Jorge Tufic
No
“vasto mundo” da poesia, mutatis mutandi,
o fazer não é menos rigoroso. Para um poeta de linhagem superior, um bom poema
há de exigir sempre noventa e oito por cento de transpiração, e dois por cento
de inspiração, ou disposição. Ezra Pound explica a diferença: “Um carpinteiro
pode juntar as tábuas, mas um bom carpinteiro deve saber distinguir a madeira
seca da madeira verde”. O problema da comunicação, por sua vez, não foi descurado
pelos grandes poetas-ensaístas. “A primeira voz - diz Elliot – é a voz do poeta
falando para si mesmo – ou sozinho. A segunda é a voz do poeta dirigindo-se a
um auditório, quer seja este grande ou pequeno. A terceira é a voz do poeta
quando tenta criar um personagem teatral que fala em verso; quando diz, não o
que diria falando por si mesmo, mas apenas o que pode dizer dentro dos limites
do personagem imaginado que se dirige a outro personagem imaginado. A distinção
entre a primeira e a segunda vozes, entre o poeta que fala por si mesmo e o
poeta que fala para outras pessoas, ressalta o problema da comunicação poética;
a distinção entre o poeta que se dirige a outras pessoas quer na sua própria
voz quer numa voz que escolheu assumir e o poeta que inventa a fala com
personagens imaginados se dirigindo uns aos outros, ressalta o problema da
diferença entre o verso dramático (de teatro), o quase dramático e o
não-dramático” (“As Três Vozes da Poesia”, T. S. Elliot, s/i). Sobre o mesmo
assunto, leiamos agora um trecho da obra de I. A. Richards: “É facilmente
explicável o fato de que o artista não está, via de regra, conscientemente
preocupado com a comunicação, mas em “acertar” a obra, o poema, ou a peça
teatral, ou a estátua ou a pintura, ou o que quer que seja, aparentemente
indiferente à sua eficácia comunicativa. Fazer com que a obra “encarne” a
experiência precisa, da qual depende seu valor, se harmonize a ela e a
represente, é a sua maior preocupação, em casos difíceis uma preocupação
dominante, e a dissipação da atenção que estaria envolvida se ele considerasse
o lado comunicativo como um resultado à parte seria fatal na obra mais séria.
Ele não pode deter-se na consideração de como o público, ou mesmo setores
especialmente bem qualificados do público a apreciariam ou reagiriam diante
dela” (“Princípios de Crítica Literária”, I. A. Richards, Ed. Globo, 1967).
Não
devemos omitir, entrementes, que existe linguagem e metalinguagem, ou seja,
linguagem sobre linguagem. Ainda restritos à função da primeira, há de ser útil
mencionar um depoimento de José Fernandes sobre a poesia de Gilberto Mendonça
Teles: “A magia poética é resultante do jogo perfeito entre as formas e o
conteúdo. Jogo que adquire técnicas novas no tempo e no espaço da história da
arte. As armadilhas do discurso, entretanto, nem sempre visam a comunicação,
mas a criação de um mundo individual, de tal modo organizado que os
jogadores-palavras, em vez de pelejarem com os outros, confrontam-se consigo
mesmos. Assim concebida, a linguagem atinge tal grau de hermetismo que a
compreensão é, na maioria das vezes, quase nula. A ênfase concedida às formas
consagradas pela experiência do passado encontra-se, normalmente, em estágios
iniciais da travessia poética. Entanto, o tempo e as incansáveis pelejas com e
contra as palavras tornam o jogador autossuficiente, transformam-no em
técnico.”
Daí,
com certeza, a ironia de Carlos Drummond de Andrade: “Se o meu poema não deu
certo, foi seu ouvido que entortou.”