Zemaria
Pinto
Aos 89 anos e após 16 livros de poesia em apenas 16 anos, Almir Diniz continua a nos surpreender. Neste novo livro, O jardim da minha mãe, temos poemas que vão desde a adolescência, datados que são da década de 1940, até poemas da plena maturidade, como aqueles produzidos nos dois ou três últimos anos. A datação, aliás, nos permite acompanhar a trajetória de Almir Diniz – essencialmente lírica, tendo por substância o homem, a água e a terra amazônicos –, observando o seu modus operandi: poesia construída sobre imagens, plena de cores, fazendo justiça à exuberância natural de onde ela emana – a floresta amazônica.
Vitrais – aquáticos, terrenos, mágicos – são
a metáfora perfeita para designar essa poesia que se consubstancia na paisagem amazônica,
sem perder a literariedade, pois Almir Diniz é também um artífice da palavra,
buscando sempre o encanto das organizações simétricas na construção das
estrofes, onde a melodia flui nas assonâncias e aliterações, sempre amparadas
por rimas, internas e externas, que fazem vibrar as notas de cada canção, em
serenos metros decassílabos ou em vivas redondilhas, como neste Paisagem aquática, poema da maturidade,
onde o fazer poético tangencia o banal cotidiano do caboclo em sinestesias
raras:
Imaginei-me poeta
quando me vi remar sonhos
na igarité das ideias
singrando o líquido dorso
dos lagos de minha infância:
– o do Rei e o Marajá –
bordados de canarana
e lendas de cobra-grande
e ilhas de matupá
de bubuia contra o vento
nas asas do meu momento.
(...)
Imaginei-me um esteta,
pintor nativo, um aedo,
quando vinha a primavera,
ouvindo do passaredo
suaves canções nativas
de japiins, sabiás,
canários e curiós,
rouxinóis, uirapurus
saudando manhãs de luz,
a alma de sons vestida,
os olhos tecendo a vida.
A par do elemento sensual – a cabocla
canoeira “quando rema faz afago” –, tão presente em outros livros de Almir
Diniz, prevalece, neste, o elemento mítico, quando a sabedoria ancestral paira
sobre qualquer conhecimento científico. Como um velho pajé, Diniz pontifica,
pessoanamente: “É preciso ler no mito / o que ele tem de infinito”. Se o mito é
“o nada que é tudo”, há de o ser!
O
jardim da minha mãe, terra de delicadezas e ressonâncias
míticas, é obra de poeta maduro, que conhece os caminhos e seus percalços, mas
sabe como chegar ao destino, com segurança. Sonora e cromática, a poesia de
Almir Diniz se assemelha ao movimento da piracema, quando os peixes nadam no
sentido inverso da corrente, buscando a reprodução e a desova, como se não
existissem a não ser para retornar. O brilho deles contra a luz do sol lembra
efeitos arquitetônicos que se esvaem no ar, mas o poeta os percebe na
fugacidade do instante:
Os frisos da piracema
de tão belos se assemelham
a ondas de luz de um poema.
A poesia de Almir Diniz é assim: está
sempre voltando a si mesma, como os peixes na piracema – para se multiplicar,
até o infinito.
(Apresentação do livro O jardim da minha mãe, de Almir Diniz – Manaus: Reggo/AAL, 2018)