, foi seu ouvido que entortou.” 

domingo, 27 de maio de 2012

Manaus, amor e memória LX

A podridão solene...

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Fantasy Art – Galeria

Castle.
Joachim Barrum

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O dia em que eu morri


Zemaria Pinto

No sábado passado morreu um cidadão chamado José Maria Pinto, com quem cruzei algumas vezes, mas a quem sequer cheguei a ser apresentado, o que jamais me incomodou. Alguém leu a notícia no blog do Serafim Correa e, sem atentar para os detalhes, postou no feicebuque que o Zemaria Pinto, eu, havia morrido. Depois de dez anos sofrendo com um AVC? Viúvo há dois anos? Professor universitário em 1967? E de Estatística? Os feicebuqueiros (ou seria feicistas?) trataram de espalhar a boa nova, para regozijo de uns tantos. Imaginem as piadinhas que ouvi nos últimos dias...
Como vedes, continuo muito vivo. E trabalhando. E produzindo.
Próximos passos, para delírio da galera contrária:

1.     Participação no I Congresso Nacional de Literatura – CONALI, em João Pessoa, de 03 a 06/06, comemorando os cem anos do Eu, com a comunicação “A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos”; serei ciceroneado pelo poeta e crítico literário Hildeberto Barbosa Filho;

2.     Preparação da antologia que sairá como apêndice ao livro do mesmo nome que a comunicação acima citada, que é minha dissertação de mestrado em Estudos Literários, defendida em abril passado; o texto do livro já está fechado;

3.     Último capítulo do livro A lira da madrugada, com análises de poemas do pessoal do Clube da Madrugada, a sair juntamente com um CD do Mauri Marques, em fase final de gravação;

4 . Palestra na Uninorte, sobre a poesia de Augusto dos Anjos (esqueci a data... mas acho que é em meados de junho);

5.     Preparação de palestra sobre Mar morto, lembrando os 100 anos de nascimento de São Jorge Amado – “Eros e Thanatos no cais da Bahia” –, a ser proferida dia 10 de agosto, no ICHL;

6.     Apresentação do primeiro livro de poemas do querido Candinho – quanta responsabilidade!

7.     Palestra sobre Trilha dágua, de Alcides Werk, dia 07/11, na Quarta Literária da Valer.

Fico no 7, que é conta de mentiroso. Mas esse hiato entre agosto e novembro logo logo será preenchido.
A vida segue seu curso, como um rio amazônico – com a violência da paixão.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Fantasy Art – Galeria

El candado.
Alberto Pancorbo.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Curso de Arte Poética


                    Expressar, fazer, comunicar. A expressão depende da língua e da fala, como as árvores dependem da terra e as aves do espaço. Ambas se fundem numa realidade que é o poema, genericamente falando. O maquinismo ilógico do poema, sua funcionalidade arbitrária, porém, devem manter o equilíbrio necessário para evitar que o discurso verbal (ou a interferência direta da fala) sacrifique a emoção, a vivência ou o sentimento que se pretende transmitir. A expressão depende assim, de um certo nível de informação e conhecimento, fatores indispensáveis para que o poeta desenvolva o seu projeto de escritura, sem correr o risco de estar repetindo fórmulas caídas em desuso. No conceito de T. S. Eliot, a “poesia pode, até certo ponto, preservar e até mesmo restaurar a beleza de uma língua; pode e deveria também ajudar a desenvolvê-la, a torná-la tão sutil e precisa nas mais complicadas condições e para as novas finalidades da vida moderna.”

                   O Fiat Lux, dessarte, tornara-se em símbolo de toda a grande descoberta ou invenção. É o fazer (verbo transitivo direto) posteriormente responsável pelo que dá existência ou forma (Deus fez o mundo em seis dias), prolongando-se, daí, numa extensa e complicada galeria de atividades que foram surgindo com o trabalho humano: produzir física ou moralmente; fabricar, manufaturar; produzir intelectualmente; escrever, compor: fazer uma sonata; praticar, obrar, executar, realizar (“Novo Dicionário”, Aurélio Buarque de Holanda, Ed. Nova Fronteira, s/d). Os índios e as crianças se entendem perfeitamente bem, por aquilo que fazem. Para eles, ser e fazer são a mesma coisa (“Existe uma Literatura Amazonense?”, Jorge Tufic, Ed. UBE, Manaus-Am, 1982). São Lucas, XXIII, 3: “fazei tudo o que eles dizem, mas não faças o que eles fazem, porque eles dizem o que se deve fazer e não o fazem.”

