Zemaria Pinto
Um mundo
masculino
Os personagens masculinos aparecem, quase
sempre – sedutores, seduzidos ou traídos –, como criaturas ativas, condutoras
das ações desenvolvidas nos contos. Têm o poder da iniciativa, sempre recusando
a passividade.
Assim, embora Rosinha seja seduzida por
Roberto, no conto que dá título ao livro, é o marido traído, Maurício, que sai
vitorioso, pois mata o amante e nem a esposa, nem ninguém, descobre o crime.
Em A última pesca, Regina e o amante são mortos pelo
marido traído, Eugênio, que, na sequência, mergulha para a morte, finalizando a
história.
Zeca, de O delito da bondade, sofre com as ações dos filhos: é
“depenado”, abandonado em um asilo.
Mesmo assim, pede abrigo com o comprador de sua fazenda e, dignamente, espera
pelo voo da morte.
Corina, de Ingenuidade, trai o marido, mas é Bruno o
responsável pelo abandono, pelo sofrimento, pela espera interminável, que é a essência da
narrativa.
Em O boto, Manduca, o ingênuo marido de Chica,
traído pelo melhor amigo (que se esconde na lendária figura do boto), sai de
cena com a dignidade inabalada, abandonando o lar maculado.
Marcos, de O sonho de Ana Maria, é o príncipe encantado que resgata
a jovem do tédio em que vivia.
Marcolino, de Nas asas do folclore, é o
observador dos outros personagens, vê tudo de longe, sem ser percebido. E,
embora subjugado pelo valentão Edson, delicia-se por saber a verdade sobre o
filho que este pensa ser seu.
O velho castanheiro, de Quando as árvores falavam, embora não
tenha sido o autor da iniciação da jovem castanheira, é o responsável por sua
fecundação, caracterizando sua vingança.
Paramos a enumeração por aqui, embora
pudéssemos relacionar outros personagens masculinos. De resto, as mulheres
aparecem quase sempre como sonhadoras, ingênuas; por vezes, levianas, inconsequentes e sedutoras; umas
tolas, enfim.
O universo
sob a concha
A linguagem é a essência do literário:
importa menos o que se diz do que como se diz. Em Sob a concha
da panacarica temos dezenove narrativas, que podem ser lidas como
casos, pequenas histórias, algumas até de fundo moralizante – como A feia, O delito da bondade, Ingenuidade e “Lua Nova”. O leitor
mais exigente talvez não fique plenamente satisfeito após a leitura.
Entretanto, é preciso desarmar o espírito para compreender a verdadeira
utilidade deste trabalho, pois, se não há pretensões inventivas, sobra a
simplicidade do contar.
Assim, os personagens, o ambiente, as ações
narradas nos contos de Sob a concha da panacarica parecem
muito próximos de nós, vizinhos dos mesmos rios, das mesmas matas, das mesmas
cidades imaginárias. Também o universo entediado das mocinhas do interior, ou o
instinto que destrói os comportados lares, tudo parece estar ao lado, como se
estivéssemos, todos, dentro de uma pequena canoa, sob a mesma concha.
A leitura de Sob a concha
da panacarica, de um escritor em que o poeta e o prosador se complementam,
permite-nos um exercício literário proveitoso, ao demonstrar as influências
recebidas da realidade e, ao mesmo tempo, devolvê-las ao leitor... Experimente
a “brincadeira”, lendo o livro integralmente.