Meu cavalo chegou
Rogel Samuel*
A mais recente edição de Pássaro de Cinza, onde foi publicado o poema.
Leio o belo soneto de Farias de Carvalho (1930-1997), o poeta amazonense, o poeta maior, tão bom quanto os maiores. Leio nO Fingidor o soneto. Farias meu professor de literatura no colégio. Farias, genial poeta:
Meu cavalo chegou
Farias de Carvalho (1930-1997)
Meu cavalo chegou (memória e nuvem),
a aurora derramada sobre a crina.
Meu cavalo chegou. Fome de tudo
estou também: engoliremos mundos.
Meu cavalo chegou. E, pressentidos,
os caminhos me espiam de suas rédeas.
Meu cavalo chegou. Há quanto tempo
gasto-me em pés e olhos nesta espera...
Meu cavalo chegou. Eu despertava
quando o vento falou-me de seus cascos
e a poeira garantiu-me sua presença.
Meu cavalo chegou. Cumprir-me-ei.
Tanta gente cansada nessas cruzes...
Meu cavalo chegou. Mortos, montai!...
Leio o belo soneto e mergulho na sua simbologia, na sua mitologia. Cavalo, signo quente, masculino, sexual. Memória e nuvem, desejos na aurora, sobre a crina. Desejo, fome de tudo, engoliremos mundos. Pressentimentos dos caminhos, de suas rédeas de virtude e de vício, de seus cascos, da poeira, da presença. Meu cavalo chegou para acordar os mortos, tema sempre constante em Farias d'Ouro de Carvalho, tanta gente morta, tanta gente cansada nessas cruzes. O ponto é aqui. A vida contra a morte. O cavalo contra a poeira esquecida do caminho...
(*)Publicado originalmente no blog de Rogel Samuel.