domingo, 20 de maio de 2012

Manaus, amor e memória LIX

Prédio da Alfândega, hoje cercado pelas águas do rio Negro.

sábado, 19 de maio de 2012

Fantasy Art – Galeria

Isis.
Daren Bader.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Nelson Rodrigues, o reacionário anarquista

Zemaria Pinto



O teatro – juntamente com a pintura, a forma mais antiga de expressão – mantém-se vivo e é ainda a fonte que alimenta grande parte do nosso imaginário, mesmo nestes tempos de avançada tecnologia e efeitos especiais. Os grandes autores surgem como ícones de seu tempo, e muitas vezes superam a literatura, um fenômeno que tem seu maior exemplo em William Shakespeare, considerado por boa parte da crítica como o centro do cânone de toda a literatura universal.

No Brasil, a arte teatral deste século está intimamente ligada ao nome de Nelson Rodrigues, embora isso não seja uma unanimidade, afinal o próprio Nelson considerava que “toda unanimidade é burra”. Mas, a par da polêmica que sempre surge quando o tema é o dramaturgo pernambucano, não custa nada lembrar seu conterrâneo Manuel Bandeira, para quem, sem qualquer ranço de bairrismo barato, Nelson Rodrigues era “o maior poeta dramático da língua portuguesa”.

Nelson Rodrigues era de um tempo
em que os profissionais do futebol
assumiam suas preferências.
(Caricatura de Baptistão) 
Observem que o objeto de nossas observações é o dramaturgo inquieto, criativo, brilhante. Não o romancista, pífio, ou o cronista, descartável. Tampouco esse Nelson Rodrigues de “A Vida Como Ela É”, com textos escritos para urgências jornalísticas(*). Nelson construiu, em 17 peças, uma obra ímpar, sem dúvida a mais consistente da dramaturgia brasileira.

Sábato Magaldi classificou a obra de Nelson Rodrigues em três grandes grupos: peças psicológicas, peças míticas e tragédias cariocas. Ao primeiro pertence a obra-prima Vestido de Noiva, além de A Mulher sem Pecado, sua primeira peça, o monólogo Valsa n° 6, a comédia Viúva, Porém Honesta e a politicamente correta Anti-Nelson Rodrigues. Ao segundo grupo pertence seu trabalho mais polêmico, Álbum de Família, censurado por 22 anos, mais Anjo Negro, Doroteia e Senhora dos Afogados. No terceiro grupo, encontra-se o Nelson mais popular, principalmente pelas adaptações para o cinema: A Falecida, Perdoa-me por me Traíres, Os Sete Gatinhos, Boca de Ouro, O Beijo no Asfalto, Bonitinha, mas Ordinária, Toda Nudez Será Castigada e A Serpente, seu último trabalho para teatro. Por falar nessas adaptações, salvo Toda Nudez..., dirigida por Arnaldo Jabor, nenhuma está à altura do texto rodrigueano. Algumas, aliás, não passam de meras pornochanchadas.

Seguindo a linha aberta por Antonin Artaud, na França, que propôs o “teatro da crueldade”, Nelson Rodrigues também criou sua estética da exceção: o “teatro desagradável”. Mas, ao contrário de Artaud, que enlouqueceu antes de demonstrar na prática seus conceitos, Nelson impôs sua obra ao público e à crítica, apesar de todos os percalços, todos muito previsíveis. Em um depoimento à revista Dyonisos, ele escreveu: “com Vestido de Noiva, conheci o sucesso; com as peças seguintes, perdi-o para sempre (...) A partir de Álbum de Família enveredei por um caminho que pode me levar a qualquer destino, menos ao êxito”. E esse caminho era, nas próprias palavras do autor, “o teatro desagradável, formado por peças desagradáveis − obras pestilentas, fétidas, capazes, por si sós, de produzir o tifo e a malária na platéia”. Se a tragédia clássica, mesmo sem final feliz, pune o mal, Nelson ousa fazer, sempre, com que o mal triunfe. Nesse sentido, Álbum de Família, onde os arquétipos mais insondáveis da alma humana são levados à cena, é a maior expressão do desagradável.

