Amigos do Fingidor

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sob a concha da panacarica – estudo 8/8


 


Zemaria Pinto

 

Um mundo masculino

 

Os personagens masculinos aparecem, quase sempre – sedutores, seduzidos ou traídos –, como criaturas ativas, condutoras das ações desenvolvidas nos contos. Têm o poder da iniciativa, sempre recusando a passividade.

Assim, embora Rosinha seja seduzida por Roberto, no conto que dá título ao livro, é o marido traído, Maurício, que sai vitorioso, pois mata o amante e nem a esposa, nem ninguém, descobre o crime.

Em A última pesca, Regina e o amante são mortos pelo marido traído, Eugênio, que, na sequência, mergulha para a morte, finalizando a história.

Zeca, de O delito da bondade, sofre com as ações dos filhos: é “depenado”,  abandonado em um asilo. Mesmo assim, pede abrigo com o comprador de sua fazenda e, dignamente, espera pelo voo da morte.

Corina, de Ingenuidade, trai o marido, mas é Bruno o responsável pelo abandono, pelo sofrimento, pela  espera interminável, que é a essência da narrativa.

Em O boto, Manduca, o ingênuo marido de Chica, traído pelo melhor amigo (que se esconde na lendária figura do boto), sai de cena com a dignidade inabalada, abandonando o lar  maculado.

Marcos, de O sonho de Ana Maria, é o príncipe encantado que resgata a jovem do tédio em que vivia.

Marcolino, de Nas asas do folclore, é o observador dos outros personagens, vê tudo de longe, sem ser percebido. E, embora subjugado pelo valentão Edson, delicia-se por saber a verdade sobre o filho que este pensa ser seu.

O velho castanheiro, de Quando as árvores falavam, embora não tenha sido o autor da iniciação da jovem castanheira, é o responsável por sua fecundação, caracterizando sua vingança.

Paramos a enumeração por aqui, embora pudéssemos relacionar outros personagens masculinos. De resto, as mulheres aparecem quase sempre como sonhadoras, ingênuas; por vezes,  levianas, inconsequentes e sedutoras; umas tolas, enfim.                                          

 

O universo sob a concha

 

A linguagem é a essência do literário: importa menos o que se diz do que como se diz. Em Sob a concha da panacarica temos dezenove narrativas, que podem ser lidas como casos, pequenas histórias, algumas até de fundo moralizante – como A feia, O delito da bondade, Ingenuidade e “Lua Nova”. O leitor mais exigente talvez não fique plenamente satisfeito após a leitura. Entretanto, é preciso desarmar o espírito para compreender a verdadeira utilidade deste trabalho, pois, se não há pretensões inventivas, sobra a simplicidade do contar.

Assim, os personagens, o ambiente, as ações narradas nos contos de Sob a concha da panacarica parecem muito próximos de nós, vizinhos dos mesmos rios, das mesmas matas, das mesmas cidades imaginárias. Também o universo entediado das mocinhas do interior, ou o instinto que destrói os comportados lares, tudo parece estar ao lado, como se estivéssemos, todos, dentro de uma pequena canoa, sob a mesma concha.

A leitura de Sob a concha da panacarica, de um escritor em que o poeta e o prosador se complementam, permite-nos um exercício literário proveitoso, ao demonstrar as influências recebidas da realidade e, ao mesmo tempo, devolvê-las ao leitor... Experimente a “brincadeira”, lendo o livro integralmente.