João
Bosco Botelho
A sedução exercida pelos taumaturgos e adivinhos,
hábeis articuladores na dualidade sagrada e profana, marcou as mentalidades. Esses
homens e mulheres, reconhecidos como portadores de dotes especiais
super-humanos, como no passado remoto, aqui e acolá, continuam curando e adivinhando.
O dom ou o carisma, como dádiva
divina, está ajustado para unir a posse da terra à guarda do corpo. Na
realidade, representa a analogia do mecanismo binário de prêmio-castigo, nos
espaços sagrado e profano. A ordem
sublime emprega-o, para abrigar a imagem do corpo (espírito, alma etc.) no
espaço transcendente (céu, éden, paraíso etc.).
A secular, para garantir o corpo submisso no
território (casa, bairro, cidade, município, país e a área por onde se
dá o fluxo de mercadorias no mercado
interno e externo).
Aquele que tem o dom de curar pessoas ou
sociedades (líder, messias, benzedor, pajé, padre, médico etc.)
deve ser obedecido e reverenciado (Eclo 38, 1-2).
A cultura judaica admite o sinal da deidade –
o milagre. Assumiu lugar de magna importância,
porque é a prova da materialização do
dom, isto é, a fuga do conhecido, do natural, do esperado. Esse é o
motivo da aclamação e do júbilo.
Os primeiros padres da cristandade fizeram uma
fantástica reelaboração teórica dos sinais do AT. Os milagres
de Cristo, em particular as
curas, descritos pelos quatro evangelistas, assumiram grande
importância na apologética da nova religião.
O tomismo entendeu a importância do
milagre, na fé, como fato extraordinário produzido por Deus. Os anjos bons e os
santos poderiam ser agentes na promoção dos acontecimentos situados à margem
das leis naturais. Por outro lado, distinguiu
o milagre do prodígio. Este último, simples
simulacro, não era fruto do poder divino.
A abordagem tomista foi duramente
criticada por diversos filósofos. Voltaire,
no Dicionário Filosófico, tomou a argumentação dos físicos para contestar. Afirmava ser falso pensar no milagre
como transgressão das leis
matemáticas, criadas pela divindade, porque são coerentes e imutáveis. Espinoza
também recusou a veracidade do milagre,
apoiado na premissa de que era impossível a intervenção extraordinária para
mudar o curso da criação transcendente, reafirmou o engano da prática milagrosa.
O golpe mais forte recebido pela
teorização cristã do sinal foi sustentado pelo
agnosticismo kantiano, firmado contra o determinismo absoluto. Seria
incognoscível porque é muito difícil distinguir as formas variáveis e extraordinárias
de agir da natureza. De acordo com Kant, não existem leis fixas e constantes, porque
a estável provém, exclusivamente, do nosso aspecto subjetivo para conhecê-las. A religião não seria nada mais que o conjunto
das obrigações vistas como determinismo
para facilitar a ordem de um poder transcendente.
Com o intuito de reforçar o conjunto
do debate, cabe lembrar a imutabilidade
das leis matemáticas, regendo a
essência da coisa visível, expressando o modo de ser. Assim, em nenhuma hipótese, nem por milagre, o
triângulo poderá deixar de ter os três ângulos internos.
No Ocidente cristão medieval, os
santuários curadores e proféticos de Compostela (Espanha) e Jerusalém viveram
vários séculos de glória, recebendo
peregrinos de toda a cristandade. Nos
últimos anos, o de Fátima, em Portugal, e o de Lourdes, na França, são muito
procurados. Mais recentemente, surgiu o de Medjugorje, na
Iugoslávia.
Milhares de curas foram anunciadas
pelos fiéis que procuraram o santuário de Fátima. Como o número excedeu os limites aceitáveis, foi criado, em 1982, uma comissão de médicos
e religiosos, para analisar a veracidade dos sinais, vindos da divindade, ocorridos
em Lourdes. Apesar do entusiasmo dos peregrinos, a Igreja Católica anunciou, em
1990, o 65º milagre.
Trata-se de uma jovem siciliana de 25 anos, portadora de uma forma
incurável de câncer ósseo no joelho. Em
1976, depois de ela permanecer uma semana próxima ao santuário, um ano depois, houve
o completo desaparecimento da lesão.
A
crença nos poderes extraordinários, oriundos da
aparição da Virgem, em Medjugorje, pequena cidade
no interior da Iugoslávia, começou em 1981. Um grupo de adolescentes, quatro moças e dois
rapazes, relataram ter visto uma mulher bonita que afirmavam ser a Virgem Maria.
O padre Slavko Barbarich, da Igreja local, não tem dúvida da autenticidade das
mensagens.
No Brasil, nos estratos sociais
privilegiados, de tradição cristã, são
mais enfocadas as procuras de Lourdes, Fátima e Medjugorje. Porém, existem
outros locais de súplicas, como a basílica de Aparecida, a estátua do Padre Cícero,
os centros de umbanda, as igrejas protestantes e grupos kardecistas. Todos recebem número muito maior de crentes, virtualmente
agregados aos mesmos componentes de fé e religiosidade.