E de que forma Nelson Rodrigues manipulava a platéia? Desprezando-a, simplesmente, como Camus, para quem “um homem só é verdadeiramente livre quando aprende a desprezar a humanidade”. Sobre a repugnância que a plateia lhe causava, de certa feita ele escreveu: “a rigor, não existe o autor dramático absoluto, já que todos aceitam a co-autoria das duzentas senhoras gordas da platéia. O espetáculo é feito para elas, à sua imagem e semelhança”. Ele, com certeza, rejeitava essa co-autoria, bem como a dos críticos, que ele caricatura, impiedosamente, em Viúva, Porém Honesta. Para Nelson, a plateia é partícipe do espetáculo, como um coro grego: ela reage e interage com o espetáculo. Logo, a vaia era um termômetro da inovação, do choque. E ele a buscava, obsessivamente.

Consciente do que fazia, Nelson Rodrigues, um reacionário assumido, agia como um anarquista que quisera destruir todos os laços sociais por sabê-los apodrecidos. E a família, sempre a personagem de maior destaque e sempre no papel de vilã, pode ser vista aqui como uma metáfora do Estado corrompido. Em Viúva, Porém Honesta, a personagem Diabo da Fonseca, o próprio, faz-se porta-voz de um verdadeiro manifesto contra os valores mais caros do conservadorismo: “(...) é falsa a família, falsa a psicanálise, falso o jornalismo, falso o patriotismo, falsos os pudores, tudo falso!”. O niilismo como postura filosófica, as atitudes públicas desafiadoras e polêmicas, o pessimismo entranhado nas personagens e nas situações que se repetem a cada trabalho, emprestam à obra de Nelson Rodrigues uma unidade inquestionável, mostrando o quanto ela foi planejada, trabalhada e construída, minimamente. Anti-Nelson Rodrigues é a exceção óbvia − de um óbvio, aliás, tão ululante que se exprime no próprio título: um gutural sorriso de escárnio contra quem esperava mais uma ousadia de quem já tudo ousara.

                            Cronologicamente, décima peça de Nelson Rodrigues, Viúva, Porém Honesta, é uma pequena obra-prima supra-realista, onde o autor, em tom quase panfletário, desanca as instituições inabaláveis da imprensa, da medicina e, claro, da família. Viúva é uma catarse que o autor opera em si mesmo, um desabafo, em que a vaia, que para ele era a consagração, sai do palco para a plateia, antes que esta, acostumada às “condenações inapeláveis” dos grandes dramas rodrigueanos, possa reagir diante do imbróglio criado pela jovem viúva, cujo lema é “trair um marido vivo, sim, um morto, nunca!”


Obs: texto escrito e publicado no Amazonas em tempo há uns 15 anos.

(*) O que eu queria dizer era que o dramaturgo é genial. E ponto.
Agora dizer que o cronista é descartável, francamente, seu Zemaria Pinto!...

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Fantasy Art – Galeria

Victoria Frances.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Carlos Fuentes (11/11/1928 – 15/05/2012)

Carlos Fuentes, por Roman Riva.

Contatos amazônicos do terceiro grau


Da obra de Márcio Souza

TEMPORADA AOS SÁBADOS
MAIO E JUNHO DE 2012

Hora: 20:00 h
Local: Casarão de Ideias
Rua Monsenhor Coutinho 275 Centro

segunda-feira, 14 de maio de 2012

III Colóquio Internacional Poéticas do Imaginário

Amazônia: Literatura e Cultura - 16, 17 e 18 de maio

Veja a programação completa em:

http://poeticasdoimaginario.blogspot.com.br/

Curso de Arte Poética

Jorge Tufic

                    Com a transdicção virtual e a técnica singular do fazer, cujo objetivo é o poema, a poesia passou a distinguir-se da literatura como arte de bem escrever, mas, na afirmativa de Cassiano Ricardo, “toda poesia é literatura, sem ser prosa”. Ezra Pound contorna o penhasco e dispara: depois de Stendhal tê-la visto e denunciado, a farolagem poética dos séculos precedentes foi substituída pela nova prosa, que era criação do próprio Stendhal e de Flaubert. A poesia permaneceu então como arte inferior até emparelhar-se com a prosa desses dois autores, o que alcançou fazer, em grande parte, com base no DICHTEN = condensare. “(...) Não quer isso dizer que ela fosse algo mais etéreo e mais imbecil que a prosa, e sim algo que estava carregado de potencial mais elevado”. Tente-se acrescentar ao raciocínio do grande crítico o fato de que esse potencial se enraíza nas formas de arte mais primitivas, com a predominância do mito, que se engendra e se desenvolve na origem da religião, da filosofia e da própria criação estética, sempre carregada de sentimentos e impulsos que medeiam a linguagem dos sonhos. Pouco enfaticamente, no entanto, Pound o reconhece. Homo sapiens, homo faber, homo ludens (Huizinga). O jogo de toda a vida permeado pelos ganchos do sonho, afluentes do mito. Potencial elevado = forma superior de resposta aos atalhos da luz e da treva numa única síntese estabilizadora. Dichten = condensare. As antenas da raça podem estar, de repente, numa espécie de “Canto ao sol da maloca”, na quarta escala vocal de um pajé, ou, simplesmente, num erro de revisão que muda o título de uma crônica de jornal. É o próprio mestre do ABC que ensina: “O som fica melhor lá onde o idioma claudica.” 

