Tenório Telles
Observando os últimos acontecimentos da crônica política brasileira, pus-me a pensar no jogo em que se transformou o fazer político no país. Nesse teatro é difícil discernir o que é do que não é. O honesto do desonesto. Tudo é cena: os bons políticos vivem o drama da generalização, são comparados aos demais. Os espertos pouco se importam com a opinião ou com escrúpulos. Vivem da dissimulação e de fingir que são decentes. Alegam sempre a vida pública, que supostamente teriam dedicado à pátria.
A verdade é que a política no Brasil virou um caso de polícia. Os homens públicos, que deveriam zelar pela compostura e pelas formalidades que envolvem o ato de governar, conseguiram um feito: desmoralizar a política, a honestidade e o bem comum. O jogo político transformou-se num salve-se-quem-puder, em que os que conseguem se destacar são os que se apropriam dos partidos, dos governos e dos parlamentos, usando os expedientes mais indignos: comprando, distribuindo cargos e cooptando adversários. Para alcançar seus propósitos pessoais fazem uso do dinheiro público e do poder da caneta. Ocorre que o patrimônio público é da sociedade e o poder de que fazem uso é do povo. Estar prefeito, governador ou presidente é algo provisório. O mesmo vale para a atividade parlamentar.
Essas facilidades que o processo político propicia explicam o fato de tantas pessoas despreparadas e interesseiras buscarem na política o caminho para a satisfação de seus propósitos pessoais. Embora usem o nome do povo e se digam democratas, na verdade o que querem é se locupletar, auferir vantagens, fazer negócios. Enriquecer. A sociedade, a verdadeira Política e a Democracia – para essa gente essas coisas são detalhes. E nesse jogo de cena existem os que são de verdade e os que se escondem atrás de uma imagem. Os primeiros se afirmam pelas suas qualidades subjetivas; os últimos, pelo poder e dinheiro de que dispõem. Fora da cena política não são nada, desaparecem.
Tenho refletido sobre a possibilidade de construirmos uma nação diferente. Esse sonho é impossível com líderes como os que temos hoje. Que país poderemos ter com governantes como Sarney? Por contraposição comecei a pensar em Abraham Lincoln, Nelson Mandela, exemplos de governantes comprometidos com uma causa e com a construção de uma pátria de verdade para seus concidadãos. Pus-me, então, a comparar duas histórias: a de Nelson Mandela e a de Sarney. O primeiro lutou para que a África do Sul fosse de todos os sul-africanos. Pagou um preço altíssimo: foi preso, humilhado, privado do convívio com a família. Como tinha um sonho, sobreviveu e fez de seu país uma nação democrática. Por isso, virou símbolo de resistência, superação e compromisso com a liberdade. Não enriqueceu e não quis se perpetuar no poder. Cumpriu a sua missão.
José Sarney é o simulacro: imaginava-se um estadista, um político sofisticado e de conduta ilibada, e um intelectual humanista. Conseguiu, durante certo tempo, manter essa imagem, escondendo o que era verdadeiramente. Como dizia Lincoln, entretanto: “Um governante consegue enganar um povo durante muito tempo. Mas um governante não consegue enganar um povo a vida inteira”. O caso Sarney se enquadra nesse aforismo do presidente americano. O presidente Lula se equivoca ao afirmar que o Brasil deve muito a Sarney. É o contrário, Sarney é que deve tudo o que é e o que tem ao povo brasileiro. Na política, ganhou projeção e importância. Tornou-se poderoso e enriqueceu, muito acima do que permitiriam seus vencimentos como senador e presidente. Apossou-se do Maranhão e imaginava que poderia se apropriar impunemente do país. Está há tanto tempo no poder que não consegue mais separar o público do privado. Por isso, age em relação à coisa pública como se fosse um bem particular. Perdeu, portanto, toda a noção do que é uma República. Sarney não é um estadista e não é político que mereça ser tomado como exemplo. É um oligarca que não percebeu que o seu tempo passou e acreditou poder enganar a história e chantagear a nação.
A política nos coloca diante de duas possibilidades: Ser Mandela ou ser Sarney. Mandela fez o que precisava fazer pela sua pátria – e não cobra qualquer tipo de compensação ou reconhecimento por isso. Sarney usou o Maranhão, o Amapá e o Brasil para alicerçar sua questionável carreira política, voltada para si mesmo e para os interesses de sua família. Não correu riscos, não foi preso, não sonhou e nem agiu para mudar verdadeiramente o país. Diferente de Mandela, esteve ao lado da opressão, foi cúmplice das prisões e mortes dos que lutaram pela liberdade nos anos difíceis da ditadura. Nunca teve um projeto para o Brasil. Sua ação política foi sempre pessoal. Nunca teve um lado, mas sempre esteve ao lado de quem estava no poder. Fica claro, portanto, que é fácil ser Sarney, ainda mais num país como Brasil. O pior de tudo é que os homens públicos que poderiam personificar, neste momento, o exemplo de Mandela estão do lado errado e muitos até mudaram de posição.