Jorge Tufic
III
- ARTE POÉTICA
O
porquê da arte e do fazer artístico são perguntas que,
formuladas de várias maneiras, cada qual dando, a seu modo, a resposta que lhe
convém, resultam sempre em justificativas e explicações contraditórias. A
necessidade de comunicar-se, o desejo íntimo de confidenciar aos outros um
segredo ou uma descoberta, induz o artista, ou praticante acidental de uma
arte, quer seja ela de natureza plástica ou verbal, a construir uma ponte
destinada ao tráfego de pessoas sensíveis à apreensão de um texto, de um
quadro, de uma forma, de um som, de uma palavra. Segundo Celso Kelly,
referindo-se exclusivamente ao trabalho do artista plástico, é disto que “saem coisas, compreensíveis ou não, sem
qualquer sentido utilitário”. Assim, também, com a poesia.
Em
seu estudo intitulado “Où en est lá poétique?”, esclarece Michel Gautier que
até o século anterior o adjetivo “poético” era utilizado de maneira corrente
para qualificar um espetáculo, um objeto, uma paisagem e mesmo um sentimento,
assim designando seu conteúdo estético ou simplesmente emotivo. Não foi senão
por intermédio de um círculo restrito de poetas que ele tomaria o sentido exato
de “proceder, de maneira de fazer belos versos”, tratando-se ainda de ativar os
modelos fixos de uma ARTE, mais do que de um verdadeiro conhecimento. As Artes
Poéticas mais ou menos disponíveis, de Aristóteles e de Horácio a André Breton,
en passant por Lope de Vega, Boileau,
Theophile Gautier e Verlaine, em geral são resumos de concepções estéticas e
literárias de diferentes épocas onde os poetas, na hipótese de haverem
descoberto quaisquer segredos de versificação, faziam disto um segredo ainda
maior. A propósito, era bastante conhecida a reserva de Mallarmé sobre os
breves rabiscos de suas reflexões; e Valery escreveria seus poemas seguindo uma
técnica absolutamente pessoal, que ele resguardava bem de revelar, mesmo a seus
amigos.
Será,
contudo, o adjetivo “poético” anterior ao conceito de poesia? A sobrevivência
residual do significado – poético –, com a função apenas de qualificar objetos,
eventos e paisagens, não denota realmente sua instigante anterioridade à poesia
como arte de escrever em verso, a partir de quando se passa, também, a
defini-la e a buscá-la nos diferentes aspectos ligados aos meios de
comunicação, da ética, da metafísica e da linguística? Quanto ao poema em si, a
definição é de Geir Campos: “Poema – tem esse título qualquer composição
literária com valor poético, em VERSO ou não (poema em prosa), e, quando
versificado, podendo constar de uma série de VERSOS (ESTÍQUICO) ou de estrofes
(ESTRÓFICO), esquematizados ou não em FORMAS FIXAS. Entre as formas fixas cabe
mencionar a balada, o canto real, o soneto, o triolé, a espinela, a copla
espanhola, a fatrasia francesa, a tanca e o haicai japoneses, o rubai persa, a
sextina e a espinela. Entre os poemas estróficos, realçam a Vilanela, o Pantum,
a Terça Rima, e o Leixa Prem. Dos ESTÍQUICOS, citem-se os Romances, os Lais, a
Balada narrativa, como exemplos. Em muitos casos, a denominação de um POEMA
refere-se mais ao assunto do que à forma, como no EPIGRAMA, no UBI SUNT, na
PALINÓDIA ou no MADRIGAL, entre outros” (“Pequeno Dicionário de Arte Poética”,
Ed. Conquista, 60). Além destes, porém, podemos citar uma longa série de
outros, como o poema moderno ou modernista (versos livres), o poema piada
(satírico, demolidor), o poema-coisa (descritivo, objetal), o poema-concreto (poesia
sem verso), o poema neoconcreto (a experiência poética intuitiva em oposição à
estrutura matemática do poema-concreto), o poema-praxis (poesia com verso,
novas estruturas, novas relações fônicas), o poema-processo (colagens visuais,
poemas-comestíveis-biscoitos, pão: este poema se realiza no ato mesmo do
consumo), o poema-de-muro (lançado em Manaus pelo Clube da Madrugada, 1965, ao
criar e pesquisar uma linguagem específica de muro, sem a tematização do
suporte, não limitada aos fatos que lhe deram origem). Sem dúvida há outros
ainda, entre “surgentes” e “insurgentes”.