                   Ora bem, mas não vamos repetir, aqui, uma certa arenga sobre o que seja e o que não seja poesia. A nosso ver, Cassiano Ricardo e os teóricos da poesia concreta já quiseram ou pretenderam esgotar este assunto. Por essa importante contribuição de um passado recente, quem não sabe estabelecer, hoje, a diferença entre prosa e poesia? Prosadores inventivos como Guimarães Rosa e “transformadores” como João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar, revalorizam a linguagem poética no exercício da prosa ou esticam a massa do poema até disfarçá-lo numa outra coisa, aparentemente estranha e sem nome. Isto é poesia. De qualquer modo, porém, um poema é um poema, e uma prosa é uma prosa. Pode também acontecer de um poema não conter nenhuma poesia, seja em versos livres ou não, sendo “escusado dizer (e agora a palavra é de Cassiano Ricardo) que estas distinções de ordem técnica e forma não significam – sob um critério de valor – desconhecer certas obras-primas que são os “poemas em prosa” de Baudelaire (“Petits Poèmes em Prose”), de Rimbaud (“Iluminations”) ou os poemas também em prosa de Saint-John-Perse (“Anabase” ou “Vents”) e, pra não irmos tão longe, os que se praticam entre nós: os de Raul Pompéia, os de Aníbal Machado, os de Manuel Bandeira, os de Mário Quintana etc...” 

                   À parte, no entanto, os ismos do ofício, podemos afirmar que a poesia é indefinível, o verso um artifício e o poema um desafio, uma armadilha, algo parecido com a figura emblemática de um touro que se tomasse de asas, para voar. É desse ponto de vista que a criação poética, ao ver de L. Ruas, torna-se um problema complexo, um problema vital do poeta-homem, cuja “situação humana, ou, se quisermos, existencial do poeta não é um simples fato de significação anedótica mas, ao contrário, é algo essencial e inerente à obra de arte” (“Os Graus do Poético”, L. Ruas, Ed. Rio  Mar, Manaus-Am, 1979). Encarado, assim, por uma ótica transcendental, o fenômeno da criação poética ou da obra de arte encontra, em Tasso da Silveira, uma síntese perfeita, quando diz: “Na obra de arte se fundem três mistérios diferentes. O mistério do indivíduo, o mistério do ser e o resultante destes dois, a catálise do impulso criador, o mistério da expressão” (idem). Além da forma e da evolução semântica das palavras, além do sentimento do tempo ao longo de anos aprofundado através dos grandes inventores, mudara, porventura, a essência da poesia? Achamos que não. Outras conquistas, é certo, dotaram o faber de novas técnicas e novos processos. Na ponta do exagero, contudo, degringola a cavalice do “pintor” que tenta esboçar uma tela com um rabo de cavalo melado na tinta, e sucumbe o eventual consumidor de LSD quando pensa que, “numa boa”, será capaz de produzir alguma coisa semelhante aos poemas de Vicente Huidobro.

domingo, 13 de maio de 2012

Manaus, amor e memória LVIII

A rua da Instalação era uma espécie de shopping a céu aberto.

sábado, 12 de maio de 2012

Fantasy Art – Galeria

Steve Frances.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A trajetória do mito nA maravilhosa história do sapo Tarô-Bequê


Zemaria Pinto

Teatro indígena, teatro urbano. De um lado, a reflexão sobre a mitologia amazônica, sem exotismo, sem folclore, usando a tragédia clássica como paradigma. De outro, a fragmentação, o humor, o sarcasmo, o deboche mesmo, “o riso como arma contra a alienação”. Baseado na tradição dos índios tucanos, do alto rio Negro, Márcio Souza vai muito mais longe, reinventando mitos milenares e construindo uma fábula moderna, virando pelo avesso a tradição européia do fabulário infanto-juvenil. Equivocadamente, a peça é indicada àquele público. É bem verdade que as crianças deliciam-se com as desventuras do Sapo e de sua amada Moça Juruti, porém, não se deve perder a perspectiva crítica, posto que A maravilhosa história do sapo Tarô-Bequê não se limita a contar uma história, mas, num exercício sutil de metalinguagem, questiona a própria maneira de contar histórias às crianças.

