Amigos do Fingidor

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Keats... em Roma

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Marco Adolfs


Saímos de Paris sob uma fina chuva e carregando no coração um pouco de melancolia, já provocada por uma saudade antecipada. Um outro motorista coreano nos levou ao aeroporto Charles De Gaulle e aproveitou para cobrar cinquenta e três euros, levando em consideração os volumes. Pagamos ao motorista acreditando que a Coréia havia invadido a França e ocupado todos os táxis com o único intuito de pegar os euros de turistas. Mas o melhor ainda viria. Quando nos preparamos para partir em direção a Roma, voando pela deficitária Alitalia, tivemos que pagar por um misterioso excesso de bagagem e ainda enfrentar uma paranóica revista de roupas, sapatos, meias e sacolas. E se a gente bobeasse, até as nossas sobrancelhas seriam revistadas. A Dora sofreu mais, pois quase ficou nua, tendo que retirar botas e agasalhos para ver se carregava alguma bomba. Também pudera, com aquela aparência de mulçumana e usando aquele véu na cabeça, nos tempos de hoje, é meio complicado. Mas depois que souberam que éramos brasileiros, relaxaram mais. Talvez seja o efeito Ronaldinhos e Kakás.

O voo foi tranquilo e quando pousamos em Roma já o inverno da Europa havia desaparecido sob um sol de Brasil e um céu azul de Azurra. Taxistas livres disputavam passageiros em diminutos e meio relaxados táxis. Tivemos saudade dos táxis luxuosos dos coreanos de Paris. E, além do mais, o motorista italiano, com a cara do Gianecchini, deu uma volta tão grande pelas colinas de Roma, que até chegarmos ao nosso hotel, distante do centro efervescente da cidade, parecia termos percorrido a mesma distância que a Via Appia, seiscentos quilômetros em linha reta. Mas o hotel era muito bom e lembrava uma vila de casas que alguém inteligentemente havia reformado. O luxo, o silêncio e a privacidade eram totalmente europeus.

No outro dia saímos para conhecer a cidade eterna. Se Lisboa é colorida e Paris é gris, Roma carrega uma cor vermelho-ocre. Talvez devido ao sangue derramado no passado, jogando cristãos aos leões, ou ao fato de gostarem de molho de tomate cobrindo massas e pizzarelas. Não sei. Fomos até a Fontana de Trevi e, após uma passada entre ruínas, monumentos e museus, procurei pela casa onde viveu o poeta romântico Keats. Eu sabia que ficava no final da Via Condotti, bem ao lado da escadaria de flores da Piazza di Spagna.

John Keats, o poeta inglês fascinado pela Grécia antiga, um aluno de medicina que passava seu tempo lendo poesia e história clássica, nasceu em Londres em 1795 e faleceu na sua Roma amada em 1821. Como não poderia deixar de ser, abandonou a carreira médica para dedicar-se totalmente à literatura. E tanto exercitou-se romanticamente que, em 1818, escreveu seu longo poema Endymion que o projetou no meio literário. Mas o que o levou a Roma foi ter contraído tuberculose. Por isso foi para a Itália, onde o clima seria mais ameno. Lá, o poeta John Keats viveu seus últimos anos em um apartamento com vista para a Piazza di Spagna. Quando morreu, alguns de seus admiradores compraram o apartamento e o dedicaram a sua memória. Virou o Keats-Shelley Memorial House, onde o visitante pode encontrar todo o mobiliário original e documentos associados também a um outro poeta romântico, Percy Shelley, este também um amante da Itália. Goethe, Coleridge, Shelley, Byron, Henry James, Oscar Wilde e James Joyce são alguns dos que se sentiram atraídos e inspirados por esse local histórico dos amantes da literatura.

Poucos poetas escreveram obras tão importantes e em tão pouco tempo como Keats. Em 1820 são publicados Lamia, Isabelle, A vigília de Saint Agnés, Hyperion e parte de Odes. Sobre o seu túmulo, em um cemitério de Roma, foi esculpida a inscrição que ele mesmo redigiu: "Here lies one whose name was write in water." Traduzindo: "Aqui descansa um homem cujo nome está escrito sobre a água."

Naquela tarde de Roma, saí um pouco pensativo do local e me dirigi até um condutor de uma romântica charrete estacionada ali perto, e que fumava um belo charuto à espera de algum turista. Perguntei-lhe num sofrível italiano onde ficava uma tabacaria para que eu pudesse comprar também um charuto. Ele me disse que ficava ali perto e resolvi ir até lá. Mais tarde, sentados, eu e Dora, já na Piazza del Popolo, fumei aquele bendito charuto enquanto recitava algumas estrofes lembradas de Keats. A tarde caía lentamente nos braços da noite.