Amigos do Fingidor

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Aparições de Lola – 2/5


Inácio Oliveira

III

Meu pai foi transferido para outra cidade e a família foi junto. Era outra vida, outros amigos. O tempo havia passado e eu estava esquecendo Lola, aconteceu naturalmente: um dia acordei e ela já não foi a primeira coisa em que pensei. Namorei muitas meninas, de umas gostei muito, de outras nem tanto. Era o primeiro ano da faculdade. Eu ainda não conhecia a cidade direito e um dia peguei o ônibus errado e fui parar num bairro desconhecido. O fato é que a minha vida hoje seria diferente (ou não) se eu não houvesse tomado o ônibus errado. Numa esquina, esperando o sinal fechar para atravessar a rua, estava uma mulher pequena, vestida com simplicidade e elegância, segurava as sacolas de compras com graciosidade como se fizesse uma apresentação. Aquela mulher que eu podia muito bem nunca ter visto na vida a identifiquei imediatamente como se fosse Lola, não sei porque, mas não tive dúvidas de que era ela aquela mulher. Tive uma sensação de movimento contrário do mundo quando a vi, como se a terra girasse de uma forma inversa. Eu ainda não sabia que muitas vezes na vida teria essa sensação cada vez que a encontrasse. Aproximei-me da forma mais idiota que um homem pode se aproximar de uma mulher. “Oi! Você lembra de mim?” Ela sorriu aquele mesmo sorriso de quando nos vimos pela primeira vez. “Inácio! Claro que eu lembro de você. Como você está crescido.” Nos abraçamos, o sinal fechou e atravessamos a rua. Paramos numa lanchonete do outro lado, tomamos suco de laranja e fizemos um breve resumo de nossas vidas. Lola, evidentemente, mais omitiu do que contou sobre sua vida, ela seria sempre um mistério para mim. Havia acontecido com Lola uma coisa que julgava não ser possível: ela estava mais bonita. Disse-me que morava num dos residenciais próximos e fez o gesto apontando com a mão. Convidou-me para jantar. Disse, mostrando as compras, que seria um jantar especial. Quando nos despedimos ela me beijou no rosto e sussurrou no meu ouvido. “Eu ainda tenho aquele broche que você me deu.” Quando ela disse isso senti que eu corava. Fiquei de voltar no fim da tarde, e aquele momento até o fim da tarde foi o período mais longo da minha vida. Choveu muito naquele dia e eu estava atrasado, mas quando Lola abriu a porta para mim ela sorriu e disse “eu fico feliz quando te vejo”.

         Esta cena ainda se repetiria muitas vezes na minha vida. Eu estava condenado a experimentar breves momentos de felicidade com Lola só para depois vê-la esvair-se das minhas mãos, assim como se acorda de um sonho. Voltei ao seu apartamento no fim daquela semana, o porteiro disse-me que ela havia ido embora com um senhor que aparecera, imaginei que fosse seu pai. Eu não entendia porque Lola e o pai pareciam estar sempre fugindo de alguma coisa e naquele dia, mais uma vez, fiquei com a sensação de que o mundo era um lugar ruim.

IV

         Com o tempo eu começava a esquecer Lola       novamente, mas sempre um minuto antes de esquecê-la eu a encontrava como se fosse por acaso, como se fosse uma piada do destino. Certa vez meu voo atrasou. Estávamos na fila, eu olhei para outra fila e lá estava Lola. Quando nossos olhares se cruzaram ela esboçou um sorriso que não se completou. Tão bonita estava com um blazer escuro e uma mecha de cabelo caída sobre o rosto, mas parecia triste e desamparada, em seus olhos havia o reflexo que há nos olhos dos condenados e dos perseguidos. Eu a abracei e ela parecia tremer. “Tudo bem?” Perguntei. “Sim”, ela sorriu com esforço e eu sabia que nada estava bem. Com o tempo eu aprendera que havia uma zona escura na vida de Lola da qual ela não permitia que ninguém se aproximasse. Perdi o meu voo para ficar com ela naquela cidade num quarto de hotel. De repente estar com Lola fazia com que a vida fosse perfeita mesmo que o mundo estivesse acabando lá fora. Na manhã seguinte Lola havia ido embora. Perceber que ela havia sumido fez com que aquele quarto de hotel se tornasse muito grande e eu me sentisse tão pequeno.

(continua na próxima segunda-feira)