Numa inversão dos postulados europeus, onde bruxas más transformam gente em bicho e são devidamente punidas ao final da trama, “Tarô-Bequê” revê o lugar-comum, transformando o sapo em guerreiro apaixonado pela vida. O próprio desfecho da peça, trágico, encerra o postulado didático do “final infeliz”, muito mais próximo da realidade cotidiana, onde a felicidade é fragmentada e, quase sempre, imperceptível. Moça Juruti retornada em tajá e o guerreiro, em sapo, transformam-se no remate mais sensato dessa história.

Mas não é apenas na estrutura formal da fábula que Márcio Souza trabalha com originalidade. Num exercício intertextual primoroso, milenares mitos gregos confundem-se com a cultura tucana, numa curiosa miscelânea: “Tarô-Bequê” revive os mitos de Prometeu e de Orfeu, nos episódios do roubo do fogo e na descida à maloca dos mortos, promovendo um inusitado encontro entre a mitologia grega e a mitologia amazônica. Até onde o autor foi fiel aos tucanos pouco importa: a obra literária transcende quaisquer pretensões antropológicas.

Num mundo dominado por deuses inconstantes e inconsequentes, Prometeu destacou-se como um benfeitor da humanidade, tanto ao utilizar-se de seus dons proféticos quanto por suas habilidades guerreiras. Das inúmeras lendas que o cercam, o roubo do fogo para dá-lo ao homem, que ele criara, é a mais espetacular. Como castigo, Zeus prendeu-o com grilhões de aço no cimo do Cáucaso, determinando que uma águia lhe comesse o fígado durante o dia, e este se renovasse, incessantemente, à noite, num castigo eterno. Prometeu foi salvo por Hércules, mas esta é uma outra história.

Para Gaston Bachelard, o mito de Prometeu ilustra a “vontade humana de intelectualidade”. Isto é, a vontade de saber, de ir além do conhecido, sem temer a barreira imposta por pais, mestres ou governantes. Em “Tarô-Bequê”, Márcio Souza trabalha o imaginário tucano com ironia: o sapo transformado em guerreiro sai em busca do fogo para permitir que sua Juruti, que fora gerada a partir de um pé de tajá, pudesse... cozinhar. Nada mais óbvio em um casal recém-transformado em gente que procurar conhecer a fundo o mais elementar do comportamento humano. Cainhamé, o Pai do Mato, responsável pela metamorfose do casal, já alertara: “não basta moldar um feixe de nervos feito gente para isso ser gente.”

Tendo conseguido ludibriar o Urubu-Rei, o guardião do fogo, Tarô-Bequê encontra-se com sua própria tragédia na maloca dos mortos. Revivendo uma das mais exploradas sequências da literatura universal – o contato e o embate com as forças demoníacas –, Tarô-Bequê sai em busca de Juruti, sequestrada pelo infame Urubu-Rei. Desde Homero, que fez Odisseu descer até o Hades, passando por Virgílio, cujo herói Eneias navegou pelo Averno, guiado pela Sibila, este tem sido um apelo clássico da literatura universal. No século XIV, Dante Alighieri, já totalmente envolvido pela teologia cristã, visitou o Inferno, o Purgatório e o Paraíso, em busca da suprema felicidade de rever Beatriz, sua amada morta, tornada eterna por suas virtudes. Nos autores citados, ou em Goethe, Shakespeare ou Guimarães Rosa, a figura do demônio e do “reino do mal” são contrapontos à personificação do bem ou ao seu triunfo. Márcio Souza, entretanto, prefere beber na fonte mais primitiva do mito: a jornada de Orfeu aos infernos, em busca de Eurídice. Tal como Orfeu, Tarô-Bequê sai em busca de Juruti na maloca dos mortos, com uma limitação determinada pela própria emoção, pelo próprio sentimento. Tal como Orfeu, Tarô-Bequê fracassa. Mesquinho, talvez, mas humano, demasiadamente humano. Terminava ali seu aprendizado de quão seria duro ser um homem.

