Marco Adolfs
O cronista, em frente à Shakespeare and Company.
Preciso escrever alguma coisa sobre as livrarias, esses lugares inventados para vender livros. Sempre penso, quando entro em uma, que na livraria estão todos os santos consagrados pela sabedoria humana.
Se para o escritor argentino Jorge Luiz Borges uma livraria era como se fosse uma espécie de paraíso, para mim qualquer livraria é sempre um campo repleto de árvores, frutos e flores.
Sou um rato de livrarias. Desses que fuçam os livros sabendo que ali existe sempre um odor característico que nos faz desejar comê-los. Mas se não posso comê-los – pelo menos literalmente falando –, levo-os para casa. Lá, os degusto como devem ser degustados. Pelo menos alguns desses.
Se livrarias são templos consagrados, existem algumas catedrais espalhadas pelas capitais do mundo. Recentemente estive em uma dessas catedrais, a Shakespeare and Company, localizada em Paris. Mas aqui vale uma observação: essas “catedrais” não são catedrais por causa do seu espaço físico, mas sim pelas suas especificidades. Não passam de portinhas atulhadas de livros espalhados quase que de forma caótica. São livrarias para você fuçar e não se perder.
A história da Shakespeare and Company é de se visitar em rápidas pinceladas. Tirei um dia, no intervalo desta escrita, só para respirá-la. Ela é uma dessas livrarias que viraram ponto de romaria.
A Shakespeare and Company começou a existir naquela Paris dos anos 20 do século passado. Por ali passaram Gide, Valéry, Picasso, Pound, Joyce e Hemingway, entre outros. Sua história daria um romance ou um filme. Para se ter idéia de seu peso, foi nessa livraria que o Ulysses, o livro famoso de James Joyce, foi editado pela primeira vez.
Na verdade existiram três Shakespeare and Company. As duas primeiras, criadas pela americana Sylvia Beach. Uma, a primeira, aberta na rue Dupuytren em 1919, e que durou apenas vinte meses, e a segunda, localizada na rue l`Odeon, 12, e que durou até 1941. A terceira e definitiva é uma imitação, usando a franquia do nome, criada em 1951 por George Whitmam, e que até os nossos dias continua na Rive Gauche, no número 37 da rue de la Bucherie. Ainda hoje, uma livraria especializada em literatura de língua inglesa.
Dois fatos notáveis sobre essa livraria merecem ser relatados rapidamente aqui. Um deles foi a edição dramática e dificultosa, pela própria livraria, como já disse, do romance Ulysses, de James Joyce, entre 1921 e 1922. E o outro caso se deu em 1941, quando um oficial alemão fez pressão para que Sylvia Beach lhe vendesse a cópia do Finnegans Wake e ela se recusou. O oficial, revoltado, ameaçou-lhe confiscar todos os bens. Sylvia imediatamente chamou seus amigos e transferiu todo o estoque da loja para um outro lugar, ludibriando o oficial nazista. Mas esse fato selou o fechamento da sua livraria.
Quanto à edição de Ulysses, além de Sylvia resolver editá-lo sem experiência alguma, houve uma verdadeira guerra de bastidores no que diz respeito a censuras prévias vindas de setores conservadores da sociedade e quanto ao serviço de datilografia e revisão exaustivos, já que Joyce mudava constantemente o texto e sua caligrafia era de difícil entendimento.
Um verdadeiro périplo, repleto de situações negativas, permeou toda a pré-edição da obra: com manuscritos de partes do livro jogados ao fogo por um ciumento marido de uma das datilógrafas, pressões de assinantes impacientes em prol da obra que haviam pago antecipadamente, e o problema crônico em um dos olhos de Joyce, que teve que ser operado às pressas, ainda com o livro sendo revisado.
Mas, com pressões de todo o tipo, o livro finalmente foi lançado em fevereiro de 1922. Já a sua comercialização posterior nos países de língua inglesa foi mais uma aventura à parte, com intervenções até de contrabandistas voluntários, que passavam a obra por guardas de fronteira, escondida entre suas roupas. Imaginem então, milhares de livros grossos, passando um por um e todos os dias, na travessia de uma inocente balsa.
Essa é uma apenas uma parte, que resolvi contar, desse nosso mundo de textos, livros e livrarias. O que devemos notar sempre é o serviço que essas livrarias – sejam elas quais forem –, prestam à iluminação, quase que de fundo religioso, à humanidade. São templos onde a intolerância e a barbárie – como diz o nosso amigo Tenório Telles, coordenador editorial da nossa livraria Valer – não podem entrar.
