Amigos do Fingidor

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Meu Pai
Inácio Oliveira


Pela encosta vi descer um homem que parecia ser o meu pai. Deu vontade de acreditar que era ele, mas eu bem sei que ele não vai mais voltar. No início a gente sente falta, mas depois acostuma, eu pensei. A gente se acostuma a muitas coisas, a gente se acostuma a tudo, posso dizer. Mas acostumar-se à ausência de meu pai foi algo que eu achei que jamais fosse conseguir.

Eu ainda lembro mais ou menos dele: seus ombros largos, seu andar levemente inclinado para frente, seu jeito de quem está sempre voltando de algum lugar muito distante; mas o rosto de meu pai está se desfazendo na minha memória. Lembro de quando ele voltava da cidade: eu desço da carroça e saio correndo para abraçá-lo, ele me pega no colo, então quando eu vou olhar para ele, há uma nuvem em seu rosto e eu mal posso adivinhar suas feições. Às vezes sinto-me culpado por não lembrar direito do rosto dele.

Não sei ao certo por que ele se foi, talvez nunca saiba. Naquele dia quando eu acordei, minha mãe parecia estar muito ocupada e com muita pressa. Decidiu fingir que meu pai nunca existira, e quando eu perguntei por ele ela se irritou. Eu saí para o campo, o dia, tímido, amanhecia. Achei que meu pai talvez tivesse ido caçar. Lembro que meu pai caçava. Fiquei na porteira esperando por ele, pensei que fosse só demora aquela espera.

Já à tardezinha, quando voltei para casa, as lágrimas inundavam-me os olhos. Eu exigia o meu pai. Reclamava por uma resposta. Queria saber onde ele estava. Ah! Como eu queria o meu pai! Minha mãe disse que estava ficando louco, que eu nunca tivera um pai.

Como, eu nunca tivera um pai? Tentei convencê-la de todas as formas que ainda ontem ele estivera ali conosco. Voltou do curral todo enlameado, cheirando a boi, tomou banho no igarapé, jantou ao nosso lado e deitou-se com ela. Minha mãe fez a cara de quem estava ouvindo a coisa mais estúpida do mundo. Lembra, mãe! Lembra do dia em que ele capou os porcos? Do dia em que ele consertou o telhado? Hein?! Mãe! A senhora precisa lembrar. Por favor, lembra, mãe!... Minha mãe disse que eu me calasse, que eu estava doente e olhou para mim de uma forma que eu nunca havia sentido antes, de uma forma que me deu medo e tristeza.

Daquele dia em diante nunca mais falamos de meu pai, mas para sempre em mim ficou a sensação de que algo estava faltando. Por exemplo, à hora da mesa, era meio-dia e minha mãe estava calada, eu olhava para o lado e sabia que ali devia estar o meu pai. Quando o sol se punha eu sentia uma espécie de saudade de vê-lo ao longe voltando, a sombra de um homem a cavalo. Hoje apenas seu cavalo volta, sozinho.

Um dia pensei dizer em voz alta o nome de meu pai para que, talvez, minha mãe lembrasse dele, mas percebi que eu já não sabia mais qual era o nome de meu pai. Meu deus! Qual era mesmo o nome de meu pai? Como eu poderia haver esquecido o nome de meu pai?

Durante muito tempo procurei pela casa vestígios que denunciassem que meu pai um dia existira ali, mas nada... Não encontrei nada. Nenhuma roupa usada, nenhum sapato velho, sequer uma escova de dentes, nem ao menos uma fotografia. Isso me perturbava, meu pai estava deixando de existir, pois eu lembrava cada vez menos de seus modos. Morrer então devia ser isso, quando o último esquece.

Minha mãe nunca pareceu notar a ausência de meu pai. Quem sabe ela esteja mesmo certa. Talvez meu pai seja apenas um sonho mesmo que eu sonhei naquela noite, e pela manhã quando eu acordei, pelo resto da vida, hei de sentir-me roubado por haver deixado de sonhar com ele. Eu já tentei, mas nunca consigo sonhar com ele.