O professor Marcos Frederico Krüger, no agora indispensável Amazônia: Mito e Literatura, vê nA maravilhosa história do sapo Tarô-Bequê uma alegoria da Amazônia e, num sentido mais restrito, do Amazonas: 

A derrota de Tarô-Bequê corresponde ao subdesenvolvimento crônico da região e do Estado, aos quais têm sido dadas poucas chances de ascensão econômica. O sapo representa a fauna amazônica, sendo um animal que quase sempre causa asco. E assim ele deverá permanecer, tal como a Amazônia, vítima, inclusive, de uma espécie de colonialismo interno brasileiro, posto que a preferência tem sido dada à porção “rica” do país, o Sul e o Sudeste. (...) Também a companheira de Tarô-Bequê, Moça Juruti, retroagiu à condição de simples tajá, a fim de representar a flora da região e a necessidade de que não haja modificações substanciais no quadro geral de atraso. Quanto ao fracassado Cainhamé, força simbólica da natureza regional, vemo-lo como o triunfo dos valores da civilização adventícia, que, historicamente, têm dizimado os povos da floresta e relegado a Amazônia à condição de mera paisagem exótica. 

Encenada repetidas vezes, desde 1975, A maravilhosa história do sapo Tarô-Bequê mantém-se atual como um clássico, na sua essência, renovando-se a cada montagem. E se lá no primeiro parágrafo desta digressão deixei entrever que o “Sapo” é uma peça “adulta”, revejo classificação tão simplificadora: “Tarô-Bequê” é uma festa para os olhos das crianças e para a mente dos adultos. Ou vice-versa.  

Obs: texto publicado em 1995, no Amazonas em tempo.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Fantasy Art – Galeria

Jiansong Chen.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A literatura amazonense contemporânea – nota de abertura

Allison Leão e Vera do Val

Antes de começarmos esta conversa sobre Literatura amazonense contemporânea, acreditamos que algumas coisas devem ser postas às claras. Louvamos o trabalho da empresa contratada para a organização e execução deste evento. Louvamos a curadoria do Rogério, que se esmerou em trazer para nosso convívio nomes significativos da Literatura brasileira. Obrigado, Rogério. Mas existe em tudo isso um ruído que atordoa e nos deixa perplexos. As ausências. Ninguém fez e faz mais pela Literatura em Manaus do que Tenório Teles. Ninguém conhece mais esta nossa Literatura que Marcos Frederico Krüger. Ambos, heróis intrépidos, vêm batalhando por anos a fio e todos sabemos disso. A ausência deles, e de outros, torna este evento incompleto.

A Literatura não se prostitui, embora, às vezes, alguns escritores, sim. A literatura não abraça aqueles que melhor pagam. O livro é um objeto e, como tal, um objeto de mercado. Mas a Literatura está aquém do mercado e está além do livro. A Literatura, que fazemos com tanto suor e dor, não se presta a ingratidões. Portanto, deixamos aqui nossa homenagem a estes ausentes.

Obrigado, Tenório Teles. Obrigado, Marcos Frederico Krüger. Obrigado, Literatura.



Obs: texto lido pelos escritores Allison Leão e Vera do Val na abertura do debate sobre a literatura amazonense contemporânea, na Bienal do Livro Amazonas, noite de sexta-feira, 04.05.2012.

Curso de Arte Poética

Jorge Tufic

III - ARTE POÉTICA





                   O porquê da arte e do fazer artístico são perguntas que, formuladas de várias maneiras, cada qual dando, a seu modo, a resposta que lhe convém, resultam sempre em justificativas e explicações contraditórias. A necessidade de comunicar-se, o desejo íntimo de confidenciar aos outros um segredo ou uma descoberta, induz o artista, ou praticante acidental de uma arte, quer seja ela de natureza plástica ou verbal, a construir uma ponte destinada ao tráfego de pessoas sensíveis à apreensão de um texto, de um quadro, de uma forma, de um som, de uma palavra. Segundo Celso Kelly, referindo-se exclusivamente ao trabalho do artista plástico, é disto que “saem coisas, compreensíveis ou não, sem qualquer sentido utilitário”. Assim, também, com a poesia.

                   Em seu estudo intitulado “Où en est lá poétique?”, esclarece Michel Gautier que até o século anterior o adjetivo “poético” era utilizado de maneira corrente para qualificar um espetáculo, um objeto, uma paisagem e mesmo um sentimento, assim designando seu conteúdo estético ou simplesmente emotivo. Não foi senão por intermédio de um círculo restrito de poetas que ele tomaria o sentido exato de “proceder, de maneira de fazer belos versos”, tratando-se ainda de ativar os modelos fixos de uma ARTE, mais do que de um verdadeiro conhecimento. As Artes Poéticas mais ou menos disponíveis, de Aristóteles e de Horácio a André Breton, en passant por Lope de Vega, Boileau, Theophile Gautier e Verlaine, em geral são resumos de concepções estéticas e literárias de diferentes épocas onde os poetas, na hipótese de haverem descoberto quaisquer segredos de versificação, faziam disto um segredo ainda maior. A propósito, era bastante conhecida a reserva de Mallarmé sobre os breves rabiscos de suas reflexões; e Valery escreveria seus poemas seguindo uma técnica absolutamente pessoal, que ele resguardava bem de revelar, mesmo a seus amigos. 

