Amigos do Fingidor

domingo, 24 de janeiro de 2010

O sonho é nossa chama

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Jorge Tufic


Este novo livro do grande poeta cearense Francisco Carvalho surpreende pela totalidade poética, liberta afinal de separações estróficas, quando traz de volta aos leitores sonetos já publicados e dez inéditos, miniaturas essas que, por sua vez e pelo simples motivo de que as rimas chegaram ao seu máximo limite toante ou consonante, extrapolam dos cânones tradicionais, sem, com isso, deixarem de inventar e reinventar a utopia de Petrarca, Camões, Jorge de Lima, entre tantos outros, nunca em desnível com os mais ferrenhos cultores desse gênero de arte, tão brasileiro quanto universal. Nota-se aí, por outro ângulo menos visível a quem não acompanha, de perto, a trajetória do autor, que a maioria deles passara pelo crivo de uma releitura crítica, e foram selecionados.

Em Algumas Palavras, nos explica o mestre: “Não adianta citar nomes, mas é sabido que os verdadeiros poetas estão honestamente empenhados na produção de uma arte poética que se distingue pela universalidade da linguagem e pela prática de uma forma mais flexível às exigências da modernidade. Escrevendo sonetos ou poemas em versos livres, revelam qualidades literárias que os consagram à admiração da posteridade. Afinal de contas, se o soneto está realmente fora de moda, ultrapassado na forma e no conteúdo, por que tanta gente continua a escrevê-lo com tamanha convicção? Deve existir alguma explicação para isso. Há quem supunha que a preferência pelo soneto seria uma forma de opção pelo caminho mais fácil. Será?”

A prova em contrário, ou a resposta cabível, nós vamos encontrar ao longo dessas 98 páginas da excelente coletânea de 170 sonetos éditos e 10 inéditos, dando-nos estes a leveza de uma nuvem-personagem que nos encanta e tira o amargor da vida inteira através de uma dança em que vai se detendo, ora como “pombas que voltam do exílio”, ora em diversos lugares da infância do poeta, ora ainda a esperar numa esquina, desdobrando-se e metamorfoseando-se como coisa real ou “engano dos sentidos”. “A nuvem e o pássaro”, aliàs, já foi título de um outro livro de Francisco Carvalho.

Tudo para indicar, se é que deva ser necessário, o que logo sobressai da primeira impressão de leitura, ou seja, a unidade quase palpável do texto, agora tomado na sua totalidade, e mais que isso, a emoção que transmite de um roteiro estético carregado de símbolos e metáforas que também incursionam, mas sem transbordamentos ou evasivas, pelos domínios da metalinguagem. Francisco Carvalho consegue ler a si mesmo do jeito que gostaria de fazê-lo com os outros. E atinge o máximo.