Amigos do Fingidor

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Aparições de Lola – 3/5


 

Inácio Oliveira

V

         Segui minha vida sem Lola. Tanto que imaginei uma vida com ela que tudo ficou na imaginação. Há certas coisas que pertencem apenas ao reino das coisas intangíveis e por força jamais acontecerão, mas de muito imaginá-las é como se houvessem acontecido. A minha tristeza é por tudo aquilo que eu não vivi com Lola. Os momentos que estive com ela se evaporam e se condensam de tanto eu pensar neles, vão crescendo no meu pensamento, se transformam em outra coisa. Vivi assim até o dia em que encontrei Lola novamente, ou melhor, ela me encontrou. Dessa vez não foi por acaso, Lola bateu na minha porta às três da manhã e disse “eu vim pra ficar com você, posso entrar?” Julguei estar sonhando, por isso não procurei entender o que acontecia. Peguei Lola no colo, levei-a até cama e fiz amor com ela. Tirei sua roupa com muito cuidado temendo acordar a qualquer momento, mas eu já não estava dormindo e aquilo não era um sonho: era um milagre. A cidade estava em silêncio, a luz da rua iluminava seu rosto e ela parecia sorrir, naquele momento eu a amei como se eu fosse todos os homens.

         O pai de Lola havia morrido um ano antes. Ela ficava triste às vezes, mas já não havia a inquietação de sempre em seus olhos. Foi o tempo mais longo que passei com Lola. Eu nunca fora tão feliz em toda a minha vida, no entanto tinha medo de acordar no meio da noite e Lola ter sumido, evaporado, como costumava fazer. Mas foi numa tarde tranquila num barzinho do subúrbio que Lola pôs a mão na minha sobre a mesa e me olhou em silêncio. Com o tempo havíamos adquirido uma linguagem secreta que prescindia das palavras e a maneira como Lola pôs a mão sobre a minha e sua forma de me olhar diziam que ia acontecer o que sempre acontecia, uma coisa com a qual eu já devia estar acostumado, porém eu jamais me acostumaria ao fato de Lola sempre me abandonar. O bar ficava no alto do morro, dava para ver a cidade lá de cima. Escurecia e as casas das pessoas foram se tornando milhares de pontos luminosos, era bonito, mas eu estava triste e odiava aquela cidade, odiava aquela gente, odiava Lola. Ela viu passar uma nuvem em meu rosto, não sei o que sentiu ao me ver tão destroçado. Rabiscou num guardanapo de papel uns versos que eu li. Nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera, mas nunca o teu riso; porque então morreria. Então eu apenas sorri, porque Neruda era meu poeta preferido e Lola ter escrito assim aqueles versos num guardanapo de papel era covardia. Tocava uma música num tom muito baixo que era quase um silêncio e de repente todas as coisas ganharam um caráter de despedida como se tudo ao redor estivesse em vias de extinguir-se: Lola e os copos sobre a mesa, a própria mesa, o bar, aquela cidade e o mundo inteiro, e apenas eu restasse sozinho no vazio. Voltei para casa sem Lola. Na saída do bar a rua estava deserta, Lola chamou um táxi, entrou e o carro partiu devagar pela rua cheia de buracos, dobrou a esquina e sumiu, eu fiquei sozinho na rua vendo-a partir. Era a primeira vez que eu testemunhava o momento exato em que Lola desaparecia. Um homem sozinho numa rua escura vendo a mulher que ama partir, essa era a metáfora perfeita da minha vida. Cheguei em casa depois de muito tempo vagando pelas ruas, abri a porta e a luz iluminou a sala, a cozinha e o quarto vazio. Naquele momento eu senti aquilo que um órfão sente e não sabe dizer.

(continua na próxima segunda-feira)