                   Será, contudo, o adjetivo “poético” anterior ao conceito de poesia? A sobrevivência residual do significado – poético –, com a função apenas de qualificar objetos, eventos e paisagens, não denota realmente sua instigante anterioridade à poesia como arte de escrever em verso, a partir de quando se passa, também, a defini-la e a buscá-la nos diferentes aspectos ligados aos meios de comunicação, da ética, da metafísica e da linguística? Quanto ao poema em si, a definição é de Geir Campos: “Poema – tem esse título qualquer composição literária com valor poético, em VERSO ou não (poema em prosa), e, quando versificado, podendo constar de uma série de VERSOS (ESTÍQUICO) ou de estrofes (ESTRÓFICO), esquematizados ou não em FORMAS FIXAS. Entre as formas fixas cabe mencionar a balada, o canto real, o soneto, o triolé, a espinela, a copla espanhola, a fatrasia francesa, a tanca e o haicai japoneses, o rubai persa, a sextina e a espinela. Entre os poemas estróficos, realçam a Vilanela, o Pantum, a Terça Rima, e o Leixa Prem. Dos ESTÍQUICOS, citem-se os Romances, os Lais, a Balada narrativa, como exemplos. Em muitos casos, a denominação de um POEMA refere-se mais ao assunto do que à forma, como no EPIGRAMA, no UBI SUNT, na PALINÓDIA ou no MADRIGAL, entre outros” (“Pequeno Dicionário de Arte Poética”, Ed. Conquista, 60). Além destes, porém, podemos citar uma longa série de outros, como o poema moderno ou modernista (versos livres), o poema piada (satírico, demolidor), o poema-coisa (descritivo, objetal), o poema-concreto (poesia sem verso), o poema neoconcreto (a experiência poética intuitiva em oposição à estrutura matemática do poema-concreto), o poema-praxis (poesia com verso, novas estruturas, novas relações fônicas), o poema-processo (colagens visuais, poemas-comestíveis-biscoitos, pão: este poema se realiza no ato mesmo do consumo), o poema-de-muro (lançado em Manaus pelo Clube da Madrugada, 1965, ao criar e pesquisar uma linguagem específica de muro, sem a tematização do suporte, não limitada aos fatos que lhe deram origem). Sem dúvida há outros ainda, entre “surgentes” e “insurgentes”.

domingo, 6 de maio de 2012

Manaus, amor e memória LVII

Rua Municipal, atual 7 de Setembro.
O entrançado de fios já antecipava a esculhambação de hoje.

sábado, 5 de maio de 2012

Fantasy Art – Galeria


Luis Royo.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Antonin Artaud e a estética da vertigem 2/2

Zemaria Pinto



Da ruptura com os surrealistas, em 1926, Artaud passa para o Théatre Alfred Jarry, que em 3 anos produziu vários espetáculos, cuja tônica, a par da inovação e da polêmica, eram as dificuldades financeiras. As idéias sobre o Teatro da Crueldade nascem a partir daí. Les Cenci, recontada a partir de Shelley e Stendhal, é fracasso de público e de crítica. Em 1936, consegue uma subvenção para ir ao México pesquisar rituais dos índios Tarahumaras. O poeta Cláudio Willer, tradutor de Artaud e dos beats, anota, na introdução a Escritos de Antonin Artaud: “depois de uma sucessão de fracassos (incluindo palestras nas quais o público abandonava a sala ou o vaiava) e que culmina com Les Cenci, Artaud resolve mudar tudo, trocar o texto pela vida e vivenciar pessoalmente a realidade mítica que tanto o fascinava e que era tematizada na sua obra.”

Artaud por Man Ray.
De volta a Paris, Artaud está mudado. O misticismo experimentado no México o transtornou e ele passa a viver uma realidade à margem, como profeta de um apocalipse próximo. É internado por 9 anos, passando por sucessivos sanatórios. Em 1946, findo o pesadelo da guerra, um grupo de intelectuais, integrado, entre outros, por Sartre, Simone de Beauvoir, Camus, Picasso e Paul Éluard, mobiliza-se para tirá-lo do sanatório de Rodez, colocando-o como “paciente voluntário” numa clínica nos arredores de Paris, onde ele passou a residir no mesmo quarto onde morrera Gérard de Nerval. Ali morreria, a 4 de março de 1948.

