Amigos do Fingidor

quinta-feira, 3 de junho de 2021

A poesia é necessária?

 

O jardim da minha mãe

Almir Diniz (1929-2021)

 

Hoje, voltei ao jardim,

ao que restou do jardim

que fora teu santuário.

Olha: foram dolorosas

as recordações das rosas,

que as tinhas sempre formosas

em tão belo relicário.

 

Mãe: senti no coração

tanta dor, tal comoção

e tão imenso desgosto

que, cheio de pasmo e espanto,

refugiei-me num canto

pensando esconder o pranto

que escorria do meu rosto.

 

Nem um só cravo ou begônia,

um simples cróton – vergonha! –,

angélica, ou bem-me-quer,

nem uma simples verbena,

mesmo uma rosa pequena,

um lírio ou uma açucena,

nem uma dália sequer.

 

E os crisântemos doirados,

os bogaris perfumados,

girassol e margarida,

as papoilas, laranjinha,

os jasmins que tantos tinha,

nove-horas, a flor rainha...

morreram, por ti, querida.

 

A bela-da-noite, a zina,

cana-da-índia, a cravina,

igualmente – que maldade! –

Sabe, Lídia, eu tenho medo,

vou revelar-te um segredo:

cuidar dele? – sou um aedo,

só sei cuidar de saudade...

 

Refazer o teu jardim?

Não posso, Mãe, – ai de mim! –

Como iria, enfim, fazê-lo?

Sem teu olhar maternal

sem tuas mãos sem igual,

como fazer, afinal?

Não posso – falta o teu zelo.

 

Mas, sabe o que vou fazer?

Já que não posso esquecer

teu sonho que vive em mim?

Em volta do teu solar

vou refazer o pomar,

onde sempre ias orar

após saudar tem jardim.

 

E quando o tempo chegar

do cacau, caju, da ingá,

da graviola e mamão...

em vez de rosas, querida,

terás a mesa sortida

de tantas frutas, de vida:

ao centro teu coração!

 

Cambixe, AM, 11/6/2004.