Amigos do Fingidor

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Almir Diniz, pintor da natureza amazônica


Zemaria Pinto

 

Aos 89 anos e após 16 livros de poesia em apenas 16 anos, Almir Diniz continua a nos surpreender. Neste novo livro, O jardim da minha mãe, temos poemas que vão desde a adolescência, datados que são da década de 1940, até poemas da plena maturidade, como aqueles produzidos nos dois ou três últimos anos. A datação, aliás, nos permite acompanhar a trajetória de Almir Diniz – essencialmente lírica, tendo por substância o homem, a água e a terra amazônicos –, observando o seu modus operandi: poesia construída sobre imagens, plena de cores, fazendo justiça à exuberância natural de onde ela emana – a floresta amazônica.


Vitrais – aquáticos, terrenos, mágicos – são a metáfora perfeita para designar essa poesia que se consubstancia na paisagem amazônica, sem perder a literariedade, pois Almir Diniz é também um artífice da palavra, buscando sempre o encanto das organizações simétricas na construção das estrofes, onde a melodia flui nas assonâncias e aliterações, sempre amparadas por rimas, internas e externas, que fazem vibrar as notas de cada canção, em serenos metros decassílabos ou em vivas redondilhas, como neste Paisagem aquática, poema da maturidade, onde o fazer poético tangencia o banal cotidiano do caboclo em sinestesias raras:

 

Imaginei-me poeta

quando me vi remar sonhos

na igarité das ideias

singrando o líquido dorso

dos lagos de minha infância:

– o do Rei e o Marajá –

bordados de canarana

e lendas de cobra-grande

e ilhas de matupá

de bubuia contra o vento

nas asas do meu momento.

(...)

Imaginei-me um esteta,

pintor nativo, um aedo,

quando vinha a primavera,

ouvindo do passaredo

suaves canções nativas

de japiins, sabiás,

canários e curiós,

rouxinóis, uirapurus

saudando manhãs de luz,

a alma de sons vestida,

os olhos tecendo a vida.

 

A par do elemento sensual – a cabocla canoeira “quando rema faz afago” –, tão presente em outros livros de Almir Diniz, prevalece, neste, o elemento mítico, quando a sabedoria ancestral paira sobre qualquer conhecimento científico. Como um velho pajé, Diniz pontifica, pessoanamente: “É preciso ler no mito / o que ele tem de infinito”. Se o mito é “o nada que é tudo”, há de o ser!

O jardim da minha mãe, terra de delicadezas e ressonâncias míticas, é obra de poeta maduro, que conhece os caminhos e seus percalços, mas sabe como chegar ao destino, com segurança. Sonora e cromática, a poesia de Almir Diniz se assemelha ao movimento da piracema, quando os peixes nadam no sentido inverso da corrente, buscando a reprodução e a desova, como se não existissem a não ser para retornar. O brilho deles contra a luz do sol lembra efeitos arquitetônicos que se esvaem no ar, mas o poeta os percebe na fugacidade do instante:  

 

Os frisos da piracema

de tão belos se assemelham

a ondas de luz de um poema.

 

A poesia de Almir Diniz é assim: está sempre voltando a si mesma, como os peixes na piracema – para se multiplicar, até o infinito.

 

(Apresentação do livro O jardim da minha mãe, de Almir Diniz – Manaus: Reggo/AAL, 2018)