Apesar de dedicado inteiramente ao teatro, Artaud dizia-se poeta. Ele que, da pouca poesia que escrevera, renegara seus escritos de juventude. Mas essa preferência se explica pela etimologia da palavra, oriunda do grego, que significa, literalmente, “aquele que faz”. E Artaud fez: deixou uma obra vastíssima, entre ensaios, palestras, peças. Suas cartas não são meras correspondências de um marginalizado, são autênticos libelos contra todas as formas de repressão. Para se avaliar a atualidade relativa de Artaud, Willer nos informa que sua Carta aos Reitores das Universidades Européias, de 1925, serviu como panfleto revolucionário na Sorbonne, em 1968 − “a mesma Sorbonne onde suas conferências eram vaiadas em 1931 e 33.”

De toda sua obra, magnífica na extensão, indecifrada no conteúdo, e inacessível na sua essência, resta-nos a apreciação da superfície. A revolução proposta ainda é “nada mais que o vagido de um ser que mal começa a tornar conhecido seu desejo através de nós”, como escreveu Breton sobre o Romantismo, em plena revolução surrealista. Louco, drogado, profeta, o poeta Artaud mergulhou fundo na vertigem. E até o fim disse não.

Essa citação de Breton, no Segundo Manifesto Surrealista, de 1930, precisa ser lida integralmente para que se possa entender melhor o meu texto Antonin Artaud, do Êxtase à Vertigem, introdução ao livro Bela Crueldade, de Jorge Bandeira: “ter cem anos de existência é para ele a juventude, e o que chamam erradamente de sua fase heróica nada mais é que o vagido de um ser que mal começa a tornar conhecido seu desejo através de nós, sendo que, se admitirmos que tudo aquilo que foi pensado antes dele − “classicamente” − é o Bem, quer incontestavelmente todo o Mal.”

A Modernidade oscila entre o Mal e a Loucura. No meio destes, a solidão é o reflexo da liberdade que o artista logra conquistar para ser fiel à sua criação. A tentação do abismo pode ser uma viagem sem volta. Ao artista, dividido entre o homem-social e o homem-criador, resta a fuga pelos caminhos obscuros do misticismo ou das drogas. Ou de ambos.

Das experiências de Baudelaire, escrevendo sob o efeito do haxixe e do ópio, até a iniciação de Huxley com a mescalina, descrita em As portas da percepção, o Surrealismo abriu às artes, e em particular à literatura, a possibilidade de rejeitar o racionalismo e a lógica, enveredando pelo desconexo, pelo absurdo. O delírio paranóico, síntese lúdica do real desprezado, era o ideal dos que buscavam a alienação como forma de atuar criticamente na sociedade do entreguerras. Experimentar a loucura sem perder o equilíbrio passou a ser o fim de uma arte que buscava a interpretação sensorial do mundo. O artista não pode sentir da mesma forma que o homem comum, logo, ao homem duplo, dividido, deve compensar a transcendência da percepção.
Artaud no fim: drogas, asilos, eletrochoques.
Quando Antonin Artaud escreveu a versão definitiva de A dança do peiote, relatando sua passagem e iniciação entre os tarahumaras, no México, já estava num estágio avançado dessa caminhada: a vertigem dos loucos que não têm mais poder sobre si. O que Artaud buscara sempre, o domínio da linguagem para fazê-la explodir para além das convenções sociais e das limitações da arte ocidental, acaba por levá-lo à solidão libertária da loucura. Como Hölderlin e Nietzsche, Artaud permanece indecifrado: “eu não separo o meu pensamento da minha vida”. O paradoxo que se instala, o artista à frente de seu tempo, só pode ser aceito a partir da compreensão de uma certa metafísica da dor: “tudo o que não for um tétano da alma, ou não provier de um tétano da alma, não é verdadeiro e não pode ser aceito como poesia”. A crueldade, sobre a qual ele arquitetava a derrocada da linguagem, era sobretudo consigo mesmo − o “outro”, aos poucos, tomava o lugar do “eu” solitário, rompido, fragmentado, buscando a libertação.

Candiru – o jornal de maior penetração – está de volta

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Fantasy Art – Galeria


Alberto Pancorbo.