L. Ruas
A peste
grassara na cidade. Era uma pequena cidade de mais de oito mil habitantes, no
máximo.
Em
primeiro lugar foram tomadas todas as medidas profiláticas. A cidade foi
isolada e ninguém podia sair nem entrar a não ser os organismos oficiais
encarregados do abastecimento e da assistência médico-hospitalar.
Sem
qualquer outro informe mais preciso, cumpre dizer que a peste se caracterizava
por uma inflamação cerebral, que provocava nos doentes uma série de
alucinações, tendo como consequência final e orgânica um debilitamento que
levava fatalmente à morte. O mais interessante é que nas primeiras semanas os
vitimados não apresentavam qualquer anormalidade, daí o primeiro caso ter sido
aceito por muitos como coisa verdadeira. Tratava-se de um cidadão que se dizia
uma espécie de salvador da pátria, esta espécie, que, aliás, é muito difundida.
Devemos
acrescentar, também, que todos os habitantes daquela cidade estavam
irremediavelmente condenados e, mais cedo ou mais tarde, todos contrairiam o
vírus, embora, segundo os médicos, não se pudesse calcular quando isso poderia
suceder. O contágio em muitos casos se dava lentamente.
Diante
desse estado de coisas as autoridades oficiais decidiram exterminar aquela
cidade. Segundo os moralistas oficiais isto seria permitido em razão do bem comum,
pois o vírus poderia ser transmitido a outras cidades vizinhas. E o mal
terminaria invadindo toda a nação. Discussão pra lá, discussão pra cá, o
Departamento de Defesa apresentou uma sugestão que foi por todos aceita. O
Departamento se encontrava em fase de experiências com um novo tipo de bomba e
segundo os técnicos faltaria um último teste, a saber, a respeito do raio de
ação. O Departamento de Saúde por sua vez chegou à conclusão de que as
irradiações provocadas pela explosão poderiam, talvez, purificar a atmosfera e
assim debelar a peste para sempre.
E assim
as circunvizinhanças da cidade foram escolhidas para servir de área de
experiência do Departamento de Saúde.
O plano
de experiência estava dividido em duas etapas. O primeiro consistia numa preparação
psicológica do povo, para impedir qualquer movimento de pânico. E a segunda
consistiria na execução técnica ou propriamente na explosão.
Imediatamente
começou a realização da primeira etapa. Os dois jornais da cidade e a estação
difusora iniciaram uma campanha de esclarecimento público. O povo não deveria
dar atenção àqueles que desejavam espalhar o pânico. A situação era normal.
Tudo estava em ordem e não se apresentava qualquer ameaça à segurança do povo.
Tratava-se, apenas, de uma experiência científica que traria benefícios enormes
à nação. O povo deveria, pelo bem da pátria suportar, com paciência patriótica
alguns sacrifícios que seriam exigidos para o bom êxito da experiência. Não é
necessário dizer que muitos não acreditaram na campanha psicológica, mas, a bem
da verdade, é preciso dizer que a maioria dos habitantes a aceitaram com
tranquilidade. Não mudaram seus hábitos. Todos continuaram a ir ao barbeiro,
tomar sua cervejinha, bater um papo na esquina ou sentados em suas cadeiras de
embalo, à noite, nas calçadas. Havia, também, os conformados. “Que adianta,
diziam, que adianta perder cabeça se ninguém sabe o dia da explosão?”
E
ninguém sabia mesmo. O dia da explosão foi guardado dentro do máximo segredo.
Mas a
bomba explodiu, um dia. E da cidadezinha resta, apenas, esta notícia
insignificante que trago, hoje, aos meus possíveis e reduzidos leitores.
(A Gazeta, 2 setembro 1963)
Pesquisa: Roberto Mendonça