Inácio
Oliveira
III
Meu
pai foi transferido para outra cidade e a família foi junto. Era outra vida,
outros amigos. O tempo havia passado e eu estava esquecendo Lola, aconteceu
naturalmente: um dia acordei e ela já não foi a primeira coisa em que pensei.
Namorei muitas meninas, de umas gostei muito, de outras nem tanto. Era o
primeiro ano da faculdade. Eu ainda não conhecia a cidade direito e um dia
peguei o ônibus errado e fui parar num bairro desconhecido. O fato é que a
minha vida hoje seria diferente (ou não) se eu não houvesse tomado o ônibus
errado. Numa esquina, esperando o sinal fechar para atravessar a rua, estava
uma mulher pequena, vestida com simplicidade e elegância, segurava as sacolas
de compras com graciosidade como se fizesse uma apresentação. Aquela mulher que
eu podia muito bem nunca ter visto na vida a identifiquei imediatamente como se
fosse Lola, não sei porque, mas não tive dúvidas de que era ela aquela mulher. Tive
uma sensação de movimento contrário do mundo quando a vi, como se a terra
girasse de uma forma inversa. Eu ainda não sabia que muitas vezes na vida teria
essa sensação cada vez que a encontrasse. Aproximei-me da forma mais idiota que
um homem pode se aproximar de uma mulher. “Oi! Você lembra de mim?” Ela sorriu
aquele mesmo sorriso de quando nos vimos pela primeira vez. “Inácio! Claro que
eu lembro de você. Como você está crescido.” Nos abraçamos, o sinal fechou e
atravessamos a rua. Paramos numa lanchonete do outro lado, tomamos suco de
laranja e fizemos um breve resumo de nossas vidas. Lola, evidentemente, mais
omitiu do que contou sobre sua vida, ela seria sempre um mistério para mim.
Havia acontecido com Lola uma coisa que julgava não ser possível: ela estava
mais bonita. Disse-me que morava num dos residenciais próximos e fez o gesto
apontando com a mão. Convidou-me para jantar. Disse, mostrando as compras, que
seria um jantar especial. Quando nos despedimos ela me beijou no rosto e
sussurrou no meu ouvido. “Eu ainda tenho aquele broche que você me deu.” Quando
ela disse isso senti que eu corava. Fiquei de voltar no fim da tarde, e aquele
momento até o fim da tarde foi o período mais longo da minha vida. Choveu muito
naquele dia e eu estava atrasado, mas quando Lola abriu a porta para mim ela
sorriu e disse “eu fico feliz quando te vejo”.
Esta cena ainda se repetiria muitas
vezes na minha vida. Eu estava condenado a experimentar breves momentos de
felicidade com Lola só para depois vê-la esvair-se das minhas mãos, assim como
se acorda de um sonho. Voltei ao seu apartamento no fim daquela semana, o
porteiro disse-me que ela havia ido embora com um senhor que aparecera,
imaginei que fosse seu pai. Eu não entendia porque Lola e o pai pareciam estar
sempre fugindo de alguma coisa e naquele dia, mais uma vez, fiquei com a
sensação de que o mundo era um lugar ruim.
IV
Com o tempo eu começava a esquecer Lola
novamente, mas sempre um minuto
antes de esquecê-la eu a encontrava como se fosse por acaso, como se fosse uma
piada do destino. Certa vez meu voo atrasou. Estávamos na fila, eu olhei para
outra fila e lá estava Lola. Quando nossos olhares se cruzaram ela esboçou um
sorriso que não se completou. Tão bonita estava com um blazer escuro e uma mecha de cabelo caída sobre o rosto, mas parecia
triste e desamparada, em seus olhos havia o reflexo que há nos olhos dos
condenados e dos perseguidos. Eu a abracei e ela parecia tremer. “Tudo bem?”
Perguntei. “Sim”, ela sorriu com esforço e eu sabia que nada estava bem. Com o
tempo eu aprendera que havia uma zona escura na vida de Lola da qual ela não
permitia que ninguém se aproximasse. Perdi o meu voo para ficar com ela naquela
cidade num quarto de hotel. De repente estar com Lola fazia com que a vida fosse
perfeita mesmo que o mundo estivesse acabando lá fora. Na manhã seguinte Lola
havia ido embora. Perceber que ela havia sumido fez com que aquele quarto de
hotel se tornasse muito grande e eu me sentisse tão pequeno.
(continua
na próxima segunda-feira)