Amigos do Fingidor

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Curso de Arte Poética

Jorge Tufic


                   No “vasto mundo” da poesia, mutatis mutandi, o fazer não é menos rigoroso. Para um poeta de linhagem superior, um bom poema há de exigir sempre noventa e oito por cento de transpiração, e dois por cento de inspiração, ou disposição. Ezra Pound explica a diferença: “Um carpinteiro pode juntar as tábuas, mas um bom carpinteiro deve saber distinguir a madeira seca da madeira verde”. O problema da comunicação, por sua vez, não foi descurado pelos grandes poetas-ensaístas. “A primeira voz - diz Elliot – é a voz do poeta falando para si mesmo – ou sozinho. A segunda é a voz do poeta dirigindo-se a um auditório, quer seja este grande ou pequeno. A terceira é a voz do poeta quando tenta criar um personagem teatral que fala em verso; quando diz, não o que diria falando por si mesmo, mas apenas o que pode dizer dentro dos limites do personagem imaginado que se dirige a outro personagem imaginado. A distinção entre a primeira e a segunda vozes, entre o poeta que fala por si mesmo e o poeta que fala para outras pessoas, ressalta o problema da comunicação poética; a distinção entre o poeta que se dirige a outras pessoas quer na sua própria voz quer numa voz que escolheu assumir e o poeta que inventa a fala com personagens imaginados se dirigindo uns aos outros, ressalta o problema da diferença entre o verso dramático (de teatro), o quase dramático e o não-dramático” (“As Três Vozes da Poesia”, T. S. Elliot, s/i). Sobre o mesmo assunto, leiamos agora um trecho da obra de I. A. Richards: “É facilmente explicável o fato de que o artista não está, via de regra, conscientemente preocupado com a comunicação, mas em “acertar” a obra, o poema, ou a peça teatral, ou a estátua ou a pintura, ou o que quer que seja, aparentemente indiferente à sua eficácia comunicativa. Fazer com que a obra “encarne” a experiência precisa, da qual depende seu valor, se harmonize a ela e a represente, é a sua maior preocupação, em casos difíceis uma preocupação dominante, e a dissipação da atenção que estaria envolvida se ele considerasse o lado comunicativo como um resultado à parte seria fatal na obra mais séria. Ele não pode deter-se na consideração de como o público, ou mesmo setores especialmente bem qualificados do público a apreciariam ou reagiriam diante dela” (“Princípios de Crítica Literária”, I. A. Richards, Ed. Globo, 1967). 

                   Não devemos omitir, entrementes, que existe linguagem e metalinguagem, ou seja, linguagem sobre linguagem. Ainda restritos à função da primeira, há de ser útil mencionar um depoimento de José Fernandes sobre a poesia de Gilberto Mendonça Teles: “A magia poética é resultante do jogo perfeito entre as formas e o conteúdo. Jogo que adquire técnicas novas no tempo e no espaço da história da arte. As armadilhas do discurso, entretanto, nem sempre visam a comunicação, mas a criação de um mundo individual, de tal modo organizado que os jogadores-palavras, em vez de pelejarem com os outros, confrontam-se consigo mesmos. Assim concebida, a linguagem atinge tal grau de hermetismo que a compreensão é, na maioria das vezes, quase nula. A ênfase concedida às formas consagradas pela experiência do passado encontra-se, normalmente, em estágios iniciais da travessia poética. Entanto, o tempo e as incansáveis pelejas com e contra as palavras tornam o jogador autossuficiente, transformam-no em técnico.” 

                   Daí, com certeza, a ironia de Carlos Drummond de Andrade: “Se o meu poema não deu certo, foi seu ouvido que entortou.”