Preciso escrever alguma coisa sobre as livrarias, esses lugares inventados para vender livros. Sempre penso, quando entro em uma, que na livraria estão todos os santos consagrados pela sabedoria humana.
Se para o escritor argentino Jorge Luiz Borges uma livraria era como se fosse uma espécie de paraíso, para mim qualquer livraria é sempre um campo repleto de árvores, frutos e flores.
Sou um rato de livrarias. Desses que fuçam os livros sabendo que ali existe sempre um odor característico que nos faz desejar comê-los. Mas se não posso comê-los – pelo menos literalmente falando –, levo-os para casa. Lá, os degusto como devem ser degustados. Pelo menos alguns desses.
Se livrarias são templos consagrados, existem algumas catedrais espalhadas pelas capitais do mundo. Recentemente estive em uma dessas catedrais, a Shakespeare and Company, localizada em Paris. Mas aqui vale uma observação: essas “catedrais” não são catedrais por causa do seu espaço físico, mas sim pelas suas especificidades. Não passam de portinhas atulhadas de livros espalhados quase que de forma caótica. São livrarias para você fuçar e não se perder.
A história da Shakespeare and Company é de se visitar em rápidas pinceladas. Tirei um dia, no intervalo desta escrita, só para respirá-la. Ela é uma dessas livrarias que viraram ponto de romaria.
A Shakespeare and Company começou a existir naquela Paris dos anos 20 do século passado. Por ali passaram Gide, Valéry, Picasso, Pound, Joyce e Hemingway, entre outros. Sua história daria um romance ou um filme. Para se ter idéia de seu peso, foi nessa livraria que o Ulysses, o livro famoso de James Joyce, foi editado pela primeira vez.
Na verdade existiram três Shakespeare and Company. As duas primeiras, criadas pela americana Sylvia Beach. Uma, a primeira, aberta na rue Dupuytren em 1919, e que durou apenas vinte meses, e a segunda, localizada na rue l`Odeon, 12, e que durou até 1941. A terceira e definitiva é uma imitação, usando a franquia do nome, criada em 1951 por George Whitmam, e que até os nossos dias continua na Rive Gauche, no número 37 da rue de la Bucherie. Ainda hoje, uma livraria especializada em literatura de língua inglesa.
Dois fatos notáveis sobre essa livraria merecem ser relatados rapidamente aqui. Um deles foi a edição dramática e dificultosa, pela própria livraria, como já disse, do romance Ulysses, de James Joyce, entre 1921 e 1922. E o outro caso se deu em 1941, quando um oficial alemão fez pressão para que Sylvia Beach lhe vendesse a cópia do Finnegans Wake e ela se recusou. O oficial, revoltado, ameaçou-lhe confiscar todos os bens. Sylvia imediatamente chamou seus amigos e transferiu todo o estoque da loja para um outro lugar, ludibriando o oficial nazista. Mas esse fato selou o fechamento da sua livraria.
Quanto à edição de Ulysses, além de Sylvia resolver editá-lo sem experiência alguma, houve uma verdadeira guerra de bastidores no que diz respeito a censuras prévias vindas de setores conservadores da sociedade e quanto ao serviço de datilografia e revisão exaustivos, já que Joyce mudava constantemente o texto e sua caligrafia era de difícil entendimento.
Um verdadeiro périplo, repleto de situações negativas, permeou toda a pré-edição da obra: com manuscritos de partes do livro jogados ao fogo por um ciumento marido de uma das datilógrafas, pressões de assinantes impacientes em prol da obra que haviam pago antecipadamente, e o problema crônico em um dos olhos de Joyce, que teve que ser operado às pressas, ainda com o livro sendo revisado.
Mas, com pressões de todo o tipo, o livro finalmente foi lançado em fevereiro de 1922. Já a sua comercialização posterior nos países de língua inglesa foi mais uma aventura à parte, com intervenções até de contrabandistas voluntários, que passavam a obra por guardas de fronteira, escondida entre suas roupas. Imaginem então, milhares de livros grossos, passando um por um e todos os dias, na travessia de uma inocente balsa.
Essa é uma apenas uma parte, que resolvi contar, desse nosso mundo de textos, livros e livrarias. O que devemos notar sempre é o serviço que essas livrarias – sejam elas quais forem –, prestam à iluminação, quase que de fundo religioso, à humanidade. São templos onde a intolerância e a barbárie – como diz o nosso amigo Tenório Telles, coordenador editorial da nossa livraria Valer – não podem entrar.